2009/09/28

O que esta votação quis dizer

A maioria absoluta do PS nas eleições de 2005 foi alcançada porque uma maioria absoluta de portugueses queria, de facto, reformas em muitas áreas da nossa vida colectiva. Estou certo de que mesmo gente que votou nos outros partidos teria igual desejo. Há um desígnio comum, difuso, mas muito amplo e real.
O PS pareceu a muitos de nós capaz de, sob o comando de José Sócrates, levar por diante este projecto. O discurso de tomada de posse do primeiro ministro foi um primeiro sinal de que as expectativas geradas iriam encontrar eco nas políticas do governo. O governo PS teve todas as condições para fazer aquilo para que os seus apoiantes o mandataram. A maioria absoluta foi a expressão deste impulso colectivo, empolgante e necessário.
O desfecho deste episódio não foi, como sabemos, o melhor...
O resultado das eleições de ontem foi uma clara demonstração de que 1) os eleitores continuam interessados nestas reformas e 2) os eleitores perceberam que aquela maioria absoluta infectou o PS.
O PS perdeu o mandato inequívoco que lhe foi conferido em 2005. O PS perdeu!
E terá novos dissabores se continuar a olhar para o umbigo e se se esquecer que o tombo de ontem não foi maior porque há uma percentagem significativa de gente, que lhe deu o voto em 2005, que ainda pensa --legitimamente, ou não, não interessa-- que não houve tempo para cumprir o programa e decidiu dar-lhe, por mais esta vez, o benefício da dúvida.
Privado dos ingénuos que lhe deram o voto em 2005 e de muitos qua ontem teimaram em acreditar ainda na possibilidade de cumprir o programa de 2005, o PS estaria hoje ao nível do CDS-PP.
Ontem, todos os partidos subiram. Todos, até mesmo, pasme-se!, o partido da inimaginavelmente inapta M. Ferreira Leite!. Até o MRPP subiu e vai passar a beneficiar dessa subida...
Só o PS desceu.
O que esta votação quis dizer foi a reafirmação da necessidade das reformas.
O que esta votação quis dizer é que os partidos vão ter de se entender e a solução a solo não funcionou, nem pode funcionar se prevalecerem dentro dos partidos, sejam quais forem, interesses egoistas.
O que esta votação quis dizer é que os eleitores estão mais atentos do que julgavam alguns políticos e observadores medíocres da coisa pública.
O que esta votação quis dizer é que as agendas políticas dos partidos são todas legítimas e são todas para ter em conta, para discutir e dissecar com seriedade, sem ambiguidades, sem manobras manhosas e abertamente.
O que esta votação quis dizer é que uma certa forma de fazer "política", cerzida, frequentemente, na calúnia, no desrespeito, no golpe baixo, na arrogância, na grosseria e no interesse mesquinho, acabou.
O que esta votação quis dizer é que não é possível continuar a deixar que se confunda o governo da Nação com associações de defesa de interesses corporativos, de classe, de actividade económica ou de outra qualquer natureza.
O que esta votação quis dizer é que os responsáveis políticos do país têm de se entender, abandonar este estilo trauliteiro de resolver os nossos problemas colectivos e aprender a respeitar os interesses dos diferentes sectores da sociedade, tentando conciliá-los para bem da sociedade no seu conjunto.
O que esta votação quis dizer é que não há sectores da sociedade portuguesa virtuosos por direito divino, enquanto outros são pecadores contumazes por acção do demónio.
O que esta votação quis dizer é que a ingovernabilidade começa nos próprios políticos que confundem serviço público com o servir-se do público.
Quanto a mim, foi uma nova era que se iniciou ontem. Quem não percebeu isso está condenado a um ocaso político rápido. Chamem-me optimista, mas o futuro apresenta-se agora mais promissor.

3 comentários:

Rui Mota disse...

Eu não estaria tão optimista. Mas, eu sou um pessimista (que é uma espécie de optimista realista). Penso que a "clubite aguda" dos portugueses nâo os deixam ver para além das cores do semáforo. O pior é que muitos são daltónicos, o que complica a coisa...

Carlos A. Augusto disse...

A "clubite" também me aflige. Ontem as exibições de clubite foram patéticas.
No entanto (para sermos mesmo realistas!) há que ver que 1) há clubite que resulta das ameaças aos tachos, 2) os "malucos da bola" são cada vez menos e 3)os que reagem com sabedoria são afinal mais do que se pensa.
Ora, repara que toda a gente aponta o dedo ao pateta do Jardim, por exemplo, mas ninguém sublinhou ainda o facto de a abstenção na Madeira ter rondado os 50%...
A verdade é esta: apesar do distribuição do bodo, das inaugurações, do populismo, das barraquinhas da poncha na festa do chão do não sei quê, a alarvidade do homem só colhe a simpatia de bastante menos de 50% da população.
As "simpatias" e a tal "clubite" podem enganar.
De qualquer forma, a Ferreira Leite deveria ter tido cuidado quando elogiou a representatividade "democrática" na Madeira.
É notório que foi por estas e outras que perdeu.

Iris Restolho disse...

Que bom que alguém diz que o PS perdeu e que até o PSD subiu. As leituras têm por hábito serem bem mais simplistas.

Gostei!


http://30diaspara.blogspot.com/