2007/11/29

Daqui não sai!

De vez em quando o país cultural e o Ministério da Cultura agitam-se. Fruto desta visão e desta estratégia espasmódica que reduz a cultura à noção de uma convulsão primária que, inadiável, tem de se soltar, de vez em quando um frémito extático percorre os corredores alcatifados da cultura portuguesa. Agora o motivo do sobressalto é o Tiepolo. O quadro fica, o quadro é património português, o quadro está pré-classificado, pré-marcado, o quadro é nosso! E do país não sai!
Na falta de uma política cultural, na falta de uma vida cultural, na falta de medidas, na ausência de ideias surgem então estes episódios, generosamente alimentados por uma dose reforçada de exposição mediática. Agora é o Tiepolo, há tempos foi a colecção Berardo e outros factos político-culturais da mais alta envergadura hão-de surgir, certamente, para inflamar a plebe e dar ao mundo ar de que Portugal pertence efectivamente à elite, a cultura mexe e os propósitos mais nobres e elevados dominam as consciências.
O Tiepolo, vê-se logo, é nosso, tal como os pastéis de bacalhau e o vinho do Porto. E o hóquei em patins! Não nos esqueçamos do hóquei em patins!! E daqui não saem!
Os artistas e os cientistas portugueses, podem ter de fugir desta pátria madrasta para poder exercer a sua actividade e sobreviver, mas o Tiepolo, esse fica! Podemos estar na cauda das caudas de tudo o que seja susceptível de ser aferido por qualquer indicador válido, por mais básico que seja, mas o Tiepolo daqui não sai!


PS- Parece que sou bruxo... Já depois deste "escrito" estar publicado soube-se que o Estado Português arrematou o Tiepolo. Afinal sempre vai havendo massa! Uma milhão e quinhentos UMA! Uma milhão e quinhentos DUAS! Uma milhão e quinhentos TRÊS! Vendido à senhora dos óculos de massa!!

2007/11/28

Descordo ortográfico

O tema anda por aí. Não sou de forma alguma perito, nem me sinto capaz de juízos sobre esta matéria com a necessária autoridade. Mas, como há, por um lado, em todo este processo questões que transcendem o problema "técnico" (se é que se lhe pode chamar assim) e, por outro lado, muitos "peritos" que tenho ouvido falar sobre esta matéria que me parecem não passar, como eu, de "peritos de bancada", aqui vão os meus dez reis de argumentação, porque eu escrevo, logo existo!
O "Acordo ortográfico", para mim, é um perfeito disparate. A existir e a tentar-se a sua implementação nunca passará de uma intenção. A língua é uma coisa viva, dinâmica e não pode ser "cristalizada" por decreto. Mesmo que uma intenção dessas tivesse sucesso, a nova realidade linguística estaria sujeita ao processo "evolucionista" natural e em breve passaria a ser outra realidade. Não creio sequer que seja assunto que nos deva preocupar porque se há um elemento de liberdade e de responsabilidade, de anarquia em estado quase puro, na vida humana esse é o que a língua nos proporciona. Ninguém me pode de facto impedir, por mais que tente, de "inventar" a língua (falada ou escrita) como quiser e cabe-me a mim (e não a qualquer burocrata com tempos livres para queimar...) decidir como hei-de articular esta minha margem de invenção, com a margem de invenção dos outros. Falada ou escrita, a língua é minha!
Este o problema essencial.
Entre os que defendem a "normalização" têm aparecido argumentos que me deixam espantado. Há um, por exemplo, que tenho ouvido também por aí da boca de gente que o diz com ar sério, sobre o prejuizo que a falta de "normalização" traz aos países lusófonos, sobretudo quando falamos de organismos internancionais que usam o português como língua de trabalho.
Que eu saiba (corrijam-me, no entanto, se estiver enganado), não existe qualquer "norma" para o inglês ou para o francês. Seria interessante saber o que resultou da tentativa de "normalizar" a grafia alemã. Lembro-me de na altura isso ter gerado enorme polémica mas não acompanhei mais o assunto. Não ouço em nenhum país anglófono ou francófono este argumento bacoco de que têm de ser produzidas diferentes versões de um mesmo documento usando as diferentes grafias adoptadas e isso custa dinheiro. E esses países costumam ser mais cuidadosos com os gastos do que os portugueses...
Aqui há uns anos lembro-me de ter lido um artigo sobre o problema da escrita chinesa e dos computadores. Em síntese, o articulista dizia que ou a China conduzia um processo de reforma profunda do seu sistema ortográfico, ou arriscava-se a passar ao lado da revolução informática. Mas, por outro lado, lembrava também o articulista, o que acontecerá à Humanidade (e não só à China) se este património incalculável desaparecer por força do cilindro normalizador?
"Acordo ortográfico"? Eis as razões do meu descordo...

