2009/04/24

Jonathan Vale

João Vale e Azevedo - para quem não saiba, ex-presidente do Benfica - não pára de surpreender. De Inglaterra, chega-nos a notícia que um tribunal inglês declarou falida a empresa V&A Capital Limited, gerida pelo advogado português. A notícia não teria em si nada de especial, não fosse um pequeno pormenor digno do melhor Madoff. A empresa em questão é descrita no seu "site"como "uma sociedade de investimentos de capitais privados com interesses na indústria do açúcar, adoçantes de cereais e amidos e em especial na produção e comercialização do etanol como uma nova fonte de energia não poluente". O pedido de insolvência teria sido accionado pela Finurba Corporate Finance, subsidiária do grupo português Finurba, para além de diversos credores de uma dívida calculada em 4 milhões de euros. Abigail Wright, um dos credores, diz ter acreditado em Jonathan Vale (nome que Vale e Azevedo usava nas suas relações comerciais) quando este lhe garantiu um retorno garantido de 50% ao fim de 120 dias, podendo o ganho chegar até aos 117%. Convencido da bondade da proposta, Wright investiu 50 mil libras em troca de 50 mil acções da V&A. O mesmo já tinha acontecido ao presidente do partido político Unita, Isaías Samakuva que, a troco de uma promessa de investimento em Angola, pagou 1 milhão de dólares à V&A.
Num país com o historial de Inglaterra, nomes como Robin Hood, Dick Turpin, Jack The Ripper ou Ronnie Biggs, pertencem há muito à galeria dos famosos. Um apelido como Azevedo passaria completamente despercebido. Jonathan Vale (pronunciar Veile) tem outro "pedigree". Desta forma, será certamente mais fácil frequentar os corredores palacianos. À cautela, a rainha já mandou instalar câmaras de vigilância e guardas ao redor de Buckingham Palace. Vale e Azevedo, aliás Jonathan Vale, vive em Londres...

2009/04/23

Cidadania (3)

Ontem recebi, finalmente, o meu Cartão de Cidadão. Após dois meses e meio de um processo e episódios que são dignos de uma verdadeira "República da Pera Rocha". Chegada a minha vez, e após quase três horas de espera (que aproveitei para ler Coetzee), a funcionária informa-me que o cartão tem 4 códigos (quatro!) diferentes: um para a identidade, um para a morada, um para a assinatura e outro para cancelamento do dito cartão. Imaginei-me a ter de decorar mais quatro "pincodes" diferentes, mas certamente adivinhando os meus pensamentos a simpática senhora sugeriu-me alterar os códigos para um só, fácil de memorar. Claro, respondi aliviado. Infelizmente para mim e apesar da sua boa vontade, o "servidor" estava a 10% e não processava os dados...
Hoje mesmo, recebi uma carta da Loja do Cidadão, em resposta à minha queixa sobre a lentidão e ineficiência dos serviços. Muito bem, pensei, pelo menos são rápidos a responder. Acontece que a carta estava cheia de imprecisões o que me levou a corrigir os erros e a enviar outra carta a repôr a verdade. Uma questão de rigor.
Voltei à Junta de Frequesia, para confirmar o recenseamento. Sim, estou recenseado...na Holanda! Na Holanda? Mas eu não vivo na Holanda há anos e já pedi o cartão há mais de dois meses...respondo a medo. Não há problema, dizem-me: dentro de 1 mês (um!) já estará recenseado em Portugal...
Quero acreditar que no dia 7 de Junho posso votar, mas começo a duvidar. O "sistema" foi tão aperfeiçoado que, independentemente de chamar-se "simplex", não funciona. Desta forma, não posso prometer que não voltarei ao tema. Uma "saga". De incompetência e "chocos" tecnológicos.

2009/04/22

Vítimas e silêncio

Em complemento do que escrevi no post anterior sobre o silêncio e as verdadeiras vítimas do caso Freeport, aqui vos deixo uma citação do escritor Alberto Manguel (*):
"Porque a voz das vítimas é fulcral, os opressores tentam muitas vezes silenciar as suas vítimas (...). A essência da condição de vítima --de qualquer vítima-- é a injustiça (...). A justiça não deve perseguir um sentido privado de satisfação, mas emprestar publicamente à sociedade uma noção auto-correctiva de aprendizado. Se há justiça haverá esperança, mesmo face a uma qualquer divindade caprichosa. "




