2015/01/08

Uma única solução: mais Democracia!

Os acontecimentos de ontem deixaram-me num incontrolável estado de choque e com um profundo sentimento de impotência. Liquidar 12 pessoas, entrando-lhes pela casa dentro, desta forma brutal e programada, liquidar pessoas cujo "crime" foi produzirem e publicarem uns desenhos, é algo que ultrapassa os prodígios da mais fértil imaginação. Por outro lado, parece que ninguém está a salvo desta situações. Seja quem for, onde for, em França ou aqui em Portugal. Nem os próprios autores deste crime reles.
Cometido o crime, ninguém parece ser capaz de nos poder defender de uma situação semelhante no futuro. Os guardiães das liberdades e garantias, o Estado e a Justiça que nós pagamos e a "austeridade" faz encolher ainda mais, estão, eles também, envolvidos num jogo ambíguo que continuamos a não conseguir controlar ou, relativamente ao qual, escolhemos fazer vista grossa.

Solução: mais democracia! O que temos hoje é uma sociedade que a esqueceu. Uma sociedade que se compraz em aceitar as "recomendações" da televisão para depois depositar um papelinho num caixote de 4 em 4 anos (se se der a esse trabalho; cada vez o faz menos) é uma sociedade que está doente, com o sistema imunitário em baixo e, portanto, sujeita a ataques como o que ontem aconteceu contra o Charlie Hebdo. É a fraqueza ou a falta de democracia que atentam contra a liberdade de expressão, que pode vir a degenerar num ataque contra a própria liberdade de pensamento. As tropelias contra a democracia não estão só a ser cometidas em África, no Próximo ou no Médio Oriente. Estão a ser cometidas aqui, por nós, contra nós próprios.

Ao contrário do que pensam estes assassinos, um desenho não vai mudar o mundo. Nunca mudou. Os desenhos reflectem mudanças. Decidir matar o desenhador por retratar uma determinada situação é um crime tão grosseiro como pensar que foi o desenho provocou a situação retratada. Um erro que, de resto, nenhum dos desenhadores cometeu. Jean Cabut, um dos desenhadores assassinados ontem, sabia-o bem. Ainda não há um mês, dizia numa entrevista: "nós não passamos de humoristas, estamos aqui para fazer rir. Mas, no final, não servimos para grande coisa."

Neste sentido, está já seguramente em curso uma mudança que os desenhos irão certamente reflectir em breve. Estes assassinos não impõem medo a quem quer que seja, somos nós que começamos por ter medo. Temos medo da democracia! É este medo que leva os assassinos a matar. É este medo que leva os franceses, todos nós, a ter medo de que isto se possa repetir. É necessário deixar de ter medo da democracia. Essa é a mudança necessária. Mas, não são os desenhos que a vão determinar, foram os tiros.

2015/01/02

E os melhores filmes de 2014, foram...

Agora que 2014 terminou, nada como um balanço de coisas boas, pois para mal já basta assim...
Ora, uma coisa boa é (sempre) o bom cinema, essa arte que alguém disse um dia ser a mais completa de todas (devido ao processo de montagem, presumo eu).
Da mesma forma que em 2013, o ano que findou foi um bom ano em termos de estreias e reposições cinematográficas. Também os festivais e ciclos exibidos confirmaram esta tendência, nalguns casos completados por excelentes colectâneas, muito por mérito das distribuidoras Medeia e Midas, dois oásis num mercado dominado pela distribuição "mainstream". 
O ponto mais negativo, continua a ser a queda do número de espectadores, que o encerramento de  históricas salas, como os cinemas King, apenas veio confirmar.  Em contrapartida, assinale-se a (re)abertura do velho Ideal (ex-Cinema Paraíso), graças a uma parceria entre a Casa da Imprensa e a distribuidora Midas. Virado para o cinema português, reposição de clássicos e estreias europeias, o "Ideal" veio, de alguma forma, colmatar a falta dos "King", ainda que uma sala não chegue para substituir quatro...
Na impossibilidade de ver tudo o que de bom passa em Lisboa (e não só), resta-nos a "short list" do costume, reduzida por questões de espaço a dez títulos, um número redondo, misto de qualidade e gosto, conceitos sempre subjectivos como sabemos. Nem todos são filmes recentes, ainda que todos tenham sido estreias em Portugal, da mesma forma que há obras de ficção e documentários nesta lista ordenada sem preocupações de hierarquia. 

A IMAGEM QUE FALTA - Rithy Panh (Cambodja/França)
O ACTO DE MATAR - Joshua Oppenheimer (Dinamarca/Noruega/Reino Unido)   
BOYHOOD - Richard Linklater (EUA)
CAVALO DINHEIRO - Pedro Costa (Portugal)
A FLOR DO EQUINÓCIO - Yasujiro Ozu (Japão) 
A GRANDE CIDADE - Satyajit Ray (Índia) 
A GRANDE BELEZA - Paolo Sorrentino (Itália/França)
A EMIGRANTE - James Gray (EUA)
MAMÃ - Xavier Dolan (Canada)
MAPAS PARA AS ESTRELAS - David Cronenberg (Canada/EUA/Alemanha/França) 

De registar ainda os ciclos dedicados a Ingmar Bergman, Yasujiro Ozu e Satyajit Ray, com direito a reedições em DVD, para além de reposições de clássicos como "A Desaparecida" de John Ford, "O Garoto" e "Luzes da Cidade" de Charles Chaplin e "Mauvais Sang" e "Boys Meets Girl" de Leos Carax, estes últimos igualmente editados em novas versões digitalizadas.
No cinema português, a destacar "Os Maias" de João Botelho e "E Agora? Lembra-me" de Joaquim Pinto, como os de maior sucesso da crítica e de bilheteira.     
Alguns destes títulos ainda estão a passar nas salas portugueses, pelo que recomendo o seu visionamento. Bons filmes!

2014/12/29

E a Grécia aqui tão perto...

Reuters

A Grécia terá eleições antecipadas em Janeiro de 2015.
Após três votações parlamentares, os deputados gregos não conseguiram escolher um candidato presidencial, com maioria absoluta de votos. De acordo com a constituição grega, após três votações inconclusivas, o primeiro-ministro é obrigado a dissolver o parlamento e a convocar eleições antecipadas, as quais deverão ocorrer no dia 25 de Janeiro.
Porque é que estas eleições são importantes?
Porque, neste momento, a Grécia é um país intervencionado, sujeito a um programa de ajustamento sob a supervisão da mesma Troika que esteve em Portugal e deixou o nosso país ainda mais endividado do que estava antes do programa ser aplicado; e, da mesma forma que em Portugal, foram os partidos gregos (no poder) os principais responsáveis pelo descalabro das contas públicas e a causa directa pela intervenção externa naquele país. 
As razões por que isso aconteceu, já foram escalpelizadas em dezenas de "posts" e artigos de opinião ao longo destes últimos anos e, se algumas dúvidas existiam, as recentes declarações da presidente do FMI (um dos parceiros da Troika) sobre os programas nos países intervencionados (Grécia, Irlanda e Portugal) falam por si: os programas foram desajustados, empobreceram as populações dos países em causa e criaram dívidas soberanas impagáveis no futuro, porque estas são agora maiores do que antes da intervenção.
Como é que isto foi possível?
Desde logo, pela má gestão dos respectivos governos que directamente (finanças aldrabadas e aumento descontrolado da despesa pública, nos casos da Grécia e de Portugal) e indirectamente ("bolha" imobiliária e crédito fácil, no caso da Irlanda) foram obrigados a pedir a intervenção de organismos internacionais (FMI, BCE e UE), para consolidarem as suas finanças. As condições estabelecidas pelos bancos para concederem os empréstimos (juros altos e prazos curtos) em países da zona Euro (sem possibilidade de desvalorização da moeda) causaram crises sociais e económicas sem precedentes. Porque as populações empobreceram e deixaram de consumir, as economias retraíram-se e entraram em recessão, tornando a dependência externa ainda maior. Não é, pois, de admirar, que após a "intervenção" da Troika, a dívida portuguesa tenha aumentado para cerca de 130% do PIB e a dívida grega para 175%! Obviamente, os juros a pagar pelos empréstimos não pararam e continuam a aumentar exponencialmente, uma vez que são calculados em função do risco inerente a economias que não crescem acima de 1% ao ano. Perante tal cenário, é natural que as famigeradas agências de "rating" continuem a considerar tais economias como "lixo", o que na prática quer dizer que ninguém quer investir nestes países ou, se o faz, exige contrapartidas impagáveis (já houve bancos alemães a exigirem ilhas gregas em troca...).
Estamos perante um problema sem solução?
Esta é a pergunta que todos fazem, dentro e fora dos países intervencionados.
Enquanto a UE (leia-se, governo alemão) não abrir mão do "diktat" que impõs aos países membros da zona Euro, que os impede de renegociar a dívida pública existente (através da sua mutualização, do alargamento de prazos e de baixa de juros) não só as dívidas serão impagáveis, como os países endividados ficarão mais dependentes no futuro. Provavelmente, essa é a estratégia do capital financeiro internacional. Para que isso seja possível, deverá contar com governos cúmplices e colaboradores, como tem sido o caso do governo português e do governo grego, ainda que este, recentemente, tenha recusado aplicar mais medidas de austeridade.
A alternativa, é romper com este ciclo de subjugação e, se não restar outra solução, abandonar a zona Euro, o que vem sendo defendido por cada vez mais analistas políticos. Esta é, de resto, a "pedra de toque" que separa o governo grego do Syriza (o maior partido da oposição) o qual defende a renegociação da dívida e está à frente nas sondagens para as próximas eleições.
Questionado sobre a crise grega e provável vitória do Syriza, Schauble, o ministro alemão das finanças, já veio declarar que não importa o presidente escolhido, mas a dívida grega, que tem de ser paga. Entretanto, as principais bolsas europeias já reagiram negativamente e o FMI anunciou a suspensão do pagamento da última "tranche" até às eleições. Outra coisa não seria de esperar. Resta, esperar - isso sim - pelos resultados das eleições anunciadas pois, em última instância, será sempre o povo grego a decidir do seu futuro. E esse direito é inalienável, pesem as ameaças vindas do estrangeiro.

