2019/07/28

A "Época dos Fogos"


Como é da "tradição", voltaram os fogos de Verão. O fenómeno é de tal ordem, que alguém o baptizou de "época de fogos". Se já tínhamos a "quadra natalícia" e a "época balnear", porque não a "época dos fogos"? Desta forma, podemos sempre criar mais um "ritual de passagem" e anunciar lá fora: "Venha a Portugal no Verão: sol, praia e fogos, garantidos!". 
Os números não mentem. De acordo com o relatório "O Mediterrâneo Arde", apresentado este mês pela World Wildlife Fund" (WWF), as perspectivas para os países do Mediterrâneo Norte (Portugal incluído), são preocupantes. Já em finais de 2018, outro estudo, liderado por Marco Turco (universidade de Barcelona), apresentava projecções catastróficas: no melhor cenário, aquele em que a temperatura média do planeta aumentará 1,5ºC (limite estabelecido pelo Acordo de Paris sobre alterações climáticas) , o Mediterrâneo verá a sua área ardida aumentar em 40% até ao fim do século, sendo a Península Ibérica uma das zonas mais penalizadas. Caso o aquecimento chegue aos 3ºC, a destruição poderá atingir os 100%.
O relatório do WWF,  que incide sobre Portugal, Espanha, França, Itália, Grécia e Turquia, alerta ainda para o facto de termos entrado numa época de megaincêndios (de sexta geração), imprevisíveis, violentos, incontroláveis e letais. Fazem parte desta categoria, os grandes fogos de 2017 (Pedrogão e 15 de Outubro) e 2018 (Grécia). Este ano, devido às irregularidades climatéricas e um Verão relativamente fraco, os grandes fogos começaram mais tarde. No entanto, bastaram dois dias de incêndios violentos (Vila de Rei e Mação), para que os números disparassem. Num só fim-de-semana, arderam 8000 ha, metade da área ardida em todo o ano! Se esta é a realidade de Julho, o que podemos esperar dos dois meses que faltam, para terminar a "época dos fogos"?...
É verdade que não houve vítimas, como há dois anos (112 mortos), o que mostra algum avanço na forma de combater o fogo. A estratégia passou a ser "salvar vidas", em detrimento de casas e bens. Mas, conforme todos os especialistas apontam, muito há ainda por fazer nesta área, a começar pela prevenção, que leva tempo a implementar e sem a qual o combate ao fogo será sempre inglório.
O diagnóstico está feito e passa por acções conjuntas, a começar pelo ordenamento do território e respectivo cadastro, sem o qual é impossível gerir a floresta existente nos terrenos privados (90% do território). Estes, encontram-se ao abandono, seja por falta de meios humanos, seja por falta de meios materiais.
Há duas variáveis que Portugal (os respectivos governos) dificilmente poderão controlar: o aquecimento global e a desertificação do interior. Relativamente ao primeiro "item", só através de acções conjuntas a nível internacional (o Acordo de Paris é um bom exemplo) poderão ser tomadas medidas que defendam o planeta do anunciado aquecimento. No segundo caso, os incêndios não poderão ser evitados (haverá sempre fogos, durante todo o ano), mas poderão ser minorados, desde que a prevenção tenha um papel determinante. Uma das formas, será criando incentivos que ajudem os proprietários a limpar os terrenos e a entregar a madeira e mato recolhidos, em troca de benefícios que justifiquem a recolha sistemática da carga "combustível" existente, para que, dessa forma, esta possa ser transformado em biomassa. Se não houver contrapartidas, dificilmente os donos dos terrenos, investirão numa industria, da qual não colhem proveitos. Na melhor das hipóteses, plantam árvores (eucaliptos e pinheiros) de crescimento rápido, para obter algum rendimento, uma das razões que estarão na origem de muitos dos fogos das últimas décadas. Uns por negligência, outros por interesses obscuros, já que sabemos que só uma ínfima parte dos fogos são originados por causas naturais (trovoadas, etc...).
Desde a década de sessenta do século passado, que a migração para o litoral (e para o estrangeiro) é uma constante. Mais de 75% da população portuguesa vive hoje numa faixa litoral, compreendida entre Braga e Setúbal. Reverter este processo, tornou-se utópico, admitindo que algum governo o queira tentar. Resta, pois, uma gestão equilibrada e sustentável do território, que passa por uma estratégia de longo termo, se ainda queremos salvar algo. Olhando para os gestores da coisa pública actuais, tememos o pior. Não se vislumbram grandes metas e as soluções (temporais) encontradas, acabam por ser mais do mesmo...Voltamos sempre ao princípio, ancorados numa velha certeza: o da tradição, imutável, como convém. Assim, não vamos lá...

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