(*) The Library at Night

2009/04/21

Peixe dentro e fora de água

Duas curtas notas sobre a intervenção do Primeiro Ministro de hoje na RTP.
A primeira para dizer que aquilo que escrevi aqui anteontem parece justificar-se. Fazer a crítica da governação fora do contexto exclusivamente político é um erro que vai custar caro à oposição e ao Presidente da República. O PM está totalmente à vontade dentro e fora de água. Os outros agentes políticos só têm brânquias... Fora de água morrem asfixiados em três tempos.
Fora de água estiveram também os dois entrevistadores. No final os sinais de asfixia eram aliás evidentes...
Uma segunda nota para reiterar o que escrevi sobre o caso Freeport aqui e aqui. Acrescento apenas que me choca ver um assunto desta natureza abordado como se estivéssemos, neste caso, perante um qualquer "socialite", envolvido numa qualquer frivolidade. Culpa dos jornalistas e culpa do PM que aceita embarcar neste exercício absolutamente indigno do cargo que ocupa e do povo que serve, aproveitando para fazer, ele, o papel da vítima.
Não conheço outra vítima deste caso, seja qual for o desfecho que venha a ter, que não seja o povo português.

Vai ler o Tratado, pá!

O debate dos "P'rós & Contras" de ontem, dedicado às eleições europeias, foi uma ocasião perdida de elucidar os espectadores sobre algo que a todos diz respeito, mas que só alguns "iniciados" parecem saber. Duas horas e meia de chorrilhos e peixeirada, como há muito tempo não víamos em painéis televisivos. Sempre à espera de um momento de lucidez, e porque as alternativas não eram muitas, resisti a desligar o televisor. Como era de esperar e, salvo raras excepções, a maioria dos participantes levou o debate para a política interna, já que as "europeias" são vistas como um teste a Sócrates. E, se a "inexperiência" de Nuno Melo e Paulo Rangel nestas andanças não é de estranhar, a prestação de Moreira, muito pouco vital, é um mau prenúncio para a campanha. O candidato do PS é manifestamente um erro de "casting" e não será de admirar se a sua participação vier a saldar-se por uma derrota clamorosa, o que muito boa gente já previu. Dos outros candidatos (Ilda Figueiredo e Miguel Portas) ambos veteranos de Estrasburgo, o discurso conhecido, ainda que o último tentasse, por mais de uma vez, recentrar o debate no que verdadeiramente interessa: a Europa. Perante tanta demagogia, e à falta de melhor argumentação, seria dele a melhor tirada da noite: "Vai ler o Tratado, pá!". Se calhar é o que nós todos devíamos fazer. Mas, quem é que vai querer ler um Tratado, sobre o qual não podemos votar?

2009/04/19

... e nós a ver!

Há tempos escrevi aqui que pelo caminho que as coisas estavam a tomar, as eleições legislativas deste ano ameaçavam transformar-se numa parada de vitória para o Primeiro Ministro. A menos que ocorra uma catástrofe de grau 10, os meus receios encontram cada vez mais justificações.
Um dos motivos que me levou a escrever o que escrevi foi verificar que, olhando para a forma como o Presidente da República decidiu fazer frente ao Primeiro Ministro, ao seu estilo desastrado e inócuo, somos levados a suspeitar que este se deveria estar a rebolar de gozo com tanta facilidade. É gritante a falta de jeito revelada pelo PR e abismal a diferença de performance entre os dois para um combate que foi, justamente, levado pelo PR para terrenos onde ele se mostra --quase somos levados a concluir...-- de um amadorismo confrangedor.
Ontem, os orgãos de informação fizeram um grande alarido à volta de declarações do PR proferidas numa qualquer conferência pública. Grande puxão de orelhas dado ao governo e aos empresários por Cavaco Silva, nunca se viu nada assim, disseram...
Ontem ainda, o Ministro das Finanças achou a posição do PR "saudável", e hoje o Primeiro Ministro já veio dizer que o País não precisa de uma "política de recados"... O que é um facto. Numa frase, dita assim em tom quase inocente, a magistratura de influência, versão Cavaco Silva 2009, escaqueirou-se com estrondo.
Estou cheio de curiosidade em seguir os próximos capítulos desta novela que promete, mas cheira-me que alguém vai saír da contenda bastante mal tratado.
Para que haja equilíbrio de poderes é preciso que se saiba exercer o poder. O País, o tal que não precisa, de facto, de uma "política de recados", esse continua na mesma, à espera de saber qual é então a política necessária, porque a verdade é que, tirando os recados de um lado e de outro, pouco mais resta.