2014/12/23

Logo agora, que isto ia tão bem...



O último relatório da Comissão Europeia sobre o nosso país não é meigo e, de acordo com as notícias, chega mesmo a "puxar as orelhas" ao governo português.
Ora, que diz, no essencial, tal documento?
Desde logo, critica as "reformas estruturais" do governo (leia-se, medidas de austeridade) que teriam abrandado, depois da saída da Troika em Julho passado. Depois, critica o aumento do salário mínimo, congelado há quatro anos. Critica também a correcção do défice assente na receita em vez da despesa e, finalmente, critica o excesso de dívida pública, que continua demasiado alto.
Temos de concordar que não é coisa pouca.
No entanto, há aqui coisas difíceis de explicar. Por exemplo: desde Maio de 2011 que, aos portugueses - sujeitos ao mais austero programa financeiro dos 40 anos de democracia - foram pedidos sacrifícios sem fim, para reduzir um "déficit" incontrolável e uma dívida pública galopante, com a promessa que, depois, poderíamos regressar aos mercados (e continuar a endividar-nos de novo...). Para que isso fosse possível, era necessário aumentar os impostos, reduzir os salários, reduzir as pensões e reformas, reduzir os subsídios de desemprego e invalidez, reduzir o abono de família e reduzir o rendimento de inserção social. Era ainda necessário reduzir o "peso do estado" na despesa pública e aumentar as privatizações em áreas tão nevrálgicas como a EDP, a REN, a PT, a ANA e a TAP. Porque estas medidas não foram consideradas suficientes, foram pedidos ainda mais sacrifícios, nomeadamente a suspensão dos subsídios de Natal, o pagamento das pensões em duodécimos,  criadas taxas de solidariedade sobre todas as pensões acima de 650euros (3,5%), assim como uma taxa de 15% sobre todas as pensões acima de 1500euros (segundo o critério, um português com 1500euros, é um português rico!). Como está bem de ver, esta espiral de empobrecimento colectivo conduziu à retracção do consumo, que por sua vez influenciou negativamente a produção de bens e levou ao fechamento de lojas e fábricas por todo o país, com as consequências previsíveis. O desemprego atingiu os 14% (a terceira maior taxa da União Europeia) e, porque o desemprego aumentou, as famílias ficaram ainda mais endividadas tendo, muitas delas, visto os seus bens penhorados. Milhares tiveram de revender as casas e os carros aos bancos, tirarem os filhos das escolas e, nalguns casos, regressar a casa dos familiares. Os que terminaram os estudos, porque não arranjavam emprego, tiveram de emigrar (só nos últimos três anos, teriam saído de Portugal cerca de 350.000 jovens adultos em idade laboral!). Porque ainda não era suficiente, os orçamentos para a educação e para a investigação, foram drasticamente diminuidos e o mesmo se passou na saúde, onde todos os serviços passaram a ser pagos de acordo com os vencimentos dos utentes. A cultura deixou de ter ministério e o orçamento não atinge, hoje, os 0,3%. Tudo passou a ser pior, como era imaginável e, três anos depois, Portugal não só está mais pobre (dois milhões de pessoas a viverem abaixo do índice da pobreza e mais de 25% das crianças subalimentadas), como nenhum dos principais objectivos, do programa de "emagrecimento" resultou: o déficit continua a estar acima dos 3% exigidos pela Tratado Europeu (prevê-se que atinja os 4,9% este ano), a dívida pública continua muito acima do máximo de 120% previsto (está em 127,7% do PIB), a economia não cresce acima dos 1,1%, as importações não diminuiram e as hipóteses da economia melhorar, a curto prazo, são nulas.  Não fora o abaixamento das taxas de juro (devido às intervenções de Mario Draghi) e à recente quebra do preço do petróleo nos mercados internacionais e Portugal continuaria a ver a sua dívida ainda mais aumentada e prolongada no tempo.
A situação é de tal modo grave, que a insuspeita Lagarde (FMI), declarou há dias que a receita do Fundo Monetário para os países intervencionados, Portugal incluido, não estava a resultar e que as medidas de austeridade tinham sido exageradas.
Ora, vem agora o Snr. Juncker (acusado pelo Parlamento Europeu de favorecer a lavagem de dinheiro no Luxemburgo, enquanto foi presidente do país), chamar a atenção do governo português, para os desmandos verificados nos últimos meses. Não se faz!
Ainda por cima, criticar os nossos governantes, que sempre disseram querer ir além da Troika e foram os primeiros a assinar o Tratado Orçamental Europeu, que nos prende irremediavelmente a regras impossíveis de cumprir num país endividado como o nosso. E agora, em que ficamos?
É o programa bom? Se é, porque não resultou? Se não é, porque insistir neste modelo?
De facto, há coisas incompreensíveis. Logo agora, que isto ia tudo tão bem, como não se cansa de repetir o governo de Portugal...  

2014/12/20

"A cultura em geral, a arte, têm de servir para que as pessoas possam ser melhores"



Jordi Savall deu uma notável entrevista à Visão. A ler. Entre muitas outras coisas importantes, afirma que "vivemos numa época global mas apenas para o comércio. Não conseguimos ainda que seja um mundo global para a política, para a ética, para a moral. E aí é que estamos falhando. Fazemos todos os tratados para que se possa vender tudo, em todo o mundo, mas não somos capazes de nos pormos de acordo por uma ordem universal de ética, de moral, de justiça (...) O que se faz no comércio teríamos de o fazer também na ética, na educação, na justiça."

