2016/10/22
Outono em Amsterdão (4)
Criada em 1984, a Associação Portuguesa de Amsterdão (vulgo APA), surgiu após um longo processo de unificação de duas associações de emigrados portugueses na Holanda: a Casa Portuguesa de Amsterdão (CPA), fundada nos anos sessenta e a Associação Resistência e Trabalho (ART), surgida em 1970. Dos anos sessenta, data igualmente o Clube Desportivo "Os Lusitanos", ainda em actividade, que não participou no movimento unificador das associações na década de oitenta.
Instalada recentemente num parque da zona oeste da cidade, a APA mantém as principais actividades de origem, ainda que reduzida no espaço físico e no número dos membros activos que dão vida diária à associação. Não se vêem por aqui muitas caras novas e são ainda os emigrantes da primeira e segunda gerações que, à volta da mesa de cartas ou em frente ao écran gigante onde assistem aos jogos de futebol da liga portuguesa em directo, continuam a animar o convívio.
Paralelamente, outros frequentadores e organizações, usam o espaço da associação para organizarem sessões e tertúlias menos lúdicas, normalmente dedicadas à literatura ou à poesia, onde a componente gastronómica é parte obrigatória do programa. É o caso do grupo "Tertúlia" que, mensalmente, escolhe um tema à volta do qual são organizadas as sessões com convidados exteriores.
A "Tertúlia" deste mês, foi integrada no Festival "Seis Continentes" (evento multicultural organizado simultaneamente em vários países) e incluíu no seu programa a apresentação do livro "Exílios", uma obra colectiva na qual participámos. Trata-se de um livro de testemunhos e memórias de ex-exilados políticos (desertores e refractários) que recusaram a guerra colonial portuguesa e viveram os anos de exílio em diversos países europeus. As honras da casa foram feitas por Teresa Pinto (do festival "Seis Continentes") enquanto a apresentação do livro esteve a cargo de Fernando Venâncio, professor jubilado da Universidade de Amsterdão (ele próprio um ex-desertor e exilado na Holanda). Ao escriba destas linhas coube a explicação da génese do projecto que, mais do que reunir histórias de vida, pretendeu fixar testemunhos de uma geração que discordou da guerra (sobre a qual poucos ousam falar) para que, desta forma, a memória não se apague. Seguiu-se animada conversa com a assistência luso-holandesa presente, tendo a sessão terminado com os habituais registos para a posteridade. A visita a Amsterdão terminava, assim, da melhor forma.
2016/10/21
Outono em Amsterdão (3)
Durante a ocupação alemã, foram presos e transportados para os campos de concentração, mais de 120.000 judeus. Destes, 104.000 morreram.
Em Amsterdão, a comunidade judaica habitava um quarteirão no centro, cujo perímetro era limitado a Oeste pelo rio Amstel (que atravessa diagonalmente a cidade) e a Nordeste pelo Jardim Zoológico (vulgo Artis), um frondoso parque onde podem ser vistos animais e plantas exóticas.
Após a guerra, o "quarteirão judeu" foi parcialmente destruído e as velhas casas substituídas por novos edifícios, onde funcionam os serviços administrativos da câmara municipal, a ópera, museus, e diversos hotéis e restaurantes.
No espaço, anteriormente ocupado pelo bairro, foram entretanto surgindo museus e memoriais ligados à história da comunidade judaica na cidade e na diáspora. Este quarteirão cultural judeu, inclui, para além da "Sinagoga Portuguesa" (construída em 1675), o "Museu da História Judaica", o "Memorial Nacional do Holocausto" e o "Museu Nacional do Holocausto", que podem ser visitados comprando um bilhete único pelo módico preço de 15euros.
Dispensámos a Sinagoga, que já conhecíamos de anteriores visitas, e iniciámos a visita pelo "Museu da História Judaica", a peça de resistência deste périplo, onde pode ser vista a exposição "The Power of Pictures - Fotografias e Filmes da antiga União-Soviética". Fotografias, filmes e "affiches" das décadas vinte e trinta do século passado, quando o movimento avantgardista russo atingia o seu auge. Admiráveis trabalhos fotográficos de Rodchenko, Schaikhet, Shudakov, Petrusov, Zelma, Penson, Nappelbaum, Ignatovich e filmes clássicos de Eisenstein, Barnet, Kuleshov, Pudovkin, Turin, Kalatozov, Vertov (que podem ser visionados em projecções diárias), para além da excelente colecção de "affiches" revolucionários que, um século mais tarde, permanecem verdadeiros ícons da arte.
Seguimos para o "Memorial do Holocausto", situado no Hollandsche Schouwburg, a antiga sala de espectáculos da cidade, construída em 1892. Entre Julho de 1942 e Novembro de 1943, o Schouwburg foi utilizado como lugar de deportação. Os judeus de Amsterdão e arredores, tinham de apresentar-se no teatro, para serem deportados, ou eram levados à força. Ali aguardavam dias, às vezes semanas, pelo transporte para os campos de Westerbok e de Vught, perto da fronteira alemã. Daí, eram metidos em combóios que os transportavam para os campos de extermínio. Depois da guerra, o edifício deixou de ser utilizado e acabaria por ser parcialmente demolido. Já em 1962, a Câmara de Amsterdão decidiu erigir um monumento em honra das vítimas, situado num pátio interior do edifício. Recentemente, outro presidente da câmara, o judeu Ed van Thijn (ele mesmo uma vítima da guerra) inaugurou um novo memorial, constituido por placas de vidro nas paredes, onde podem ser lidos os nomes das 6700 famílias dos 104.000 judeus mortos.
Em frente ao teatro, do outro lado da rua, está situado o "Museu do Holocausto", no lugar onde existia uma creche e eram recolhidos os filhos das famílias deportadas. Muitas dessas crianças acabariam por ser levadas clandestinamente, por membros da resistência holandesa, que os entregavam a famílias adoptivas no Sul da Holanda, onde ficaram até ao fim da guerra.
O Museu, inaugurado em Maio este ano, dispõe apenas de três salas. Na primeira, pudemos assistir a um filme sobre o pintor (e actor) Jeroen Krabbé, cujo avô foi levado e morto em Sobibor. No documentário (50') Krabbé explica os motivos e o processo de trabalho seguidos, que o levaram a mergulhar na história da família e na tragédia do seu avó Abraham. Depois, passámos à sala da exposição propriamente dita, sobre a vida, a prisão, o transporte e a morte de Abraham, intitulada "O declínio de Abraham Reiss". Nove "tableaus" de 3x2metros de altura, belos e horríveis na sua crueldade, onde a técnica mista de óleo, desenho e colagem, serve o propósito dramático do autor.
A última sala, seria a mais surpreendente. Num espaço vazio, onde estão instaladas duas mesas com terminais de computadores, os visitantes podem inserir dados sobre familiares mortos ou desaparecidos na Holanda. Os dados são imediatamente projectados numa das paredes da sala, transformada num écran gigante de computador, que envia a informação para todo o Mundo em simultâneo. Assim se preserva a memória.
2016/10/20
Outono em Amsterdão (2)
Nem só pelos canais é conhecida a cidade de Amsterdão. Uma das áreas onde mais se investiu, nos últimos anos, foram as zonas verdes (parques e bosques) que ocupam grande parte do tecido urbano. Um dos parques mais agradáveis da cidade é, actualmente, o Westerpark, situado num antigo bairro operário com o mesmo nome. O parque, criado no século XIX, serve os habitantes do bairro e alberga a antiga fábrica de gás da cidade (construida em 1888), um complexo de edifícios em tijoleira vermelha, a lembrar o estilo britânico da era da industrialização. Está situado ao longo da Haarlemmerweg, uma via rápida que liga Amsterdão à cidade de Haarlem.
Nos anos sessenta, com a descoberta de gás no mar do Norte, a fábrica tornou-se absoleta e foi encerrada. Os seus edifícios seriam mais tarde ocupados por "krakers" (movimento de ocupação de casas) que transformaram o espaço em "ateliers" e serviços comunitários diversos. A fábrica foi preservada pelo município e classificada como "arqueologia industrial". Depois de alguns anos encerrado, o Westpark reabriu ao público em 2003, agora dividido em duas zonas distintas, Norte e Sul, separadas pelo antigo complexo industrial, totalmente recuperado e onde funcionam "ateliers", "galerias de arte, "start-ups", dois restaurantes, o café "loja do pão" (que fabrica e vende diariamente pão fresco), para além de um auditório ao ar livre, o "North Sea Jazz Club" e um cinema de arte "Het Ketelhuis", que exibe filmes clássicos. Devido à temperatura convidativa, o parque estava cheio de famílias e turistas que enchiam os multiplos recantos desta Amsterdão ainda relativamente desconhecida.
Outro "must" a visitar, é o edifício "Eye", que alberga a cinemateca de Amsterdão. Inaugurada em 2012, esta construção modernista, a lembrar um avião supersónico, está situada na margem norte do Ij (o canal que divide o Norte do centro da cidade). No "Eye" podem ser vistos filmes clássicos e em estreia (8 salas de projecção), para além de exposições temporárias, sempre surpreendentes. Depois das grandes exposições dedicadas a Kubrick, Fellini, Kronenberg e Antonioni, que tinhamos admirado em anos anteriores, foi a vez de apreciar "Celluloid", uma instalação colectiva de artistas fascinados pelo material filmico e por máquinas de projecção de 16mm e 35mm. Uma agradável surpresa onde, entre nomes mais consagrados, como Rosa Barba, Tacine Dine, Sandra Gibson e Luis Recoder, podem ser vistos trabalhos dos portugueses João Maria Gusmão e Pedro Paiva, no caso as curtas "Onça Geométrica" (2013) e "Glossolalia" (2014). A visita, à loja da cinemateca, é imperdível, assim como a vista panorâmica do "skyline" da cidade, a partir da esplanada do "Eye".