"Uma frase com graça"

Pronto! Durou pouco a "trégua" pascal... O Cardeal Patriarca confirma-se como mais papista que o Papa, ou talvez como bombeiro incendiário, o que é bem pior.
Em declarações recentes, a propósito da questão do preservativo e da SIDA, D. José Policarpo vem defender o Papa, tentando explicar-nos que aquilo que o que Bento XVI disse não foi aquilo que a gente ouviu. E que a ideia que temos sobre a posição absolutamente retrógrada, inconcebível e totalmente deplorável da Igreja sobre esta questão é uma fantasia e não é o que está, lá bem no fundo, na origem do comentário do Papa. 
Na mesma declaração recente a que aludi antes, D. José Policarpo aproveita para dizer que o comentário totalmente despropositado que fez em relação aos casamentos entre praticantes de confissões religiosas diferentes teria sido dito "com graça". Não vejo onde está a piada, mas suspeito que a defesa que agora faz do Papa e da sua posição relativamente ao preservativo também não passará então de uma "boutade" a atirar para o humorístico. Afirmar a este propósito que o preservativo é "falível" é, com efeito, um momento de humor...

2009/04/16

O novo código de custas judiciais

O discurso do actual bastonário da Ordem dos Advogados deixa frequentemente, temos de reconhecê-lo, muito a desejar. Hoje, porém, é dia de aplauso (que querem, esta semana deu-me para aqui...)
Marinho Pinto insurgiu-se contra o novo código de custas judiciárias que vai entrar em vigor a partir de amanhã. Acusa o Estado de transformar a Justiça num "bem de luxo, pago a preços de mercado."
Tem toda a razão.
Marinho Pinto fala numa "violação qualificada da Constituição", teme, perante a patente elitização deste sector, o surgimento de casos de justiça feita pelas próprias mãos e chama a tudo isto um "retrocesso" no estado de direito.
A transformação de tarefas essenciais, prestadas em regime de monopólio pelo Estado, em "bens de consumo", e do próprio Estado numa espécie de grande centro comercial, com parqueamento pago, que procura cativar a clientela em vez de servir os cidadãos, como é seu dever, é um problema grave em relação ao qual apenas podemos esperar uma coisa: vai-se agravar ainda mais. Não podemos esperar alívio da canga enquanto imperar esta lógica de organização do aparelho de Estado. O Estado está hoje remetido a um papel de garante da sua própria sobreviência, da dos seus mentores e das clientelas políticas que gravitam no seu campo magnético. A crise é isto.
Desenganem-se aqueles que pensam que as reformas se destinam a melhor cumprir o seu papel. Os "simpléxes" destinam-se a encontrar novas formas de sustentar a máquina, quando as velhas se revelam obsoletas ou ineficazes. Os novos "produtos" que nos são constantemente propostos não passam de impostos encapotados destinados a garantir uma máquina administrativa parasita, deficitária e mal gerida. Um crime escandaloso que a generalidade dos portugueses não parece perceber. Há mesmo uma inexplicável tolerância e uma atitude ingénua de aceitação dos renovados expedientes de que o Estado se serve para sustentar a sua insuportável autofagia. Novas oportunidades é com o povo português! O novo código de custas judicias constitui apenas mais um nicho de mercado deste rico negócio em que se tornou a causa pública. Tudo isto é crise...
E nada os parece conseguir parar. Vale tudo! Agora até o seleccionador de râguebi foram buscar para motivar ainda mais os publicanos.
Ao ver as garantias, a imunidade à crise, a resistência à reforma e os privilégios de que goza este sector, até me admiro como os milhares de trabalhadores, que enxameiam hoje os Centros de Emprego por esse país fora, não vêm mais frequentemente para a rua gritar "Também quero!"
Amanhã entra em vigor o novo código das custas judiciais, depois de amanhã inventar-se-á outro negócio para cobrir o défice da coisa publica. A seguir um outro qualquer Marinho Pinto virá insurgir-se muito contra isso. E o processo seguirá assim, até que a corda se rompa...

2009/04/15

Matemática para os matemáticos...