2014/12/05

Da Transparência

Rodrigo Gatinho/Portugal.gov.pt


O Índice de Percepção de Corrupção 2014, esta semana divulgado pela ONG Transparency International, confirma a mediana classificação de Portugal, apesar de uma ligeira melhoria (dois lugares) relativamente a 2013.
Portugal ocupa, agora, o 31º lugar, numa lista de 175 países avaliados, onde os primeiros 5 lugares são, respectivamente, ocupados pela Dinamarca, Nova Zelândia, Finlândia, Suécia e Noruega.
No fim da lista, estão, como habitualmente, o Afeganistão (172º), o Sudão (173º), a Somália e a Coreia do Norte (174º).
O índice permite ainda avaliar o nível de corrupção nos países de língua portuguesa, onde Cabo Verde (42º) é, de novo, o mais bem classificado, e Angola e a Guiné-Bissau (161º) os piores da lista.
É isto bom ou mau?
Num ano em que os casos de suspeita de corrupção activa e passiva na sociedade portuguesa foram alvo de noticias quase diárias (BES, Vistos Gold, Duarte Lima, Sócrates, etc.) só é de espantar que a classificação de Portugal tenha melhorado. Não podemos, no entanto, esquecer que o índice é elaborado a partir de dados reunidos no ano transacto, pelo que, em 2015, a classificação poderá bem ser outra.
Também aqui, as opiniões se dividem: os arautos do "politicamente correcto" viram nesta melhoria um sinal do "copo meio-cheio", enquanto os "arautos da desgraça", só vêem "copos meio-vazios".
Acontece que estes índices, com todas as suas limitações, são um misto de relatórios fornecidos pelas delegações nacionais da Transparency International, da análise dos processos judiciais por corrupção e da observação empírica da realidade, pelo que a soma destas três variáveis é determinante para avaliar do nível de transparência em cada país.
Sendo assim, convém relembrar algumas verdades incontornáveis, que permitem aferir da relativa justeza de tais índices. Em primeiro lugar, as razões porque os países mais bem classificados são, normalmente, países escandinavos e/ou anglo-saxónicos: são todos eles, sem excepção, países onde a tradição democrática está mais enraizada, a educação é maior e a orientação religiosa (protestantismo) desenvolveu uma ética de responsabilidade (accountability), meritocracia, rigor, austeridade e cidadania, que exigem maior transparência dos seus cidadãos.
No fundo da lista, os países onde nada disto funciona: são, todos eles, sem excepção, países onde não há democracia (ditaduras ou estados-párias), onde a ignorância é maior e a orientação religiosa (fundamentalista) fomenta o clientelismo, o nepotismo, o suborno e a corrupção. Logo, onde há menos transparência.
No meio da tabela, estão países (como Portugal) que nas últimas décadas têm vindo a sair desta espiral de regimes autoritários e onde a desigualdade, a pobreza e a ignorância, continuam a ser factores impeditivos da construção de sociedades mais justas e equitativas, como é desejável.
Não nos devemos, portanto, admirar que os países onde há maior transparência, são aqueles onde há mais igualdade, mais educação e maior participação, portanto mais democracia. É tão simples como isto e ignorá-lo será sempre fatal.  

2014/12/04

Sentir

Todos certamente já tocámos em gente que se comporta como um holograma. Estão lá, mas não estão. Agora propõem-nos hologramas que podemos sentir como se fosse gente.
A única vantagem que antevejo nesta novidade é que, talvez reaprendendo a tocar e a sentir, os computadores nos ensinem a sermos seres humanos de novo... Uma espécie de crianças selvagens da era digital.


2014/11/22

Os bancos maus e os capuchinhos vermelhos



Parece que ainda não é desta que acabaram as surpresas neste ano pós-Troika.
Mal refeitos das notícias que conduziram à detenção dos implicados no caso dos vistos "gold" - e consequente demissão do ministro Miguel Macedo - surge-nos agora a notícia da detenção, para inquérito, do ex-primeiro ministro José Sócrates, aparentemente suspeito de crimes de corrupção e branqueamento de capitais. Temos de concordar que, tais notícias, ainda para mais na mesma semana, não são coisas triviais num país de "brandos costumes" como Portugal.
Das duas, uma: ou existem fortes índicios que levaram à detenção de todos estes personagens e, nesse caso, nada a estranhar, pois a justiça estará a funcionar; ou, dada a razia que as detenções do grupo de onze suspeitos dos "vistos" causou na coligação governamental (leia-se PSD-CDS), poderá estar em curso uma acção contrária por parte do ministério da justiça, com o fim de desacreditar o maior partido da oposição (PS), agora que António Costa surge à frente nas intenções de voto...
Ambas as hipóteses são válidas e, como têm vindo a comentar os "tudólogos" de serviço nos diversos canais televisivos, é ainda muito cedo para extrair conclusões apressadas. Se, no caso dos "vistos gold", as acusações parecem fundamentadas; no caso da detenção de Sócrates, esta terá a ver com ligações do suspeito a uma empresa de Leiria, alvo de investigações prévias, para além de fluxos de avultadas somas de dinheiro através da sua conta bancária. Como diria o outro, "isto anda tudo ligado" e não será de estranhar que os próximos dias nos tragam notícias, porventura, ainda mais sensacionais.
Uma coisa parece certa: depois dos escândalos bancários  do BPN, do BPP e do BES, dos vistos "gold" e, agora, da prisão (pela primeira vez) de um ex-primeiro-ministro, aparentemente ligado a negócios menos transparentes, Portugal começa a tornar-se um lugar cada vez menos recomendável.
Nada que nos surpreenda. Contrariamente à generalidade das opiniões, que continuam a ver nos actores políticos e nos principais partidos governamentais os únicos responsáveis por este clima de suspeição generalizada, pensamos que há um mal maior, transversal a toda a sociedade portuguesa. E, da mesma forma que não há corruptores sem haver corrompidos, também não poderá haver apenas políticos corruptos sem que alguém se deixe, por eles, corromper ou vice-versa. Isso mesmo está implícito nas mais diversas investigações, levadas a cabo sobre esta matéria e reflectidas nos índices publicados anualmente pela Organização do Desenvolvimento Humano das Nações Unidas (PNUD). Uma simples consulta ao "ranking" a partir de 1990 (ano em que o IDH foi pela primeira vez publicado) permite-nos constatar o óbvio: Portugal caíu 10 lugares na lista de corrupção mundial, depois de ter ocupado a 23ª posição, a sua melhor classifcação de sempre. O nosso país ocupa, agora, a 33ª posição no índice "Transparência" (ver mais aqui), uma das piores entre os países europeus. Não vale a pena olhar para o lado. Algo está, realmente, podre no reino da Dinamarca e não chega chamar pelo lobo mau, para desculpar as maldades do capuchinho. Esta é uma situação potencialmente explosiva e mal vai uma sociedade onde a descrença é geral e o estado perdeu a credibilidade.  
      

2014/11/12

Esperteza Saloia



Lisboa está, definitivamente, na moda.
Não passa uma semana, sem que sejamos confrontados com artigos e reportagens elogiosas sobre a capital portuguesa em tudo o que é publicação estrangeira. Isto, para não falar nos prémios que anualmente são autorgados à excelência turística de Lisboa: pela localização, pela hospitalidade, pelos bairros históricos, pelo Fado, pelo eléctrico 28, pela gastronomia, por Pessoa e pelo pastel de nata. Ainda bem.
Depois dos anos cinzentos do antigo regime, onde tudo era proibido, incluindo pisar a relva dos jardins e beijar turistas no Rossio, os lisboetas libertaram-se e fizeram da sua cidade - certamente uma das mais bonitas do planeta - um lugar bastante mais aprazível para viver.
Pesem as dificuldades inerentes a uma cidade antiga de séculos, da estrutural falta de meios financeiros e da arquitectura "pato bravo", que por aí ainda pulula, a verdade é que a Lisboa de hoje é completamente diferente da Lisboa de há 40 anos. Para melhor.
Não é pois, de admirar, que, após um longo período de relativo "esquecimento" - quando Portugal não fazia parte das rotas turísticas, nem existiam voos e hotéis "low-cost" - o nosso país comece, agora, a ser "descoberto" por uma nova geração de viajantes os quais, para além da praia, também desejam conhecer outras culturas. Óptimo.
Acresce que, numa altura em que a crise social e económica se instalou definitivamente, depois de uma intervenção externa que nos vai custar décadas de recuperação, o país passou também a ser conhecido por outras razões, nomeadamente a de ser um país pobre, logo atractivo para especuladores e visitantes, por ser barato. É natural. 
É por isso que o actual governo criou o "golden card", um visto de residência para estrangeiros que invistam meio-milhão de euros no país (na compra de uma casa, por exemplo); e, agora, o famigerado "euro", com que o presidente da CML se propõe taxar todos os turistas que desembarquem na Portela e todos aqueles que em Lisboa queiram dormir...Para quem ficar mais de uma noite, há descontos a partir dos 7 euros (!?). A argumentação usada para tal despaupério, é que essas receitas extras vão permitir a recuperação de edifícios degradados da cidade, já que o governo faz o mesmo, no OE, através da apelidade "taxa verde", com o imposto sobre os combustíveis. Brilhante.
A imaginação desta gente, não tem, realmente limites...
Conheço dezenas de cidades capitais da Europa e não sei de nenhuma onde exista tal taxa. Dizem-me que em Itália (where else?) há cidades como Veneza, Florença e Roma, onde é cobrada uma taxa suplementar aos turistas estrangeiros (!?). É possível. Logo por azar, a Itália, um país que não prima propriamente pela transparência das suas práticas institucionais, como se depreende de uma rápida consulta ao índice sobre a corrupção publicado anualmente pelo PNUD.
Agora que Lisboa está, finalmente, na rota dos principais operadores turísiticos e cruzeiros internacionais, a Câmara Muncipal de Lisboa quer criar um imposto para os viajantes de avião e para quem queira pernoitar uma, ou mais noites, na cidade. E os portugueses, que vêm de fora? Ou os portugueses que têm de utilizar a Portela, mas depois viajam para Fornos de Algodres? E porque é que os estrangeiros devem pagar um preço diferente dos cidadãos nacionais? Só porque são estrangeiros?
Esta gente não se enxerga. O edil Costa deu mais um tiro no pé e ainda não percebeu que, desta forma, não atrai mais turistas para Lisboa, mas, simplesmente, dá uma má imagem da capital no estrangeiro. A polémica já começou e não é caso para menos. Uma desgraça, estes gestores da coisa pública. Imagine-se, quando chegarem ao governo...
  