Dali, seguiriamos para a FOAM, uma galeria especializada em fotografia, que neste momento alberga quatro exposições, todas elas interessantes: "Dinastia Marubi" (diversos "portraits"de uma colecção de 150.000 negativos, feitas num dos primeiros estúdios albaneses); "Made in China", de Olya Oleine, uma pequena e representativa exposição a preto e branco, sobre a China actual; "Night Soil" de Melanie Bonajo, composta de pequenas curtas metragens sobre movimentos feministas norte-americanos e "Safe Passage", com trabalhos do conhecido dissidente chinês Ai Weiwei, sobre os refugiados da guerra que dão à costa grega. Weiwei, actualmente a viver em Berlim (após a sua libertação em 2015), fotografou e filmou dezenas de famílias de refugiados nos campos de acolhimento montados na ilha de Lesbos. Centenas de polaróides, que cobrem literalmente as paredes de um dos andares do edifício, numa avalanche de informação que nos interroga sobre o drama existencial de milhares de vítimas da guerra. Numa sala separada, fotos tiradas pelo artista em cativeiro, algumas verdadeiramente hilariantes, onde podem ser vistos diversos agentes chineses à paisana, que Weiwei (impedido de sair de casa) ia fotografando da sua janela. As fotos tiradas, com pequenos intervalos de tempo, são acompanhadas de legendas irónicas sobre o trabalho de observação e controlo levados a cabo pela polícia chinesa. Uma dor de cabeça para as autoridades, o activista Ai Weiwei, certamente um dos artistas mais criativos da actualidade. A não perder, para quem se desloque à cidade antes de Janeiro.
2016/10/19
Outono em Amsterdão

Para quem se queixa da gentrificação em Lisboa, a capital holandesa oferece um bom exemplo do que nos está reservado. Não que o fenómeno seja novo (afinal, a cidade sempre foi uma das mais visitadas da Europa), mas a dimensão do "estrago" começa a ser de tal ordem que, passear e viver no centro daquela que foi uma das mais pacatas urbes europeias, é o mesmo que desembarcar numa grande Disneyland enxameada de turistas, lojas de conveniência e "fastfood" em todas as ruas. Algo que um famoso escritor holandês, do século passado, apelidou de "patat cultuur" (a cultura da "batata frita"), ao escrever sobre as transformações sofridas num dos bairros mais sofisticados da cidade. Dirão que não há nada a fazer e o turismo é predador. É verdade. O turismo de massas descaracteriza as cidades, principalmente quando os habitantes locais são literalmente "expulsos" das habitações - onde sempre viveram e pagavam rendas razoáveis - para darem lugar a novos moradores (com poder de compra) e a novos prédios, transformados em AirB&bs, uma tendência das grandes urbes na era dos voos "low-cost". Foi assim em Veneza, como em Barcelona ou Berlim, cuja municipalidade se viu obrigada a impôr restrições à proliferação de hóteis baratos, única forma de preservar prédios para habitação social. Amsterdão não é excepção (recebe 15 milhões de turistas ao ano!) e muitas das habitações sociais, quando vagam, deixam de pertencer ao sector de arrendamento e passam a ser vendidas no mercado livre. Manter uma casa no centro histórico é um privilégio, só ao alcance daqueles que lá moram há gerações ou novos proprietários endinheirados. Pelo meio, as lojas de conveniência, restaurantes "fastfood" e "hostels", continuam a proliferar.
Porque a cidade é relativamente pequena (700.000 habitantes) fácil é percorrê-la nos eléctricos e autocarros, que nos levam a qualquer bairro periférico. Foi o que fizemos, logo na primeira noite. Alertados pela programação do Teatro Munganga, uma companhia brasileira local a comemorar o seu 20º aniversário, lá fomos ouvir o grande Rogério (Bicudo de seu apelido), um tocador de violão de 5 quilates, velho amigo das músicas e não só. O concerto, intitulado "As Américas", foi uma excelente forma de conhecer e rever autores tão díspares como John Coltrane, Wayne Shorter (USA), Eric Calmes (Curaçao), Leo Brouwer (Cuba), Agustin Barrios (Paraguay), Villa-Lobos, Garoto, Nelso Cavaquinho ou Baden Powell (Brasil). Uma "performance" inesquecível, de um virtuoso guitarrista que, às vezes, passa por Lisboa. No final, tempo para uma "caipirinha" e troca de impressões sobre a actual situação brasileira, que a comunidade "brasuca" vê com apreensão. Há por aqui mais apoiantes do "Fora Temer", do que eu suspeitava. A estadia não podia ter começado melhor...
foto Editie NL / Agnes de Goede
2016/10/06
Inequívoca
Resta, agora, aguardar pelo próximo mês de Janeiro, quando iniciará oficialmente as suas funções, num Mundo onde a guerra, a fome, as desigualdades sociais, os problemas climatéricos, o terrorismo e a questão dos refugiados, serão as principais questões com que terá de lidar.
Para já, regozijemo-nos com esta vitória, que é boa para Guterres, para Portugal e para a Europa. As Nações Unidas fizeram uma óptima escolha, já que um bom secretário-geral poderá trazer um novo "élan" a um organismo que já conheceu melhores dias.
2016/09/20
O país da classe mérdia
Trata-se de uma proposta do BE, pois nem Mortágua faz parte do governo, nem o governo apresentou o Orçamento de Estado para 2017, o que só deve acontecer lá para meados de Outubro.
Entretanto, as reacções (de direita) não se fizeram esperar. Argumentam que uma taxa suplementar irá afastar o investimento no imobiliário, prejudicando a classe média (o extrato social que mais casas compra) e que o Bloco passou a ditar a agenda política do PS...
É sempre comovente ouvirmos as queixas dos (supostos) defensores de uma classe média, que pode pagar uma casa no valor de meio-milhão de euros, quando sabemos que o ordenado médio nacional ronda os 850euros mensais e a maior parte dos portugueses proprietários, tem uma hipoteca bancária cuja duração média é de 20 anos e mais...
Independentemente da justiça da medida, esta nem sequer é novidade, pois o anterior governo (PSD/CDS) tinha proposto uma fasquia de um milhão para a taxa sobre património o que, nas palavras do PCP, poderia ser uma boa base para começar a discussão.
Temos, assim, uma proposta, que ainda não foi discutida (e muito menos "fechada") e uma reacção desproporcionada da oposição que vê, em todas as medidas de correção fiscal, um "assalto" aos mais ricos.
Curiosamente, foi hoje tornado público, o estudo "Desigualdade do Rendimento e Pobreza em Portugal", da responsabilidade do economista Carlos Farinha Rodrigues, patrocinado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, que compreende os anos entre 2009-2014.
O estudo revela que foram os mais pobres os mais afectados pelas políticas económicas seguidas durante a crise económica. Nesse período, um terço dos portugueses encontrou-se em situação de pobreza pelo menos durante um ano. Dos 32,6% dos portugueses que entraram numa situação de pobreza, 12,6% mantiveram-se assim durante um ano, enquanto 8,2% aí permaneceram durante todo o período considerado. "Entre os indivíduos que eram pobres em 2012, 24,5% encontrava-se pela primeira vez nessa situação, o que confirma de algum modo a teoria de que a presente crise empurrou para situações de pobreza indivíduos e famílias que antes pareciam estar imunes a esta situação".
Feitas as contas, o número de portugueses pobres aumentou, entre 2009 e 2014, para 2,02 milhões de pessoas (20% da população), ou seja mais 116 mil pessoas do que em 2009. Em 2014, 8% de todos os trabalhadores, por conta de outrem, viviam abaixo do limiar de pobreza (422euros). Os grupos mais atingidos foram os mais jovens, os licenciados e os mais pobres entre os mais pobres. Entre os que têm o ensino superior, a perda de rendimento foi de 20%, enquanto a redução de quem tem o 6º ano ou menos foi de 13%. Os 10% mais pobres perderam 25% do seu rendimento, ao passo que os 10% mais ricos perderam 13%. No conjunto, entre 2009 e 2014, os rendimentos dos portugueses tiveram uma quebra de 12% (116euros por mês). Os trabalhadores que entraram em 2012 viram a sua remuneração baixar 11% em relação aos que sairam em 2011. Em 2009 um em cada cinco trabalhadores por conta de outrem recebia por menos de 700 euros, em 2014 já era quase um cada três (http://www.portugaldesigual.ffms.pt).
Pois bem: após 5 anos de perda constante de poder de compra e um empobrecimento generalizado da maior parte da população (devido ao plano de austeridade preconizado pela Troika e executado com todo o zelo pela coligação de direita PSD/CDS), os responsáveis por este descalabro social e moral, querem continuar com a "receita", taxando os rendimentos e poupando os detentores de património. Mais, acusam a deputada do BE (e por extensão, o governo) de querer taxar a classe-média (!?) a mais "sacrificada" da sociedade portuguesa. Como se a "classe média" pudesse pagar uma moradia de 500.000euros, valor que um trabalhador (com um ordenado médio de 850euros) nunca poupará em toda a sua vida activa!
Haja pachorra para tanta cretinice.
2016/09/14
Taxi Driver (9)
Estação de Sta. Apolónia, fim de tarde. Não há táxis e a fila de clientes aumenta a olhos vistos. Ao fim de largos minutos de espera, surgem os primeiros carros. A barafunda do costume.
- Para a Buraca, sff...
Quer ir por onde? Por Alfama, ou por fora, ao longo do rio? Isto agora está tudo em obras, de modo que tanto faz... Olhe, vamos andando, não é verdade? Logo se vê...
- Pois, as obras são mais que muitas...
Eu não sou contra haver obras, só não percebo porque têm de fazê-las todas ao mesmo tempo...
- De facto, é um pouco estranho...
Qual quê, vêm aí as eleições, não está a ver? São todos iguais...só se lembram da cidade quando querem votos! De mim, é que o Medina não leva voto. Nem de mim, nem da maior parte dos meus colegas...
- Sim, também será isso, mas ouvi as declarações do vereador do urbanismo e ele disse que tinha a ver com as licenças de construção, que têm de passar por um logo processo burocrático.
Pois, esse senhor só faz é disparates. Já viu como está o Marquês e a Avenida da Liberdade? Era para diminuir a poluição, mas o senhor acredita? Não se pode lá passar. Aquilo é um inferno. E vá lá que não vão mexer na 2ª circular, senão era um verdadeiro caos! Esta gente vive dentro dos gabinetes, não fala com quem anda no trânsito e só faz asneira...
- É terrível, eu sei. Ainda por cima, Lisboa é uma cidade velha, com ruas estreitas e um centro histórico muito antigo. É difícil "mexer" na cidade, sem afectar a população...
Isso, era evidente. Estava tudo a cair aos bocados e há muitos anos que eram necessárias obras. Porquê, só agora?
- Também terá a ver com o aumento do turismo. Lisboa está na moda e é preciso dotar a cidade de meios que facilitem a vida aos visitantes, senão eles deixam de cá vir...
Vão deixar de vir, mais ano menos ano, ou pensa que isto dura sempre? Não se esqueça que os turistas vêm agora, porque a vida é barata e não há terrorismo. Isto são tudo turistas "pé descalço", que viajam nas "low-cost" e ficam em hotéis baratinhos. Quando se cansarem, voltam a ir para Espanha, para França e para esses países do Norte de África...
