Ainda a propósito da Língua Portuguesa, o Público de ontem noticiava que um estudo do Letrário (uma equipa de consultoria em língua portuguesa e estrangeira) tinha descoberto falhas graves no uso da língua portuguesa em livros infantis. Em livros infantis!
Para quem não tenha lido o artigo, reproduzo alguns dos erros detectados.
- [...] como se tivesse diante de uma tumba
- Quem mais me preocupa é o meio campo
- O Esperto é que [...] reparava para o caminho
- [...] teria de aguardar maior tempo
E isto constitui apenas uma parte das falhas detectadas. O Letrário, como refere o artigo, assinalou ainda outras como "incoerências gráficas, aberturas de parágrafos deficientes, irregularidades no uso das maiúsculas."
Não se pense que isto ocorre apenas com editoras pequenas e sem grande cartel. Foram indentificados erros em livros editados por um conjunto sonante de editoras que inclui a Campo das Letras, Oficina do Livro, Verbo, Gradiva, D. Quixote, Assírio & Alvim, Porto Editora, Texto Editores, Guimarães, Bertrand, Terramar, Relógio d'Água e Caminho, entre outras.
Antigamente havia bonecos de trapos para brincar. Hoje as crianças brincam com a língua de trapos.
Assim, de pequenino é que se vai torcendo o pepino, pois então!
2008/01/19
2008/01/16
Ainda a propósito do Turismo Infinito
De uma entrevista a Ricardo Pais, incluída no programa deste espetáculo, retiro o seguinte excerto:
"(...) Quando ouvimos Pessoa em português é triunfante! Bernardo Soares fala da sintaxe como uma questão patriótica e é como se viesse ao encontro daquilo de que sempre esperei que o teatro fosse o principal portador: a bandeira da fala. Com as mensagens SMS reduzidas a imbecilidades juvenis, com os anglicismos de pacotilha do paleio gestionário, com o péssimo português que se fala na televisão, com a falta de um referente normativo, a língua tornou-se para nós uma questão ética."
Poderia ser a metáfora de um programa de acção para a reforma de Portugal, neste ano de graça de 2008...
"(...) Quando ouvimos Pessoa em português é triunfante! Bernardo Soares fala da sintaxe como uma questão patriótica e é como se viesse ao encontro daquilo de que sempre esperei que o teatro fosse o principal portador: a bandeira da fala. Com as mensagens SMS reduzidas a imbecilidades juvenis, com os anglicismos de pacotilha do paleio gestionário, com o péssimo português que se fala na televisão, com a falta de um referente normativo, a língua tornou-se para nós uma questão ética."
Poderia ser a metáfora de um programa de acção para a reforma de Portugal, neste ano de graça de 2008...
2008/01/15
Know How
Eu não sei se Zita Seabra é doutora, como lhe chamou Fátima Ferreira no programa "Prós & Contras" de ontem. Mas, engenheira, deve ser certamente. A avaliar pelo conhecimento mostrado em localizações de aeroportos...
2008/01/14
656
Seiscentos e cinquenta e seis é o número de "baldes" existentes nas celas das prisões portuguesas.
Ainda bem que conseguiram quantificá-los. Teriam sido os inspectores da ASAE?
Desta forma ficámos a saber que nem todos "cagam de poleiro". Mesmo nas prisões portuguesas há classes.
Ainda bem que conseguiram quantificá-los. Teriam sido os inspectores da ASAE?
Desta forma ficámos a saber que nem todos "cagam de poleiro". Mesmo nas prisões portuguesas há classes.
2008/01/12
Turismo Infinito
De vez em quando temos a oportunidade de ver um daqueles espetáculos que nos agarram, sem um momento de abrandamento, sem quase termos tempo de respirar. "Turismo Infinito" é uma produção do Teatro Nacional de S. João encenada superiormente por Ricardo Pais, que está manifestamente nesta categoria.
Um espetáculo construído a partir de textos de Fernando Pessoa que mostra como se pode produzir um objecto teatral de luxo e de grande intensidade e densidade dramatúrgica tendo sobretudo como matéria prima um enorme rigor e uma grande conjugação de talentos. Rigor e talento, aquilo que, simultaneamente, é necessário e falta a grande parte do teatro que se vai vendo por aí...
Destaque para o trabalho dramatúrgico de primeira água de António M. Feijó, para o soberbo grupo de actores e para o espetacular trabalho de voz, para o vigoroso dispositivo cénico de Manuel Aires Mateus, para o desenho de luz sensível de Nuno Meira, para os excelentes figurinos de Bernardo Monteiro e, muito em particular, para o precioso design sonoro do Francisco Leal.
O espetáculo vai estar no TNDMII até 26 de Janeiro, no Teatro Municipal de Faro, no dia 1/2 no Theatro Circo de Braga, no dia 15/2 e no Teatro Aveirense no dia 22/2. Não percam!
Um espetáculo construído a partir de textos de Fernando Pessoa que mostra como se pode produzir um objecto teatral de luxo e de grande intensidade e densidade dramatúrgica tendo sobretudo como matéria prima um enorme rigor e uma grande conjugação de talentos. Rigor e talento, aquilo que, simultaneamente, é necessário e falta a grande parte do teatro que se vai vendo por aí...
Destaque para o trabalho dramatúrgico de primeira água de António M. Feijó, para o soberbo grupo de actores e para o espetacular trabalho de voz, para o vigoroso dispositivo cénico de Manuel Aires Mateus, para o desenho de luz sensível de Nuno Meira, para os excelentes figurinos de Bernardo Monteiro e, muito em particular, para o precioso design sonoro do Francisco Leal.
O espetáculo vai estar no TNDMII até 26 de Janeiro, no Teatro Municipal de Faro, no dia 1/2 no Theatro Circo de Braga, no dia 15/2 e no Teatro Aveirense no dia 22/2. Não percam!
