2019/07/31

Criadores e Criaturas

Maus de Art Spiegelman
Que o Mundo pode ser um lugar perigoso, já sabíamos há muito tempo.
Provavelmente, desde que o homem é "sapiens" e iniciou a luta pelo seu território.
Com altos e baixos, a História foi-se fazendo, sempre de maneira diferente, mas nem por isso menos surpreendente, uma vez que a História (em princípio) não se repete. Ou melhor, como dizia o filósofo, repete-se, primeiro como tragédia, depois como farsa.
Tudo isto, a propósito da recente "onda" de ditadorzecos, uns exercendo o poder de facto e outros aspirando a tal, que têm surgido um pouco por todo o lado. O processo vem de trás, mas o "Brexit", a eleição de Trump e a ascensão dos populismos na Europa, são sinais inequívocos desta tendência regressiva. Juntem-se, a estes exemplos, a China de Xi Jinping, onde o poder é exercido com mão de ferro; a autocracia mal disfarçada de Putin; a democracia musculada de Erdogan; a demência de Duterte; ou o regime proto-fascista de Bolsonaro, para termos uma ideia do que pensam e fazem tais persongens.
Ainda que tenham características comuns, a verdade é que o poder de uns (Trump, Xi, Putin...) é incomensuravelmente maior do que outros, os quais representam um perigo regional, que não deve ser subestimado. Estão neste caso, Erdogan, Duterte, Maduro ou Bolsonaro.  
Como chegámos aqui?, é uma pergunta recorrente, feita pelos mais diversos analistas. As causas são várias, pois nem todos os países foram confrontados com o mesmo tipo de problemas que poderão estar na origem de tal fenómeno: dos efeitos da recente crise económico-financeira, ao terrorismo internacional, passando pela crise dos refugiados e emigrantes (ligada à islamofobia e ao racismo crescente), são múltiplas as explicações para o recrudescimento do autoritarismo, da xenofobia e da "supremacia branca", que existe em todos os regimes populistas mencionados.
Em artigo recente, Nuno Severiano Teixeira ensaia uma explicação para o ataque a que as democracias estão, actualmente, sujeitas: "Mas, sejam quais forem as razões, uma coisa é certa: a liberdade e a democracia estão sob assalto e globalmente em retrocesso. Mais: se olharmos para esse retrocesso, uma coisa parece evidente: a queda das democracias já não é o que era. Dantes, caíam de um só golpe, súbita e estrondosamente, à força de armas. Era o tempo dos golpes de Estado. Hoje, caem lenta e silenciosamente. Na verdade, não caem, vão caindo, à medida que os incumbentes usam os mecanismos democráticos para subverter a própria democracia - isto é, as democracias já não caem pelo método violento do derrube, mas sim pelo método incremental da erosão" (in "Público", d.d. 31.7.19).
Se dúvidas houvesse, bastava olhar para o que se passa nos Estados Unidos - portanto, uma democracia consolidada - onde o populista Trump faz diariamente discursos racistas e apelos à expulsão de congressistas de origem estrangeira (ele, cuja família é de origem escocesa!) entre ataques descabelados ao reverendo Al Shappton, por este ousar criticá-lo; ou, mais a Sul, o que se passa no Brasil - uma democracia desde 1985 - onde o mentecapo Bolsonaro protege garimpeiros que querem destruir o Amazonas e as comunidades índigenas, enquanto continua a negar a existência da ditadura militar, que governou o país durante 21 anos!
Porque as democracias não são todas iguais, diria que Trump (sendo mais perigoso) é mais controlável, devido ao sistema de "checks and balances" existente na democracia americana; Já Bolsonaro (um ex-militar ignaro e fascistóide) é suportado por uma bancada de evangélicos, ruralistas e militares, que detém a maioria num congresso, onde as leis são aprovadas através da compra de votos.  
Uma coisa é certa: todos estes personagens - criadores e criaturas - sairão de cena, mais cedo ou mais tarde. Quanto mais não seja, pela inevitabilidade da morte. Também, porque, aos períodos de autoritarismo, sempre sucedem períodos de democracia. Ninguém, em consciência (a menos que seja masoquista) deseja viver em ditadura. O apelo da liberdade, será sempre mais forte.  

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