- Também terá a ver com isso, sim. A vida aqui ainda é relativamente barata e Portugal é um país calmo e bom para famílias com crianças. Isso é o que se lê e ouve dizer pelos estrangeiros. O problema é que, para atender esta invasão, estão a expulsar os moradores e os comerciantes das zonas históricas e a renovar os edifícios antigos, que rendem pouco, para transformá-los em hotéis baratos...
Mas, nunca chega! Não há dormidas para esta gente toda! Eu sei do que falo. Trabalho à noite e já levei várias famílias ao aeroporto para passarem lá a noite, porque não conseguiram arranjar dormidas na "baixa". Normalmente, quando as pessoas me pedem para ver se há hotéis, levo-as ali para Almirante Reis, onde há muitas pensões e hotéis baratos e está tudo cheio. Nem um quarto! Quando um está cheio, é porque está tudo cheio.
- É terrível, eu sei, fora os assaltos de que são vítimas. Mais de sessenta num só dia, vi esta semana na televisão...
Claro. Toda a gente se aproveita. Até os ladrões! Aqui há umas semanas, recebi uma chamada por telefone para ir buscar uma moça brasileira, que estava numa pensão ali para o Chile. Apareceu-me com uma grande mala e queria que eu lhe procurasse um hotel limpo...mostrou-me uma fotos que tinha tirado com o telemóvel e os lençóis estavam cheios de bichos pretos, que eu nunca tinha visto...ainda por cima, tinham-lhe pedido 600euros adiantados e ela não tinha papéis para comprovar. As pessoas querem ganhar dinheiro a todo o custo e alugam quartos sem condições. Isto é tudo à ganância! Também acabei por levá-la ao aeroporto e disse-lhe para fazer queixa à polícia.
- Faço ideia do que se passa por aí...
Nem calcula. Ainda a semana passada andei com uma senhora e a filha à procura de um hotel e, como não arranjámos, ela ofereceu-me 150euros para poder dormir lá em casa. Está a ver o desespero desta gente! Claro que recusei, até porque a minha casa é pequena e nem ia pedir dinheiro por uma dormida. Isto é o "salve-se quem puder"...
- Já aconteceu o mesmo noutras cidades, como Barcelona e Amsterdão, e tiveram de congelar as licenças de construção para hotéis. Em Berlim, até proíbiram os AirB&B...
Eu sei, eu sei...também viajo muito e todos os anos vou até ao estrangeiro. Nada desta bagunça que se vê aqui...isto é uma vergonha. Tudo a roubar!
- Fora o barulho e a poluição sonora, claro...
Eu sei...morei 10 anos na Mouraria e tive de sair de lá. Agora, moro no Bairro Alto, numa casa da Câmara. Sempre é melhor, mas também há barulho.
- Imagino, há barulho em todo o lado: no Bairro Alto, na Mouraria, em Alfama, no Cais do Sodré...
Pois é. Isto não tem conserto. Eu gostava era de morar fora de Lisboa. As casas na Buraca, são baratas?
- Já foram. Agora, as casas que vagam, são tão caras como em Lisboa. Mas, não há casas vagas...
Está a ver? Temos de ir viver para a província. Bem, chegámos...Desculpe lá a conversa, mas temos de falar com os clientes, não e verdade?
- É verdade. E faz muito bem.
- Para a Buraca, sff...
Quer ir por onde? Por Alfama, ou por fora, ao longo do rio? Isto agora está tudo em obras, de modo que tanto faz... Olhe, vamos andando, não é verdade? Logo se vê...
- Pois, as obras são mais que muitas...
Eu não sou contra haver obras, só não percebo porque têm de fazê-las todas ao mesmo tempo...
- De facto, é um pouco estranho...
Qual quê, vêm aí as eleições, não está a ver? São todos iguais...só se lembram da cidade quando querem votos! De mim, é que o Medina não leva voto. Nem de mim, nem da maior parte dos meus colegas...
- Sim, também será isso, mas ouvi as declarações do vereador do urbanismo e ele disse que tinha a ver com as licenças de construção, que têm de passar por um logo processo burocrático.
Pois, esse senhor só faz é disparates. Já viu como está o Marquês e a Avenida da Liberdade? Era para diminuir a poluição, mas o senhor acredita? Não se pode lá passar. Aquilo é um inferno. E vá lá que não vão mexer na 2ª circular, senão era um verdadeiro caos! Esta gente vive dentro dos gabinetes, não fala com quem anda no trânsito e só faz asneira...
- É terrível, eu sei. Ainda por cima, Lisboa é uma cidade velha, com ruas estreitas e um centro histórico muito antigo. É difícil "mexer" na cidade, sem afectar a população...
Isso, era evidente. Estava tudo a cair aos bocados e há muitos anos que eram necessárias obras. Porquê, só agora?
- Também terá a ver com o aumento do turismo. Lisboa está na moda e é preciso dotar a cidade de meios que facilitem a vida aos visitantes, senão eles deixam de cá vir...
Vão deixar de vir, mais ano menos ano, ou pensa que isto dura sempre? Não se esqueça que os turistas vêm agora, porque a vida é barata e não há terrorismo. Isto são tudo turistas "pé descalço", que viajam nas "low-cost" e ficam em hotéis baratinhos. Quando se cansarem, voltam a ir para Espanha, para França e para esses países do Norte de África...
- Também terá a ver com isso, sim. A vida aqui ainda é relativamente barata e Portugal é um país calmo e bom para famílias com crianças. Isso é o que se lê e ouve dizer pelos estrangeiros. O problema é que, para atender esta invasão, estão a expulsar os moradores e os comerciantes das zonas históricas e a renovar os edifícios antigos, que rendem pouco, para transformá-los em hotéis baratos...
Mas, nunca chega! Não há dormidas para esta gente toda! Eu sei do que falo. Trabalho à noite e já levei várias famílias ao aeroporto para passarem lá a noite, porque não conseguiram arranjar dormidas na "baixa". Normalmente, quando as pessoas me pedem para ver se há hotéis, levo-as ali para Almirante Reis, onde há muitas pensões e hotéis baratos e está tudo cheio. Nem um quarto! Quando um está cheio, é porque está tudo cheio.
- É terrível, eu sei, fora os assaltos de que são vítimas. Mais de sessenta num só dia, vi esta semana na televisão...
Claro. Toda a gente se aproveita. Até os ladrões! Aqui há umas semanas, recebi uma chamada por telefone para ir buscar uma moça brasileira, que estava numa pensão ali para o Chile. Apareceu-me com uma grande mala e queria que eu lhe procurasse um hotel limpo...mostrou-me uma fotos que tinha tirado com o telemóvel e os lençóis estavam cheios de bichos pretos, que eu nunca tinha visto...ainda por cima, tinham-lhe pedido 600euros adiantados e ela não tinha papéis para comprovar. As pessoas querem ganhar dinheiro a todo o custo e alugam quartos sem condições. Isto é tudo à ganância! Também acabei por levá-la ao aeroporto e disse-lhe para fazer queixa à polícia.
- Faço ideia do que se passa por aí...
Nem calcula. Ainda a semana passada andei com uma senhora e a filha à procura de um hotel e, como não arranjámos, ela ofereceu-me 150euros para poder dormir lá em casa. Está a ver o desespero desta gente! Claro que recusei, até porque a minha casa é pequena e nem ia pedir dinheiro por uma dormida. Isto é o "salve-se quem puder"...
- Já aconteceu o mesmo noutras cidades, como Barcelona e Amsterdão, e tiveram de congelar as licenças de construção para hotéis. Em Berlim, até proíbiram os AirB&B...
Eu sei, eu sei...também viajo muito e todos os anos vou até ao estrangeiro. Nada desta bagunça que se vê aqui...isto é uma vergonha. Tudo a roubar!
- Fora o barulho e a poluição sonora, claro...
Eu sei...morei 10 anos na Mouraria e tive de sair de lá. Agora, moro no Bairro Alto, numa casa da Câmara. Sempre é melhor, mas também há barulho.
- Imagino, há barulho em todo o lado: no Bairro Alto, na Mouraria, em Alfama, no Cais do Sodré...
Pois é. Isto não tem conserto. Eu gostava era de morar fora de Lisboa. As casas na Buraca, são baratas?
- Já foram. Agora, as casas que vagam, são tão caras como em Lisboa. Mas, não há casas vagas...
Está a ver? Temos de ir viver para a província. Bem, chegámos...Desculpe lá a conversa, mas temos de falar com os clientes, não e verdade?
- É verdade. E faz muito bem.
2016/09/08
Fogos há muitos...
De acordo com a opinião dos "experts", os fogos causados por incendiários (que existem) não representam mais do que 20% do total dos incêndios. Os restantes 80%, têm a ver com causas várias (desleixo, "queimadas", picnics, fogos de artifício, canas de foguetes, falta de limpeza das matas, difícil acesso para os bombeiros, etc...).
Em meses extremamente quentes, como Julho e Agosto, com ventos de Leste que aceleram a propagação das chamas, torna-se praticamente impossível controlar todas as "ignições", calculadas em centenas por dia. Um flagelo, que atinge outros países bem mais apetrechados que o nosso (Austrália, EUA/Califórnia, etc.). De qualquer modo, Portugal teve, só este ano, cerca de 100.000ha ardidos, mais do que a totalidade da última década (!?), correspondente a 2% da área florestal da União Europeia! Uma catástrofe ambiental e económica, com prejuízos para as pessoas e para a natureza.
Alguma coisa está profundamente errada neste modelo de combate ao fogo em Portugal, a começar pela prevenção que nunca é feita de forma sistemática e em tempo útil (leia-se, nos meses de Inverno e Primavera).
Resta acrescentar que não existe um cadastro actualizado de terras a Norte do Tejo, o que torna impossível responsabilizar os donos/herdeiros das terras que lhes pertencem. Dado que os custos de limpeza dessas terras são, normalmente, superiores à rentabilidade dos terrenos, os proprietários (muitos deles, absentistas) preferem deixar as terras ao abandono.
Quando os vendem ou arrendam, as árvores neles plantados são, por norma, eucaliptos para a celulose (industria do papel) que são mais rendáveis. Ora, como é sabido, o eucalipto exige mais água (seca tudo em seu redor) e arde mais depressa. Outro desastre ambiental!
