2022/09/26

Itália ou o eterno retorno do fascismo

 


Pela primeira vez, desde a 2ª guerra mundial, a Itália tem um governo de extrema-direita. 

A grande vencedora da noite, Giorgia Meloni (neta de Mussolini) tratou logo de dizer que não era fascista como o avô (estas coisas não têm de ser genéticas). De facto, o neo-fascismo, que é disso que se trata, já não necessita de "botas cardadas" para governar (até ver...). Por enquanto, só o símbolo do partido "Irmãos de Itália" é o mesmo do partido do patriarca. A continuidade, ora aí está...  

À Meloni não faltam "pomodori": tem carisma, é autoritária, fala aos gritos, é contra os burocratas de Bruxelas, quer unir a Itália e devolvê-la aos italianos, quer governar com toda a gente, não quer mais imigrantes, refugiados e minorias a viver à custa do estado, defende uma baixa geral de impostos, é contra o aborto e o casamento entre pessoas do mesmo sexo e, como não podia deixar ser, o seu lema é "Deus, Pátria e Família".

Num célebre ensaio (Como reconhecer o fascismo) Umberto Eco enumera aquelas que considera as principais características do movimento original. São catorze no total, por isso o autor adverte: 

"O termo fascismo adapta-se a tudo porque é possível eliminar de um regime fascista um ou vários aspectos e poder-se-á sempre reconhecê-lo como fascista. Retire-se ao fascismo o imperialismo, e teremos Franco e Salazar; retire-se o colonialismo e teremos o fascismo balcânico. Acrescente-se ao fascismo italiano um anti-capitalismo radical (que nunca fascinou Mussolini) e teremos Ezra Pound. Acrescente-se o culto da mitologia céltica e o misticismo do Graal (completamente estranho ao fascismo oficial) e teremos um dos mais respeitados gurus fascistas, Julius Evola. Apesar desta confusão, considero que será possível indicar uma lista de características típicas do que poderei chamar de "Ur-Fascismo" ou "fascismo eterno". Estas caracteríticas não podem ser ordenadas num único sistema: muitas contradizem-se reciprocamente, e são típicas de outras formas de despotismo ou de fanatismo. Mas basta que esteja presente uma delas para fazer coagular uma nebulosa fascista" (Eco, Umberto: "Como reconhecer o fascismo", Ed. Relógio de Água, 2017).      

Eco escreveu a partir da sua experiência na Itália de Mussolini. Nasceu em 1932, quando o regime estava no auge e, desde então, muita coisa mudou. No entanto, as suas observações sobre o tema mantém-se actuais, já que o fascismo (nas suas diversas formas) volta sempre e não é um fenómeno típico de países do Sul. 

Essa é, também, a opinião do especialista Rob Riemen, que à questão dedicou vários escritos. No seu livro "O eterno retorno do fascismo", este filósofo holandês dá como exemplo um partido do seu próprio país: 

"Nos Países Baixos, Geert Wilders e o seu Partido da Liberdade (PVV), são os protótipos do fascismo contemporâneo e, enquanto tal, não são senão as consequências políticas lógicas de uma sociedade pela qual todos somos responsáveis. O fascismo contemporâneo resulta, mais uma vez, de partidos políticos que renunciaram à sua tradição intelectual, de intelectuais que cultivaram um niilismo complacente, de universidades que já não são dignas desse nome, da ganância do mundo dos negócios, de mass media que preferem ser ventríloquos do público em vez do seu espelho crítico São estas as elites corrompidas que alimentam o vazio espiritual, contribuindo para uma nova expansão do fascismo" (Riemen, Rob: "O eterno retorno do fascismo", Ed. Bizâncio, 2012).    

Voltando às eleições italianas: não penso que a coligação de extrema-direita que ganhou as eleições (constituída pelos "Irmãos de Itália" da Meloni, pela "Liga" de Salvini e pela "Forza Italia" de Berlusconi), possa governar durante muito tempo. Os egos e as contradições internas são demasiado grandes, apesar de alguns pontos em comum. A Itália é um membro demasiado importante para a União Europeia (a 3ª maior economia, o 2º país mais industrializado e a maior dívida pública da União), pelo que não deixará de estar atenta às exigências deste governo. Tudo depende, agora, de Bruxelas. Os "partidos Meloni" só crescem onde as democracias são fracas (é do livros). Por outro lado, a Hungria de Orbán (outro neo-fascista) já foi apelidada de país não-democrático pela própria Comissão Europeia e penalizada por isso. A questão de fundo é: se a Hungria (membro de pleno direito da União Europeia) não é democrata e não respeita o estado de direito, o que está a fazer na UE? 

Quando os regimes democráticos não se respeitam, não nos devemos admirar do crescimento dos partidos que, aproveitando-se da democracia, a querem destruir por dentro. Estamos avisados.

1 comentário:

júlio disse...

"Quem o inimigo poupa, às mãoslhe morre"!