O feitiço virou-se contra o feiticeiro
Numa primeira leitura, as reacções à escolha de Alcochete para instalação do novo aeroporto são, pelo seu tom geral, de regozijo pela "derrota" do governo. Pois eu acho que nesta altura o Primeiro Ministro deve estar a sorrir e a dizer para si "gosto deles porque são tenrinhos!"
Anteriormente o governo e o partido do governo iriam ter apenas um grupo eternamente agradecido --o grupo da Ota-- pelo progresso que a decisão lhes iria proporcionar. Agora vão ter dois grupos: o já citado grupo da Ota e o novo grupo de Alcochete.
De um dia para o outro perspectiva-se a transformação da margem sul de deserto em zona próspera. Os proprietários, comerciantes, autarcas e a generalidade da população dos concelhos onde o aeroporto vai ser implantado e dos concelhos limítrofes exultam unanimemente com o súbito e fácil enriquecimento. No que respeita à Ota e envolvente, é uma certeza que irão ser benficiados com novos projectos para compensar a alteração dos planos. Em breve os seus tímidos protestos irão ser devidamente calados... E um dia, se as contas forem feitas, se calhar, até se vai provar que beneficiaram mais sem o aeroporto do que beneficiariam com o aeroporto, já que novos investimentos lhes irão cair no regaço, sem danos colaterais. Sem que tenham, designadamente, de suportar a clara degradação da qualidade de vida que a construção da nova infraestrutura iria provocar.
Toda a gente fala no enorme alcance de um projecto desta natureza, dos benefícios que irá trazer para o país, para a Europa, para o Universo! Mas esquecem-se de mencionar o impacte profundamente negativo que um aeroporto tem na vida das populações locais. Os moradores da avenida do Brasil, da Gago Coutinho ou de Alvalade que o digam... Toda a gente diz que se "habitua", mas estes "hábitos" são adquiridos à custa de adaptações do corpo que têm efeitos profundamente perturbadores. Há também muitos estudos sobre tudo isto, senhores engenheiros!
Os únicos verdadeiros beneficiários de um aeroporto são os passageiros, que só sofrem os efeitos perniciosos de uma instalação deste tipo temporariamente e vão de seguida à sua vida. De resto, toda a gente que trabalha num aeroporto, ou é obrigada a ter de conviver com ele, sofre na pele as consequências deste acto profundamente anormal que é o de pôr o Homem a voar...
E as populações que pensam que isto é uma viagem de borla que se acautelem. Não me espantaria se daqui a uns anos os mesmos patetas que andaram a espalhar camelos pela margem sul a favor da opção Alcochete, viessem a colocar orelhas de burro pela ridícula forma de luta que escolheram.
O governo, como dizia, sai de tudo isto francamente por cima. Calou os contestatários e tem hoje uma posição muito mais forte em todo este processo, com muito mais gente "atenta, veneradora e obrigada". Neste pressuposto, e no plano político, o tiro saiu inteiramente pela culatra aos mentores desta inaudita operação. A menos que tenham terrenos na margem sul...
Se conclusão há a tirar é que ninguém ficou esclarecido do que quer que seja quanto à bondade de uma ou de outra opção. Num plano estritamente técnico e depois de ouvidas as justificações dadas e a linguagem cautelosa usada, eu, por mim, tenho mais dúvidas hoje do que nunca! Todo este processo me pareceu, neste aspecto, sempre uma enorme palhaçada, digna deste Portugal que temos hoje. Agora tenho a certeza!
Ah!, já agora falando em certezas e lembrando uma declaração do actual Presidente da República de há anos, quando era Primeiro Ministro, esperemos que desta vez se não tenha mesmo enganado e que este não tenha passado de um daqueles raros momentos em que tem dúvidas...
Anteriormente o governo e o partido do governo iriam ter apenas um grupo eternamente agradecido --o grupo da Ota-- pelo progresso que a decisão lhes iria proporcionar. Agora vão ter dois grupos: o já citado grupo da Ota e o novo grupo de Alcochete.
De um dia para o outro perspectiva-se a transformação da margem sul de deserto em zona próspera. Os proprietários, comerciantes, autarcas e a generalidade da população dos concelhos onde o aeroporto vai ser implantado e dos concelhos limítrofes exultam unanimemente com o súbito e fácil enriquecimento. No que respeita à Ota e envolvente, é uma certeza que irão ser benficiados com novos projectos para compensar a alteração dos planos. Em breve os seus tímidos protestos irão ser devidamente calados... E um dia, se as contas forem feitas, se calhar, até se vai provar que beneficiaram mais sem o aeroporto do que beneficiariam com o aeroporto, já que novos investimentos lhes irão cair no regaço, sem danos colaterais. Sem que tenham, designadamente, de suportar a clara degradação da qualidade de vida que a construção da nova infraestrutura iria provocar.
Toda a gente fala no enorme alcance de um projecto desta natureza, dos benefícios que irá trazer para o país, para a Europa, para o Universo! Mas esquecem-se de mencionar o impacte profundamente negativo que um aeroporto tem na vida das populações locais. Os moradores da avenida do Brasil, da Gago Coutinho ou de Alvalade que o digam... Toda a gente diz que se "habitua", mas estes "hábitos" são adquiridos à custa de adaptações do corpo que têm efeitos profundamente perturbadores. Há também muitos estudos sobre tudo isto, senhores engenheiros!
Os únicos verdadeiros beneficiários de um aeroporto são os passageiros, que só sofrem os efeitos perniciosos de uma instalação deste tipo temporariamente e vão de seguida à sua vida. De resto, toda a gente que trabalha num aeroporto, ou é obrigada a ter de conviver com ele, sofre na pele as consequências deste acto profundamente anormal que é o de pôr o Homem a voar...
E as populações que pensam que isto é uma viagem de borla que se acautelem. Não me espantaria se daqui a uns anos os mesmos patetas que andaram a espalhar camelos pela margem sul a favor da opção Alcochete, viessem a colocar orelhas de burro pela ridícula forma de luta que escolheram.