Faltam a Cavaco Silva, na minha opinião, todas as qualidades para ocupar o cargo para que foi eleito. Não surpreende, pois, que os seus comentários e as suas iniciativas reflictam isso mesmo.
Hoje o PR declarou-se, mais uma vez, muito preocupado. Desta feita está preocupado com as previsões do BdP. Também eu tenho andado muito preocupado com essas previsões, devo confessar. Sobretudo porque noto que os responsáveis, em particular o PR, se limitam a revelar-nos os seus estados de alma, declarando-se preocupados, enquanto mantêm tudo exactamente na mesma! Assim, asseguro-vos, também eu era PR. Se alguém aliás estiver disposto a apoiar a minha candidatura, declaro-me desde já disponível para ocupar o cargo. O trabalho dava-me jeito...
O PR anda também preocupado com a Matemática. Diz que é "imprescindível» o aumento do número de pessoas com competências" nesta disciplina. Fá-lo no âmbito do que designa de "roteiro da ciência", iniciativa destinada a chamar a atenção dos cidadãos para esta área.
Fala em "iliteracia" quando se refere ao panorama do país no domínio da Matemática. Reconhece, com ar grave, que este problema "prejudica seriamente o desenvolvimento do país".
Fá-lo nalgum bairro popular? Nalguma escola básica? Nalguma zona carenciada por forma a que os seus habitantes tenham a noção de que precisam de se ultrapassar e desenvolver conhecimentos matemáticos, porque estes são úteis para o progresso do país e dos seus cidadãos? Perante uma plateia de trabalhadores vítimas de lay off e em busca de requalificação? Fá-lo no âmbito de alguma iniciativa específica, por ele patrocinada, destinada a promover a erradicação deste problema ? Fá-lo para anunciar que vai dar pessoalmente noções de Matemática na Presidência da República, em horário pós-laboral, aos moradores da zona de Belém?
Não, fá-lo no ISEG, onde é suposto toda a gente ter conhecimentos de matemática, acima do nível da iliteracia... Fá-lo debitando generalidades há muito conhecidas. Fá-lo no final de um "roteiro" que o levou a percorrer uma série de universidades e centros de investigação onde seria escandaloso se o nível de competência no domínio da Matemática indiciasse iliteracia e onde a linha principal de actividade não pode passar pela luta contra ela. Falou, portanto, como se costuma dizer, para o boneco.
Que leitura devemos nós então fazer desta iniciativa presidencial?

Criacionismo e Darwin

Volta não volta, a minha costela anticlerical manifesta-se aqui no Face. É simples perceber porquê. As posições da Igreja Católica e dos seus agentes dão-me frequentemente volta ao estômago. Considero que esta instituição é, entre as muitas outras razões que originam esta minha perturbação estomacal, um contribuinte, decisivo e relapso, para o mal profundo que afecta este país. Não admira, pois, que o assunto seja aqui tema de conversa regular.
Sejamos, contudo, justos: a crítica recente do cardeal patriarca feita às leituras apressadas que os teólogos católicos fazem muitas vezes do evolucionismo merece saudação. D. José Policarpo não hesita em classificar estas posições como resultantes de uma "leitura deficiente" da Bíblia, feita tanto pelos críticos católicos, como por alguns darwinistas. E vai mais longe, aproveitando muito justamente para estender a sua crítica a outros movimentos criacionistas.
A quantidade de asneiras que se dizem sobre este tema, de um lado e de outro, é de facto lamentável. E é um facto: há gente mais papista que o Papa (seja qual for o cisma), mas há também aqueles que são mais darwinistas que Darwin. 
Ora, o que há é, sobretudo, mais evolucionismo para além de Darwin. Sabendo disso, D. José Policarpo revela nestes seus comentários uma enorme habilidade e --para mim, que sou bastante limitado enquanto observador destas coisas...-- uma surpreendente sensibilidade e coragem.  
Por uma vez, tenho de aplaudir um prelado.

