Há festa no Cairo e não é razão para menos.
Dezoito dias após as primeiras manifestações que encheram a praça de Tahrir, os egípcios viram hoje a sua principal reivindicação satisfeita: a saída de Mubarak. Era uma exigência antiga, mas a ditadura militar, longa de trinta anos, resistia a todos os protestos. Com o apoio dos Estados Unidos e agitando o papão do fundamentalismo islâmico, Mubarak soube construir a imagem que convinha ao Ocidente. Afinal, ele podia orgulhar-se de ter assinado o mais durável acordo de Paz com Israel e, simultaneamente, manter a "irmandade muçulmana" fora do poder. Dito de outro modo, "era um sacana, mas era o nosso sacana".
As coisas começaram a mudar com a revolta na vizinha Tunísia. Se os tunisinos conseguiram, os egípcios haviam de conseguir também. Dezoito longos dias e 300 mortes mais tarde, durante os quais o Mundo pode seguir em directo o heróico braço de ferro entre os ocupantes da praça da libertação e o governo, o povo venceu. Mubarak demitiu-se hoje ao fim da tarde.
Ainda é cedo para extrair conclusões de um processo que vai, agora, iniciar-se. O exército, principal sustentáculo da ditadura, continua intacto e o substituto do presidente deposto é, ele mesmo, um militar. Ou seja, o período de transição necessário às mudanças de regime, terá sempre a supervisão militar. Nada garante que este se mantenha neutral, pois não quererá perder as regalias que os 1,3 mil milhões de dólares anuais dos Estados Unidos lhe garantem. Esta é, no momento, a grande incógnita: até onde poderão ir as reformas?
Uma coisa parece certa. Nada será como dantes. No Egipto e nas ditaduras mais ou menos musculadas da região. Repúblicas ou monarquias, todos terão de mudar e é bom que o façam depressa, para não terem de sair à força. Esta é a grande lição destas semanas alucinantes.
Para já, o tempo é de festa e só por isso devemos regozijar-nos.
3 comentários:
Este post contém as reflexões que eu faria em relação ao processo egípcio: «nada será como dantes»; «Repúblicas ou monarquias, todos terão de mudar e é bom que o façam depressa, para não terem de sair à força»; «o tempo é de festa e só por isso devemos regozijar-nos»; «o período de transição necessário às mudanças de regime, terá sempre a supervisão do exército». A resposta à pergunta «até onde poderão ir as reformas?» poderá estar condicionada pela política dos Estados Unidos; mas, e talvez esta minha opinião soe para alguns a heresia, antes por esta que pela de qualquer «irmandade muçulmana».
Raul,
Esse é um dos dilemas. Certamente, que ninguém de juízo quererá a "irmandade muçulmana" no poder. Mas, também já toda a gente percebeu que as intervenções dos EUA na região só serviram para manter os "coronéis" no poder. Ou seja, as populações, perderam sempre. Penso que é altura do Ocidente (seja lá o que isso for) deixar-se de atitudes paternalista e etnocentricas, permitindo que sejam os povos da região a escolher o seu destino. É por isso que a escolha não pode ser entre o mal e o mal menor para nós. A escolha deve ser: deixem os egípcios escolher e respeitem a sua escolha.
Afinal, os portugueses também escolheram o seu destino quando derrubaram a ditadura em 1974 e não necessitaram de patrocinatos de ninguém.
Claro, Rui! Será tão bom se vier a ser assim!
Do que me dá a ideia é que, desta vez, aos camones também não interessa uma deriva de contornos fundamentalistas, ou seja, há, de facto uma "janela de oportunidade" para o povo.
Melhor: se tal acontecer, o fogo pode espalhar-se pelo mundo árabe!
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