Deviam plantar árvores como o carvalho, o castanheiro, o sobreiro, o pinheiro e a oliveira, que são mais adequadas à morfologia do mediterrâneo. Isto é o que dizem os engenheiros sivicultores e os agrónomos que percebem da poda. Porque muitos destes técnicos (não esquecer os guardas florestais), e os serviços que tutelavam, foram extintos, estamos pior do que há 30 anos atrás. Com gestores da coisa pública medíocres, não vamos lá. Um país adiado...
Em meses extremamente quentes, como Julho e Agosto, com ventos de Leste que aceleram a propagação das chamas, torna-se praticamente impossível controlar todas as "ignições", calculadas em centenas por dia. Um flagelo, que atinge outros países bem mais apetrechados que o nosso (Austrália, EUA/Califórnia, etc.). De qualquer modo, Portugal teve, só este ano, cerca de 100.000ha ardidos, mais do que a totalidade da última década (!?), correspondente a 2% da área florestal da União Europeia! Uma catástrofe ambiental e económica, com prejuízos para as pessoas e para a natureza.
Alguma coisa está profundamente errada neste modelo de combate ao fogo em Portugal, a começar pela prevenção que nunca é feita de forma sistemática e em tempo útil (leia-se, nos meses de Inverno e Primavera).
Resta acrescentar que não existe um cadastro actualizado de terras a Norte do Tejo, o que torna impossível responsabilizar os donos/herdeiros das terras que lhes pertencem. Dado que os custos de limpeza dessas terras são, normalmente, superiores à rentabilidade dos terrenos, os proprietários (muitos deles, absentistas) preferem deixar as terras ao abandono.
Quando os vendem ou arrendam, as árvores neles plantados são, por norma, eucaliptos para a celulose (industria do papel) que são mais rendáveis. Ora, como é sabido, o eucalipto exige mais água (seca tudo em seu redor) e arde mais depressa. Outro desastre ambiental!
Deviam plantar árvores como o carvalho, o castanheiro, o sobreiro, o pinheiro e a oliveira, que são mais adequadas à morfologia do mediterrâneo. Isto é o que dizem os engenheiros sivicultores e os agrónomos que percebem da poda. Porque muitos destes técnicos (não esquecer os guardas florestais), e os serviços que tutelavam, foram extintos, estamos pior do que há 30 anos atrás. Com gestores da coisa pública medíocres, não vamos lá. Um país adiado...
2016/09/06
A "Silly Season" está para durar
Há não muito tempo atrás, os meses de Verão, eram associados ao termo "silly season", aquele período do ano em que o material para as notícias era escasso e qualquer "fait-divers" justificava uma "cacha" jornalística para vender jornais. Ainda hoje é assim e Portugal não é excepção. Com a Assembleia da República encerrada e com o campeonato de futebol no "defeso", parece ser impossível aos jornalistas desta terra, chamada país, encontrarem motivos pra fazerem bom jornalismo de investigação e dedicarem-se a notícias verdadeiramente importantes.
É verdade que tivemos os "fogos de Verão" (um "must", em reposição, devido à popularidade do tema nas temporadas anteriores), a vitória no campeonato europeu de futebol (que alimentou reportagens impensáveis há semanas atrás), da mesma forma que tivemos o fotografia do menino de Aleppo (a lembrar-nos que o "Je Suis..." é de todos os continentes) e, mais recentemente, o bárbaro espancamento de um jovem em Ponte-de-Sôr, em circunstâncias ainda por esclarecer. Paralelamente, houve a descoberta de três cadáveres de brasileiras, numa "fossa" do concelho de Cascais (ao que chegou um dos principais "resorts" turísticos do país...) e, "last but not least", as transferências futebolísticas por valores obscenos, que o país pindérico discute acaloradamente, como se, dessas verbas, dependesse o seu futuro económico ou o seu desenvolvimento social.
Também é verdade que o Verão ainda não terminou e o calor dos últimos dias está aí para comprová-lo. Deve ser por isso que as "notícias" continuam sob "brasas" e os títulos à medida das temperaturas. Mais do que noticiar, há que manipular as opiniões, com textos subliminares (a "mensagem" de que falava McLuhan) procurando formatar a opinião pública, já de si pouco informada e funcionalmente analfabeta, a melhor forma de levar o "rebanho" ao redil. Contra isto, pouco há a fazer e, não fossem as redes sociais, a situação seria com certeza muito pior. Por cada título, dos chamados "jornais de referência", há um texto onde se dizem coisas completamente diferentes do "lead" e, por cada declaração perante as câmaras, há uma edição de imagens (chama-se "montagem") que nos obriga a tirar conclusões diferentes do que o entrevistado pretendia dizer...
O método é conhecido e sempre existiu. É sempre pior em países ditatoriais (onde não há contraditório) e em países pouco letrados (caso de Portugal), onde jornais desportivos e telenovelas são a informação possível.
De qualquer modo, esperávamos um pouco mais, agora que a "rentrée" foi formalmente anunciada e os principais agentes da informação - os jornalistas - parecem ainda não ter regressado de férias. A julgar pela tez bronzeada que apresentam, já devem ter dado uns bons mergulhos. Se isso contribuiu para refrescar as ideias e os métodos utilizados, duvidamos. Não se notam grandes diferenças. Provavelmente, a "temporada pateta", ainda não terminou...
É verdade que tivemos os "fogos de Verão" (um "must", em reposição, devido à popularidade do tema nas temporadas anteriores), a vitória no campeonato europeu de futebol (que alimentou reportagens impensáveis há semanas atrás), da mesma forma que tivemos o fotografia do menino de Aleppo (a lembrar-nos que o "Je Suis..." é de todos os continentes) e, mais recentemente, o bárbaro espancamento de um jovem em Ponte-de-Sôr, em circunstâncias ainda por esclarecer. Paralelamente, houve a descoberta de três cadáveres de brasileiras, numa "fossa" do concelho de Cascais (ao que chegou um dos principais "resorts" turísticos do país...) e, "last but not least", as transferências futebolísticas por valores obscenos, que o país pindérico discute acaloradamente, como se, dessas verbas, dependesse o seu futuro económico ou o seu desenvolvimento social.
Também é verdade que o Verão ainda não terminou e o calor dos últimos dias está aí para comprová-lo. Deve ser por isso que as "notícias" continuam sob "brasas" e os títulos à medida das temperaturas. Mais do que noticiar, há que manipular as opiniões, com textos subliminares (a "mensagem" de que falava McLuhan) procurando formatar a opinião pública, já de si pouco informada e funcionalmente analfabeta, a melhor forma de levar o "rebanho" ao redil. Contra isto, pouco há a fazer e, não fossem as redes sociais, a situação seria com certeza muito pior. Por cada título, dos chamados "jornais de referência", há um texto onde se dizem coisas completamente diferentes do "lead" e, por cada declaração perante as câmaras, há uma edição de imagens (chama-se "montagem") que nos obriga a tirar conclusões diferentes do que o entrevistado pretendia dizer...
O método é conhecido e sempre existiu. É sempre pior em países ditatoriais (onde não há contraditório) e em países pouco letrados (caso de Portugal), onde jornais desportivos e telenovelas são a informação possível.
De qualquer modo, esperávamos um pouco mais, agora que a "rentrée" foi formalmente anunciada e os principais agentes da informação - os jornalistas - parecem ainda não ter regressado de férias. A julgar pela tez bronzeada que apresentam, já devem ter dado uns bons mergulhos. Se isso contribuiu para refrescar as ideias e os métodos utilizados, duvidamos. Não se notam grandes diferenças. Provavelmente, a "temporada pateta", ainda não terminou...
2016/07/20
2016/07/17
O peso das palavras
Prender milhares de militares e suspender milhares de juízes não é suster um "golpe anti-democrático". É uma purga.
É, dir-se-ia até, sinal claro de que não existe democracia.
2016/07/13
2016/07/10
O Homem da Cadeira (isto anda tudo ligado...)
Ainda que, à primeira vista, estes acontecimentos tenham pouco em comum, a verdade é que a invasão do Iraque (baseada numa mentira) teve a cumplicidade de diversos governos europeus, entre os quais o inglês (o principal aliado americano no conflito) e o português, à época dirigido por Barroso, hoje "chairman" do maior banco mundial de investimentos.
Sobre o conflito do Iraque, já tudo foi escrito e publicado. O relatório "Chilcot" apenas confirma o que já se sabia, agora de forma mais imparcial e objectiva.
Treze anos e mais de 600.000 mortos depois, o Iraque transformou-se num "atoleiro", donde ninguém parece sair vivo, tantos e clamorosos erros foram, desde então, cometidos. A começar pela destruição dos principais pilares do estado (tribunais, polícia e exército) logo após a invasão, dirigida e coordenada pelos EUA e seus aliados. A guerra de resistência (contra os americanos primeiro) e entre as diversas facções iraquianas (mais tarde), aprofundou as divisões étnicas entre as maiores comunidades do país (curdos, sunitas e shiitas), tendo expulso mais de 2 milhões de habitantes para os países limítrofes, num dos maiores êxodos da última década. É entre esta população de desenraizados, que os movimentos terroristas do Al Qaeda e do Daesh, recrutam a maior parte dos seus militantes, hoje também espalhados pela Líbia, pela Síria e pela Turquia.
Um desastre humano, social e económico, regional e internacional, cujas ondas de choque continuam a fazer-se sentir na Europa e noutros continentes, como os recentes atentados nas principais capitais do Ocidente nos lembram todos os dias.
Esta é a "herança" de Bush, Blair, Aznar e Barroso, o "quarteto dos Açores", que anunciou a Guerra ao Mundo e cujos principais responsáveis nunca foram levados a um Tribunal Internacional, onde deviam ser julgados por crimes de guerra (por alguma razão os EUA não são membros do TPI, em Haia). Sobre Blair, sabemos hoje que chorou (!?) ao conhecer as conclusões do relatório inglês, enquanto Barroso (o mordomo das Lajes) foi, mais uma vez, recompensado. Já tinha ido para Bruxelas, agora vai para Londres, sentar-se na cadeira de director não executivo.
Nada que nos espante. Os oportunistas, nunca perdem uma oportunidade e "cadeiras" sempre foram a sua paixão. Todos estarão lembrados dos móveis, "desviados" da Faculdade de Direito durante o PREC, pelo camarada Barroso, ao tempo militante do MRPP. Ele há paixões que duram uma vida...
2016/06/24
O Euro 2016 e o Brexit
Se tivesse participado na votação sobre o Brexit ter-me-ia provavelmente abstido.
