2011/06/02

Um coelho com chinelo, mas sem cartola

Estas eleições trouxeram uma novidade: assistimos ao lançamento do jovem tenor Coelho na ribalta política. Com aquela fogosidade e ingenuidade que têm os jovens tenores, Coelho vai repetindo que não irá mandar no Estado, não irá controlar a política, os políticos, os partidos, servir clientelas. Decerto... Barões e baronesas olham para ele, embevecidos, enquanto o ouvem. "Nem sabes quão verdade é tudo isso que dizes", pensarão, enquanto mostram o sorriso de circunstância e anuem suavemente com a cabeça.
O que vai então fazer Coelho? Se, com o PS, o país está debaixo da lógica da mãozinha, ao serviço das suas clientelas e dos seus (muitos) bonzos, com o PSD estará debaixo da lógica da setinha, das suas clientelas, dos seus (muitos) bonzos, mas também das suas contínuas cólicas. Concessa venia troikis, que eles não podem sair daqui sem o seu.
Passos Coelho trouxe para o PSD a mais valia de se prestar a fazer o papel de bostik, juntando,  temporariamente, os cacos de um partido que estava em risco real de total extinção. E lá vai ele colando, colando até que a voz lhe doa. Passos Coelho parece-me não passar de um testa de ferro de umas quantas figuras que devem ter feito um derradeiro e monumental esforço para que o PSD não fosse empurrado para o Parque Jurássico da política portuguesa, deixando com isso uma data de gente aflita e de malas aviadas para se mudar para o PS ou para o CDS.
A Passos Coelho não se lhe conhece uma ideia, um pensamento doutrinário, uma visão estratégica. Não se lhe adivinha dimensão escondida, sentido de orientação, arcaboiço intercostal. Apenas aquela disponibilidade naive e aquela atitude voluntariosa, tipo escuteiro, para levar, cantando e rindo, a tarefa de que os seus maiores o incumbiram adiante. Tintin em Massamá.

Uma dúvida que me tem assaltado nestes últimos tempos é esta: o que ganham os partidos do "arco" ao quererem ocupar o poder neste momento? Como se poderão rever no papel de comissão liquidatária, de amanuenses da troika? Bom, para além do facto, não despiciendo, de terem, como comissão liquidatária, um ordenado simpático neste país de desemprego, restam razões de natureza privada.
O PS, parece-me lógico, quer tapar o descalabro em que lançou o país e evitar com isso ser castigado e sofrer uma maldição semelhante à que Bella Gutman lançou sobre o clube da rodinha de bicicleta! Num país a sério o PS ia a tribunal de guerra.
O CDS, na sua lógica de partido de aluguer, quer ter sempre, pelo menos, uma nádega nas cadeiras do poder para não obrigar a clientela a ter de abrir mais casas de comida a peso na Avenida de Roma e imediações. Num país a sério o CDS teria um parlor no Intendente, não uma sede no Caldas.
E o PSD? O que raio quer o PSD? O que raio poderá querer o PSD? Quando está no poder desata sempre naquele exercício de auto-mutilação, tão patético e confrangedor que inevitavelmente reconduz o PS. Porquê então esta corrida, agora neste momento, politicamente tão desfavorável?
Só é possível perceber o PSD numa lógica de simples preservação da espécie, em real via de extinção. O comité de barões terá reunido e determinado que era agora ou nunca. Era preservar as tartarugas nas Galápagos ou os laranjas em S. Caetano. Optaram pelos laranjas, está feito. Na falta de um desígnio para o país, na falta de uma ideologia, de um simples projecto, este part-time de entrega das encomendas da troika serve para dar sentido ao PSD, para apontar o rumo que lhe faltava, para reunir as hostes desavindas. Há para aí muita encomenda para entregar, muito selo para colar, muito registo para fazer. E ainda nem chegámos ao Natal!
Metido num chinelo, Coelho, precário a recibo laranja, vai preparando a fardeta de paquete e dando na bostik. É isto que o PSD espera dele e quem somos nós para esperar mais?
A menos que Coelho se tire a si próprio da cartola, o que me parece uma contradição aparentemente insanável, logo, um truque altamente improvável.

4 comentários:

Rui Mota disse...

Já não há cartolas. Sem cartolas é difícil tirar Coelhos...

Carlos A. Augusto disse...

Pois não, há artolas! Somos todos nós a ter de aturar esta chusma...

Fernando disse...

Que belo texto, Carlos! Parabéns! Infelizmente, as suas conclusões são correctas...

Carlos A. Augusto disse...

Afinal, se calhar, há mesmo cartola!
http://verdadeirolapisazul.blogspot.com/