O governo, como dizia, sai de tudo isto francamente por cima. Calou os contestatários e tem hoje uma posição muito mais forte em todo este processo, com muito mais gente "atenta, veneradora e obrigada". Neste pressuposto, e no plano político, o tiro saiu inteiramente pela culatra aos mentores desta inaudita operação. A menos que tenham terrenos na margem sul...
Se conclusão há a tirar é que ninguém ficou esclarecido do que quer que seja quanto à bondade de uma ou de outra opção. Num plano estritamente técnico e depois de ouvidas as justificações dadas e a linguagem cautelosa usada, eu, por mim, tenho mais dúvidas hoje do que nunca! Todo este processo me pareceu, neste aspecto, sempre uma enorme palhaçada, digna deste Portugal que temos hoje. Agora tenho a certeza!
Ah!, já agora falando em certezas e lembrando uma declaração do actual Presidente da República de há anos, quando era Primeiro Ministro, esperemos que desta vez se não tenha mesmo enganado e que este não tenha passado de um daqueles raros momentos em que tem dúvidas...
2008/01/10
2008/01/09
Sócrates não é fascista
Sócrates não é fascista. Sócrates não é autoritário. Sócrates não é demagogo. Sócrates não é mentiroso. Sócrates não é burro. Burros são os portugueses que votaram em Sócrates.
O Ovo de Sócrates
O governo não vai referendar o Tratado de Lisboa. Já se sabia. Como também já era conhecida a promessa do partido socialista em referendá-lo (está escrito no seu programa eleitoral). Confrontado com a pergunta elementar dos jornalistas (porque faltou Sócrates à promessa eleitoral?) o primeiro-ministro deu uma resposta que não lembrava a Colombo: "Não referendamos porque não se trata do mesmo texto. Quando nos comprometemos era o Tratado da Constituição, agora é o Tratado de Lisboa".
Clinton, o Bill, também declarou há anos que não tinha tido sexo com Mónica Lewinsky. Ou melhor, fez sexo oral, mas nos Estados Unidos sexo oral não é sexo. Sócrates inventou mais um ovo.
Clinton, o Bill, também declarou há anos que não tinha tido sexo com Mónica Lewinsky. Ou melhor, fez sexo oral, mas nos Estados Unidos sexo oral não é sexo. Sócrates inventou mais um ovo.
2008/01/08
Conselhos eslovenos
O esloveno Janez Jansa, presidente da União Europeia em exercício, veio ontem publicamente desaconselhar José Sócrates a referendar o Tratado de Lisboa. Jansa pensa mesmo que "não seria sensato realizar um referendo em Portugal". Extraordinário. Lê-se e não se acredita. Já não bastava o "nosso" primeiro-ministro andar a tentar enganar o "pagode" com o tabú do referendo, ainda tínhamos de ouvir um esloveno a meter-se na política interna portuguesa! Independentemente da decisão que Sócrates vier a tomar, este episódio revela bem o medo que se apossou de Bruxelas e o conluio dos dirigentes europeus durante a cimeira de Lisboa. Logo agora que a maioria dos estados membros acordou aprovar o Tratado nos respectivos parlamentos, é que Portugal pensa referendá-lo! Que falta de sensatez, devia ter pensado Jansa...
Melhor seria que guardasse os seus conselhos para o Kosovo, pois vai ter de explicar à Sérvia e à comunidade internacional, a razão da proclamação unilateral da independência de uma provincia que é parte integrante de um país independente e soberano.
Melhor seria que guardasse os seus conselhos para o Kosovo, pois vai ter de explicar à Sérvia e à comunidade internacional, a razão da proclamação unilateral da independência de uma provincia que é parte integrante de um país independente e soberano.
2008/01/05
O verdadeiro choque tecnológico
A impar de orgulho e, presume-se, de bacalhau com todos, o ministro da justiça, Alberto Costa, aproveitou o jantar anual na prisão de Linhó para anunciar a grande modernização do sistema prisional português. Finalmente (finalmente, disse ele), vamos dar início à substituição do "balde" nas celas portuguesas. Do balde de merda, queria ele dizer.
2008/01/04
Escândalo
Enquanto rumina as últimas fatias de bolo rei e se prepara já para gozar umas merecidas férias de Carnaval, o país é apanhado por uma notícia que, a ser verdadeira, constitui, quanto a mim, um escândalo das mais graves proporções.
Hoje o Público noticia em manchete que Berardo e mais uns quantos accionistas do BCP compraram acções e reforçaram a sua posição neste banco à custa de créditos concedidos pela CGD. A aprovação dessas operações de crédito foi feita por alguns dos elementos apontados para a nova administração do BCP.
Nada disto será ilegal, segundo o Público.
Mas, apesar de poder de facto não ser ilegal, se estas operações são, repito, verdadeiras (e os portugueses precisam de um esclarecimento muito claro do Governo sobre tudo isto JÁ!), elas indiciam uma situação de tal maneira grave que, parece-me, só poderá conduzir a medidas imediatas de emergência, incluíndo mesmo eventualmente eleições antecipadas.
Gostava que os defensores da intervenção do Estado no caso BCP --justificada com o argumento do peso do banco e do perigo que a sua prolongada crise representa para a nossa economia-- comentassem estes novos factos...
Ou Portugal perdeu definitivamente o tino ou vem aí um tsunami daqueles mesmo devastadores...
Hoje o Público noticia em manchete que Berardo e mais uns quantos accionistas do BCP compraram acções e reforçaram a sua posição neste banco à custa de créditos concedidos pela CGD. A aprovação dessas operações de crédito foi feita por alguns dos elementos apontados para a nova administração do BCP.
Nada disto será ilegal, segundo o Público.
Mas, apesar de poder de facto não ser ilegal, se estas operações são, repito, verdadeiras (e os portugueses precisam de um esclarecimento muito claro do Governo sobre tudo isto JÁ!), elas indiciam uma situação de tal maneira grave que, parece-me, só poderá conduzir a medidas imediatas de emergência, incluíndo mesmo eventualmente eleições antecipadas.