2009/04/12

Do abraço da Rainha à tatuagem de Di Maria

Este mundo é extraordinário. Quando o jornalista mordia o cão e era notícia já nos espantávamos. Mas apesar de tudo aí, nessa dentada inexplicável à primeira apreciação, havia qualquer coisa a remeter para a psiquiatria, que pedia assunto, escavar as camadas de sentido e oculto, mais Freud menos subconsciente, mais escândalo programado menos cabeça. Agora as coisas mais idiotas são parangonadas e equiparadas aos grandes acontecimentos, a História entrelaçada na insignificância do salto, alto ou baixo, como este abraço da Rainha depois de a Michelle Obama a ter semi-enlaçado, as duas de costas para as câmaras e máquinas fotográficas – nunca uma dupla traseira ficou tão notada –, os olhos do mundo, os nossos, centrados naquele alto de rabo monárquico e naquele braço ex plebeu, num toque que, bem verificado, é absolutamente inexpressivo, encosto delicado, porventura ali na expectativa de que a Rainha caísse para trás, do cimo da sua provecta idade, as pernas não perdoam.
No tempo de remoer no caso foram-se vários bombistas suicidas, eficazes máquinas homicidas, numa lógica que não quebra e que era necessário quebrar. A irrelevância destes casos mede-se pelo impacto absolutamente rotineiro da notícia. Que valem umas dezenas de mortos lá no Iraque, depois de muitas outras dezenas de mortos, perante um abraço sem cobertura protocolar?
Tantos bombistas e tantos homicídios suicidas que os dias de consumo engolem como uma praga longínqua que, a bem ver, esta coisa do mundo global tem muito que se lhe diga, entre o lá longe e o aqui ao lado.
Localmente informados, ou melhor, desinformados pela montagem e sequência das notícias, modo de aparecer e localização, relevância, página ímpar ou par, primeiro plano mais que de sangue num telejornal que cega, tamanho gigante das letras mas tempo escasso, irreflexão estimulada, corrida para a frente interminável e cumprida diariamente com as cautelas devidas para não acicatar ódios politicamente incorrectos, e o mais que se sabe e não se clarifica, nós caminhamos alegremente pelos trilhos da insignificância alimentada sem a noção de que, na verdade, também somos parte desse mundo. O que qualquer dia nos cairá em cima como um cataclismo. O culto da cegueira é uma estranha coisa, e mesmo que os sobressaltos de racionalidade abram brechas nestes dias a preto e preto como na Branca de Neve do João César, vamos sonhando com a utopia da crítica, essa figura inalcançável e propriedade dos especialistas de opinião – o que será isso? – que vão enriquecendo licitamente nas trincheiras queridas.
Esta do Di Maria estrear uma tatuagem ultrapassa tudo e consola-nos a meio dos funerais de Estado na Itália. Felizmente tudo não passará de um fim de semana no parque de campismo.

2009/04/10

A questão dos genéricos...


Um ovinho de Páscoa para todos, recheado de doces perguntinhas para vossa reflexão: não podemos substituir estes governantes de "marca", que temos presentemente, por uns "genéricos"? E, já agora, alguém conhece o "princípio activo" destes?
Os portugueses têm de pensar nesta questão, muito a sério, mais cedo ou mais tarde...

A Caixa de Kyoto

Uma caixa de cartão que custa uns 5 euros, que pode ser usada para cozinhar ou esterilizar água, ganhou o prémio de 57 000 euros instituido pelo FT Climate Change Challenge, organizado pelo Financial Times, pela HP e pelo grupo Forum for the Future.
A Caixa de Kyoto, cujo nome invoca o protocolo de Kyoto que visa reduzir as emissões de gases com efeito de estufa, é o produto do designer norueguês Jon Boehmer, actualmente a viver no Quénia. É um conceito que pode ajudar milhões de pessoas que usam lenha para cozinhar, serve para despoluir água e "pode ajudar a salvar vidas e árvores", segundo afirma o seu autor. (Mais informação, incluindo uma entrevista com o autor aqui.)
Ao ler esta notícia fui de repente transportado no tempo para os conceitos do designer Victor Papanek, o proponente principal de um conceito de design ecologicamente responsável. As ideias de Papanek eram e continuam a ser excitantes e mobilizadoras, mas olhando para a evolução da disciplina, parece que fomos mais no sentido do design e dos designers de e da moda...
A Caixa de Kyoto é, manifestamente, um legado dos ensinamentos de Papanek. E um sinal dos tempos que correm...

Cidadania (2)

