2010/05/01

As obras da discórdia

O governo insiste no prosseguimento das obras faraónicas que estavam planeadas: TGV, aeroporto, auto-estradas, terceira travessia do Tejo, etc. É uma posição reveladora de um voluntarismo totalmente irresponsável.
A oposição em bloco, rejeita. O PR aconselha a "reponderar". O governo, como disse, coerentemente insiste, embora se perceba que a questão também não deve ser ser consensual e pode abrir brechas na muralha socrática.
A verdade é que, à semelhança do que se passa com questões como a avaliação do impacto orçamental da redução do subsídio do desemprego, o governo deve conhecer tanto do impacto destas obras, como um burro sabe tocar lira (*).
Na dúvida, pensa o governo, é preferível a fuga para a frente. 
O que já não parece, de todo, correcto é que a oposição e o PR não levem a sua crítica até às últimas consequências. E, assim, as razões da sua discordância morrem com essa inconsequência. Porque se limitam a criticar se podem, afinal, agir em função dessa crítica? Estamos ou não estamos a falar de coisas sérias? Estas obras vão ou não vão de facto deixar-nos ainda mais de tanga por muito tempo?
Se as obras são boas o governo tem razão, mas se as obras são más e o governo teima em executá-las vão deixar?! Serão co-responsáveis inevitavelmente.
Se é criticável que, no quadro de restrições orçamentais actuais, o governo decida reiteradamente avançar com obras cujo benefício suscita dúvidas, penso que ainda é mais criticável que a oposição, por um lado e o PR, por outro, manifestem publica e veementemente essas dúvidas, critiquem esta estratégia e não levem a sua crítica até ao extremo da sua acção. Parece a velha história do "agarrem-me senão eu mato-o"!
O governo propiciou aqui um confronto real de posições que conduz a uma oportunidade única para os partidos da oposição e o PR exercerem de forma coerente as suas prerrogativas. Mais retórica é que não!


(*) Como dizia a Morte do Lavrador da Boémia.

3 comentários:

m´espanto às vezes, outras m´envergonho disse...

Caro Paulino

Parece me que à esquerda ( Comunas e Bloquistas ) não há oposição ( Os eleitores dos ditos são apoiantes do TGV e do Aeroporto? Sobre o PR parece-me que deve regressar ao POÇO DE BOLIQUEIME.
Se não fosse triste, até dava vontade de rir.
Zé da banda larga e mendonça dos transportes RUA!
Abraço

Carlos A. Augusto disse...

Bom, na prática de facto tanto o PCP como o BE, em contraste com o PSD e o CDS (que nisso são mais claros) são ambíguos no modo como tratam desta matéria. Não há exigência inequívoca de suspensão dos projectos, mas por outro lado há inúmeras condições que ambas as forças citam para a sua continuação.
A questão aqui é outra: há exigências mais ou menos claras dos partidos, mas há exigências, e do PR e o governo faz finca pé. Face ao finca pé do governo sobre matéria, que não sabe ou não quer justificar com clareza (algumas destas obras são polémicas!), a oposição parece responder com a mesma posição: não sabe ou não quer justificar claramente a sua exigência de suspensão dos projectos. Porque se quisesse levar isto atee às últimas consequências tinha um bom caminho. Quanto ao PR, se deixar passar os seus reparos sem acção vem confirmar mais uma vez que anda a fazer papel de embrulho...
A "magistratura de influência", mansa e sem ondas, não resiste às exigências da situação e do cargo...
Havia um filme antigamente que era Le Soupirant (http://www.youtube.com/watch?v=XFw2AvWOBu0).
O PR por vezes parece o Pierre Etaix...
Não pode!!

Rui Mota disse...

Já toda a gente percebeu que os partidos são movidos por calculismo político. A direita recusa as grandes obras, mas foi esta mesma direita que assinou na Figueira da Foz o projecto do TGV com os espanhóis (no 1º governo Durão Barroso-Paulo Portas). A esquerda defende o investimento público na lógica do pleno emprego: o PCP apoia, desde que a mão-de-obra e as matérias-primas sejam portuguesas (como se isso fosse possível). Finalmente, o BE defende as obras, desde que sejam noutros sectores (requalificação de cidades, parque escolar, etc...).
Pior que o problema da despesa e da dívida, é a rentabilidade do projecto, pois não é expectável que hajam 10 milhões de pessoas/ano a utilizar um combóio com viagens a €100,- cuja linha termina em Madrid! A ligação à Europa é uma falácia, pois para os portugueses que querem ir para a Europa, a ligação faz-se por Vilar Formoso, Irun, Paris ou, em alternativa por Barcelona, Nice, Milão...
Isto para não falar na bitola Ibérica que só interessa aos espanhóis. Dos Pirinéus para lá, a bitola é europeia (mais estreita).
Enfim, uma série de equívocos, que têm tanto a ver com interesses económicos como com avaliações precipitadas. Para não falar da incompetência generalizada, como já vai sendo hábito.