2007/11/25

Um bocadinho mais para a esquerda...

Agastado com o actual rumo do partido que ajudou a fundar, Mário Soares vem hoje apelar, em entrevista no DN, a um maior empenhamento das hostes socialistas junto dos mais desfavorecidos da sociedade. Para quem, na década de setenta "meteu o socialismo na gaveta" não deixa de ser uma observação curiosa. Diz ele, a determinada altura, que o governo devia fazer uma política "um bocadinho mais para a esquerda", pois as desigualdades sociais são cada vez maiores e o número de pobres não pára de aumentar.
A frase é todo um programa e faz-nos lembrar a cena inicial do filme "Aprile" de Nanni Moretti, onde a personagem principal (interpretada pelo próprio Moretti) olha desolado para a televisão que transmite um discurso do lider socialista italiano, enquanto comenta: "Por favor, diz qualquer coisa de esquerda. Uma coisa de esquerda. Ao menos, uma coisa de esquerda"!
Soares já nem uma política de esquerda quer. Apenas, um bocadinho mais para a esquerda...

2007/11/24

Uma mentira conveniente

Ramos Horta, Presidente de Timor-Leste e Prémio Nobel da Paz, vai propôr Durão Barroso, presidente da Comissão Europeia, para Prémio Nobel da Paz em 2008. Da Paz? Não fosse a credibilidade da notícia e julgaríamos estar em presença de uma mentira do 1 de Abril...em Novembro.
Mas, pensando bem, percebe-se porquê. Não foi Ramos Horta, o amigo americano de serviço, quem sempre apoiou a invasão do Iraque, chegando a escrever um artigo sobre o assunto largamente citado na imprensa internacional? Quem melhor do que um cúmplice da guerra, para "limpar" o Nobel da Paz?
Sabendo que Durão é, dos quatro participantes na "Cimeira dos Açores", o único que manterá as suas funções para lá de 2008, Horta joga no futuro. Dá sempre jeito ter um amigo português e presidente da Comissão, eleito em 2009. Se for Nobel melhor. Se for da Paz, então não se fala! Ele há cada uma...

2007/11/18

2007/11/16

A corrente "página 161"

Rini Luyks (colaborador do blogue "Anacruses") incluiu "A Face Oculta da Terra" numa lista de cinco blogues a quem desafia continuar uma "corrente literária" com base nos seguintes pressupostos:
1. Escolher um livro ao acaso, com mais de 161 páginas.
2. Abrir na página 161 e escolher a 5ª frase completa dessa página.
3. Transcrevê-la no blogue.
4. Descrever o seu contexto.
5. Indicar 5 blogues e desafiá-los a fazer o mesmo.

Respondendo ao desafio (sabe-se lá o que o destino me trará de bom!) aqui vai a frase encontrada:

"Nesse teu jardim - disse Noel - o que é que lá plantaste?"

(do livro: "A Vida e o Tempo de Michael K" de J.M. COETZEE, Trad. Ricardo Fernandes, Ed. D. Quixote, 2007)

O livro relata a odisseia de um jovem (Michael K) que decide levar a sua mãe, doente, para fora da área policial da península do Cabo, durante o regime "apartheid" na África do Sul. Trata-se da mais recente tradução portuguesa de J.M. Coetzee (que não o seu último livro) um dos grandes escritores da actualidade.

Aproveito, para sugerir outros cinco blogues:

"aspirina b"
"crónicas da terra"
"miniscente"
"respirar o mesmo ar"
"esculpir o tempo"

Boas leituras!

2007/11/13

OTA "jamais"?

