2008/11/02

Episódios da democracia I

Não deixa de ser surpreendente verificar que em 2008, 34 anos depois de Abril, volte a haver movimentações da tropa. É também revelador da qualidade da nossa democracia.
A tropa foi, e pretende manter-se, uma das poucas instituições portuguesas que sempre funcionou num quadro de padrões de exigência pouco habitual no país. Por razões várias, à instituição militar não se podem apontar, de um modo geral, os defeitos e vícios de que a generalidade da sociedade portuguesa e das suas instituições padecem e de que todos nos queixamos "no civil".
Contudo, há nas queixas dos militares ressonâncias mais profundas. Eles sabem-no e nós também. E sabe-o o governo. Estas queixas não são de hoje, é justo admiti-lo, mas é significativo que estas movimentações ocorram agora e que seja neste preciso momento que o seu tom de voz sobe.
Não me espantaria que o PM viesse dar toda a razão aos militares, afirmando que é o primeiro a reconhecer a bondade das suas queixas. Não me espantaria também que contrapusesse, como gosta de fazer para baralhar o esquema, o quadro de restrições em que o país vive e a conjuntura difícil que todos os portugueses conhecem, para manter tudo na mesma.
É certo que hoje vivemos em democracia e a ansiedade dos militares tem um outro carácter, menos "underground", se quiserem. E também é certo que o papel dos militares na sociedade portuguesa está muito mais claramente enquadrado e definido. Mas, também não é menos certo que, como diz o general Loureiro dos Santos, os militares "sentem uma certa injustiça relativamente a outras pessoas do serviço público (...) que não correm os riscos que eles correm, nem têm a restrição de direitos que eles têm" e queixam-se de "ignorância e de incompetência no tratamento dos seus assuntos."
O que tem piada é que, para além dos militares, também os outros servidores públicos se queixam do mesmo. E o que tem ainda mais piada é que a sociedade portuguesa, no geral, manifesta exactamente as mesmas razões de queixa.
Já não me lembro bem, mas acho que foi uma situação assim que desembocou no 25 de Abril e gerou depois uma coisa chamada unidade Povo-MFA...

1 comentário:

Rui Mota disse...

As reivindicações militares não são de hoje e enquadram~se no mal-estar geral existente na sociedade portuguesa. Se os militares têm hoje "menos direitos" do que os civis, também é verdade que quando se manifestam são, normalmente, mais ouvidos.
Portugal é um país de corporações e a corporação militar continua a ser um dos pilares do regime, pelo que não nos devemos admirar se o governo vier a satisfazer as suas reivindicações. Assim os civis tivessem esse poder (e organização) e as coisas seriam bem diferentes.
Tenho uma relação ambígua com militares: se a eles devo o "25 de Abril", também não posso esquecer que foram os mesmos militares que fizeram o "25 do Novembro"...
Agora queixam-se. Têm o regime que escolheram.