Gostava que os defensores da intervenção do Estado no caso BCP --justificada com o argumento do peso do banco e do perigo que a sua prolongada crise representa para a nossa economia-- comentassem estes novos factos...
Ou Portugal perdeu definitivamente o tino ou vem aí um tsunami daqueles mesmo devastadores...
Uma boa notícia
O Rally Lisboa-Dakar foi cancelado. Pese a tristeza dos concorrentes e da organização portuguesa que trabalhou para a sua concretização, a anulação do evento alerta-nos para outras realidades que a política-espectáculo teima em esquecer. Agora teriam sido as ameaças terroristas que punham em perigo os concorrentes. Amanhã, serão outras as razões. Mais importante do que isso (até porque não houve vítimas), são os milhares de mortos que anualmente perecem em África por subnutrição. Uma vergonha para o continente e para a humanidade. Esse sim, é o problema que nos deve preocupar. Em vez de lamentar o falhanço de um evento ostentatório, que persiste em atravessar regiões dizimadas pela fome e pela doença, sem que nada traga de positivo às populações locais, devíamos repensar o que fazer com o dinheiro gasto no "rally". Talvez possam vender alguns carros e oferecer a receita a uma região carenciada. Aposto que dava para um ano de comida.
2008/01/03
2008/01/02
Mensagem de Ano Novo
Os discursos de Ano Novo dos presidentes da república são, por natureza, inócuos e falhos de imaginação.
O de ontem, proferido por Cavaco Silva, não fugiu à regra. Claro que muito boa gente quis nele "ler" o que mais lhe convinha. É sempre sintomático ouvir as interpretações dos diversos líderes partidários e comentadores diversos sobre o tema. Uns vêem-no como crítico ao governo, outros como envergonhado na crítica...
O que mais me espantou, foi o presidente ter "questionado os rendimentos de altos dirigentes de empresas", para usar a definição de uma certa imprensa nacional. Fiquei na dúvida se ele (o presidente) se referia aos "rendimentos de altos dirigentes" ou aos "altos rendimentos dos dirigentes", que são coisas completamente diferentes como sabemos. Admito que se trata da segunda interpretação. Pessoalmente, não me choca nada que um dirigente (alto ou baixo) tenha um rendimento alto. Penso mesmo que a qualidade deve ser premiada. Também penso que a maioria desses dirigentes, que têm um rendimento alto, podem perfeitamente viver com metade do que ganham. Restam os rendimentos baixos (dos dirigidos altos e baixos). E é aqui que a porca torce o rabo. Porque é que os baixos rendimentos não podem ser mais altos?
Já sabemos que produzimos pouco e mal (a tal questão da "produtividade"). Mas, se a produtividade é baixa, como é que se explica que só os dirigidos ganhem pouco e os (altos) dirigentes ganhem salários altos? Ou não somos todos parte activa na tal produtividade? Portanto, das duas uma: ou produzimos pouco e alguém anda a viver acima das suas (nossas) posses; ou produzimos o suficiente e não se percebe porque é que há gente a ganhar tão mal....
Esta questão (que não é menor) faz-me sempre lembrar uma história que alguns asseguram ser verdadeira. Consta que, durante o famigerado PREC, um alto militar da Abril (não muito alto) teria visitado a Suécia, considerado um modelo e um exemplo a seguir pela nossa jovem democracia. Olaf Palme, ao tempo primeiro-ministro daquele país, quis saber quais as prioridades do MFA para Portugal: "Acabar com os ricos!", ter-lhe-ia respondido o capitão português, ao que Palme retorquiu: "Tem graça, aqui na Suécia, nós preferimos acabar com os pobres".
Ora aqui está uma boa mensagem para Cavaco usar em 2009.
O de ontem, proferido por Cavaco Silva, não fugiu à regra. Claro que muito boa gente quis nele "ler" o que mais lhe convinha. É sempre sintomático ouvir as interpretações dos diversos líderes partidários e comentadores diversos sobre o tema. Uns vêem-no como crítico ao governo, outros como envergonhado na crítica...
O que mais me espantou, foi o presidente ter "questionado os rendimentos de altos dirigentes de empresas", para usar a definição de uma certa imprensa nacional. Fiquei na dúvida se ele (o presidente) se referia aos "rendimentos de altos dirigentes" ou aos "altos rendimentos dos dirigentes", que são coisas completamente diferentes como sabemos. Admito que se trata da segunda interpretação. Pessoalmente, não me choca nada que um dirigente (alto ou baixo) tenha um rendimento alto. Penso mesmo que a qualidade deve ser premiada. Também penso que a maioria desses dirigentes, que têm um rendimento alto, podem perfeitamente viver com metade do que ganham. Restam os rendimentos baixos (dos dirigidos altos e baixos). E é aqui que a porca torce o rabo. Porque é que os baixos rendimentos não podem ser mais altos?
Já sabemos que produzimos pouco e mal (a tal questão da "produtividade"). Mas, se a produtividade é baixa, como é que se explica que só os dirigidos ganhem pouco e os (altos) dirigentes ganhem salários altos? Ou não somos todos parte activa na tal produtividade? Portanto, das duas uma: ou produzimos pouco e alguém anda a viver acima das suas (nossas) posses; ou produzimos o suficiente e não se percebe porque é que há gente a ganhar tão mal....
Esta questão (que não é menor) faz-me sempre lembrar uma história que alguns asseguram ser verdadeira. Consta que, durante o famigerado PREC, um alto militar da Abril (não muito alto) teria visitado a Suécia, considerado um modelo e um exemplo a seguir pela nossa jovem democracia. Olaf Palme, ao tempo primeiro-ministro daquele país, quis saber quais as prioridades do MFA para Portugal: "Acabar com os ricos!", ter-lhe-ia respondido o capitão português, ao que Palme retorquiu: "Tem graça, aqui na Suécia, nós preferimos acabar com os pobres".
Ora aqui está uma boa mensagem para Cavaco usar em 2009.
2007/12/31
Para o ano há mais...