Explico-me: considero a pergunta formulada incorrecta e traiçoeira. Não sabemos, de facto, não sabemos nós ou o povo britânico, se o voto de ontem foi um sim à saída desta União Europeia ou ao projecto de "União Europeia".
Explico-me: considero a pergunta formulada incorrecta e traiçoeira. Não sabemos, de facto, não sabemos nós ou o povo britânico, se o voto de ontem foi um sim à saída desta União Europeia ou ao projecto de "União Europeia".
Se foi um voto contra a existência de uma união europeia ou se foi um voto contra a direcção deste projecto, contra ou a favor do rumo que ele tomou. O mesmo se passa com o voto não. Ao votar sim ou não nenhuma pergunta política crucial sobre o futuro da Europa fica respondida.
As distinções não são meros jogos de palavras.
Se a pergunta tivesse sido claramente "concorda com o projecto europeu?" ou "acha que o RU deve participar num projecto europeu?" creio que as leituras teriam sido bem diferentes. Take it or leave it é uma fórmula estúpida, incapaz de garantir a resposta inequívoca que todos pretendiam ou temiam.
Neste sentido não se percebe bem a tristeza de uns e a alegria de outros. A reacção dos partidos de ultra direita europeus mereceria uma outra reflexão, mais alongada. Interrogo-me, para já, sobre as causas da sua alegria. Sofreram uma derrota, por que riem tanto?
Não acredito que os ingleses que votaram pela saída estejam todos contra o projecto europeu. Como também não acredito que os que votaram pela permanência sejam totalmente a favor desta direcção de cariz fascista. Assim sendo, estamos perante uma questão falsa, perante falsos dilemas e continua tudo em aberto.
A votação de ontem não esclareceu nada nem foi uma opção por um mal menor. As alternativas em cima da mesa eram enganadoras. O Brexit é um imenso logro. Nem os ingleses se livraram da UE nem nós nos livrámos dos ingleses. Os problemas vão continuar, para eles e para nós. Ao contrário do que ontem disse Juncker "out will never be out". Por que razão foi in, para começar? O que é que mudou?
O debate segue dentro de momentos. Os ingleses, como os portugueses e todos os outros povos europeus, têm ainda muito para aprender com todo este processo.
O projecto europeu é, se calhar, o projecto mais progressista neste momento no mundo e constitui, talvez, o modelo mais avançado, mais capaz de dar resposta aos desafios da Humanidade no século XXI. Mais susceptível de servir de exemplo aos outros povos. Não há, diria até, outro.
A Europa não é um jogo da fase de grupos em que quem não passa regressa a casa e quem passa segue para os oitavos de final.
As distinções não são meros jogos de palavras.
Se a pergunta tivesse sido claramente "concorda com o projecto europeu?" ou "acha que o RU deve participar num projecto europeu?" creio que as leituras teriam sido bem diferentes. Take it or leave it é uma fórmula estúpida, incapaz de garantir a resposta inequívoca que todos pretendiam ou temiam.
Neste sentido não se percebe bem a tristeza de uns e a alegria de outros. A reacção dos partidos de ultra direita europeus mereceria uma outra reflexão, mais alongada. Interrogo-me, para já, sobre as causas da sua alegria. Sofreram uma derrota, por que riem tanto?
Não acredito que os ingleses que votaram pela saída estejam todos contra o projecto europeu. Como também não acredito que os que votaram pela permanência sejam totalmente a favor desta direcção de cariz fascista. Assim sendo, estamos perante uma questão falsa, perante falsos dilemas e continua tudo em aberto.
A votação de ontem não esclareceu nada nem foi uma opção por um mal menor. As alternativas em cima da mesa eram enganadoras. O Brexit é um imenso logro. Nem os ingleses se livraram da UE nem nós nos livrámos dos ingleses. Os problemas vão continuar, para eles e para nós. Ao contrário do que ontem disse Juncker "out will never be out". Por que razão foi in, para começar? O que é que mudou?
O debate segue dentro de momentos. Os ingleses, como os portugueses e todos os outros povos europeus, têm ainda muito para aprender com todo este processo.
O projecto europeu é, se calhar, o projecto mais progressista neste momento no mundo e constitui, talvez, o modelo mais avançado, mais capaz de dar resposta aos desafios da Humanidade no século XXI. Mais susceptível de servir de exemplo aos outros povos. Não há, diria até, outro.
A Europa não é um jogo da fase de grupos em que quem não passa regressa a casa e quem passa segue para os oitavos de final.
Europa 2.0
O Reino Unido disse não a esta Europa, incapaz de demonstrar e valorizar claramente os seus méritos e de mostrar vontade de resolver o seu problema de total falta de democraticidade. Vamos ver se a moda não pega...
Para já, trata-se de uma derrota pesada para os burocratas e para a troika, eles que pareciam tão firmes neste seu comportamento protofascista. É um alívio para os restantes que vêem a Europa encaminhar-se, sem apelo nem agravo, para o ambiente de horror, cujo espectro a levou, justamente, a criar a Comunidade.
Boa!
Gritava há pouco D. Cohn-Bendit que a Europa não é um brinquedo. Junker avisava ontem, por seu turno, que "out is out". Juncker, por exemplo, é "out". Ainda não percebeu.
Vamos então levar isto a sério, finalmente?
2016/06/22
Encruzilhada Europeia
As medidas financeiras, anunciadas por Draghi, mostram-se insuficientes para relançar uma economia em crise desde 2009; a crise dos refugiados não desapareceu e foi oportunisticamente "entregue" à Turquia, sem que exista qualquer estratégia subjacente; os movimentos nacionalistas não páram de crescer, continuando a alimentar a xenofobia e o ódio contra as populações imigrantes, eternos "bodes expiatórios" das crises sociais; as dívidas soberanas continuam a estrangular e a impedir a recuperação das economias mais frágeis, como a de Portugal e a da Grécia, enquanto os movimentos independentistas e anti-partidos continuam a ganhar adeptos em Espanha e em Itália. Em França, os conflitos laborais tomaram conta do país, entretanto a braços com ameaças terroristas e com a organização do europeu de futebol, onde os acidentes com "hooligans" voltaram a ser notícia.
Veja-se o caso do Reino Unido, onde em vésperas do referendo, ainda não é certo se os britânicos ficam ou saem da União Europeia. Caso o "Brexit" ganhe, em que condições o farão? Abandonam todos os tratados, ou só alguns? E a Escócia? Manter-se-á no Reino Unido, ou convocará um novo referendo, com vista a tornar-se independente e, dessa forma, poder manter-se na UE?
Se o Reino Unido permanecer na UE, quais as contrapartidas exigidas por Cameron? Exigirá a limitação da entrada de refugiados e emigrantes, cedendo às exigências dos movimentos nacionalistas e independentistas ingleses? Que estatuto passarão a ter os imigrantes da UE, que residem no Reino Unido? Quais as consequências para as centenas de milhares reformados ingleses, que vivem noutros países da União e mantêm regalias adquiridas no seu país de origem?
Questões maiores, que preocupam os directamente interessados e às quais o referendo não dá resposta, pois os votantes não sabem sequer quais as consequências da sua votação.
Em Espanha, a convocação de novas eleições não contribuiu para a clarificação política e tudo indica que a previsível vitória do Partido Popular, não trará uma maioria absoluta necessária para governar. Registe-se a subida da coligação Unidos-Podemos que ultrapassará o PSOE, mas que não será suficiente para formar governo. Como ninguém quer governar com Rajoy, o impasse parece ser total. No meio de tudo isto, os sentimentos nacionalistas da Catalunha não abrandaram e a contestação a Madrid é mais forte que nunca, pondo em perigo a unidade do país.
Resta Portugal. No fim deste mês, o Eurogrupo reunirá de novo para apreciar a questão do "déficit" (ainda acima dos 3%) e quais as eventuais sanções a aplicar, caso o governo recuse aplicar novas medidas de austeridade. As perspectivas são moderadamente optimistas, com o governo a subestimar as críticas e o perigo de sanções, e os eurocratas a manterem a ameaça, por incumprimento das medidas exigidas. No limite, Portugal pode perder apoios financeiros, que limitarão os investimentos numa economia que não cresce. Sem crescimento económico, não há riqueza e, sem riqueza, não há investimento, distribuição e pagamento da dívida...
A coisa não está fácil e nem o Ronaldo nos safa. Não só não marca golos, como atira microfones de jornalistas para dentro de água (!?). No meio desta desorientação colectiva, resta Fernando Santos, que ainda acredita em milagres e, à falta de melhor, continua a gritar: "não percam a cabeça!".
2016/06/21
Taxi Driver (8)
Então, para onde vamos?
- Para a Buraca, pelo Monsanto...
Vamos tentar, mas olhe que isto, hoje, está tudo "entupido".
- Às sexta-feiras, é sempre assim...
Vamos tentar. Talvez pelas Amoreiras.
- Então?
Não me parece. Vamos até lá cima e viramos para Campolide. Está de acordo?
- Parece-me bem...
Eu dantes, vivia em Campo de Ourique, mas agora mudei-me para a Amadora. É melhor e mais calmo. Já lá mora há muito tempo?
- Há uns anitos, sim...
Conhece o "Panças"? Vou lá comer muitas vezes.
- Nunca lá fui.
Vive ali ao pé e nunca lá foi? Não sabe o que perde. O cozido aos domingos, é espectacular. Eu como sempre o mesmo: "piano". Por 14euros, uma dose, que dá para três...
- Sim, por alguma razão tem sempre filas à porta...
Eu gosto mais de comer em casa. Como o que quero e posso repetir...Agora vou para casa jantar. Só trabalho à noite, para evitar o trânsito.
- Faz muito bem. Mas, se calhar tem menos clientes, ou não?
Sim, mas ganho mais. Já tenho clientes e hóteis certos.
- Isso rende mais?
Claro. Os turistas, principalmente os russos e os angolanos, querem é borga e "strip-tease"...
- Gastam muito?
Se gastam muito? Fortunas! Olhe uma vez levei um suiço que queria duas prostitutas no quarto. Deu 800euros às duas! As brasileiras estão ricas. Conheço uma que já comprou uma herdade no Brasil e diz que, daqui a um ano, volta para lá, porque já não precisa de fazer esta vida...
- E você? Gosta do que faz?
Não é mau, por uns tempos. Mas, eu não quero fazer isto toda a vida. Já fui rico e agora tenho de cuidar da família.
- Donde é?
De Angola. O meu pai é branco e foi para África nos anos sessenta. Era militar. Em 1974, tivemos de sair de lá e viemos para Portugal. Graças a ele, ainda puderam vir mais famílias. Éramos ricos, tinhamos fazendas, muitos empregados e cinco carros...