2014/10/31

De que é que está tudo à espera?

Estou 100% de acordo com este texto do Sérgio Lavos. Ocorrem-me várias perguntas, contudo. Em primeiro lugar, o que raio aconteceu para este Passos Coelho ter ganho o poder que ganhou? Qual foi, de facto, a causa do aparecimento e do protagonismo que ganharam estes "Passos Coelhos" todos? O que segura a tribo dos "Passos Coelhos"? Quem foi, ou melhor, quem foram os dr. Jekills que criaram estes mr. Hydes? Como exterminá-los a todos? Quem está, de facto, de acordo em exterminá-los e quem é que afinal gosta e a quem é que dá jeito a indigência mental de Passos Coelho? Será assim tão difícil remeter este bandalho e os seus apaniguados para a sua verdadeira dimensão? De que é que está tudo verdadeiramente à espera?

2014/10/27

WOMEX 2014: os caminhos de Santiago


Realizou-se, no passado fim-de-semana, mais uma edição da WOMEX (World Music Expo), por muitos considerada a maior feira de "Músicas do Mundo" do planeta e, certamente, a maior a nível europeu. Lá fomos, a "tribo womexiana", como é habitual em Outubro, desta vez em peregrinação a Santiago de Compostela, lugar mítico por excelência, onde todos os homens e mulheres de boa vontade devem ir, pelo menos uma vez na vida, expiar os seus pecados. Este ano, para além da catedral, a cidade de Santiago tinha ainda para oferecer quatro dias de feira, música, conferências, debates e filmes do Mundo, o que para um melómano nunca é coisa pouca. 
A acreditar no press-release oficial, teriam estado nesta 20ª edição da Feira, mais de 2400 delegados, entre empresários, agentes, produtores, editores, programadores e artistas, distribuidos por cerca de de 300 "stands",  22 conferências e 60 "showcases", para além das inúmeras actividades paralelas organizadas pela Nordesia e pelas Municipalidade de Santiago e Xunta da Galiza, em diversos lugares da cidade. Uma festa, desta vez galega, onde a organização e a hospitalidade local estiveram de mãos dadas para pôr de pé este evento que, pela quinta vez, chega a Espanha.
Dado ser a música a razão maior destes encontros, é nos "showcases" nocturnos que, após um dia de exaustivos contactos e negócios, os delegados se sentam para ajuizar dos nomes seleccionados por um júri de sete membros (os "7 samurais") que este ano receberam 900 candidaturas, donde sairiam os 60 "acts" finais.
Porque se tornaria exaustivo falar das dezenas bandas e solistas escutadas, escolhemos aqueles que, em nossa opinião, foram os melhores "showcases" da Feira. Em lugar de destaque, o projecto que dá pelo nome de Maru Tarang, um quarteto composto pelos australianos Jeff Lang (slide guitar, voz),  Bobby Singh (tabla) e pelos hindus Asin Langa (sarangi, voz) e Bhungar Manganiyar (khartal), que incendiou literalmente o Auditório Abanca, onde actuaram na sexta-feira de madrugada. Música de fusão, alternando entre os "desert blues" e a música cigana do Rajasthan, interpretada por quatro virtuosos nos respectivos instrumentos. Uma revelação, unanimemente aclamada pelos presentes.
Depois e num registro completamente diferente, o grupo coreano Noreum Machi, onde os seus elementos conjugaram uma alucinante técnica de percussão de tambores, com danças e expressões mais teatrais, na velha  tradição asiática. Excelentes, a merecerem os aplausos finais.
Se tivéssemos de escolher a banda de maior impacto desta feira, seria sem dúvida a Dzambo Agusêvi Orchestra, uma Brass-Band da Macedónia, composta por uma dúzia de trompetes e tubas que arrasaram literalmente Santiago. Violência musical e sonora em estado puro, de fazer ressuscitar um morto dos filmes de Kusturica. 
Finalmente, destaque para o excelente grupo húngaro "Sondorgó", um quinteto na melhor tradição musical eslava, com reportório de influências sérvia e croata, duas das maiores comunidades estrangeiras na Hungria. Todos multi-instrumentistas exímios, com destaque para os tocadores de violino e viola, para além da tambura, trompete, clarinete e acordeão, numa simbiose de sons inesquecíveis. A aguçar o apetite para Budapeste, cidade da próxima WOMEX.
Num plano muito bom, deve ser ainda referido o guitarrista Custódio Castelo, a merecer elogios e entrevistas para a rádio e televisão galega; a incontornável Uxia, nome maior da canção da Galiza; Cesária Évora Project, o colectivo  liderado por Nancy Vieira e Jenifer Solidade, formado na cidade da Praia para celebrar as canções da "diva" de pés descalços; "Spiro", um quarteto inglês de folk minimalista; Baloji, grupo de Rap e Hip-Pop de origem congolesa e belga, liderado pelo expressivo vocalista Baloji; Kareyce Fosto, jovem actriz e cantora camaronesa, de forte presença em palco, onde uma simples guitarra fez a diferença. Folk e blues africanos ao melhor nível. 
Porque a representação portuguesa, dada a vizinhança regional, desta vez esteve em peso, não podemos deixar de referir a "showcase" de Lula Pena (dentro do seu registo habitual) e o de Mariza, homenageada este ano com o prémio Womex 2014. Nas conferências, a presença do cantor Vitorino, que faria uma pequena comunicação sobre a canção revolucionária portuguesa através dos últimos dois séculos e os cantores António Zambujo e Ricardo Ribeiro, o primeiro integrado num programa Off-Womex dedicado à música Ibérica e o segundo convidado para falar sobre Fado.
Resta falar dos delegados de Portugal, mais de 30 este ano que, com ou sem "stands", confirmaram uma presença, cada vez mais visível neste importante circuito musical europeu. Para o ano há mais. Esperamos poder lá estar.
Adeus Santiago. Olá Budapeste!

          

