2013/09/30

Mesmo em crise, Amsterdão é uma festa (conclusão)

Como é da tradição, na terceira terça-feira de Setembro, o rei profere o “Troonrede” (Discurso do Trono) que, formalmente inaugura o ano parlamentar. Nesse dia, igualmente conhecido por “Prinsjesdag” (O Dia do Princípe), o monarca dirige-se aos cidadãos para comunicar-lhes a agenda do governo para o próximo ano. Numa monarquia constitucional, como a holandesa, o discurso é previamente preparado pelo gabinete de ministros, limitando-se o rei a enunciar as grandes linhas da politica a seguir.
Como sempre, a Holanda parou para escutar o monarca, Willem-Alexander, que sucedeu à rainha Beatriz no passado mês de Abril. Um discurso há muito aguardado, dada a estreia do rei nestas andanças e às medidas de austeridade previsíveis no orçamento deste ano. E que disse o rei de novo?
Que a Holanda era um pais bem organizado, rico em talento e habituado a desafios, mas que, de há cinco anos a esta parte, enfrentava uma crise económica. Que as consequências desta crise são cada vez mais sentidas: o desemprego a crescer, o número de falências a aumentar, as casas a valer cada vez menos, as reformas congeladas e o poder de compra estagnado. Ainda que comecem a surgir tímidos sinais de recuperação,
a economia vê-se confrontada com problemas estruturais, nomeadamente as dívidas do estado, das famílias e a saúde orçamental dos bancos. Devido a causas sociais, como o envelhecimento da população e a internacionalização dos mercados, o mercado de trabalho holandês e a rede de apoios sociais deixaram de responder às exigências deste tempo. Se querem defender a tradicional sociedade de solidariedade em que vivem, os holandeses têm de adaptar-se à nova situação. Até aqui, o diagnóstico do rei.
Depois, o monarca continuou: O actual “verzorgingsstaat” (estado de protecção) deve mudar gradualmente para uma “participerende samenleving” (comunidade participativa). Ou seja, os cidadãos devem tomar o destino nas próprias mãos, mostrando mais iniciativa. Os próximos anos serão de grandes reformas e muitas leis parlamentares, foi avisando o monarca. E porquê?
Desde logo, porque o nível da dívida pública deve ser controlado (os holandeses pagam actualmente, 11 mil milhões de euros de juros/ano, pela sua dívida) e o estado tem de intervir. Sem intervenção, este “déficit” aumentará exponencialmente, o que exige medidas drásticas: para começar, já este ano, um corte de 6 mil milhões de euros. Onde?
Ora bem: a partir de 2014, o governo deixará de compensar a perda salarial sofrida com a inflação. Na assistência à saúde, uma parte passará a ser ministrada pelos médicos de família, assim como aumentará a exigência e controlo sobre os seguros de cuidados paliativos. Será criado um apoio social único, em vez dos existentes (desemprego, invalidez, viuvez, etc.), que diminuirá à medida que o rendimento familiar aumente. As pessoas que o desejem, podem investir o dinheiro que recebem desse fundo numa empresa pessoal, a troco de uma taxa de impostos mais baixa. Os apoios à juventude passam a ser da responsabilidade dos municípios. Os apoios de longa duração têm de ser mudados, pois as despesas dispararam nos últimos anos e já custam €2200/ano a cada holandês. Serão as Câmaras a determinar qual o tipo e por quanto tempo essa ajuda será dada. O apoio médico ficará sob a alçada da Segurança Social regular. As Câmaras passarão a ajudar os agentes sociais a conseguir trabalho para os desempregados de longa duração. O subsídio de desemprego, assim como a lei do despedimento, vão ser “modernizados”, diminuindo o tempo máximo de subsídio para 24 meses.
Deixará de haver apoios para minorias específicas, nomeadamente no sector do ensino extra-curricular, como é o caso das escolas do Islão.
A nível internacional, a Holanda apoiará a criação de uma União Bancária Europeia (UBE) e será anfitriã da próxima cimeira da Segurança Nuclear contra o Terrorismo, marcada para 2014 em Haia.
Para concluir e ainda nas palavras do rei: A transição para uma “comunidade participativa” será mais visível na segurança social e no apoio a longo prazo. O modelo clássico do “verzorgingsstaat” (estado de protecção) da segunda metade do XX, criou regras que estão desadequadas aos tempos actuais. Nos tempos que correm, as pessoas querem ser mais participativas e ter mais iniciativa na resolução dos seus próprios problemas.
Perante tal semântica, que mais acrescentar? O Estado Social holandês pode ainda não ter terminado, como se apressaram a escrever alguns dos comentadores da nossa praça, mas caminha para lá a passos largos. Curiosamente, ou talvez não, no dia seguinte a este discurso, foram reveladas as intenções de voto dos holandeses. Sem surpresa, os partidos da actual coligação governamental, o VVD (liberais de direita) e o PVDA (trabalhistas), caiam a pique nas sondagens. O partido mais votado seria, agora, o PVV (extrema-direita populista) que é pela proibição do Islão e pela defesa das pensões dos reformados.

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