E pronto, terminou o ano. Ou quase. Dos objectivos traçados, poucos ou nenhuns foram (pelo governo) cumpridos. Salve-se o controlo do "déficit", conseguido à custa do aumento do IVA e dos impostos pagos pelos portugueses. Nas restantes áreas, os resultados são desanimadores: temos a terceira maior percentagem de desempregados da UE (8,2%); continuamos a crescer abaixo da média europeia (1,8%); o nosso rendimento per capita é o 19º da Europa a 27 (tendo já sido ultrapassados pelos novos membros, a Eslovénia, a República Checa e Malta); o nosso salário mínimo é o 11º dos 20 países onde este foi instituido; temos a maior disparidade de leques salariais (1 para 7); fomos o único país que desceu no "ranking" do PNUD e encontramo-nos agora em 29º lugar entre os 30 países mais desenvolvidos.
O analfabetismo estrutural é de 8% (a maior taxa da Europa) enquanto o analfabetismo funcional ultrapassa os 40%. Dos nossos empresários, só 25% têm mais do que o 9º ano. De acordo com o sistema de avaliação PISA, temos os piores resultados a matemática e ciências exactas em geral. A emigração voltou a aumentar (sinal de maior pobreza) e muitos dos imigrantes recém-chegados, partiram para Espanha ou regressaram aos seus países, por falta de trabalho em Portugal.
Nas grandes áreas, onde supostamente devia haver reformas, como a educação, a saúde, a justiça e a administração, reina a confusão deliberada e a incompetência. A ano e meio de eleições, não se prevêm grandes modificações e muito menos reformas estruturais, pelo que as perspectivas só poderão ser sombrias.
Como chegámos aqui? Dizem-nos que o mal é da (fraca) produtividade e que esta é determinada pela (in)capacidade em gerir valor acrescentado. Somos pouco competitivos e por isso a riqueza que gerimos não dá para distribuir melhor. Por isso é que o nosso salário mínimo é de 426 euros, enquanto no Luxemburgo é de 1570... Cá me queria parecer, isto está é mal distribuido. Calculem só: enquanto 10% dos portugueses detém 80% da riqueza nacional, dois milhões (20%) vivem no limiar da pobreza (com menos de 500 euros por mês) e mais de 200.000 abaixo desse limiar (os que são ajudados pelo Banco Alimentar). Uma chatisse, esta coisa das estatísticas...
Só resta desejar que 2008 seja melhor do que aquele que finda. Boas entradas!
O analfabetismo estrutural é de 8% (a maior taxa da Europa) enquanto o analfabetismo funcional ultrapassa os 40%. Dos nossos empresários, só 25% têm mais do que o 9º ano. De acordo com o sistema de avaliação PISA, temos os piores resultados a matemática e ciências exactas em geral. A emigração voltou a aumentar (sinal de maior pobreza) e muitos dos imigrantes recém-chegados, partiram para Espanha ou regressaram aos seus países, por falta de trabalho em Portugal.
Nas grandes áreas, onde supostamente devia haver reformas, como a educação, a saúde, a justiça e a administração, reina a confusão deliberada e a incompetência. A ano e meio de eleições, não se prevêm grandes modificações e muito menos reformas estruturais, pelo que as perspectivas só poderão ser sombrias.
Como chegámos aqui? Dizem-nos que o mal é da (fraca) produtividade e que esta é determinada pela (in)capacidade em gerir valor acrescentado. Somos pouco competitivos e por isso a riqueza que gerimos não dá para distribuir melhor. Por isso é que o nosso salário mínimo é de 426 euros, enquanto no Luxemburgo é de 1570... Cá me queria parecer, isto está é mal distribuido. Calculem só: enquanto 10% dos portugueses detém 80% da riqueza nacional, dois milhões (20%) vivem no limiar da pobreza (com menos de 500 euros por mês) e mais de 200.000 abaixo desse limiar (os que são ajudados pelo Banco Alimentar). Uma chatisse, esta coisa das estatísticas...
Só resta desejar que 2008 seja melhor do que aquele que finda. Boas entradas!
2007/12/28
Clientelas Transmontanas
Anda toda a gente muito preocupada a falar e a escrever sobre a "OPA" do PS ao BCP-Millennium, como se isso fosse alguma novidade nos tempos que correm. Se a memória não falha, desde há trinta anos que os partidos do chamado "centro" alternam no poder e, consequentemente, nos lugares que ocupam no aparelho de estado. É verdade que, desta vez, não estamos perante uma instituição pública, mas perante uma instituição privada, no caso um banco. "So what"?
O nosso capitalismo nunca primou pela ética (como o seu congénere protestante) mas pelo clientelismo mediterrâneo, mais ao jeito da Camorra. Por isso, público ou privado, o vício é o mesmo. A única nota dissonante parece ser um tal Vara, que muita gente não percebe como ali chegou. Que raio, o homem começou a sua carreira como "caixa" em Vinhais e tem um grau académico obtido na Universidade Independente. Será preciso mais alguma coisa?
O nosso capitalismo nunca primou pela ética (como o seu congénere protestante) mas pelo clientelismo mediterrâneo, mais ao jeito da Camorra. Por isso, público ou privado, o vício é o mesmo. A única nota dissonante parece ser um tal Vara, que muita gente não percebe como ali chegou. Que raio, o homem começou a sua carreira como "caixa" em Vinhais e tem um grau académico obtido na Universidade Independente. Será preciso mais alguma coisa?
2007/12/21
Fado Português
Nada como a época natalícia para ir às compras. Animada pela aquisição do Tiepolo, a Ministra da Cultura lá decidiu adquirir a colecção de discos de Fado, que estava na posse do inglês Bruce Bastin há trinta anos. São oito mil discos no total, dos quais cinco mil da colecção particular de Bastin. Os restantes três mil foram posteriormente adquiridos no Brasil e juntos ao "pacote". Pelo total, e após sete anos de negociações (uma verdadeira "saga"), será paga a módica quantia de 1,1 milhão de euros. Não sabemos se o valor é real, mas os "experts" dizem-nos que estas coisas não têm preço...