2014/10/21

Outono quente, cinema brilhante



Não se podem queixar os cinéfilos portugueses neste reinício da temporada, agora que as salas da capital iniciaram a sua programação habitual. Assim, ao correr da pena, eis alguns dos filmes mais marcantes, actualmente em exibição em Lisboa:
Ciclo dedicado ao indiano Satyajit Ray, com a apresentação de seis títulos da sua vasta obra, todos em versão restaurada, no cinema Nimas.
"Festival do Cinema Francês", a decorrer em diversas salas onde, entre outros, passam as duas últimas obras de Alain Resnais (recentemente falecido) e o novo filme de Mathieu Amalric.
A continuação da saga alemã "Heimat" (partes 1 e 2) de Edgar Reitz, agora em versão cinematográfica, no cinema Monumental.
A 12ª edição do Festival Internacional de Cinema (DOC's) com sede na Culturgest e sessões, e. o, no S. Jorge e na Cinemateca, a decorrer até ao próximo domingo.
Permanecem ainda, em cartaz, os filmes portugueses, "Os Maias", de João Botelho e "Os gatos não têm vertigens" de António Pedro-Vasconcelos e, para o próximo mês, já se anuncia o Festival de Cinema Estoril-Lisboa, este ano com surpresas várias, entre as quais o semiótico e activista Chomsky e o jornalista, exilado na embaixada colombiana em Londres,  Assange (!?)...
Entre a vasta escolha, e porque o tempo não dá para tudo, algumas impressões, necessariamente breves sobre alguns dos filmes vistos: de Satyajit Ray, o mestre do cinema indiano, os clássicos "A Grande Cidade" (1963) e "Charulata" (1964), obras maiores deste ciclo, onde, de forma magistral, Ray analisa as contradições da sociedade indiana pós-colonial, em retratos críticos, mas sempre humanos, nos quais os dramas individuais são, muitas vezes, resolvidos pela tolerância e o amor entre os personagens. Magníficos quadros de uma sociedade de classes, onde as castas e a crítica mordaz ao ex-colonizador e seus costumes, são subtilmente introduzidos ao longo de histórias admiravelmente filmadas. Se o cinema é a "arte de contar histórias em imagens", Ray é o seu paradigma.
Depois, a grande festa que é o DOCs, hoje um dos melhores festivais de cinema documental europeu, com obras inéditas, que constituem o núcleo central da sua programação e ciclos temáticos, que incluem obras de renome em reposição. Destaque para a retrospectiva do documentarista holandês, Johan van der Keuken, do qual são exibidos 23 títulos, num dos maiores ciclos desta Mostra. Revimos "De weg naar het Zuiden" (O caminho para o Sul) de 1981, uma longa reflexão (143') sobre as relações sociais e económicas entre o Norte e o Sul: de Amsterdão, ao Cairo, passando por Paris, a região do Drome, os Alpes e Roma, num filme "on the road" que permanece actual, apesar dos anos, entretanto, decorridos. Na próxima quarta-feira, dia 22, haverá uma mesa-redonda na Culturgest (14.30h.) sobre o significado da obra de Van der Keuken (um dos grandes documentaristas do século, nas palavras do director da Cinemateca) que contará com a presença da viúva e colaboradora (sonoplasta) do realizador.
Ainda no âmbito do DOC´s, vimos um bom filme francês "Brûle La Mer" (2014) de Nathalie Nambot e Maki Berchache, sobre a odisseia deste último, um jovem tunisino que, após a "Revolução do Jasmin", decide ir ter com um primo a Paris onde, após variadas e traumáticas experiências, opta por regressar ao seio da família. Filme iniciático que, mais do que relatar a vivência dos emigrantes ilegais em França, mostra de modo introspectivo o processo de libertação e auto-conhecimento de um jovem emigrante árabe.
Finalmente, duas obras seminais do "free cinema" britânico, corrente inglesa surgida na década de cinquenta, respectivamente "Together" (1956) de Lorenza Mazzetti e "We are the Lambeth Boys" (1959) de Karel Reisz que, conjuntamente com Tony Richardson e Lindsay Anderson, foram os nomes mais importantes desta geração. Trata-se de dois pequenos documentários de 50', filmados a preto e branco, sobre a Londres dos anos cinquenta, fortemente influenciados pelo realismo italiano da década anterior.
Para quem tiver tempo e disposição (o filme dura 338 minutos!), não podemos deixar de recomendar o filme "Mula sa Kung ano ang noon" (From what is before) de 2014, do filipino Lav Diaz, já considerado um dos filmes do ano. Apesar de Diaz continuar a ser um desconhecido em Portugal, ele é, muito justamente, considerado um dos grandes directores da actualidade. Ver os filmes de Diaz (não raramente abaixo das 4 horas de projecção) é sempre uma experiência devastadora. A não perder!
E pronto, por aqui ficamos, que as próximas sessões começam dentro de momentos...

2014/10/14

A vaga de fundo do edil Costa

Imagem Diário Digital
Há coisas que nunca mudam na sociedade portuguesa. Há quem lhe chame tradição e há quem lhe chame laxismo. Também há quem lhe chame incompetência.
Depois da "época dos fogos", que se inicia normalmente em Junho e dura até Setembro, entrámos na "época das cheias", que se inicia em Outubro e dura até ao fim do Inverno.
Nada que não saibamos, acostumados como estamos a estas constantes da vida. Sempre foi assim, desde que temos memória, portanto deve ser inevitável. Há que sofrer e esperar que a "maré vaze"...
Vem este arrazoado todo a propósito das últimas inundações em Lisboa que, mais uma vez, atingiram parte significativa da capital, como de resto já tinha acontecido há três semanas atrás. Relembramos: entre as 15h30 e as 16h (meia hora!) de ontem foram registadas inundações em Benfica, São Domingos de Benfica, Olivais, Misericórdia, Parque das Nações, Estrela, Alvalade, Santa Clara, Campolide, Ajuda, Sto. António, Xabregas, Aeroporto, Calçada de Carriche, Túneis da Avenida João XXI e do Campo Grande, Rua das Pretas, Rua da Prata, Praça do Comércio, Rua Dr. Augusto Castro, Estações do Metro do Rossio, de Sete-Rios e de Chelas. Esqueci-me de alguma coisa? Será isto normal?
Como também é da tradição, logo surgiram as inevitáveis justificações: a maré cheia do Tejo que impede a água das chuvas de correr para o rio e provoca inundações na "baixa", a falta de avisos da meteorologia e as inevitáveis sarjetas, "mães" de todos os males desta cidade ribeirinha.
Acontece que, desta vez, a maré do Tejo estava baixa e a meteorologia tinha avisado (alerta laranja).
Então o que falhou? De acordo com diversos vereadores da Câmara Municipal, o que se mantém são as "inundações, problemas de obstrução das sarjetas, sumidouros e colectores; falta de investimento na rede de esgotos; plano de drenagem pronto desde 2007 por implementar; impermeabilização excessiva dos solos; incorrecto planeamento urbano, etc...". Todo um programa, portanto. 
Já nem sequer vou invocar os sábios avisos do arquitecto Ribeiro Teles que, de há décadas a esta parte, vem alertando para o perigo de construção em leito de cheias, do alastramento do betão por toda a cidade ou da falta de árvores e jardins que permitam uma melhor drenagem das terras.      
Também não quero culpar António Costa, que chegou há sete anos à Câmara, quando este fenómeno das inundações fazia, há muito, parte da paisagem. Mas, alguma coisa deve estar mal e alguma coisa deve ser possível fazer. Desde logo, prevenção, que é a melhor forma de evitar o desastre anunciado. Vivi 30 anos em Amsterdão, uma cidade de canais, 3 metros abaixo do nível do mar do Norte e nunca lá vivi nenhuma cheia. Portanto, é possível. Como foi possível solucionar os problemas da estação de metro do Terreiro de Paço que, devido às infiltrações de águas do Tejo, esteve fechada dez anos. Finalmente, chamaram engenheiros hidráulicos holandeses e eles resolveram o problema.
Custa dinheiro? Pois custa, mas custa muito mais pagar aos sucessivos empreiteiros portugueses que arrecadam milhões de lucros, em "derrapagens orçamentais" destas obras públicas que todos temos de pagar.
Não sei se o actual presidente da Câmara de Lisboa chegará alguma vez a primeiro-ministro, mas, a avaliar pelas inundações que, continuamente, atingem Lisboa, é cada vez mais provável que seja ele o primeiro a ser atingido pela vaga de fundo que estava a criar...  

2014/09/29

A derrota dos néscios

Seguro conseguiu dar um tiro no pé e, ao mesmo tempo, o tiro... fez ricochete e saiu pela culatra. Não era tarefa fácil, mas, Tó Zé, por uma vez acertaste na mouche!
Outra forma de ver o que se passou seria afirmar que as eleições de ontem permitiram-nos assistir a este fenómeno, verdadeiramente prodigioso, totalmente improvável e seguramente invulgar: ao contrário do que seria normal, é o Seguro que é desta feita obrigado a pagar uma enorme franquia por um acidente em que, ainda por cima, ele é dado como culpado.
Dito ainda de outro modo: Seguro contava com um Portugal que, como ele, não pensa, terá feito fé nos que pensam que pensam por ele e enganou-se.
Ou, finalmente, para citar Augusto Santos Silva, naquele seu jeito Terminator III, "O povo não é tão néscio como os néscios o pintam..."

2014/09/26

Um murro com força!

Vivemos num mundo de aparências. O primeiro ministro Passos Coelho diz-se inocente e remediado. Poderá parecer a alguns que sim. A mim parece-me, sobretudo, incompetente para exercer o seu cargo.

Da sua intervenção hoje na AR podemos tirar duas conclusões principais.