- Estou a perceber. Agora é um imigrante. Eu também estive emigrado...
Ah, sim? Onde?
- Na Holanda. Muitos anos.
Também lá trabalhei. Em Roterdão. Uma vez, saí daqui às 7h da manhã, para chegar lá antes das sete da manhã do dia seguinte. Tinha um encontro com uma namorada. Eu sabia que a discoteca estava aberta até às 7h e, quando lá cheguei, ela ainda estava à minha espera...Estive um ano na Holanda. Não gostei. As pessoas são muito distantes, está sempre frio e a comida era má. Só me dava com cabo-verdeanos. Comia sempre em casa de africanos. Podemos não ter dinheiro, mas damos sempre abrigo a estranhos. Na Europa, já não é assim. Nem em Portugal. Se não tiver dinheiro, não tem amigos...
- É verdade, as pessoas são mais individualistas. Mas, também tem a ver com o apoio que o estado dá aos cidadãos. E como é em Angola?
Em Angola, é tudo da família dos Santos. Quando ele morrer, a filha herda tudo...
- Eu sei, já é a mulher mais rica de África...
Pois é. E está a comprar Portugal inteiro. Qualquer dia manda no país...
- É pena não ser mais generosa com o povo angolano. Um país tão rico, dava para todos...
Temos tudo, mas a riqueza está nas mãos de meia-dúzia de famílias. E olhe que há muito dinheiro. Há dias andei uma noite inteira com um angolano. Fomos jantar, depois levei-o a um clube de alterne, pagou champagne àquelas gajas todas, fomos a um "strip-tease" e acabou tudo num hotel. Gastou para aí uns 8000euros numa noite! Disse-me que, se eu quizesse, podia ficar com uma das prostitutas...
- Devia ganhar bem, o homem...
É avaliador de diamantes e vem à Europa todos os meses. Depois, quando está em Lisboa, e quer sair à noite, telefona-me do hotel...
- Isso é que é uma vida...Bom, estamos a chegar. Isto, hoje, levou mais tempo que o costume...
Desculpe lá, mas o trânsito não ajudava. São 16euros.
- Então, até à próxima.
Até à próxima. E, já sabe, não se esqueça de ir ao "Panças"...
2016/05/07
Amnésias
As próteses dentárias de Hitler eram, ao que parece, feitas com ouro retirado dos dentes dos judeus assassinados nos campos de concentração. Este ouro terá sido obtido pelo seu dentista Hugo Blaschke. O dentista terá juntado cerca de 50 kg, que valeriam qualquer coisa como 2 milhões e meio de dólares a preços de hoje.
Segundo informação de há dias, a Grécia voltou ao estado de recessão. Ou melhor, viu aprofundar-se o estado de recessão permanente em que vive desde há anos. Tudo isto é fruto do terceiro resgate, o último neste longo processo que Varoufakis classificou apropriadamente como terrorismo.
Terrorismo que se reflecte agora numa dívida externa a subir para uns "himalaianos" 180% do PIB, em mais cortes na despesa pública, em mais cortes de salários e pensões, em mais despedimentos e num aumento recorde do desemprego. Depois de tudo o que se passou na Grécia, depois de tudo o que vimos e ouvimos... tudo ficou pior. Um site publicita a venda dos últimos bens públicos gregos ainda susceptíveis de serem colocados no prego. Um equipamento que se mantém em bom estado de funcionamento, um exemplar de património, a pechincha certa de ocasião, um activo do Estado, perfeito para conceder a um privado, um serviço rentável sem avarias, uma instalação pública bon-marché, levamos a casa.
Uma espécie de OLX na lógica austeritária!
Uma espécie de OLX na lógica austeritária!
Tudo isto acontece depois de toda aquela tensão vivida há sensivelmente um ano, com o David Varoufakis a desafiar o Eurogrupo Golias. Um momento que culminou na saída do governo do desafiador ministro das finanças grego, depois de toda aquela barragem de contra-informação, que, por um momento breve, deixou os Europeus a pensar em Política. Lembram-se?
A Grécia deixou entretanto a agenda dos jornais, já não motiva encontros de fim de tarde ou de fim de semana de agitprop dos partidos das boas intenções e até está ausente das conversas de café dos que, volta não volta, se levantam do sofá da letargia política e resolvem parar para pensar, enquanto sorvem a bica.
Um dia destes, podemos acordar com um incêndio brutal à porta, maior que o de Fort McMurray, mas sem hipótese de sermos evacuados para lugar seguro.
E de quem será a culpa?
E de quem será a culpa?
Numa série chamada os "Segredos do Terceiro Reich", que passou recentemente na RTP 2 (onde colhi a informação sobre a dentadura dourada do Hilter), analisava-se a possibilidade do ditador sofrer de uma qualquer forma de doença mental. "Foi bastante conveniente para os alemães, após a guerra, dizerem que Hitler era louco e nós não fomos responsáveis, ele não foi responsável, e assim se livrarem de culpas," afirmava o historiador Richard Evans, que acrescentava que "é importante ter em conta que ele era, para todos os efeitos, designadamente, os mais importantes e cruciais da sua actuação, perfeitamente são. Se a sua ideologia era racional, isso já era uma outra questão."
O historiador alemão Hans-Joachim Neumann observava na aludida série que "não houve guerra e os judeus não foram aniquilados por Hitler ser doente, mas porque a maioria dos alemães apoiou as suas decisões."
Evans concluía que "gostamos de pensar que alguém que cometeu tamanhas monstruosidades e tais crimes deve ser louco. Mas são outras e mais profundas as questões colocadas quando admitimos que ele não era louco."
A figura tão laboriosamente construída, o símbolo audio-visual tão facilmente identificável de Hitler, desapareceu. Em vez dele temos hoje inúmeros pequenos Hitlers, que tão pouco são loucos, mas cuja ideologia fede igualmente a irracionalidade. Hitlerzinhos inconspícuos, instalados no poder pela Democracia, como outrora o foi Hitler, com uma diferença: ao contrário do que aconteceu com o ditador do bigodinho e dos gestos ridículos, vão ter enorme dificuldade em destruir o mecanismo que os conduziu ao poder. Só esse mecanismo poderá incendiar o seu Reichtag. Hitlerzinhos suportados por uma propaganda que faria roerem-se de inveja os especialistas do Terceiro Reich, cerzida num subtil sistema de dependências que a todos parece condicionar e a todos ameaça destruir o futuro, seu e dos seus filhos. Mas que, para uma triste maioria, destes e dos seus filhos, parece não ser ainda motivo suficiente para renegar o apoio canino.
A que bocas terá, entretanto, ido parar o ouro, o dos gregos e o nosso?
2016/05/02
Sem família
Há um grupo, em particular, que chega à Europa em número surpreendentemente elevado, constituído por crianças que viajam sem família. Pare por um momento e pense: crianças, sozinhas.
O assunto não é de hoje, mas parece-me importante trazê-lo aqui porque, se o número inicial de refugiados já era assustador e a percentagem de crianças era elevada, passados cinco anos, esse número continua, segundo informação recente, a crescer de forma dramática. Também o número de crianças sozinhas aumenta, naturalmente.
Um relatório da UNICEF fala no caso especial da Síria. Serão, desde o início da crise, 2,4 milhões de crianças refugiadas. À Alemanha teriam chegado, no ano passado, mais de mil crianças sem familiares. No final do ano passado teriam chegado já cerca de 17 000. À Suécia chegavam semanalmente cerca de 700 crianças desacompanhadas, por semana. Muitas destas crianças são vítimas dos traficantes, são conduzidas para a prostituição, todas deixaram a escola, todas são vítimas da desestruturação das suas famílias. Muito poucas terão um futuro "normal".
Imagine o leitor que decidia emigrar. Imagine que o fazia para procurar melhores condições económicas. Imagine a carga emocional que esse simples facto — em si, e, apesar de tudo, ditado por um motivo positivo — traria para a sua família.
Imagine agora que o fazia por viver num cenário de guerra. Imagine que o fazia levando consigo os seus filhos. Imagine que a guerra o separava da sua família. Imagine agora os seus filhos a fugirem sozinhos para um destino desconhecido. Talvez à sua procura. Apenas com a garantia de que não ver ter, jamais, um futuro "normal".
Mais um problema a somar ao das crianças sem documentos, nascidas de pais refugiados, consideradas, portanto, apátridas.
Se calhar, a imagem que acompanha este post (cujo autor não consegui identificar e a quem peço antecipadamente desculpa pelo eventual uso abusivo da imagem) parecer-lhe-á oportunista, porventura lamecha, quiçá mesmo demagógica.
Números da Unicef, apenas referentes ao ano passado, indicavam que entre os requerentes de asilo nas Europa, 214 000 eram crianças. Um em cada quatro não tinha família.
O Homem quer chegar a Alfa Centauro em menos de 50 anos. Para já, no ano de 2016, é assim. Sem fim à vista...
O assunto não é de hoje, mas parece-me importante trazê-lo aqui porque, se o número inicial de refugiados já era assustador e a percentagem de crianças era elevada, passados cinco anos, esse número continua, segundo informação recente, a crescer de forma dramática. Também o número de crianças sozinhas aumenta, naturalmente.
Um relatório da UNICEF fala no caso especial da Síria. Serão, desde o início da crise, 2,4 milhões de crianças refugiadas. À Alemanha teriam chegado, no ano passado, mais de mil crianças sem familiares. No final do ano passado teriam chegado já cerca de 17 000. À Suécia chegavam semanalmente cerca de 700 crianças desacompanhadas, por semana. Muitas destas crianças são vítimas dos traficantes, são conduzidas para a prostituição, todas deixaram a escola, todas são vítimas da desestruturação das suas famílias. Muito poucas terão um futuro "normal".
Imagine o leitor que decidia emigrar. Imagine que o fazia para procurar melhores condições económicas. Imagine a carga emocional que esse simples facto — em si, e, apesar de tudo, ditado por um motivo positivo — traria para a sua família.
Imagine agora que o fazia por viver num cenário de guerra. Imagine que o fazia levando consigo os seus filhos. Imagine que a guerra o separava da sua família. Imagine agora os seus filhos a fugirem sozinhos para um destino desconhecido. Talvez à sua procura. Apenas com a garantia de que não ver ter, jamais, um futuro "normal".
Mais um problema a somar ao das crianças sem documentos, nascidas de pais refugiados, consideradas, portanto, apátridas.