Enquanto não conhecermos o espólio completo é difícil avaliar do seu valor. Temos de dar o benefício de dúvida aos compradores, enquanto a equipa de técnicos (por constituir) vai inventariar e catalogar o espólio que irá para um Museu da Música (por construir). Pode ser que no fim, cheguemos todos à conclusão que metade dos discos não têm o valor que se lhes atribui. Mas que importa isso? A colecção é "nossa" e daqui não sai...
A ironia desta história toda é que Bruce Bastin tinha comprado a colecção, a preços de saldo, numa loja do Chiado quando visitou Portugal nos anos setenta. Perguntar-se-á: mas que culpa tem ele disso? Nenhuma, digo eu.
Enquanto não conhecermos o espólio completo é difícil avaliar do seu valor. Temos de dar o benefício de dúvida aos compradores, enquanto a equipa de técnicos (por constituir) vai inventariar e catalogar o espólio que irá para um Museu da Música (por construir). Pode ser que no fim, cheguemos todos à conclusão que metade dos discos não têm o valor que se lhes atribui. Mas que importa isso? A colecção é "nossa" e daqui não sai...
A ironia desta história toda é que Bruce Bastin tinha comprado a colecção, a preços de saldo, numa loja do Chiado quando visitou Portugal nos anos setenta. Perguntar-se-á: mas que culpa tem ele disso? Nenhuma, digo eu.
2007/12/20
Natal dos Pobres
De acordo com o mais recente "ranking", de salários mínimos praticados na Europa, Portugal ocupa o 11º lugar numa lista de vinte países onde este rendimento foi instituído:
Luxemburgo: € 1570
Irlanda: 1430
Reino Unido: 1361
Holanda: 1301
Bélgica: 1259
França: 1254
Grécia: 668
Espanha: 666
Malta: 585
Eslovénia: 522
PORTUGAL: 426
R. Checa: 288
Hungria: 258
Polónia: 246
Estónia: 230
Eslováquia: 217
Lituânia: 174
Letónia: 172
Roménia: 114
Bulgária: 92
Confrontado com esta disparidade dos mínimos europeus, o primeiro-ministro declarou ser o recente aumento o maior em termos percentuais. Eu diria mesmo mais: comparados com o Darfur, somos uns ricaços...
Luxemburgo: € 1570
Irlanda: 1430
Reino Unido: 1361
Holanda: 1301
Bélgica: 1259
França: 1254
Grécia: 668
Espanha: 666
Malta: 585
Eslovénia: 522
PORTUGAL: 426
R. Checa: 288
Hungria: 258
Polónia: 246
Estónia: 230
Eslováquia: 217
Lituânia: 174
Letónia: 172
Roménia: 114
Bulgária: 92
Confrontado com esta disparidade dos mínimos europeus, o primeiro-ministro declarou ser o recente aumento o maior em termos percentuais. Eu diria mesmo mais: comparados com o Darfur, somos uns ricaços...
2007/12/16
Azar ou ASAE?

Devo confessar que não assino porque não concordo com os pressupostos do texto. Como tenho pacientemente explicado a todos os estimados amigos e conhecidos que se apressaram a enviar-me o dito abaixo assinado, acho que, entre a ASAE e os contestatários, a uns lhes falta bom senso, e aos outros bom senso lhes falta... Ao leitor caberá decidir quem é quem nesta dicotomia.
Enquanto observo este intenso e arrebatador confronto vou subindo ao céu com um cozidinho da panela, preparado de forma rigorosamente tradicional como a foto ilustra (foto que foi tirada em local que por razões de bom senso não vou revelar...)
Participar num ritual destes é coisa que temos de merecer. A tradição começa nas próprias panelas que foram há muito convenientemente tratadas com toucinho. Este tratamento preliminar prepara-as para esta delicada e longa operação. Os ingredientes são, de cada vez, seleccionados pessoalmente pela cozinheira e provêm directamente do produtor. O prato é confeccionado com os ritmos, os vagares e os procedimentos que a regra tradicional dita. Usam-se brasas, nada de gás! A preparação, que dura cerca de seis horas, é levada a cabo por mãos experientes e carinhosas. A cozinheira aliás sorri serenamente --com um sorriso que nos permite perceber a razão primeira da excelência de tamanha iguaria-- quando lhe falamos nestas coisas de ASAEs, abaixo-assinados, etc e tal...
Azar dos membros da ASAE se, por fundamentalismo, nunca tiverem a oportunidade de se confrontar com um pitéu deste calibre. E azar dos "abaixo-assinantes" se alguma vez, por falta de uma ASAE por perto, lhes derem cozido com carne de gato por cozido com carne de lebre...
2007/12/14
Irene Pimentel
2007/12/12
Realidade e ficção
Ultimamente, temos vindo a ser bombardeados com uma avalanche de notícias sobre crimes ligados aos chamados "negócios da noite". "O país", como escreve João Paulo Guerra no Diário Económico de hoje, "assiste à sucessão de crimes violentos associados aos negócios da noite como se visse um filme".
De facto, a esmagadora maioria do "país" ouve e lê as notícias (aqueles que felizmente ouvem e lêem as notícias...), olha para a realidade à sua volta e não pode deixar de ser levado a pensar que há para aqui algo de errado com esta imagem que está a ser promovida. Os crimes são reais e parece até haver, efectivamente, um novo paradigma criminal a que até agora não estávamos habituados. Parece mesmo claro que as causas dos crimes e da falta de actuação da polícia estão perfeitamente identificadas. Há novas realidades que conduziram ao presente estado de coisas, novas estruturas sociológicas que se foram instalando paulatinamente e que não foram atempadamente previstas. O Estado não sai, com efeito, bem deste retrato. Tudo isto, creio, era previsível e não teria sido difícil adoptar medidas para prevenir a situação. Alguém deveria ir para o quadro dos excedentários por não ter feito o trabalho para que é pago...
