2020/05/25

Dez semanas noutra cidade: Fases, Calamidades e Solidariedade Europeia


A Espanha entrou hoje, oficialmente, na fase 2 do "desconfinamiento".
À excepção das regiões de Madrid, La Mancha Y Léon e Catalunha, que permanecem na fase 1 devido ao elevado número de casos, o resto do país passará de imediato à fase seguinte.
Em termos práticos, isto quer dizer que, a partir de hoje, é permitido: reuniões de grupos até 15 pessoas; organizar visitas a residências de idosos; celebrar bodas; alojamento em hóteis e AL; frequentar lojas sem limite de superfície e centros ou parques comerciais;  sair a qualquer hora do dia, à excepção do horário reservado a maiores de 70 anos; ir à piscina ou à praia: organizar actividades turísticas e da natureza, até um máximo de 20 pessoas; ir a restaurantes ou cafés e esplanadas até a um máximo de 15 pessoas; visitar exposições, monumentos e equipamentos culturais; ir ao cinema, teatro e auditórios.
Nada mau, para quem há um mês atrás mal podia pôr um pé na rua, sem usar máscara, luvas e dentro de horários específicos. Um tormento, quiçás necessário, para o qual continua a haver muitas dúvidas, já que os resultados das diversas políticas seguidas - confinamento, semi-confinamento, "intelligent lockdown" e controlo digital - tiveram resultados diferentes. Os testes continuam a ser fundamentais para ajuizar da quantidade de infectados e fazer prevenção (sem testes não é possível saber quem está ou não infectado); da mesma forma que, a contagem de infectados e de mortes em consequência do coronavírus, continua a ser posta em dúvida, já que nem todos os países seguem as mesmas normas  (os números oscilam entre registos de mortes directamente causadas pelo vírus e registo de todas as mortes, patologias associadas, inclusive). No fim, espera-se, haverá uma avaliação da OMS, mas até lá haverá recidivas, ou não, uma vez que também neste campo não existe unanimidade. O próprio vírus, deve andar um pouco "baralhado", pois estava a contar com mais umas infecções enquanto não descobrem a vacina e corre o risco de ser "descontinuado" muito antes disso.

Até lá, a pandemia acelera em todo o Mundo, registando uma média de 100.000 contactos diários. Após a Ásia (onde tudo começou) e a Europa (onde o "pico" da crise parece ter passado) é na América do Norte (Estados Unidos) e na América do Sul (Brasil) que a pandemia atingiu os números mais altos e onde se espera o maior número de vítimas.
Por coincidência (ou talvez não) os 3 primeiros países da lista de infectados (EUA, Brasil e Russia), têm líderes populistas e autoritários, dois dos quais negam a ciência (Trump e Bolsonaro) e um (Putin) não olha a meios para atingir o poder absoluto. Neste caso, o "coronavírus" e as medidas de confinamento, são uma óptima ocasião para melhor controlar a população, a exemplo do seu homólogo Orbán, (Hungria) que aproveitou o "estado de emergência" para declarar o "estado de sítio" permanente. A dissidência paga-se caro, nos antigos países do Leste Europeu.
No Brasil, Bolsonaro um caso patológico de estudo, continua a refutar tudo e todos, numa desesperada tentativa de manter o poder que pode estar por um fio. Depois de negar os perigos de infecção e movimentar-se livremente por entre os seus apoiantes (desvalorizando dessa forma o contágio), perdeu os seus ministros de saúde, que recusaram aplicar medidas sanitárias contraproducentes e nomeou, para o mesmo ministério, um militar sem qualquer formação médica. No meio da polémica, perdeu ainda Moro (ministro da justiça) que denunciou a ingerência do presidente no seu departamento, para além de ter convocado uma manifestação (falhada) com vista a pressionar o Congresso brasileiro, o que lhe valeu um processo de "impeachment". De resto, não é o primeiro que lhe é movido o que, a acontecer, poderá provocar a sua queda.
A manter-se o aumento exponencial de infecções, provocadas pelo vírus, o Brasil corre sérios riscos de se tornar um país ingovernável a curto prazo: desde logo pela estupidez do seu presidente, um demente fascista, para quem a vida dos seus cidadãos nunca importou (sempre elogiou a ditadura e os seus torturadores); depois, pelos meios sanitários insuficientes para acudir a uma população empobrecida e desesperada em sobreviver, que pode vir a revoltar-se, se não tiver alternativas.
Temendo isso, os militares (com Mourão à cabeça) movimentam-se na retaguarda, construíndo cenários e fazendo ameaças, projectando já um futuro sem Bolsonaro. Mas, com quem? Essa é a grande questão neste país, dividido após o golpe contra Dilma, que permitiu aos fascistas chegar ao poder através de eleições.

Entretanto, na Europa, continuam as negociações para criar um fundo europeu de ajuda aos países afectados pela pandemia. Depois de um primeiro confronto no Eurogrupo, entre os defensores de "eurobonds" (Espanha, Itália, Portugal e França) e os defensores de empréstimos, através do Fundo de Estabilidade e Emergência Monetária (Holanda, Austria, Finlândia e Suécia), que opôs violentamente a Holanda e a Itália, conseguiu chegar-se a um acordo de intenções, que resultou na aprovação de um Fundo de 500.000 milhões de euros a fundo perdido (proposta da Comissão). Esta semana, a proposta foi, de novo,  alvo de discussão. Em princípio, os países pareciam estar de acordo, já que a crise actual não é uma crise económica (como a anterior), mas sanitária (que a todos afecta) e para a qual são exigidas medidas de solidariedade. Acontece que, a solidariedade europeia, já conheceu melhores dias. Os países do Norte (Holanda, Austria, Suécia e Dinamarca) só aceitam a subvenção a "fundo perdido" (uma variante da "mutualização da dívida") caso as contas dos países do Sul possam ser auditadas e controladas exteriormente...Subjacente a esta ideia, está a convicção de que a fraude é uma especificidade do Sul, como se os países do Norte fossem mais sérios. Basta lembrar a existência do "offshore" holandês, que enche os seus cofres com o dinheiro de impostos desviados do Sul, para constatar que a Holanda (e os restantes países que apoiam a sua posição), não tem qualquer moral nesta questão, pois pratica uma política de "olha para o que eu digo, mas não olhes para o que faço". Maior hipocrisia, era difícil.
Posto isto, qual a solução? 
A não ser que, mais uma vez, Merkel (e Macron) "ponha ordem" nesta inacreditável exigência por parte de países que se consideram "moralmente superiores" (como se não tivessem todos sido atingidos pelo mesmo vírus), não se vê uma saída airosa para esta crise. A menos que a Europa se divida ainda mais.  Nesse caso, terminará enquanto projecto europeu. Já faltou mais.

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