1- O segredo fiscal foi violado. Passos Coelho, na sua qualidade de coitadinho não pode fazer nada. "A ideia de que existam declarações que eu não apresentei sequer aqui ao parlamento e a que senhores jornalistas tenham tido acesso, a acontecer, representa uma violação do Estado de direito", disse inlamado. Afirmou-se a este propósito surpreendido, assegurou-se indignado, aparentou desconforto, mas podem os Portugueses ficar descansados, ele não irá tomar medidas para punir os violadores. Não pode. Não quer. Não sabe, aprentemente, como fazê-lo.
Restou-lhe e bastou-lhe queixar-se na AR. Quando se esperariam medidas, somos surpreendidos com queixas. Onde fica o guichet das reclamações dos primeiros ministros? Que secção da Loja do Cidadão as acolherá? Deverá o primeiro ministro pedir o Livro de Reclamações? Queixar-se ao Provedor de Justiça?

2- A Tecnoforma, empresa onde comprovadamente trabalhou, foi a principal financiadora de um tal Centro Português para a Cooperação. Este Centro de propósitos enigmáticos, que funcionava nas instalações da própria Tecnoforma. No meio do enigma, ficamos a saber que Passos Coelho foi mesmo, segundo aqui se afirma, o principal executante e "leader" desta ideia de um dos administradores da empresa.

Depois de ter começado a exercer o seu cargo de deputado, em regime de exclusividade, colaborou confessadamente com o referido Centro. Não terá recebido remuneração alguma como resultado dessa sua colaboração. Apenas terá sido ressarcido das despesas que, enquanto conselheiro em regime pro bono, efectuou ao serviço desse Centro. Não sabemos que despesas, qual o montante nem há documentação oficial que comprove o que quer que seja de toda esta embrulhada. Na aparência, parece que estamos perante um Centro, no mínimo, fiscalmente periférico.

Nem ficou, sobretudo, claro por que razão, a que título (para quê?!) um deputado da Nação deixa a Tecnoforma e passa a colaborar tão afanosamente com um Centro Português para a Cooperação, surgido da iniciativa exclusiva da empresa onde trabalhou até ser eleito e impulsionado por ele próprio. É um novo conceito fiscal: trabalho exo-exclusivo em regime de ressarcimento.

Tal como ao primeiro ministro Passos Coelho, parece então restar-nos ficar surpreendidos, assegurar que estamos indignados e ficarmos todos descansados porque nada irá ser feito para distorcer factos tão torcidos.

Ou então, se não queremos continuar a deixar que façam de nós parvos, parece que teremos todos de dar um valente murro colectivo na mesa.

2014/09/17

Tiraram-me as palavras da boca!

Alexandre Soares dos Santos diz que um salário de 500 ou 520 euros não presta, não motiva. "Não serve para nada," sentencia o empresário enfaticamente. Marinho e Pinto acha, por seu turno, que um salário de 4800 euros por mês para um titular de um cargo público "não permite padrões de vida muito elevados."
Bem me queria parecer...

2014/09/12

Here we go again...



Não constituiu propriamente uma surpresa a declaração de Barak Obama feita (simbolicamente) na véspera do aniversário do 11 de Setembro, sobre as intenções dos EUA em liderar uma coligação internacional para atacar as forças Jihadistas do Estado Islâmico. Depois dos avanços verificados no terreno pelos fundamentalistas, do anúncio da criação do Califado do Levante e das chacinas levadas a cabo pelos mercenários que integram estas tropas sanguinárias, era esperada uma reacção forte dos países ocidentais. As recentes decapitações dos jornalistas, acompanhadas de ameaças directas a Obama, seriam a "gota de água" que fez transbordar o copo da política de contenção, anunciada pelo presidente americano aquando da sua primeira eleição em 2008. Nessa campanha eleitoral, Obama prometeu retirar as tropas americanas do Iraque e do Afeganistão até finais de 2014, um processo que está em vias de ser concluído. Depois de anos da política expansionista, seguida pelos "neocons" de Bush, que acreditavam na exportação do modelo democrático ocidental através da chamada "nation building" (ensaiada de forma desastrosa no Iraque), o povo americano cansou-se da guerra. Não só esta consumia meios humanos e materiais incomportáveis para o país, como a prática demonstrou que os EUA não tinham capacidade para manter uma guerra prolongada de guerrilha em duas frentes, o que viria a revelar-se fatal para a "estratégia de dominó" preconizada por Cheney e Rumsfeld. A perda de popularidade deste modelo (baseado em mentiras, como as "armas de destruição maciça") constituiu um forte golpe no orgulho americano e revelar-se-ia fatal para os republicanos. As teses dos "falcões" do regime perderam peso na política externa e a eleição de um democrata, menos agressivo, foi tudo menos surpreendente.
Acontece que, no "aftermath" da guerra, os EUA deixaram um país (Iraque) ingovernável, entre outras coisas porque destruiram os pilares do estado (polícia, exército e o aparelho administrativo do partido Baas) mantidos pelo regime ditatorial de Sadam. A uma ditadura, seguiu-se o caos e neste proliferou o banditismo, como se tem visto naquela região desde a queda do regime em 2003. O país ficou praticamente dividido em três regiões distintas, controladas por Shiitas, Sunitas e Curdos, que se digladiam entre si.  Junte-se a este "cocktail" explosivo, o aparecimento do Al Qaeda (que transformou o Iraque num campo de treinos) e, mais recentemente, a guerra civil na vizinha Síria, que libertou os "demónios" jihadistas agrupados no que alguma imprensa chama, eufemisticamente, de "rebeldes" e temos reunidas as condições necessárias para uma "tempestade perfeita". Não por acaso, o auto-proclamado estado islâmico foi ali anunciado. O que se seguirá, ainda não sabemos. Mas, não será bom, com certeza. Para já, foi anunciada uma coligação de 10 países para combater o monstro. Obama já declarou que os EUA não vão voltar a uma guerra clássica (leia-se, com tropas no terreno), mas limitar-se-ão a bombardeamentos aéreos. E quem é que fará o trabalho "sujo", no campo, onde todas as batalhas se decidem? Essa é a questão. Sabemos sempre como as guerras começam, mas nunca sabemos como (e quando) acabam.  Lá vamos nós outra vez...

        

2014/09/10

No maior parolo cai a nódoa

Há uma série de televisão, relativamente popular, chamada "A Teoria do Big Bang". Alguns dos que me lêem já a terão visto. Um dos personagens, o Sheldon, amesquinha sistematicamente um outro personagem, o Howard. Num episódio em particular, Howard, um engenheiro com um mestrado do MIT, pega-se com Sheldon, um doutorado em física teórica, detentor de um QI de 187, e desafia-o a elogiá-lo uma vez na vida.  "Diz-me, por uma vez, que sou bom naquilo que faço", exige-lhe. Sheldon, admirado mas aliviado, diz que não é problema. "Eu nunca disse que tu não és bom naquilo que fazes, o que fazes é que não é útil".
Vem isto a propósito de um programa da TVI24 — um programa de "referência", dizem de si próprios — a que ontem, por infeliz acaso, acabei por assistir. O tema interessava-me e fui ficando, apesar da presença dessa pestilência televisiva que dá pelo nome de Medina Carreira, cuja imagem, vá-se lá saber porquê, me causa brotoeja. António Coutinho, o investigador, fez neste caso de compère.
Entre o chorrilho de banalidades e de conceitos mal amanhados que, certamente por um qualquer fenómeno emético, foram sendo sucessivamente expelidos pelos intervenientes, houve um momento precioso, que ilustra bem o nível a que chegaram as ditas elites portuguesas, com o pivot a tentar colaborar, de forma patética, com os dois charlatães.
Deixo aqui a transcrição do tal momento. Procurei que fosse o mais fiel possível, mas quem tiver pachorra pode confirmar tudo aqui.
Falava-se, a dado momento, da evolução dos doutoramentos em Portugal nos últimos 12 anos. Via-se o gráfico que ilustra este post. Era o último de uma série deles com que estes gajos julgam ganhar credibilidade, crescia a expectativa, esperava-se a revelação final e depois, quem sabe, talvez o dilúvio ou mesmo o apocalipse.
AC - 37% de todos os doutorados nos últimos 12 anos são em ciências sociais e humanidades [afirma convicto]. Evidentemente que podem contribuir para o tecido produtivo, mas pouco...
MC - Mas isto o que é? É investigar... em sociologia?
AC - Eu não sei o que é xôtôr...
MC - Ah, não sabe...
AC - É sociologia. Alguns são economistas, provavelmente...
MC - 37%… [comenta, aparte, arvorando ar indignado, Carreira…]
AC - ... As ciências da educação, as ciências sociais, essas coisas...
Esperemos que não sejam o rigor e a isenção aqui demonstrados, os atributos que Coutinho coloca na sua actividade de investigação ou na condução das instituições por onde tem passado. De Medina não se pode esperar mais...
Sheldon teria certamente morrido de inveja ao dar conta deste rigor e isenção do iminente investigador do Karolinska, do Pasteur ou do IGC. Se o Sheldon tivesse ouvido Coutinho, não hesitaria, estou certo, em escrever ao Passos Coelho propondo-lhe a sua nomeação para ministro da blue skies science. Assim, em English e tudo...
Uma coisa é certa: o Sheldon tem infinitamente mais graça que o Coutinho.