Passaram nove semanas desde que requeri o meu "cartão de cidadão" e, até hoje, nada...
Preocupado, pois nunca se sabe o que poderá ter acontecido, dirigi-me à Loja do Cidadão onde tinha feito o pedido. Depois de 4horas (quatro!) de espera, devido a "erros do sistema informático", fui informado pela funcionária que o processo ainda não tinha dado "entrada" na Casa da Moeda (leia-se: não estava pronto para ser impresso).
Indaguei da demora, já que me tinham assegurado que não esperaria mais do que dois meses o que, convenhamos, é já de si um tempo excessivo, tendo em conta que se trata de um sistema que se quer "simplex". A funcionária, solícita, sorriu e foi dizendo que às vezes demorava 5 dias, mas havia casos em que chegava a demorar 5 meses!...
Estarrecido com a ideia de não ter o cartão pronto a tempo de votar contra este governo idiota que gere a coisa pública em sistema "powerpoint", dirigi-me ao departamento de gestão, onde expus o meu caso e solicitei o Livro de Reclamações. Depois de muitas hesitações, em que fui passando de "doutora" para "doutora" para explicar o motivo da minha irritação, lá condescenderam em entregar-me o livro.
Expliquei às "doutoras" e escrevi no livro, que não se admitia que um serviço como a Loja do Cidadão (supostamente criado para facilitar a vida às pessoas) fosse um ninho de burocracia, onde os "sistemas informáticos" falham regularmente, onde não há "senhas" nas máquinas, onde as pessoas esperam e desesperam em pé com medo de perderem a "vez" e onde a afluência a determinadas horas do dia é caótica. Também expliquei e escrevi, que me tinham assegurado que o "cartão de cidadão" (pelo qual paguei 12 euros) seria entregue num prazo mínimo de 10 dias e num prazo máximo de 2 meses e que já tinham passado nove semanas, com a perspectiva de ter de esperar 5 meses!...
Uma das doutoras, certamente espantada por ouvir coisas tão evidentes (os portugueses são normalmente subservientes e não costumam reclamar os seus direitos cívicos) mandou-me ir ter com ela ao seu gabinete. Lá fui e ela, solicita, foi consultar o processo. Que não, que eu estava enganado, pois o meu processo já estava na Casa da Moeda (leia-se: pronto a ser impresso) e mostrou-me o écran do computador para confirmar. De facto, na rubrica "Casa da Moeda", lá estava a indicação "deu entrada na CM". Agora, era esperar mais uma semana, talvez dez dias, devido aos feriados da Páscoa e, lá para dia 15 de Abril, devia receber uma carta em casa para levantar o cartão. À minha questão, como é que justificava a disparidade de informações no mesmo sistema (num lado, o processo não tinha dado entrada na Casa da Moeda, no outro já tinha dado entrada) ela respondeu, que bastava a funcionária ter clicado um digito errado para obter uma informação errada.
Erro humano, pois...
Última surpresa do dia: ao chegar a casa, e ao abrir o computador, tinha um Mail da Presidência do Conselho de Ministros (?!), a confirmar que tinham recebido a minha queixa, entregue duas horas antes na Loja do Cidadão. O "sistema" foi alertado, pensei cá para os meus botões. A "Loja" pode não funcionar, mas a Conselho de Ministros está "atento".
Conselho aos cidadãos deste país: quando entrarem numa Loja que ostente o seu nome, tenham medo, muito medo...

2009/04/08

As barracas de Berlusconi

O terramoto que ocorreu na zona de Abruzzo e deixou a cidade de L'Aquila destruída causou, segundo os últimos números, cerca de 260 mortos, 1 000 feridos e 28 000 desalojados. Será de cerca de 50 000 o número de edifícios destruídos. Em L'Aquila, testemunhos referidos pela BBC, dão conta que os habitantes estão em estado de choque pela perda de tantos dos seus entes queridos.
Segundo os jornais, o primeiro ministro italiano pede às vítimas do terramoto que encarem a presente situação que estão a viver como se se tratasse de "um fim de semana de acampamento"...
Estou certo que haverá entre os "campistas" muitos apoiantes do senhor Berlusconi que agora lamentam a escolha.

2009/04/01

O Dia 1 de Abril

Caro Sobrinho,

Não ligues ao que dizem. Tudo o que hoje for dito ou escrito sobre esta linda terra e o "outlet" que lhe deu nome, pode ser mentira. Ou seja, vale o que vale. E nada mais do que isso.

Teu tio de Alcochete

Porque no se callan?