Agora que a presidência portuguesa "europeia" vai terminando o seu mandato, regressa a polémica da OTA. O processo, interrompido em Junho para evitar danos que podiam tornar-se irreparáveis para o executivo, foi adiado por seis meses com a promessa de mais e melhores estudos sobre a localização definitiva do aeroporto de Lisboa. Uma manobra inteligente, que afastou temporariamente as atenções de um ministro desastrado e permitiu ao governo dedicar-se a questões internacionais mais importantes. Só que o tempo não pára e, aos estudos encomendados pelo governo, outras encomendas se seguiram, das quais a primeira (CIP) já é, entretanto, conhecida. Outra se seguirá (ACP) e nada prova que seja pior que as anteriores.
Temos assim, duas propostas conhecidas e uma em vésperas de tornar-se pública, para além de um instituto (LNEC) que fará a análise comparativa e a avaliação definitiva do que - espera-se! - seja a última palavra sobre esta interminável saga.
Em todo este intrincado processo algumas questões parecem óbvias. Por exemplo: como é possível que, durante os trinta anos de estudos, a opção Alcochete nunca tenha estado em cima da mesa? Se esta não era possível (dada a existência de um campo de tiro) porque é que uma simples intervenção do Presidente da República alterou definitivamente as limitações da escolha? Mais, como é possível que o estudo da CIP, em apenas meia-dúzia de meses, tivesse chegado a conclusões notoriamente mais favoráveis do que todos os estudos precendentes encomendados pelo governo?
Estas são, naturalmente, perguntas do senso-comum que qualquer cidadão interessado fará. Não se percebe, por isso, a reacção do ministro Lino, ao desvalorizar as conclusões que dão preferência a Alcochete e declarar, inclusive, que não tem tempo para ler todos os relatórios que lhe chegam às mãos. Pior, ao que parece encomendou um terceiro estudo (RAVE) que contraria as conclusões do estudo da CIP. Ou seja, mesmo que não seja essa a intenção do ministro, dificilmente ele conseguirá fazer passar a ideia de que tudo está a ser feito para construir o aeroporto no melhor sítio e ao melhor preço possível. Se não é assim, porquê estas reticências?
A menos que haja razões que a razão desconhece, este comportamento relembra-nos um passado não muito distante em que a margem Sul não passava de uma miragem. Confesso que já tinha algumas saudades da "stand-up comedy" nacional.

Leituras cruzadas

O meu amigo, o encenador Fernando Mora Ramos, publicou no Público do passado dia 10 de Novembro um artigo intitulado "Um em cada cem". O artigo aborda a questão das verbas destinadas pelo OE à cultura e a este propósito lembra a posição do governo: que não haja "ilusões, o Governo tem de definir prioridades."
FMR afirma "Como a história ensina não há transformação sem uma base cultural forte. E a mudança actual é para trás, não ao contrário. Não tenhamos ilusões."
Mas, então e os propósitos anunciados pelo governo quanto ao desenvolvimento? E a aposta no incremento do conhecimento e na qualificação dos Portugueses? E a ciência? A ciência não é cultura?
Quis o acaso que andasse a ler um livrinho intitulado "Scientific Curiosity", de Cyril Aydon, onde a páginas tantas deparo com o seguinte parágrafo (traduzo livremente):
"A ciência, tal como hoje a concebemos, aconteceu apenas duas vezes na história do mundo. E entre o crepúsculo do mundo Grego e o amanhecer da moderna era científica tivemos um hiato de 1500 anos, durante o qual pouco ou nada foi acrescentado ao nosso património de conhecimento científico. Porquê? Poderia ser genético. Os Gregos não eram mais espertos que os Romanos ou os Chineses, nem os habitantes da Europa mais espertos que os Aztecas, ou o povo do Zimbabwe. Talvez a explicação esteja na economia: a ciência só pode prosperar em sociedades suficientemente ricas para permitir que uma série de gente se sente para pensar e conversar. Mas, a riqueza e o tempo livre não podem ser a explicação senão a antiga Roma e a China Clássica teriam sido fábricas de ciência. A explicação deve ser de índole cultural, para além de econonómica. Algumas sociedades estão organizadas de forma --e desenvolvem hábitos de pensamento-- que torna a ciência viável. Outras, igualmente prósperas, tem formas de organização, códigos de crenças e formas de pensamento que fazem definhar a ciência. As sociedades com um respeito exagerado pelo passado não podem gerar a atitude de desafio às ideias feitas que produz novas formas de compreensão. As sociedades em que os sacerdotes têm poder tendem a aprisionar ou suprimir aqueles que ameaçam o seu monopólio na explicação das coisas. Quando o discurso e o pensamento livres são constrangidos, a mente e o corpo apodrecem agrilhoados."
Não há sequer mudança em Portugal. Nem para trás, nem para a frente.