A "Rentrée"

in http://oficialdejustica.blogs.sapo.pt/


Contrariamente ao estabelecido pelo calendário, Janeiro nunca foi, para mim, o primeiro mês do ano.
Desde muito novo que me habituei a olhar para Setembro como o mês da renovação, ou do reinício, provavelmente um resquício das minhas memórias escolares. O fim do Verão e o aparecimento das primeiras chuvas, sempre foram bem mais importantes que a mudança de ano, algures no pico do Inverno, quando as condições climatéricas permanecem inalteráveis... 
Agora que o Verão parece ter terminado, e os discursos da "rentrée" já tiveram lugar, resta-nos aguardar as novidades de uma temporada, que se antevê longa e cheia de surpresas. 
Folheio os jornais da manhã, na procura de notícias estimulantes e sou levado a concluir que a mudança de estação não condiz necessariamente com a mudança de práticas e atitudes que nos levem a acreditar que algo vai mudar para melhor.
Veja-se o caso de encerramento e concentração de tribunais, executada nas últimas semanas em todo o país, onde a solução administrativa encontrada foi criticada por todos os interessados (magistrados, funcionários e utentes) que viram o já de si difícil acesso à justiça ainda mais dificultado por uma lei que destruturou por completo um sistema que parece agora não servir a ninguém. O caos está instalado, as salas de tribunal instaladas em contentores, os sistemas operativos não funcionam há duas semanas e a própria bastonária da ordem de advogados, perante tal descalabro, exige a exoneração da ministra.
Ou o caso da colocação dos professores eventuais que, pela enésima vez, se vêem relegados para uma miserável existência, eufemisticamente denominada de "horário zero", o que para milhares deles mais não significa do que o desemprego mascarado. Que o número, este ano, ronde "apenas" mil professores nestas condições, mais não significa que o abandono em massa da profissão que muitos deles abraçaram e os tem levado a emigrar para outras paragens.
O mesmo pode ser dito relativamente à crítica situação do sector da saúde, onde os encerramentos e concentrações anunciadas não servem as populações mais desfavorecidas, obrigadas a optar por hospitais particulares, onde a prestação de serviços se tornou impagável para a maioria dos utentes. Não por acaso, os acidentes mortais como consequência da falta de pessoal (veja-se os casos de Faro ou Évora) têm vindo a aumentar, uma prova inequívoca de que as soluções economicistas, encontradas pelo actual ministério, apenas tendem a desmantelar o SNS e a favorecer os sistemas privados, conforme as indicações da Troika sempre exigiram. 
Finalmente, as privatizações anunciadas - Saúde, PT, TAP, Comboios da linha de Cascais, etc. - que confirmam o que já se sabia: a necessidade urgente de privatizar o que dá lucro, seja para desmantelar o aparelho de estado (e dessa forma alijar as suas obrigações), seja para conseguir capitais necessários ao pagamento dos juros da dívida publica, que já atinge os 130% do PIB nacional.
A acrescentar a esta visão pessimista, necessariamente embaciada pelas condições atmosféricas, resta-nos falar do paupérrimo debate de ideias, oferecido por dois potenciais candidatos ao cargo de 1º ministro e de que, ontem, vimos apenas o primeiro "round". Alguém comprava um carro em segunda-mão a Costa ou a Seguro? Eu não, certamente.
Sim, a "rentrée" está aí, mas a chuva, que cai interruptamente há três dias, não é ainda suficiente para limpar uma situação que parece tornar-se estruturante e para a qual não parece haver solução à vista...           

2014/09/05

David Copperfield passou por aqui


Um truque do conhecido ilusionista fez desaparecer o País!
Perdeu-se a oportunidade de introduzir reformas estruturais sérias na estrutura produtiva do País e no aparelho de Estado?
Pois, de facto, perdeu-se, mas, atenção!, agora surge uma coisa chamada "Fórum Económico Mundial" — que o ministro da Economia jura a pés juntos ser referência incontornável para os investidores — que diz que não, e faz Portugal saltar, num só passe assombroso, 15 - lugares -15 na lista dos países mais competitivos do mundo. Afinal houve aumento da competitividade por causa das "reformas estruturais". Deste governo? A da Justiça não foi certamente e o Álvaro já não mora aqui.
O endividamento era o problema número um do País?
Pois era, mas Portugal decide sacar uns pózinhos, puf-puf, zás-pás!, e emitir ainda mais dívida, desta vez em condições mais vantajosas do que nunca, ou seja, excelentes para os prestamistas. A redução da dívida segue dentro de momentos.
As exportações eram o motor da "retoma"? Pois, as exportações caem porque os exportadores parecem estar a perder quota de mercado. A procura interna aparece agora como o próximo coelho que o Coelho tira da cartola.
O IEFP "dá" emprego? Pois "dá", mas parece que, em certos casos, graças ao gesto mais rápido que o olhar, os trabalhadores são colocados em empresas das quais foram despedidos. É certo que com a economia neste estado, os empresários, carregados de impostos, não têm muitas vezes condições de manter os trabalhadores. A solução encontrada é então despedirem esse trabalhadores e voltarem a admiti-los através do IEFP, pagos por todos nós. O "emprego" dura enquanto durar o subsídio. Depois voltam a sair. O "Estado mínimo" em versão ultra-liberal.
Há crise?
Pois há, mas, varinha mágica, swiig-ziiing-zoiing!, os ordenados dos gestores de topo subiram enquanto os trabalhos menos qualificados (não necessariamente os trabalhadores menos qualificados, note-se) descem. Isso mesmo era relatado ontem na imprensa. A "procura interna", pelos vistos, vai continuar a ser privilégio dos gestores de topo. A retribuição do trabalho vai continuar a descer.
E não é só o país que desaparece. A Europa, não tarda, também vai. Com a ajuda de um mágico local. Portugal subiu ao pódio europeu do desemprego estrutural?
Pois subiu, e agora parece que — certamente em guisa de remuneração compensatória — o dr. Moedas, um dos fautores desse desemprego vai tomar conta da pasta do emprego da Comissão Europeia, alargando, abrakadabra pronto, presto!, o efeito da sua magia ao resto do velho continente.
Portugal, 2014, é este o país que vê? Ou isto não passa de um imenso festival de magia? Um festival de truques produzidos por um grupo de ilusionistas capitaneado por Pedro Manuel Mamede Passos Coelho, com a assistência de Paulo de Sacadura Cabral Portas, a varinha de Aníbal António Cavaco Silva e o apoio técnico de António José Martins Seguro.

2014/09/02

Take Another Plane

A acreditar nos responsáveis da TAP, as notícias sobre avarias mecânicas que nos últimos tempos têm surgido na comunicação social, são francamente exageradas. Talvez. A verdade é que, nos últimos dois meses, foram noticiados dez incidentes com aviões da companhia que, até há bem pouco tempo, era tida como uma das mais seguras do Mundo. De resto, as estatísticas não mentem: a transportadora nacional teve apenas em acidente de grandes dimensões em toda a sua história e, por alguma razão, muitas companhias de aviação continuam a fazer a manutenção dos seus aviões em Lisboa.
Acontece que, de há anos a esta parte, a TAP - a exemplo de outras companhias de bandeira - se viu confrontada com as crises de crescimento inerentes à própria industria: se por um lado aumentou o número de rotas e dessa forma ganhou novas clientelas, por outro foi obrigada a modernizar a frota e dessa forma aumentar o passivo que, numa área de transportes cada vez mais competitiva, acabaria por levar à integração da companhia numa "aliança" internacional, como forma de evitar a privatização da mesma e de resistir ao aparecimento das companhias "low-cost", cada vez mais utilizadas por diferentes segmentos da população. Se a esta situação,  acrescentarmos a crescente insatisfação do pessoal de bordo (pilotos e hospedeiras) que nos últimos anos têm trocado a companhia portuguesa por outras companhias internacionais, bem mais interessantes em termos económicos, está explicada parte da actual crise. As exigências da troika relativamente às privatizações acelerou este processo e a venda da companhia a um magnate colombiano esteve por um triz. De resto, o processo foi apenas adiado e nada garante que no próximo ano o mesmo colombiano não volte à carga, como o próprio referiu em recente entrevista.
Também é muito possível que todas estas avarias sejam normais, e sempre tenham existido, como nos fazem crer os relações públicas da companhia. Mas, então, porque é que nunca ouvíamos falar delas e agora surgem todas as semanas nos mais variados voos? Terá a ver com uma frota reduzida e sobreutilizada, devido à falta de aviões; ou com uma "estratégia" de desvalorização da companhia com vista à sua venda pelo melhor preço? Esta é a questão levantada por muito boa gente.
Seja o que fôr, aqui fica uma sugestão aos utilizadores frequentes (como eu), que prezam a sua vida: caso se mantenham os acidentes, reportados nos últimos meses, não se acanhem, pois podem sempre levar à prática a sugestão implícita no acrónimo da companhia: tomem outro avião...