Mas, para a esmagadora, esmagadora maioria dos portugueses isto não passa de um realidade distante. E, para nós que temos liberdade de movimentos, podemos observar o que se passa à nossa volta e conseguimos pagar 1.50 € pelo Diário Económico, o fenómeno chega-nos como se tratasse, de facto, de uma má série, made in USA, sobre o "universo da noite" das cidades portuguesas.
Mas, pensemos em quem não se pode mexer, ou em quem não tem possibilidade de observar por dentro o que se passa. Para esses a realidade fica expurgada da ficção.
O que o PSD faz neste momento ao usar o tema como arma de arremesso, numa manifestação de inacreditável oportunismo político, é de uma leviandade extrema. Não sei mesmo qual será o maior crime: se os homicídios dos tais empresários da noite, se a tentativa de instalar um clima de pânico como faz o PSD pela voz de Luís Filipe Menezes.
O recém eleito responsável pelo PSD deveria, sim, meditar seriamente sobre a insensatez e irresponsabilidade desta estratégia e sobre as vantagens que para o país resultam de pintar um retrato de Portugal que está mais próximo de uma qualquer favela brasileira do que da realidade.
A quem pedir responsabilidades pelos crimes futuros?
De facto, a esmagadora maioria do "país" ouve e lê as notícias (aqueles que felizmente ouvem e lêem as notícias...), olha para a realidade à sua volta e não pode deixar de ser levado a pensar que há para aqui algo de errado com esta imagem que está a ser promovida. Os crimes são reais e parece até haver, efectivamente, um novo paradigma criminal a que até agora não estávamos habituados. Parece mesmo claro que as causas dos crimes e da falta de actuação da polícia estão perfeitamente identificadas. Há novas realidades que conduziram ao presente estado de coisas, novas estruturas sociológicas que se foram instalando paulatinamente e que não foram atempadamente previstas. O Estado não sai, com efeito, bem deste retrato. Tudo isto, creio, era previsível e não teria sido difícil adoptar medidas para prevenir a situação. Alguém deveria ir para o quadro dos excedentários por não ter feito o trabalho para que é pago...
Mas, para a esmagadora, esmagadora maioria dos portugueses isto não passa de um realidade distante. E, para nós que temos liberdade de movimentos, podemos observar o que se passa à nossa volta e conseguimos pagar 1.50 € pelo Diário Económico, o fenómeno chega-nos como se tratasse, de facto, de uma má série, made in USA, sobre o "universo da noite" das cidades portuguesas.
Mas, pensemos em quem não se pode mexer, ou em quem não tem possibilidade de observar por dentro o que se passa. Para esses a realidade fica expurgada da ficção.
O que o PSD faz neste momento ao usar o tema como arma de arremesso, numa manifestação de inacreditável oportunismo político, é de uma leviandade extrema. Não sei mesmo qual será o maior crime: se os homicídios dos tais empresários da noite, se a tentativa de instalar um clima de pânico como faz o PSD pela voz de Luís Filipe Menezes.
O recém eleito responsável pelo PSD deveria, sim, meditar seriamente sobre a insensatez e irresponsabilidade desta estratégia e sobre as vantagens que para o país resultam de pintar um retrato de Portugal que está mais próximo de uma qualquer favela brasileira do que da realidade.
A quem pedir responsabilidades pelos crimes futuros?
2007/12/10
Circo Darfur (2)
Agora que a "Cimeira de Lisboa" terminou não faltam os auto-elogios. Do "espírito" da dita, à "ponte" que Lisboa parece simbolizar, os olhos dos nossos governantes querem à viva força fazer-nos acreditar que tudo foi bom e a partir daqui nada ficará como dantes. Infelizmente, a realidade não se compadece com o triunfalismo das declarações de ocasião. Os direitos humanos só raramente estiveram na agenda das reuniões e os acordos negociais não agradaram a todos os países africanos. Não fora Merkel "puxar as orelhas" a Mugabe, ninguém ouviria o nosso governo dizer o que quer que fosse sobre a presença dos ditadores em Lisboa. De acordo com as informações publicadas, estiveram em Lisboa oito líderes africanos que poderão vir a responder à justiça: Omar al-Bashir (Sudão), Meles Zenawi (Etiópia), Isaías Afewerki (Eritreia), Robert Mugabe (Zimbabwe), Jose´Eduardo dos Santos (Angola), Muammar Kadhafi (Líbia), François Bozizé (República Centro-Africa) e Paul Kagamé (Ruanda). Uma galeria de títeres.
Cá fora, e à excepção de algumas manifestações de exilados africanos contra os regimes do Zimbabwe, Angola e Líbia, pouco se deu pela contestação. As únicas notas dissonantes parecem ter sido as agressões dos "gorilas" de Kadhafi aos líbios que protestavam contra o coronel e a humilhação a que foram sujeitos os repórteres portugueses, na tenda do líder, quando os seguranças líbios confiscaram o material filmado. Isto tudo nas "barbas" das autoridades portuguesas.
Curiosamente, e lendo as notícias estrangeiras, pode perceber-se que muita coisa ficou adiada nesta cimeira e os temas comerciais foram os menos consensuais. Ao mesmo tempo, na BBC de Londres, um padre negro anglicano cortava em tiras o seu colarinho como protesto contra o regime de Mugabe e, em Paris, as manifestações contra Kadhafi eram, não só de líbios exilados, mas de socialistas franceses que se opõem à visita do Coronel.
A tenda, em Lisboa ou em Paris, será certamente a mesma, mas os circos e os intervenientes são, apesar de tudo, diferentes. Cada país tem os palhaços que merece.
Cá fora, e à excepção de algumas manifestações de exilados africanos contra os regimes do Zimbabwe, Angola e Líbia, pouco se deu pela contestação. As únicas notas dissonantes parecem ter sido as agressões dos "gorilas" de Kadhafi aos líbios que protestavam contra o coronel e a humilhação a que foram sujeitos os repórteres portugueses, na tenda do líder, quando os seguranças líbios confiscaram o material filmado. Isto tudo nas "barbas" das autoridades portuguesas.
