Não sei se é ou não técnica ou constitucionalmente possível anular a convocatória para as eleições. Não sei qual o conceito de "governo forte" que os inúmeros utilizadores dessa expressão têm, mas sei —tenho a certeza!— que a brutalidade das medidas que se adivinham e a atitude para com os partidos que representam exclusivamente quem mais vai sofrer com essas medidas é uma receita para o desastre social. O Presidente da República tem essa responsabilidade em cima dos ombros: evitar o desastre. Em vez de armar, ele e os líderes dos auto-proclamados partidos "democráticos", em rapaziada sensata e com juizinho (viu-se no que deu esta "sensatez" e "juízo"...) , por que não tomam a atitude correcta e desistem das eleições? Estão à espera de quê...?
Começaram tortas as "negociações" entre os prestamistas internacionais (chamam-lhe a troika) e as diversas instituições e organizações portuguesas envolvidas no processo do resgate financeiro do país. Segundo foi revelado por Jerónimo de Sousa, o PCP, por exemplo, uma dessas organizações, um partido legítimo português com representação parlamentar, foi convocado telefonicamente, ontem de manhã, para uma reunião a efectuar à tarde com os ditos prestamistas, sem sequer ter tido acesso à informação necessária para poder dar um fundado contributo. Tudo isto acontece sem que se ouça uma única voz a condenar tudo isto. De forma subserviente os partidos "democráticos" não assinalam este atentado à democracia e lá vão ao beija mão.
Uma convocatória nestas circunstâncias é uma provocação inqualificável e totalmente irresponsável. Está visto que a troika não está interessada em conhecer as opiniões dos representantes de um largo sector da população portuguesa.
O PCP, naturalmente, recusou a reunião. O BE e os Verdes fizeram o mesmo. Mário Soares comenta, leviano, dizendo não estar surpreendido porque nem PCP, nem BE quiseram alguma vez a Europa. Como se o objectivo destas "negociações" fosse discutir a "Europa". É um escândalo!
Não foram os partidos de esquerda que se auto-excluíram deste esforço. São os "troikos" que os tratam de forma arrogante e provocatória, como se fosse possível passar sem o povo. E fazem-no com a tranquilidade de que não serão eles que irão sofrer com a contestação que se vai inevitavelmente gerar.
Preparam-se entretanto eleições sabendo-se de antemão que não servem para nada e que absolutamente nada com elas vai mudar. Sabe-se que quem quer que seja que ganhe as eleições vai ser um amanuense dos "troikos". A "crise" no discurso político dos partidos do "arco do cego", por sua vez, não parece passar de arma de jogo político. No discurso e na prática destes partidos o argumento da crise, quando surge, não passa de instrumento que lhes permita marcar-se tacticamente para ver como melhor hão-de tirar o cavalinho da chuva e como melhor hão-de tirar o maior dividendo possível de todo este imbróglio.
Se a "gravidade" da situação fosse uma realidade de facto para os partidos do "arco", se estes quisessem superar a verdadeira crise, as soluções seriam outras, a mobilização, os entendimentos e consensos teriam de ser diferentes.
Os Portugueses, por seu lado, já perceberam que o papel de quem quer que seja que tome conta do poder não vai passar do de administrador da massa falida e não esperam destas eleições nenhuma alteração de rumo, nenhuma correcção de processos, nenhuma compensação pela ausência de medidas tomadas em tempo oportuno. Para o povo português não há nada a esperar do que aí vem, a não ser meter o pescocinho o mais a jeito possível para enfiar a canga, enquanto continuam a observar os jogos florais dos partidos do "arco".
Parece-me bizarro que se façam eleições neste quadro. Devíamos ser poupados a este triste espectáculo porque não vamos ganhar nada com esta solução. As eleições não passam de um processo de branqueamento dos responsáveis pela crise, não trazem soluções para ela e vão reforçar o carácter indigente da governação do país. E parece-me igualmente bizarro que se esteja a hostilizar justamente aquelas organizações que representam a maioria, se não a totalidade, dos sectores da sociedade que mais vão sofrer com as medidas que aí vêm.
Ou seja: no dia 5 de Junho vamos votar um governo inútil, que vai fazer cumprir medidas que os partidos de esquerda foram impedidos sequer de discutir. Partidos que são provocatoriamente levados a não discutir essas medidas, mas que são constituídos na sua quase totalidade, ou mesmo na sua totalidade, pelo sector da população portuguesa que vai ser vítima dessas medidas.
Sentido patriótico e atitude responsável era pois e quanto a mim, procurar nesta altura, a todo o transe, uma solução política digna e alargada de facto a todas as forças partidárias para negociar os termos do acordo com os "troikos", poupando-nos à fantochada das eleições, uma solução que assegurasse um acordo mínimo para uma mudança efectiva e consensual no rumo político do país. Uma solução mobilizadora, activa, sem preconceitos mesquinhos, que garantisse o contributo de todos, segundo as suas responsabilidades e meios, para mais rapidamente sair da crise. Um consenso obtido em sede própria e não forçado à mesa das negociações com entidades alienígenas e por elas condicionado.
De outra forma não penso que venha aí nada de bom para ninguém. E não creio que seja possível deixar sem resposta firme a arrogância e o desrespeito com que estamos a ser tratados.
1 comentário:
As eleições não interessam para nada, pois os partidos eleitos vão apenas aplicar a receita do FMI/FEEF.
O PR é um falso sonso que pretensamente "paira" acima dos partidos, mas está interessado que o PSD vá para o poder, logo...
O Mário Soares está fora de prazo e esquece-se que o FMI entrou 2 vezes em Portugal durante os seus governos e pela terceira vez vai entrar em Portugal, sob um governo PS. É obra!
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