2007/11/07

Duelo ao Sol

A "discussão" sobre o Orçamento de Estado que, por estes dias, vai decorrendo no Parlamento é bem um exemplo da estagnação ideológica instalada na sociedade portuguesa.
O que devia constituir um momento de excepção para avaliar da estratégia económica e financeira do governo para o próximo ano, transformou-se num espectáculo mediático antecipado em grandes parangonas pelos mais respeitáveis orgãos de comunicação social do país. Mais do que procurar interpretar as medidas governamentais que irão influenciar a vida dos portugueses, os nossos colunistas de opinião (há excepções) concentraram a sua atenção num imaginário duelo entre o chefe do governo e o lider da bancada da oposição, como a grande novidade deste debate.
Não nos lembramos, em recentes anos, de tal empolamento jornalístico em redor do que devia constituir o normal e regular trabalho da Assembleia elegida para controlar e julgar o trabalho do governo. Contrariamente ao que possa pensar-se, a atenção não se fixou em saber se as despesas vão ser contidas ou se haverá outras receitas para além daquelas extraídas do aumento da carga fiscal. Não, a atenção concentrou-se no debate entre "dois velhos conhecidos" que, de há muito, personificam a ideologia velha que nos governa de há vinte anos a esta parte. Como era de esperar, numa situação em que o governo dispõe de maioria absoluta e não necessita de apoios ou compromissos para impôr outra política que não de direita, a direita, propriamente dita, ficou sem espaço para poder oferecer uma alternativa credível ao país. Chegámos assim a uma situação de impasse ideológico total, agora que um partido - o do governo - "secou" o centro político e pode agir politicamente a seu belo prazer sem risco de ver contestadas as medidas que toma.
Para já, os índices de popularidade, dão-lhe (aparente) razão. Os portugueses, apesar de penalizados, não vêem alternativa concreta e basta o primeiro-ministro acenar com o passado recente para assustar os mais incautos. Quem quer ver de volta o "menino guerreiro"?
Foi isso que, ontem, se passou no hemiciclo. O "pistoleiro" enviado pela oposição para disparar mais rápido do que o "justiceiro" de serviço, mal conseguiu sacar do revolver e já estava crivado de balas. Na pradaria portuguesa, o "lonely ranger" continua a assobiar para o lado. Como nos filmes do Sergio Leone...

2007/11/02

2007/10/29

Womex sevilhana

No Outono, Sevilha parece ter mais encanto. Esta é, claro, a opinião de alguém que conhece melhor a cidade através da (sua) música e, de há dois anos a esta parte, através das músicas do resto do Mundo que por lá passam.
Acontece que a WOMEX (World Music Exhibition), a mostra mais importante do género musical, se deslocou com armas e bagagens para a capital andaluza, com quem tem um protocolo de três anos. Uma oportunidade única de provar as tendências musicais da actualidade e passar quatro noites numa cidade que dorme pouco.
Sobre a feira, muito haveria a dizer, desde os negócios entre produtores e distribuidores, às conferências sobre a indústria discográfia, a crise e as soluções para sair dela, passando pelo "networking" sempre presente nestas ocasiões.
Porque a feira é musical, era nos "showcases" que residia a nossa principal curiosidade, até por sermos parte interessada. Não saímos defraudados. Entre os mais de 40 concertos programados podíamos eleger uma boa dúzia de grandes momentos. Queremos, no entanto, destacar os "Gaiteiros de Lisboa" (únicos representantes portugueses) que deram um concertão de 45 minutos, ao nível dos melhores a que deles temos assistido; o concerto conjunto de Faiz Ali Faiz (Paquistão) e Duquende, Chicuelo e grupo (Espanha) que teve honras de abertura da feira; o extraordinário guitarista Yamandu Costa (Brasil); o virtuoso "Taksim Trio" (Turquia); o refinado duo "Tara Fuki" (República Checa); os nova-iorquinos "Balkan Beat Box"; os aclamados "Tango Bajofondo Club" (Argentina); o projecto mediterrânico "Aman, Aman" (Espanha/Grécia), os occitanos " Le Côr de La Plana" (França); o "tanguero" Melingo (Argentina) e a "Fanfara Tirana" (Albânia) a lembrar os filmes de Kosturica, sem esquecer o projecto de "Mamani Keita e & Nicolas Repac" (Mali/França) ou essa fabulosa cantora Tanya Tagaq (Canada), para citar alguns exemplos. Agora, só resta ouvir a música e esperar pelo próximo ano. Em Outubro, no Outono.

2007/10/20

Tamanho conta...