Se calhar, a imagem que acompanha este post (cujo autor não consegui identificar e a quem peço antecipadamente desculpa pelo eventual uso abusivo da imagem) parecer-lhe-á oportunista, porventura lamecha, quiçá mesmo demagógica.
Números da Unicef, apenas referentes ao ano passado, indicavam que entre os requerentes de asilo nas Europa, 214 000 eram crianças. Um em cada quatro não tinha família.
O Homem quer chegar a Alfa Centauro em menos de 50 anos. Para já, no ano de 2016, é assim. Sem fim à vista...
2016/04/30
Taxi Uber Alles
Então, para onde vamos?
- Para a Rua de S. Bento, mesmo lá no fim, ao pé do Parlamento...
Oh diabo, isso não vai dar...
- Pois, hoje está difícil... estava a ver que não conseguia táxi.
Não sei se conseguiremos lá entrar, mas vamos até ao largo do Rato e depois logo se vê...
- Até ao Rato, já é bom. Depois, desço o resto da rua de S. Bento a pé...
Isto, hoje, não há táxis para ninguém...
- Pois, já percebi, mas, afinal, explique-me lá o que é isso da Uber, pois nunca andei num carro dessa empresa.
A Uber, é uma empresa ilegal, que não cumpre a lei e paga impostos na Holanda...
- Não cumpre a lei? Mas, isso é possível?
Claro... os carros não andam identificados, o senhor não pode mandar parar um na rua, mas se tiver uma aplicação no seu telemóvel, pode chamar um carro deles pelo telefone... eles mandam-lhe um carro particular, com chauffeur, mas sem taxímetro...
- Sem taxímetro? E como é que eu sei quanto devo pagar?
O preço é calculado em função da distância. Eles calculam o preço para si e comunicam quanto tem de pagar. Tem de fornecer o número do seu cartão de crédito e, depois, o valor da corrida, é-lhe retirado da conta bancária...
- Estou a ver... e passam facturas?
Só se o senhor quiser... mas, as facturas são electrónicas, em nome da sede da empresa, que é na América...
- Sim, já tinha percebido que era uma empresa americana, mas penso que, na Europa, a sede é na Holanda, certo?
Não, não, a empresa é americana e os impostos são pagos na Holanda...
- Então, qual a diferença entre um táxi normal e um táxi Uber?
A Uber diz que eles não são táxis normalizados, mas uma plataforma de serviços. Prestam serviços, entre os quais o transporte de passageiros.
- Para todos os efeitos, são vossos concorrentes...
Pois são, mas o problema não é a concorrência, é a diferença perante a lei.
- Então?
Para já, os carros deles são carros de "leasing" e não pagam os mesmo impostos de circulação. Depois, não estão identificados, os chauffeurs não pagam alvará e licença de táxi como nós, não têm taxímetro e não têm seguro de passageiros. Se têm um acidente, as companhias de seguro não pagam aos passageiros...
- Se é assim, isso é uma concorrência desleal...
Pois é, por isso é que os meus colegas estão em greve. Contra a discriminação de que somos alvo...
- Mas, eu oiço as pessoas dizerem que são bem tratadas pelos chauffeurs da Uber e que os carros deles são maiores, mais modernos e mais limpos...
Isso tudo, pode ser verdade, mas a lei é diferente... Aquilo é uma multinacional que não está sujeita às mesmas leis do mercado... Ora, isso é que está mal. Eles que cumpram a lei e que paguem os impostos em Portugal, como nós.
- Estou a perceber... então é quase como os "tuk-tuks", sem lei nem roque...
O senhor não me fale dos "tuk-tuks"... isso é uma praga... fazem o preço que querem, levam um preço por cabeça e as pessoas que querem no carro...se eu levar mais de 4 pessoas ou uma criança ao colo, sou logo multado... se fôr um carro da Uber ou um "tuk-tuk", pode levar 4 ou 5 pessoas, pedem 10euros por cabeça, para irem da Praça da Figueira ao Castelo e, quando chegam lá cima, são 50 euros no total. Se forem de táxi, são 5 euros pelo mesmo percurso.
- Mas, isso é uma "bagunça", completa. E, ninguém controla essas práticas?
Isso queremos nós. Mas, há dois anos que andamos nisto e nada se resolve...
- Mas, eu ouvi esta tarde, o presidente da Assembleia da República dizer que os recebeu e prometeu resolver a situação. Até criaram uma comissão para estudar o assunto...
Está a ver? Mais uma Comissão para estudar o assunto. Para quê? Toda a gente sabe que, quando criam uma comissão é para adiar a solução. Não vão resolver nada, como é costume...
- Já estamos no Rato, veja lá se pode avançar...
Vamos até à Rua da Imprensa e depois tenho de deixá-lo lá. Já vi que está tudo barrado pela polícia.
- Bom, ficamos aqui, então. Obrigado pelas informações.
- Para a Rua de S. Bento, mesmo lá no fim, ao pé do Parlamento...
Oh diabo, isso não vai dar...
- Pois, hoje está difícil... estava a ver que não conseguia táxi.
Não sei se conseguiremos lá entrar, mas vamos até ao largo do Rato e depois logo se vê...
- Até ao Rato, já é bom. Depois, desço o resto da rua de S. Bento a pé...
Isto, hoje, não há táxis para ninguém...
- Pois, já percebi, mas, afinal, explique-me lá o que é isso da Uber, pois nunca andei num carro dessa empresa.
A Uber, é uma empresa ilegal, que não cumpre a lei e paga impostos na Holanda...
- Não cumpre a lei? Mas, isso é possível?
Claro... os carros não andam identificados, o senhor não pode mandar parar um na rua, mas se tiver uma aplicação no seu telemóvel, pode chamar um carro deles pelo telefone... eles mandam-lhe um carro particular, com chauffeur, mas sem taxímetro...
- Sem taxímetro? E como é que eu sei quanto devo pagar?
O preço é calculado em função da distância. Eles calculam o preço para si e comunicam quanto tem de pagar. Tem de fornecer o número do seu cartão de crédito e, depois, o valor da corrida, é-lhe retirado da conta bancária...
- Estou a ver... e passam facturas?
Só se o senhor quiser... mas, as facturas são electrónicas, em nome da sede da empresa, que é na América...
- Sim, já tinha percebido que era uma empresa americana, mas penso que, na Europa, a sede é na Holanda, certo?
Não, não, a empresa é americana e os impostos são pagos na Holanda...
- Então, qual a diferença entre um táxi normal e um táxi Uber?
A Uber diz que eles não são táxis normalizados, mas uma plataforma de serviços. Prestam serviços, entre os quais o transporte de passageiros.
- Para todos os efeitos, são vossos concorrentes...
Pois são, mas o problema não é a concorrência, é a diferença perante a lei.
- Então?
Para já, os carros deles são carros de "leasing" e não pagam os mesmo impostos de circulação. Depois, não estão identificados, os chauffeurs não pagam alvará e licença de táxi como nós, não têm taxímetro e não têm seguro de passageiros. Se têm um acidente, as companhias de seguro não pagam aos passageiros...
- Se é assim, isso é uma concorrência desleal...
Pois é, por isso é que os meus colegas estão em greve. Contra a discriminação de que somos alvo...
- Mas, eu oiço as pessoas dizerem que são bem tratadas pelos chauffeurs da Uber e que os carros deles são maiores, mais modernos e mais limpos...
Isso tudo, pode ser verdade, mas a lei é diferente... Aquilo é uma multinacional que não está sujeita às mesmas leis do mercado... Ora, isso é que está mal. Eles que cumpram a lei e que paguem os impostos em Portugal, como nós.
- Estou a perceber... então é quase como os "tuk-tuks", sem lei nem roque...
O senhor não me fale dos "tuk-tuks"... isso é uma praga... fazem o preço que querem, levam um preço por cabeça e as pessoas que querem no carro...se eu levar mais de 4 pessoas ou uma criança ao colo, sou logo multado... se fôr um carro da Uber ou um "tuk-tuk", pode levar 4 ou 5 pessoas, pedem 10euros por cabeça, para irem da Praça da Figueira ao Castelo e, quando chegam lá cima, são 50 euros no total. Se forem de táxi, são 5 euros pelo mesmo percurso.
- Mas, isso é uma "bagunça", completa. E, ninguém controla essas práticas?
Isso queremos nós. Mas, há dois anos que andamos nisto e nada se resolve...
- Mas, eu ouvi esta tarde, o presidente da Assembleia da República dizer que os recebeu e prometeu resolver a situação. Até criaram uma comissão para estudar o assunto...
Está a ver? Mais uma Comissão para estudar o assunto. Para quê? Toda a gente sabe que, quando criam uma comissão é para adiar a solução. Não vão resolver nada, como é costume...
- Já estamos no Rato, veja lá se pode avançar...
Vamos até à Rua da Imprensa e depois tenho de deixá-lo lá. Já vi que está tudo barrado pela polícia.
- Bom, ficamos aqui, então. Obrigado pelas informações.
2016/04/22
Outras Guerras
A história conta-se em poucas palavras:
Durante a guerra colonial em África (1961-1974) milhares de jovens portugueses sairam do país, por recusarem fazê-la. Uns, como objectores de consciência; outros como refractários; outros, ainda, como desertores do próprio exército. Se eram mobilizados , só lhes restava uma alternativa: sair de Portugal. Foi o que fizeram, de acordo com as estimativas, cerca de 100.000 jovens, enquanto a guerra durou.
Anos mais tarde, já depois do 25 de Abril, muitos destes (ex)exilados voltaram a encontrar-se, agora para encontros informais de confraternização, dentro e fora do país. Alguns nunca regressaram a Portugal, mas os laços de amizade e a militância política, construídas nesses anos, não desvaneceram.
Mais recentemente, os contactos tornaram-se formais e, num desses encontros, surgiu a ideia de dar corpo a um objecto que reunisse as memórias e os testemunhos dos "anos da brasa" que, nessa época, agitavam a Europa.
Um "parto" difícil, dado o intervalo temporal decorrido e a memória de quem viveu esses anos. Com a ajuda de documentação pessoal e de centros de documentação vários (Coimbra e Paris), chegámos a um primeiro "draft", do que poderia ser um documento de consulta. Estávamos em 2014 e o mais difícil estava ainda para vir.