2014/08/20

Duas semanas noutra cidade (3)



Uma das zonas mais inovadoras e interessantes de Amsterdão é, actualmente, o Noord, situada numa das margens do Ij, o lago que divide a cidade em duas partes distintas. Porque a maioria dos visitantes tende a permanecer no centro, onde estão concentradas as maiores atracções da cidade, poucos são aqueles que conhecem uma área que sofreu modificações profundas nos últimos 20 anos. Antiga zona industrial da cidade, onde estavam os grandes silos de armazenamento de produtos transportados por via marítima e os estaleiros de construção e reparação naval, o Noord foi perdendo a sua importância, à medida que a construção naval passou a ser feita em países asiáticos de mão-de-obra mais barata. Da mesma forma, os antigos armazéns, originalmente destinados a cereais e especiarias trazidas de outros continentes, acabaram por ser esvaziados das funções para que tinham sido construídos, muitos deles tendo ficado ao abandono. Após um período conturbado, nas décadas de setenta e oitenta, em que muitos destes edifícios foram recuperados por "krakers" (ocupantes de casas), que ali viviam e tinham os seus "ateliers", a zona acabaria por ser requalificada e entregue a empreendores privados que transformaram muitos destes antigos armazéns em "lofts" e apartamentos de luxo, onde hoje vive parte da classe média alta da cidade.  Nem todas as soluções arquitectónicas são admiráveis, mas é nesta zona que podem ser vistos alguns dos edifícios mais marcantes desta inovação. Visitámos a zona de Ijburg, servida por uma linha de eléctricos que parte da Centraal Station da cidade. Ainda em fase de acabamentos, já dispõe de uma marine e de uma praia artificial (blijbeach) onde a população da zona pode nadar em águas calmas e conviver nos inúmeros bares e lojas existentes.
Para os turistas, a parte mais interessante da zona Norte está, no entanto, situada nos terrenos da NDSM (Nederlandsche Dok en Scheepsbouw Maatschappij), os antigos estaleiros da cidade onde, entre 1894 e 1979, foram construidos e reparados centenas de navios e tanques de grande porte. Após anos de decadência e subaproveitamento dos antigos edifícios, também aqui surgiriam iniciativas ligadas às artes performativas (Over Het Ij Festival) e diversos "ateliers" e incubadoras de empresas (Creative Hotspot Amsterdam) que transformaram por completo a imagem de "arqueologia industrial" dos antigos estaleiros. Visitámo-la por duas vezes, a primeira para almoçar no Plekk, um restaurante/discoteca construido a partir de antigos contentores empilhados, que dispõe de uma óptima esplanada e uma praia artificial com vista para a cidade; e a segunda, para jantar no Ij-Kantine, um gigantesco restaurante que funciona num dos antigos estaleiros de construção naval. Mais uma vez, uma vista magnífica do "skyline" de Amsterdão, a partir da doca, onde estão fundeados diversos barcos históricos, desde o velho submarino S-117 holandês, ao mítico barco "Verónica", que foi rádio pirata no Mar do Norte, nas décadas de sessenta e setenta. No Ij-Kantine, é ainda possível ouvir música de jazz cigano, numa programação que faz inveja a muitas salas de espectáculos. Os interessados em visitar esta zona da cidade devem apanhar o "ferry" (pont) que parte todas as meias-horas das traseiras da Centraal Station. É a maneira mais rápida, confortável e é gratuita. Não há desculpas e vale a visita.       

2014/08/19

Duas semanas noutra cidade (2)


Um dos lugares mais refrescantes e tranquilos de Amsterdão é o Jardim Botânico. Para quem deseja fugir à verdadeira "Disneyland" em que se tornou o centro histórico da cidade, invadido por milhares de turistas durante todo o Verão, este é um lugar a visitar. O Hortus Botanicus Amsterdam é um dos mais antigos jardins botânicos do Mundo. No jardim e nas estufas encontram-se nada menos do que 4.000 espécies de plantas originárias de todos os continentes. Originalmente criado em 1638, após a epidemia de peste que assolou a cidade, com o nome de Hortus Medicus, albergava à época um jardim de ervas medicinais. Médicos e farmaceuticos aprimoravam ali os seus conhecimentos sobre as ervas medicinais. As ervas eram, então, a principal fonte de medicamentos. Nos séculos XVII e XVIII os navios da Companhia Holandesa das Índias Orientais (VOC) trouxeram plantas ornamentais e especiarias exóticas ao Hortus. Ainda que relativamente pequeno (1,2 ha), a sua riqueza em plantas é enorme. O jardim e as estufas representam sete climas diferentes. A colecção contém somente espécies de plantas naturais e é cientificamente gerada, mediante o intercâmbio de sementes com outros jardins botânicos. 
No lago exterior, aquecido, floresce no Verão a rainha dos nenúfares, a "Victoria Amazonica", que é desde 1859 o ponto culminante da colecção de plantas do Hortus. Porque o acontecimento é publicitado no "site" oficial do Jardim, quis o acaso que, no dia da nossa chegada à cidade, estivesse previsto um dos florescimentos deste ano. Lá fomos, eram 22.30, hora prevista para o desabrochar da Victoria. Nessa noite os portões estavam abertos à população e eram centenas os curiosos que, como nós, se deslocaram ao Hortus. A flor do nenúfar surge ao cair da noite e dura normalmente cerca de 24h, após o que desaparece. Este ano, já tinham florido 10 exemplares, rigorosamente registrados num quadro ao lado do lago e onde uma especialista do Jardim nos guiou através das suas detalhadas explicações. Um verdadeiro acontecimento.  
Outra das atracções, num país de apreciadores de cerveja, é a prova das ditas nos locais próprios, as famosas "bierbrouwerijen" (fábricas de cerveja) das quais existem diversas fábricas artesanais. Esqueçam a "Heineken", a "Amstel" e a "Bavaria", marcas com as quais os portugueses estão familiarizados, e que são aqui meras cervejas de supermercado. 
Se querem provar o que é bom, dirijam-se à Brouwerij't Ij, situada na zona Leste da cidade, não muito longe do Museu Marítimo. É identificável através de um alto moinho de vento, dos poucos que ainda existem em Amsterdão.
Uma vez lá chegados, a dificuldade reside na escolha. Para os iniciados,  recomendamos a Plzeñ (5º) feita a partir de malte de trigo, com aroma de lúpulo e ervas aromáticas. O seu nome deriva da cidade de Plzeñ na Checoslováquia, onde teria surgido a cerveja a copo (pils) original. A minha preferida é a Ijwit (6,5º), uma cerveja branca de malte de trigo. De resto, a palavra "wit" é o antigo termo usado para trigo. Para os apreciadores, a Zatte (8º) é uma prova imperdível. Foi a primeira cerveja saída da fábrica (criada em 1985) e tornou-se um clássico. É uma "tripel", de acordo com a classificação belga dada às cervejas "blonde" mais fortes. Para os mais ousados,  a I.P.A. (7º), uma cerveja "blonde" escura de sabor a lúpulo, ou uma Struis (9º), cerveja de cevada ao estilo inglês, são alternativas a provar. Não esquecer, para acompanhar, o "Old Amsterdam", um queijo bem curado, ligeiramente salgado, ou uma enguia fumada, pois uma boa cerveja biológica exige aperitivos à altura. Um verdadeiro templo de cerveja, a Brouwerij't Ij, que pode ser visitada, individualmente ou em grupo, desde que feitas as marcações com antecedência.