As declarações do cientista James Watson tiveram ampla cobertura mediática. Recordo que este cientista, vencedor do Nobel da Medicina, fez declarações de índole racista dizendo qualquer coisa como o tamanho da inteligência dos pretos não é igual ao dos brancos. Se fosse só a inteligência...
Mas a polémica não é de hoje. Os factos demonstram que este galardoado com o Nobel já há muito revela não estar na posse total das suas faculdades. São conhecidas as suas posições relativamente ao problema das bases de dados genéticas, e são igualmente conhecidas as suas gabarolices mariálvicas.
Na altura em que estes factos foram conhecidos ninguém pareceu chocado com as posições e revelações de Watson. Daí que pareça agora estranho o facto de o delírio de Watson ter passado subitamente a ser considerado chocante...
Escolha feliz, sem dúvida, a deste cavalheiro para presidente do conselho científico da Fundação Champalimaud...

2007/10/18

Do Referendo

Estatísticas: Desde a adesão de Portugal à Comunidade Europeia, em 1985, nunca os portugueses puderam pronunciar-se sobre qualquer das grandes decisões da União: nem em 1986 (Lisboa), nem em 1992 (Maastricht), nem em 1997 (Amsterdão), nem em 1998 (Adesão ao Euro), nem em 2005 (Nice), nem em 2007 (Lisboa). O denominado "Tratado Reformador" é, na opinião do primeiro-ministro português, um dos momentos mais importantes deste percurso europeu. Se é assim tão importante, porque é que o Tratado não pode ser referendado?

2007/10/17

Da Pobreza

Estatísticas: Cerca de 2,1 milhões de portugueses (20% da população) são pobres e, deste total, 740 mil subsistem com seis euros por dia.

2007/10/15

Nova Linguagem

A "temporada política" foi este fim-de-semana inaugurada com a consagração do novo líder da oposição. A avaliar pelo seu discurso de posse (ainda longe das oito horas de Chávez...) é já notória a intenção de criar uma linguagem alternativa ao actual governo. O líder propõe "a criação de um programa de parcerias puvlico-pribadas para reformar o parque escolar e a separação definitiba da medicina pribada da medicina púvlica", acrescentando que a única coisa que existe é "um superabit de rebolta, de indignação de mandar emvora o PS e dar uma oportunidade ao PSD". O líder disse ainda que "achaba inaceitábel que um beto do Presidente da Repúvlica, relatibamente à justiça, possa ser ultrapassado por uma maioria parlamentar", para finalizar, dizendo que "o PSD bai começar a preparar um projecto de uma noba constituição, não uma rebisão". Os sulistas, elitistas e liverais que se cuidem...