Curiosamente, e lendo as notícias estrangeiras, pode perceber-se que muita coisa ficou adiada nesta cimeira e os temas comerciais foram os menos consensuais. Ao mesmo tempo, na BBC de Londres, um padre negro anglicano cortava em tiras o seu colarinho como protesto contra o regime de Mugabe e, em Paris, as manifestações contra Kadhafi eram, não só de líbios exilados, mas de socialistas franceses que se opõem à visita do Coronel.
A tenda, em Lisboa ou em Paris, será certamente a mesma, mas os circos e os intervenientes são, apesar de tudo, diferentes. Cada país tem os palhaços que merece.
2007/12/08
Karlheinz Stockhausen (1928-2007)
Acabo de saber que o compositor Karlheinz Stockhausen faleceu no passado dia 5 de Dezembro na sua casa em Kuerten-Kettenberg. Houve outros compositores deste período que tiveram grande influência no meu trabalho, mas, juntamente com Iannis Xenakis, John Cage e Luciano Berio, Stockhausen foi o compositor cuja obra mantive e mantenho sempre à cabeceira, que marcou muito o meu próprio percurso musical.
Recordo o absoluto fascínio que rodeou a descoberta da sua música.
Recordo o impacte que teve a minha primeira audição de, entre muitas outras obras suas, Gesang der Jünglinge, Momente, Kreuzspiel, Gruppen, Carré, Kontakte, Kurzwellen, Prozession, dos Klavierstücken, Mikrophonie (I e II), de Hymnen, de Stimmung ou de Trans.
A propósito destas três últimas obras, recordo outros tantos momentos recentes em que tive a oportunidade de as ouvir aqui em Lisboa. Uma magnífica versão de Stimmung foi produzida pelo Sing Circle, no âmbito do Festival Música Viva em Outubro de 2006. Hymnen, na versão banda magnética foi executada em Novembro de 2005, com a presença do próprio compositor. Algum tempo antes tínhamos tido a oportunidade de ouvir a versão com orquestra, dirigida por Pedro Amaral. Mais recentemente, Trans teve estreia em Portugal também sob a direcção de Pedro Amaral.
Controverso, arrojado, único, inovador, Stockhausen foi tudo isto. Mas como acabará ele por ser recordado pela história da música?
Recordo o absoluto fascínio que rodeou a descoberta da sua música.
Recordo o impacte que teve a minha primeira audição de, entre muitas outras obras suas, Gesang der Jünglinge, Momente, Kreuzspiel, Gruppen, Carré, Kontakte, Kurzwellen, Prozession, dos Klavierstücken, Mikrophonie (I e II), de Hymnen, de Stimmung ou de Trans.
A propósito destas três últimas obras, recordo outros tantos momentos recentes em que tive a oportunidade de as ouvir aqui em Lisboa. Uma magnífica versão de Stimmung foi produzida pelo Sing Circle, no âmbito do Festival Música Viva em Outubro de 2006. Hymnen, na versão banda magnética foi executada em Novembro de 2005, com a presença do próprio compositor. Algum tempo antes tínhamos tido a oportunidade de ouvir a versão com orquestra, dirigida por Pedro Amaral. Mais recentemente, Trans teve estreia em Portugal também sob a direcção de Pedro Amaral.
Controverso, arrojado, único, inovador, Stockhausen foi tudo isto. Mas como acabará ele por ser recordado pela história da música?
2007/12/07
Circo Darfur
O circo chegou à cidade. Depois do "Soleil", que voltará em Abril, foi agora a vez do "Kadhafi", que já não víamos há alguns anos. Lá mais para o Natal, e como manda a tradição, será a vez do "Grande Circo de Pequim". Lisboa está na moda e tendas não faltam. É o que se chama uma cidade cosmopolita. A "comunicação social", excitadíssima, dá grandes planos da "tenda" de S. Julião da Barra à procura da "cacha" que faz vender jornais. Na televisão, os números não são menos impressionantes: mais de 50 chefes de estado, outros tantos primeiro-ministros e ministros do estrangeiro, 22 hotéis e 5.000 refeições diárias. Custos: 10 milhões de euros, não previstos no Orçamento de Estado. Brown não vem, mas veio Mugabe, que vende muito mais jornais. Coitado do Eduardo dos Santos, cuja notoriedade como ditador é ainda inferior à do Robert. Ainda por cima vai para um hotel de cinco estrelas, bem menos exótico do que uma tenda onde servem chá de menta.
Sobre os direitos humanos, pouca gente fala. O Zé Manel de Bruxelas ainda tentou "puxar pelos galões", ao lembrar que tinha apoiado os movimentos de libertação africanos, mas a vertigem circense quer espectáculo e está-se a marimbar para os direitos humanos. A crise humanitária no Sudão não faz parte da agenda de trabalhos. Já que não há pão, ao menos haja circo. E circo vai haver. Pelo menos durante o fim-de-semana, lá para os lados do Parque das Nações. Cá fora, entre "outdoors" que lembram o Darfur, o repórter de serviço pergunta a um cidadão anónimo: "Já ouviu falar do Darfur?". O homem responde afirmativamente. "Sabe o que é?". "Sei. Não é aquele grande armazém francês, que vende roupas e coisas assim?".
Sobre os direitos humanos, pouca gente fala. O Zé Manel de Bruxelas ainda tentou "puxar pelos galões", ao lembrar que tinha apoiado os movimentos de libertação africanos, mas a vertigem circense quer espectáculo e está-se a marimbar para os direitos humanos. A crise humanitária no Sudão não faz parte da agenda de trabalhos. Já que não há pão, ao menos haja circo. E circo vai haver. Pelo menos durante o fim-de-semana, lá para os lados do Parque das Nações. Cá fora, entre "outdoors" que lembram o Darfur, o repórter de serviço pergunta a um cidadão anónimo: "Já ouviu falar do Darfur?". O homem responde afirmativamente. "Sabe o que é?". "Sei. Não é aquele grande armazém francês, que vende roupas e coisas assim?".
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