Foram pedidos mais contributos e, quando todas as "datas-limite" (para a entrega de materiais) tinham sido ultrapassadas, decidimos dar por concluído o corpo principal da obra. Dado que as histórias necessitavam de ser contextualizadas para memória futura, pedimos a dois "compagnons de route" que escrevessem o prefácio e o posfácio. Já lhe podíamos chamar um livro, nessa altura. Estávamos em 2015 e ainda faltavam coisas tão importantes como conseguir dinheiro e uma editora, arranjar apoios, patrocínios e a distribuição do produto final. Escolhida a gráfica, passámos à encomenda, que ficaria pronta na primeira semana de Março deste ano.
Hoje, o livro está editado e começou a ser divulgado nas redes sociais e orgãos de comunicação habituais. As reacções não se fizeram esperar. Boas, más e péssimas, como é usual nestas coisas.
Nada que nos surpreenda.
Não é fácil "desmontar" 300 anos de Inquisição e 50 de ditadura fascista. São séculos de ignorância, medo, repressão e exploração desenfreada, dentro e fora do pais. Estas coisas pagam-se. É esta "herança" que explica muitos dos traumas actuais, quer relativamente à ditadura, quer relativamente à guerra colonial e à deserção, como é o caso.
De um modo geral, os portugueses preferem não enfrentar os seus medos, recusando a catarse que podia fazê-los cidadãos maiores. Dito de outro modo, os portugueses sairam do fascismo, mas o fascismo "não saiu" dos portugueses.
Este livro, não sendo a primeira obra sobre a temática é, certamente, um dos poucos a abordar o tema do "exílio de resistência", uma faceta relativamente desconhecida de muitos que viviam e vivem em Portugal.
Agora, está à disposição dos interessados, sejam os "companheiros de estrada", espalhados pela Europa nos anos sessenta e setenta, sejam os curiosos e investigadores destas coisas que, a partir de agora, passarão a ter ao seu dispôr um instrumento mais para relançar uma discussão que continua por fazer. Outros materiais já existem (lembramos o excelente documentário "Guerra ou Paz" de Rui Simões) estando já anunciado um colóquio sobre a "Deserção na Guerra Colonial", uma iniciativa conjunta do CES de Coimbra e a UN de Lisboa, que terá lugar no próximo mês de Outubro.
E portanto, move-se...
2016/04/18
2016/04/13
Objectivo: Alfa Centauri. Meios: uma Revolução!
As revoluções não vêm necessariamente acompanhadas por tiros e carnificinas. Se assim fosse estaríamos hoje no meio de uma e o mundo estaria a assistir a uma mudança radical. Não faltam tiros, mortos e selvajaria e, no entanto, em vez de crescer a esperança de que a revolução está em curso, cresce em muitos de nós, pelo contrário, um sentimento inexorável de desespero por vermos a necessária mudança cada vez mais improvável e as ferramentas para a alcançar cada vez mais impotentes.
A nova organização Breakthrough Initiatives aspira a alterar este estado de coisas.
Trata-se de um programa de "exploração científica e tecnológica, que se dirige às grandes questões da vida e do Universo. Estamos sós? Existem mundos habitáveis na nossa vizinhança galática? Podemos dar o grande salto para as estrelas E podemos nós pensar e agir juntos, como um único mundo dentro no seio do cosmos?"
Uma destas iniciativas é o Starshot.
Trata-se de um programa de 100 milhões de dólares de investigação e engenharia destinado a demosntrar a "proof of concept" de uma tecnologia nova que permite o voo espacial, ultra-leve e sem piloto, a uma velocidade que será de 20 % da velocidade dat luz, com um objectivo simples: atingir Alfa Centauro em menos de meio século. Os meios: novos métodos de propulsão que aumentam dramaticamente a capacidade de vencer grandes distâncias. Porquê? Porque, como dizem os promotores desta Breakthrough Initiatives "uma civilização madura, como um indivíduo maduro, tem de fazer esta pergunta: será que a Humanidade se define pelas suas divisões, os seus problemas, as suas necessidades passageiras e tendências? Ou será que temos um rosto partilhado, virado para fora, para o Universo?"
O que a Starshot promete é uma revolução. Quem sabe, a Revolução!
O que a Starshot propõe é o método de a levar por diante e os meios para a operar.
O que podemos fazer é esperar ou participar.
Ouça e veja o video acima. Para além da descrição que os diversos participantes fazem do que vai ser esta inciativa, dos seus meios e das suas etapas, é para a intervenção da astronauta Mae Jamison, uma das várias personalidades que está nas base da criação deste Breakthrough Initiatives que sugiro que dirija a sua atenção.
Estou certo que depois de ouvir esta intervenção, depois de ultrapassar a candura desarmante com que reflecte sobre as consequências desta inciativa, vai ser possível perceber por que razão estamos perante uma Revolução sem precedentes.
2016/04/05
O filme
Cometeram um erro aqueles que votaram no professor Marcelo. As razões começam a tornar-se claras.
Num primeiro momento o actual PR surpreendeu-me, surpreendeu-nos, com um discurso apaziguador, bonacheirão e com uma postura mais descontraída que a do seu antecessor. Ilusão!
Para provar que não há motivos para surpresas ouçam-se as suas declarações de hoje, a propósito dos chamados Panama Papers. Falou em "fragilidades das democracias" e referiu que as revelações que estão a causar tanta agitação constituem "más notícias" para os defensores da liberdade.
É estranho porque, na minha opinião, ele deu um contributo decisivo, durante anos e de várias formas, para fragilizar a democracia portuguesa. Não conheço os dotes pedagógicos do professor. Na minha própria prática pedagógica procuro seguir o princípio de que é meu dever fornecer aos alunos pistas para que possam pensar por si. Está assim proscrito do meu arsenal pedagógico a injeção gratuita de matéria e, sobretudo, a transmissão de ideias pré-fabricadas, com a consequente formatação ou condicionamento de uma capacidade autónoma de resposta.
Pelo pouco que percebi da intervenção pública do actual Presidente da República, foi o que ele fez durante anos, sem quartel. Isso sim, essa formatação do pensamento é que fragiliza a democracia. Cidadãos que não sabem pensar e que se apoiaram na homilia dominical para formar o seu comportamento cívico e político não podem construir uma democracia forte. Foi a prática do actual Presidente da República durante décadas. O seu contributo para fragilizar a democracia que temos foi, assim, decisivo.
Enalteceu o papel da imprensa na denúncia destes casos, mas creio que não será complicado demonstrar que a imprensa, no seu conjunto, é um dos agentes que mais desgraçadamente contribui para fragilizar a democracia. Citem-me um órgão de informação que mereça algum crédito! Marcelo sabe-o, de resto, bem.
Uma democracia fragilizada enfraquece a liberdade. Liberdade enfraquecida é má notícia para a democracia.
O projecionista enganou-se e colocou a bobine no projector ao contrário. E Marcelo veio contar mal o filme...
Num primeiro momento o actual PR surpreendeu-me, surpreendeu-nos, com um discurso apaziguador, bonacheirão e com uma postura mais descontraída que a do seu antecessor. Ilusão!
Para provar que não há motivos para surpresas ouçam-se as suas declarações de hoje, a propósito dos chamados Panama Papers. Falou em "fragilidades das democracias" e referiu que as revelações que estão a causar tanta agitação constituem "más notícias" para os defensores da liberdade.
É estranho porque, na minha opinião, ele deu um contributo decisivo, durante anos e de várias formas, para fragilizar a democracia portuguesa. Não conheço os dotes pedagógicos do professor. Na minha própria prática pedagógica procuro seguir o princípio de que é meu dever fornecer aos alunos pistas para que possam pensar por si. Está assim proscrito do meu arsenal pedagógico a injeção gratuita de matéria e, sobretudo, a transmissão de ideias pré-fabricadas, com a consequente formatação ou condicionamento de uma capacidade autónoma de resposta.
Pelo pouco que percebi da intervenção pública do actual Presidente da República, foi o que ele fez durante anos, sem quartel. Isso sim, essa formatação do pensamento é que fragiliza a democracia. Cidadãos que não sabem pensar e que se apoiaram na homilia dominical para formar o seu comportamento cívico e político não podem construir uma democracia forte. Foi a prática do actual Presidente da República durante décadas. O seu contributo para fragilizar a democracia que temos foi, assim, decisivo.
Enalteceu o papel da imprensa na denúncia destes casos, mas creio que não será complicado demonstrar que a imprensa, no seu conjunto, é um dos agentes que mais desgraçadamente contribui para fragilizar a democracia. Citem-me um órgão de informação que mereça algum crédito! Marcelo sabe-o, de resto, bem.
Uma democracia fragilizada enfraquece a liberdade. Liberdade enfraquecida é má notícia para a democracia.
O projecionista enganou-se e colocou a bobine no projector ao contrário. E Marcelo veio contar mal o filme...
2016/04/01
O Fardo do Homem Branco
Se a posição dos partidos de direita, pode fazer algum sentido, atendendo aos negócios angolanos em Portugal (há quem lhe chame "realpolitik"), o voto do PCP é de todo oportunista, ao recusar a condenação do regime cleptocrata e corrupto que governa Angola.
Os deputados do PCP fazem lembrar o soldado japonês (Hiroo Onoda), encontrado nas Filipinas em 1974, que não sabia que a guerra tinha terminado. Enviado para a ilha de Lubang, em 1944, com a missão de defender as bases japonesas no arquipélago, e resistir o tempo que fosse necessário, refugiou-se na selva com uma vintena de militares, que recusaram entregar-se em 1945 e desconheciam Hiroshima e Nagasaki. Posteriormente, alguns dos membros deste grupo morreram, ou entregaram-se às forças filipinas e regressaram ao Japão. Só Onoda ficou.
Em 1974, um jovem estudante japonês encontrou-o na selva filipina e comunicou o facto ao antigo superior militar de Onoda, o major Yoshimi Taniguchi, entretanto reformado. Este dispôs-se ir às Filipinas e ordenar, formalmente, a Onoda para depôr as armas e regressar ao Japão, única forma de este aceitar a "rendição".
Aparentemente, o PCP ainda não percebeu que a "guerra fria" acabou em 1989 e que o MPLA de Eduardo dos Santos, já não é o mesmo de Agostinho Neto (pró-soviético), que lutou contra o colonialismo português e foi apoiado pelos comunistas portugueses.
A justificação para tal acto, foi mais uma vez, o estafado argumento da "não-ingerência nos assuntos internos de uma nação amiga e independente" que, como sabemos, serve para justificar tudo e o seu contrário, inclusive o cinismo.
Outra interpretação possível, é o complexo de culpa de um país colonialista em relação ao país colonizado, mais conhecido no jargão antropológico por "white's man burden", o fardo do homem branco.
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