2007/09/27

Os "Fados" do Carlos

Carlos Saura é um autor espanhol de reconhecidos méritos. A atestá-lo estão filmes como "Ana e os Lobos", "Cria Corvos", "Elisa, vida minha", "Depressa, Depressa" ou "Taxi" e "Ay, Carmela!", a maior parte deles realizados durante a ditadura franquista. A partir da década de oitenta, nota-se uma inflexão na sua obra, agora mais centrada em temas musicais de influência flamenca - "Bodas de Sangue", "Carmen", "O Amor Bruxo" - onde já é reconhecível o seu gosto estético ligado à dança. É na década de noventa, no entanto, que Saura se afirma como documentarista de musicais, realizando algumas das suas obras mais populares: "Sevilhanas", "Flamenco" e "Tangos".
Com um currículo destes não é, pois, de admirar, que alguns "iluminados" tenham pensado nele como a pessoa indicada para fazer um filme sobre o Fado. Subjacente a este pensamento peregrino, estava uma candidatura do Fado a "património cultural intangível da humanidade", a apresentar à Unesco em futuro próximo; e a ideia (ainda mais peregrina) de que Saura estava a pensar fazer uma trilogia sobre músicas urbanas (Flamenco, Tango e Fado) pelo que esta era a oportunidade ideal...
Independentemente da Unesco vir, ou não, a considerar o fado "património cultural intangível" (não considerou o Tango, por exemplo) não consta que Saura, alguma vez, tenha posto a hipótese de fazer um filme sobre o Fado. Percebe-se porquê: não é a sua cultura, o fado é uma canção de texto (pouco apelativo em termos estéticos), não tem muitos nomes conhecidos internacionalmente e, dificilmente, é um tema que apaixone os patrocinadores. Resta, ainda, a questão do Flamenco ser uma música urbana, tema sobre o qual os especialistas se dividem.
Os nossos "experts" não se atemorizaram e vai de convidar o homem. Para o convencer, trouxeram-no a Lisboa, puseram-no a ouvir fado nas baiucas de Alfama e da Mouraria, ofereceram-lhe discos e livros, fizeram-lhe uma "lista" de "fadistas incontornáveis" e trataram de arranjar o dinheiro para a "encomenda", que estas coisas não se fazem de graça, não é verdade? Nas palavras de um responsável, "deram-lhe mesmo um verdadeiro curso intensivo". Quem poderia resistir a tal "charme"?
Desde logo foram anunciados os nomes "sonantes": Carlos do Carmo, Mariza e Camané (os cantores), Ruy Vieira Nery (consultor científico), Carlos do Carmo (consultor musical), Eduardo Serra (director de fotografia) e o próprio Saura, apoiado por Ivan Dias (produtor) no "guião". A Câmara Municipal de Lisboa, o Turismo de Lisboa e a TVI, apoiaram a iniciativa com 1 milhão de euros e o restante (2 milhões) foi conseguido através do programa Media-Europa e de Espanha (TVE, Turismo Espanhol, etc...). Aparentemente, tudo bem. Restava, fazer a "obra".
Acontece que, nestas coisas, os produtores "não brincam em serviço" e, naturalmente, exigem contrapartidas. As filmagens, previstas para Lisboa, foram transferidas para Madrid (por razões de produção); o director de fotografia (o prestigiado Serra) abandonou o projecto, depois de fazer algumas tomadas de "vista" de Lisboa; parte significativa dos nomes sugeridos, não foi utilizada e, em seu lugar, foram convidados os "sonantes fadistas": Chico Buarque, Caetano Veloso, Lura, Lilla Downs e Miguel Poveda...Como o fado não tem "dinâmica", o realizador lembrou-se de animar as cenas em que cantam os estáticos fadistas (Marceneiro, Camané, etc....) com corpos de baile espanhol, nomeadamente no "dueto" entre o flamenco Poveda e a fadista Mariza. O quadro, de resto, chama-se mesmo Fado-Flamenco (?). Desconhecia o género, mas uma pessoa está sempre a aprender...
Que mais posso dizer, que a prosa já vai larga? Bom, que como filme de "world music" é perfeito. Provavelmente, o melhor jamais feito sobre a música da "Lusofonia". E esse é o seu mérito. Por isso vai "vender" bem. Também é, esteticamente, um bom filme (mas isso já sabíamos de obras anteriores do realizador) com alguns bons momentos, precisamente aqueles em que o fado vale por si, ou seja: sem artifícios.
Um filme sobre o Fado, para divulgá-lo e apoiar a candidatura à Unesco? Parece-me risível e ninguém de bom senso vai deixar-se influenciar por tal produto comercial. Um bom musical, com muita dança à mistura e alguns nomes sonantes, não fazem um bom filme de fado. Um equívoco, pois.
Resta a dúvida, levantada por um crítico argentino na televisão portuguesa: "Será que Saura, gosta de fado?"

Santana Lopes 1- SIC Notícias 0

Soube hoje por um jornal on-line que Santana Lopes abandonou uma entrevista que estava a dar na SIC Notícias. Por uma vez Santana Lopes (personagem com quem nem sequer simpatizo) esteve bem.
Mas, atenção: eu estou melhor ainda ! Não vi o programa e não vejo televisão. Já há muito que "abandonei" as entrevistas, os entrevistadores, os entrevistados, os "canais de notícias" e os "generalistas", os "pivots" e as dentaduras deles, os jornalistas e o as técnicas de marketing... perdão de comunicação.
Não foi uma atitude inusitada, nem desproporcionada, a minha. Foi.

2007/09/21

Proef Portugal

Durante a minha recente passagem por Amsterdão aproveitei para rever amigos e lugares que são já parte integrante da minha vida. Uma das surpresas, ainda que expectável, é a dedicação que certos holandeses continuam a nutrir por Portugal. Uma paixão de décadas que parece aumentar à medida que os anos passam. Penso ser esta uma das melhores definições do amor que conheço: a fidelidade.
No passado domingo, tive o privilégio de assistir a uma dessas manifestações que, só por si, justificam todo o apoio que os organismos nacionais portugueses queiram prestar-lhe.
Pelas instalações da antiga KNSM (Companhia Real Holandesa de Vapores), um edifício situado na zona portuária da cidade, passaram mais de trezentos holandeses a "provar Portugal". Uma iniciativa particular de amigos do nosso país que, de há anos a esta parte, teimam em pôr "Portugal no mapa". Dos "stands" turísticos aos gastronómicos, passando pelo Fado e Folclore ao vivo, até à divulgação da língua e literatura portuguesas, de tudo houve naquela tarde de confraternização e promoção da cultura portuguesa no sentido lato da palavra. Lá estavam as representações da transportadora área nacional, os restaurantes mais emblemáticos da cidade, os principais importadores de vinho e artesanato, mas também o Instituto Latino na promoção da língua e o Fernando Venâncio na divulgação da nossa literatura. O representante local do ICEP (noblesse oblige) aplaudiu e fez o discurso inaugural. Os meus agradecimentos vão, no entanto, para Sabina Sorber, amiga de longa data e principal responsável pela organização do evento. Só posso desejar-lhe que este "Proef Portugal" seja o início de uma bela iniciativa.