O "líder histórico do PS e antigo Presidente da República" Mário Soares é uma figura que nos habituou ao melhor e ao pior. Hoje veio a terreno "lamentar" a lentidão da justiça, mostrar "descontentamento" pelas fugas de informação e acusar os "patrões" da imprensa de conduzirem uma campanha contra o primeiro ministro.
Confesso que estou a começar a ficar farto de toda esta conversa e de observar a maneira como os líderes políticos manipulam a opinião pública, neste e noutros casos, tentando fazer de nós parvos. E confesso que já me causa nojo assistir a este confronto, apolítico e amoral, entre os figurões do poder (governo, partidos, orgãos de comunicação, instâncias judiciárias), a estes argumentos e contra-argumentos, a estas acusações e contra-acusações públicas, a esta guerra de comunicados, a toda esta carapuça, enfim, que nos tentam enfiar todos os dias.
O sistema de justiça em Portugal foi criado ontem? Foi a propósito do caso Freeport que surgiu o MP, os tribunais, os juízes? Só agora, por causa deste caso preciso, é que o dr. Soares consegue descobrir que a justiça é lenta? Ou será que o sistema de justiça em Portugal só começou a funcionar lentamente no caso Freeport? E isto é um problema para resolver ou, pelo contrário, convém que não tenha remédio? E estas "fugas" de informação não têm responsáveis? O MP, os tribunais e demais instituições que fazem parte do sistema judiciário português funcionam em roda livre? Quem é que tem a responsabilidade em tudo isto? Se houver uma fuga de informação dentro de uma determinada instituição não é o representante máximo dessa instituição que é culpado? Alguém alguma vez viu o resultado de algum inquérito mandado instaurar a propósito de uma fuga de informação? Algum responsável foi alguma vez destituído porque saiu da instituição que dirige informação que não devia? Quem é que esta gente quer enganar?! E por que razão concreta aparece neste momento o dr. Mário Soares a defender o PM? Mais um a ajudar nesta farsa em que tudo isto se tornou...
Não, pode o dr. Soares estar descansado, para mim o caso Freeport é coisa a que já não ligo nenhuma. E é-me totalmente indiferente que os "patrões" da imprensa estejam a fazer a cama ao PM. Para mim --e certamente, para a grande maioria dos portugueses-- o PM não será julgado pelo que fez ou deixou de fazer no Freeport. O PM será julgado pela sua governação.
E sob esse ponto de vista não creio que subsistam grandes dúvidas ou ilusões.
Num momento em que só se fala de tempos difíceis, num momento em que esses tempos difíceis se sentem duramente na pele, em que se batem recordes de falências, encerramentos, despedimentos, quebras de receitas, endividamentos, incumprimentos, e, face à clara gravidade da situação, alguns ministros mostram já publicamente receio pela possibilidade de tudo isto poder vir a dar origem a conflitos sociais sérios, o PM... decreta uma tolerância de ponto para a tarde de quinta feira. Ora aí está um bom exemplo! Uma ponte para premiar certamente o bom desempenho do único sector de actividade deste país que nunca foi objecto de qualquer restruturação séria, cujas gorduras nunca parecem parar de crescer e onde a recessão não vai de certeza ditar medidas brutais. Um sector que não busca parceiros externos para garantir a viabilidade. Um sector a cujos membros nunca vai acontecer o que acontece aos trabalhadores dessas fábricas e empresas que todos os dias encerram por esse país fora: irem para a bicha do Fundo de Desemprego! A "tolerância de ponto" de quinta feira tem, pois, um valor simbólico. E um autor.
Três certezas eu tenho, no meio disto tudo: 1) na quinta feira vão falir mais não sei quantas empresas; 2) eu, por mim, na quinta feira, vou trabalhar, como faço todos os dias e 3) não é certamente por causa do Freeport que eu já sei há muito em quem voto nas próximas eleições...


PS- Uma adenda (09-04-02) apenas para referir mais um exemplo da "campanha negra" que os patrões da informação andam a montar contra o PM. Leia aqui...

2009/03/31

A ler

Sem grandes comentários aqui está um artigo intitulado "Propaganda.com", de EVGENY MOROZOV, do NYT de 29/3. O tema é a liberdade de expressão na internet. Um artigo certamente útil para autores, leitores e comentaristas deste universo dos blogs.

2009/03/30

O cisma da camisa de vénus

O Papa largou a bomba do preservativo em Angola e logo meio mundo lhe caiu, com toda a razão, em cima. Tratou-se da formulação infeliz de uma ideia que era fruto de algum desígnio legítimo, ou de uma ideia abjecta, formulada num tom particularmente eloquente. Ninguém sabe. Em qualquer caso, a verdade é que ainda não consegui perceber qual é o conceito de "vida" que o Papa defende.
Tivemos, aliás, nesta deslocação a Angola, um caso particularmente eloquente que contribui para aumentar esta confusão. Duas pessoas, salvo erro, morreram durante a missa em Luanda, no Estádio dos Coqueiros. Que reacções se viram, para além do lamento de circunstância? Nenhuma. O facto de duas pessoas terem perdido a vida para ver o Papa não impediu sua eminência de prosseguir com a sua acção. Duas vidas que pareceu terem pouco valor perante o peso do milhão e tal (terão sido esses os números...) que procurava entrar no estádio e dos muitos milhões que observavam de fora a operação de propaganda. Não estamos aqui a falar de vidas em abstracto. Estamos a falar de duas vidas concretas, perdidas quando iam ouvir o Papa defender os valores da vida... Sua eminência perdeu uma excelente ocasião para demonstrar, na prática, o valor que atribui à vida. Preferiu outras vias... 
O curioso é que o comentário do Papa suscitou naturais posições críticas de diversos membros do clero mais esclarecidos, atentos ou simplesmente mais inteligentes. Essas posições vão agora ser objecto de uma reacção especial do Vaticano, que não se adivinha branda. A fogueira já não será solução, mas há outros lumes, mais brandos, se bem que igualmente purificadores. 
A hierarquia católica agita-se em torno do problema da camisa. Estaremos aqui, quem sabe, perante a iminência de um novo cisma.

