2013/07/04
Tintim no país dos sovietes
Edward Snowden, até há pouco tempo um anónimo analista informático da Agência de Informação Americana, saltou para as primeiras páginas da imprensa internacional quando resolveu “pôr a boca no trombone” e denunciar aquilo que muita boa gente desconfiava, mas que poucos ousavam revelar. E que revelou Snowden?
Que a NSA (Agência Nacional de Segurança) controlava milhões de telefones e endereços electrónicos de cidadãos americanos e do Mundo, através de um programa (PRISM) numa clara violação da privacidade, sem que existisse qualquer autorização oficial para tal. A revelação caiu como uma bomba e pôs em causa, não só o direito inalienável à privacidade em qualquer estado de direito, como abalou a confiança dos cidadãos de todo o Mundo no governo americano e em empresas como a Google e a Microsoft, que já vieram confirmar terem cedido informações de mais de 20.000 contas dos seus clientes à NSA. Logo, não só era verdade, como é muito grave.
Snowden fez esta declaração em finais de Maio, a partir de um quarto de hotel em Hong-Kong, onde se tinha refugiado, em trânsito para um pais que lhe concedesse asilo politico. Desde então, os acontecimentos precipitaram-se e, como era previsível, os EUA lançaram a maior operação de caça ao homem desde Assange, o fundador da agência de informação WikiLeaks, igualmente acusado da divulgação de documentos classificados e que, por essa razão, se encontra refugiado há mais de um ano numa embaixada em Londres.
O que se tem passado nestas últimas semanas, relativamente a Snowden e ao seu paradeiro, é conhecido e tem sido abertura diária nos telejornais, sempre mais interessados na “fuga” do espião, do que na notícia que este revelou e que nos devia preocupar a todos. Mais: já em Moscovo, onde se encontra algures na zona do aeroporto para passageiros em trânsito, aguardando a concessão de um eventual asilo politico, Snowden continua a revelar segredos escaldantes, entre os quais a escuta em embaixadas de países aliados dos EUA, como a França, a Itália ou a Alemanha.
É aqui que Putin, nitidamente incomodado com a presença do americano no seu pais, decide jogar a sua cartada: oferecer asilo politico a Snowden (provocando dessa forma o governo dos EUA), com a condição deste se calar (para não ferir as relações bilaterais que lhe interessa manter). Uma jogada inteligente, que Snowden recusa, forçando o seu papel de mártir, agora cada vez mais isolado.
Nesta história, digna de Le Carré, não podia faltar o elemento de “suspense”, bem representado no caricato episódio do avião presidencial de Morales, retido em Viena sob o pretenso argumento de falta de condições técnicas para sobrevoar o espaço aéreo europeu. Diligente como sempre, o demissionário ministro Portas não resistiu a prestar vassalagem ao “amigo americano” e deu, provavelmente, a sua última ordem como MNE, proibindo a aterragem do avião boliviano em Lisboa. Como era previsível, Snowden não se encontrava a bordo do jacto de Morales. Onde está o americano?
Enquanto esperamos pelos próximos capítulos desta história inacreditável, lemos algures que uma famosa ex-espia russa teria oferecido casamento a Snowden, como forma de legalizá-lo no pais. Esta é, verdadeiramente, digna de Hergé.
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