2007/09/18

MacRepair.nl

Nada como distanciarmo-nos do país, para vermos a "terrinha" em perspectiva.
De visita à Holanda, aproveitei a viagem para levar o meu portátil, a necessitar de reparação urgente. Na pior das hipóteses teria de comprar um novo...
A sugestão foi de amigos (do) MAC que me sugeriram visitar uma oficina em Amsterdão onde, para além de repararem computadores daquela marca, ainda vendem peças usadas em perfeito estado de uso e conservação. Lá fui e a primeira surpresa tive-a com as dimensões e o aspecto da loja: um rés-de-chão de 50m2, onde através de vidros decorados com a famosa "maçã", podíamos ver 4 funcionários a trabalhar em frente a carcaças de MAC´s desmantelados. Um verdadeiro estaleiro. Explicámos ao que íamos (recuperação de ficheiros perdidos e um novo écran) tendo sido informados de que o primeiro problema seria difícil, dependendo do estado do disco rígido; e que o segundo, era simples de resolver. Orçamento: 37 euros pelo teste do disco (diagnóstico) e 350 euros pelo écran (display). Com IVA a 19%, um total de 450 euros. Tempo de entrega: 48 horas. Por comparação: em Portugal levam 80 euros pelo diagnóstico, 700 euros pelo écran e 21% de IVA. Tempo de entrega: 10 dias.
Claro que as "nossas" instalações são melhores: escritórios luxuosos, vidros esfumados impeditivos de ver os interiores, recepcionistas "produzidas" que não percebem minimamente do que estamos a falar e uns "técnicos" sempre ocupados que saem de armazéns fechados a quatro chaves, onde se pode ler "proibida a entrada a estranhos" (não vá alguém descobrir o segredo de arranjos tão caros, quando os nossos trabalhadores ganham tão pouco...).
Dois dias mais tarde, telefonaram-me para casa: podia levantar o computador. Lamentavam não ter podido recuperar os ficheiros, mas tinham colocado um novo écran.
Chegado à loja, a última surpresa: fizeram-me um desconto de 75euros (só teria de pagar 371), pois o écran não era completamente novo e ainda me ofereceram uma protecção almofadada com a insignía da loja: MacRepair.nl.
Chama-se a isto transparência.

2007/09/16

Uma nova orquestra


Foi nesta quinta feira que a nova Orquestra de Câmara Portuguesa fez a sua primeira apresentação pública. Um projecto concebido e dirigido por Pedro Carneiro, destinado a dar um enquadramento ao mais alto nível, institucional e artístico, aos inúmeros jovens talentos formados nas escolas de música portuguesas.
A OCP é o fruto do talento sem limites, da inesgotável capacidade de trabalho e da tenaz preserverança de Pedro Carneiro que juntamente com a sua equipa ergueu este projecto. É também o resultado do inultrapassável amor pela música que o Pedro Carneiro e os seus colaboradores demonstram. A OCP é uma obra de amor e o seu exemplo serve para mostrar, antes de tudo o mais, que em matéria de música, como em tudo o resto, é preciso amar para começar a fazer obra. Quantas pessoas amam verdadeiramente aquilo em cujo envolvimento se mostram empenhadas?
À OCP eu desejo todas as venturas do mundo.