Maurice Jarre (1924-2009)

Uma muito singela homenagem a um compositor que admiro bastante. A fronteira entre o erudito e o popular pode, por vezes, ser bastante escorregadia. A qualidade do trabalho de Maurice Jarre em filmes como Dr. Zhivago ou Lawrence of Arabia e a sua enorme  aceitação popular ilustram bem este caso de migração de fronteiras.

2009/03/29

Cozido só com enchidos

João Palma, o novo presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, afirmou-o claramente: "as pressões sobre os magistrados estão a atingir níveis incomportáveis." Por seu turno, o presidente da Associação Sindical de Juízes Portugueses, juiz desembargador António Martins assegura que “há sempre uma apetência do poder político em criar tensões para uma menor independência do poder judicial."
Já não estamos no domínio do tu-sabes-que-eu-sei-que-tu-sabes-que-eu-sei. Neste momento a coisa é oficial: o poder político interfere no poder judicial e há agentes directamente envolvidos no processo dispostos a denunciá-lo.
Ficamos pois numa dolorosa expectativa. Agora que oficialmente se sabe que existe esta tentativa, frustrada ou não, de maniatar o poder judicial, o que vai ser feito pelos diversos intervenientes para subverter esta situação? Será que o denunciado vai reagir? E o denunciante vai-se ficar pela denúncia vaga? E o que podemos fazer, nós todos que assistimos, incrédulos e com um crescente sentimento de impotência e de revolta a todo este espetáculo?
Infelizmente, o problema da aplicação da justiça é apenas uma das facetas da nossa crise. O grande problema é mesmo o da injustiça que reina na sociedade portuguesa!
A justiça à portuguesa, ao contrário do cozido, não é com todos. Tem só enchidos. A ideia que se tem é a de que o Estado Português, enquanto zelador e instigador de justiça e de equilíbrio entre os interesses de todos os cidadãos tem uma prática hipócrita, e fomenta e aprofunda, ele próprio, as desiguladades.
Leis injustas e injustamente implementadas, iniquidades gritantes, o mau funcionamento, a inacção e o desleixo da trituradora máquina administrativa, a prepotência, a corrupção, restrições inaceitáveis e parcialidade no acesso aos recursos comuns, e até, sabemo-lo agora oficialmente, as tentativas de instrumentalização do poder judicial e de atropelo das suas prerrogativas, fazem da questão da justiça latu sensu a causa principal do nosso subdesenvolvimento.
O nome da crise em Portugal é este: justiça! Não é um problema ao mesmo nível de qualquer dos outros que geralmente são apontados como causadores do nosso estado de atraso crónico. É mais abrangente. É a própria matriz geradora de todas as outras crises, seja a do ensino, da segurança social ou financeira.
Alguém dizia que as religiões se baseiam sobretudo no princípio da supressão do prazer. Este Estado Português, incapaz de garantir a justiça, embora seja fundado nos princípios do laicismo, transformou-se numa religião cujos bonzos nos conseguiram conduzir a uma inexorável perda de prazer de ser português.

2009/03/28

Os louros de olhos azuis

Não contentes com o feito de terem levado a economia mundial a uma situação de catástrofe, os louros de olhos azuis vêm agora tornar mais distante e complicado o sonho de uma qualificação da Selecção Nacional para o Mundial de futebol. Portugal está com Lula nesta noite em que os avançados portugueses se apagaram, certamente também pela defesa do planeta.

2009/03/25

A língua viva


Sou um utilizador confesso e entusiasta do Facebook. Um dia hei-de escrever aqui sobre esta coisa a que se convencionou chamar "redes sociais". Por agora quero apenas tornar público um anúncio que apareceu na minha página do referido Facebook. Para memória futura. Assim, a língua morre...!