2007/09/07

Do Portugal profundo (3)

A acreditar na imprensa em geral - mais rápida a inglesa, mais sensacionalista a portuguesa - a "saga da pequena Maddie" parece ter atingido um "turning point" na investigação em curso. De "rapto" a "morte", passando por "negligência por homícidio", temos ouvido de tudo nestes últimos quatro meses.
As imagens desta manhã, em directo de Portimão, mostraram - pela primeira vez - uma multidão hostil e ululante manifestando-se contra a mãe da desaparecida menina. Bastou um interrogatório de 11 horas para que a opinião da opinião pública (que a publicada já tinha avançado com o julgamento) tenha mudado de posição e Kate McCann tenha passado de heroína a homicida.
Independentemente do veredicto final, ninguém poderá julgar Kate antes desta ser julgada. Este é o princípio de inocência que um estado de direito deve começar por respeitar.
Sabemos que a polícia sabe mais do que nós e não deixará impressionar-se por meia centena de "cidadãos indignados" que gostariam de crucificar, desde já, todos os suspeitos. O habitual. Provavelmente, só essa condenação os expiará da mórbida condição de "voyeurs", da qual nunca conseguiram libertar-se. Uma tradição inquisitorial, perpetuada pelo obscurantismo de séculos, em que continuamos a viver. Portugal medieval no seu estado mais bruto. Lamentável.

2007/09/06

Do Portugal profundo (2)

Ode ao "Óscar" (*)

Lá p'rós lados de Lanhelas
Vive o "Óscar do funil"
Toma conta dos carneiros
leva vida de baril...

Sentado no seu castelo
No meio da mata plantado
Dizem que é eremita
Mas é homem avisado...

Foi criado p'la Maria
Pintora de Amsterdão
Que ajudada pelo Meira
Concebeu a instalação

Agora no Alto-Minho
Volta a reza com fervor
Nasceu um novo "santinho"
Que não precisa de andor

Cuidem-se os santos zelotes
Que o "Óscar" está para durar!
Ainda vai passar à história
Com o IPPAR a ajudar...

Agosto de 2007

(*) Quadras soltas, escritas por ocasião da inauguração de uma instalação de
Maria Mendes, na aldeia de Lanhelas, em Caminha.

2007/09/02

Do Portugal profundo

Sem computador para trabalhar (ver "post" anterior) resolvi passar uma semana a "banhos". A convite de uma amiga, com casa em Caminha, optei pelo Alto-Minho. Adoro Caminha, por variadas razões: a localização privilegiada, a harmonia do centro histórico da vila, os amigos que fiz ao longo dos anos, as praias, a mata do Camarido, alguns restaurantes e a sensação de estar ao lado da Galiza, ali mesmo à mão de semear...
Por me parecer mais prático e rápido, viajei de autocarro: Não teria de fazer transbordos e havia uma paragem, em Pombal, para estender as pernas. Um total de seis horas, de acordo com o horário. Pelo sim, pelo não, tentei confirmar com a funcionária da empresa de camionagem a que horas chegava. Disse-me que, em princípio, devia ser à meia-noite e meia. Em princípio, porque na vida não há certezas. Elucidativo.
Acontece que a A1 está em obras (construção da terceira faixa) e estivemos parados uma hora e meia, algures na região de Santarém, enquanto as máquinas trabalhavam cinco quilómetros à frente da fila que, entretanto, se formou. A planeada paragem de 20 minutos transformou-se em meia-hora (para os condutores poderem jantar) e, em vez da meia noite, chegámos cerca das duas da madrugada. Jurei a mim mesmo não voltar a usar o autocarro na viagem de volta.
No regresso, optei pelo combóio. Tentei comprar bilhete de véspera, mas a bilheteira estava fechada. No dia da viagem, continuava fechada. O "chefe" de estação, de bandeira vermelha enrolada debaixo do braço, informou-me que podia adquirir o bilhete no combóio, mas foi avisando que teria de mudar em Viana. Em Viana? Sim, a ponte estava em obras, pelo que teria de passar para uma camioneta que me levaria à outra margem do Lima. Aí, retomávamos o combóio...
Com a mala às costas e no meio de um grupo de suecas (de mal a menos) que não percebiam nada do que se passava, lá atravessei a ponte de autocarro e apanhei o combóio seguinte, com meia-hora de atraso...
Obviamente, perdi a ligação com o Intercidades e tive de esperar, em Campanhã, pelo Alfa, que era mais caro e partia uma hora mais tarde. Em Santa Apolónia, ao apanhar um táxi, o taxista informa-me que não pode ir pela "baixa" porque a Praça do Comércio estava fechada ao trânsito. A primeira "grande medida" de António Costa...
Tempo total da viagem, após três combóios, um autocarro e um táxi: 7 horas, uma hora menos do que a viagem de ida em autocarro, para um percurso de cerca de 400km...
Recordei a primeira vez que estive em Caminha, em meados da década de oitenta, já lá vão 22 anos. Fui de autocarro e vim de combóio. Como agora. Demorei exactamente o mesmo tempo. A tradição ainda é o que era...