A cada dia que passa Portugal está mais parecido com a Grécia.
As novas medidas de austeridade, ontem divulgadas por vários órgãos de comunicação e discutidas no Parlamento, prenunciam a maior crise económica e social de que há memória no Portugal democrático. Um verdadeiro “assalto”, para usar a expressão do “barão” do PSD e conselheiro de estado, Marques Mendes.
De facto, as “soluções” encontradas para substituir a famigerada taxa TSU, entre as quais o novo escalonamento do IRS, os cortes nas reformas, nos subsídios e na saúde (para referir apenas três áreas de vital importância na qualidade de vida dos portugueses) são tão brutais que as consequências para a economia portuguesa só podem ser devastadoras. Desde logo, pela contracção da despesa familiar, para equilibrar um orçamento muitas vezes deficitário e onde, para grande parte das pessoas, se tornou vital escolher entre uma refeição e a medicação. Depois, o corte em serviços tão essenciais como a saúde, onde as taxas moderadoras e a diminuição de meios fez disparar o tempo das listas de espera ou o tratamento de doentes em estado terminal. Finalmente, a redução de consumo generalizado, que irá afectar sectores essenciais para a economia, como o pequeno comércio e a restauração, onde a taxa máxima do IVA levará à falência milhares de pequenos e médios empresários. Desnecessário será dizer que outros tantos milhares de trabalhadores irão juntar-se ao exército de desempregados (1.3 milhões) no próximo ano e que, por essa altura, muitos dos que hoje ainda auferem um subsídio, já não receberão nada!
Um verdadeiro cenário de horror, há muito anunciado na “cartilha” neo-liberal que nos governa e que, por esse Mundo fora, vem impondo uma receita com o fim último de devastar as economias mais débeis e, dessa forma, poder impor um novo contrato social e salários mais baixos. A primeira parte do programa em curso está, portanto, a resultar: o Choque.
Perante tal cenário, previsto por especialistas dos mais variados quadrantes em Portugal e no estrangeiro, as pessoas começam a perceber que, não só a sua vida vai piorar drasticamente nos próximos anos, como não há fim à vista para a austeridade e (o que é pior) os sacrifícios que lhes pediram não serviu para nada!
É esta consciência civil, acelerada nos últimos meses pelas medidas fundamentalistas de um governo “à nora” que nem com sacrifícios da população consegue cumprir as metas a que se propôs, que está a provocar uma onda de indignação em todo o pais.
Prevendo o pior e sem soluções para uma crise, também ela provocada pelos partidos da coligação que nos governa, Passos Coelho e os seus “spin doctors” espalhados pelos mais diversos meios de comunicação, tentam convencer-nos diariamente da inevitabilidade da austeridade. Não há alternativa a estas medidas, dizem, porque a alternativa seria sempre muito pior. A segunda parte do programa está, portanto, a resultar: o Pavor.
Mas, nem tudo são rosas e o - aparentemente calmo - povo português começa a rebelar-se. Primeiro nas redes sociais, depois nas manifestações mais ou menos espontâneas e, agora, com uma cobertura que atinge dezenas de cidades portuguesas em simultâneo. Nunca, como hoje, a consciência civil foi tão grande. Também na rua, porque a democracia não se esgota na representatividade do parlamento. Muito menos, num parlamento completamente tolhido pelos “lobbies” e interesses da partidocracia reinante.
É neste quadro que a Igreja, ontem pela voz do Cardeal Policarpo e hoje pela voz do padre e teólogo Carreira das Neves, vem alertar para a “ditadura da rua” que não pode governar num regime democrático, onde o parlamento é o único lugar para o debate politico...
Não são inocentes estas palavras. Com a Igreja em crise, a crise actual da sociedade portuguesa pode ser uma “benesse” para os espíritos cristãos, sempre tão solícitos a acudir aos pobrezinhos e apavorados da vida. O Banco da Jonet que o diga! Por alguma razão, a Igreja não paga impostos e as suas fundações não foram abrangidas nos recentes cortes que atingiram muitas dessas instituições.
Como se não bastasse o governo, e a sua politica de “choque e pavor”, ainda temos de aturar a Igreja, com a sua politica de resignação.
2012/10/13
2012/10/12
O que está em causa
Dizem que é pelo facto de os socialistas terem gastado à tripa forra que agora "temos" de pagar mais e mais e ter menos e menos.
Será, mas outros explicam entretanto que, ao fazer tudo isto, a situação vai piorar, ou seja, vamos ficar sem o pouco que temos, nos custou já tão caro, pagar mais, e, simultanenamente, vamos perder mais empregos, vamos ficar a ver a recessão aumentar, vamos ficar a ver o que na origem era um problema com uma qualquer solução, transformar-se num problema irremediavelmente insolucionável. Vamos também ficar a ver que, depois disto, depois de ficarem sem direito ao Estado para o qual contribuiram, os poucos que restarem deste processo vão ter de pagar ainda mais, não para resolver os problemas, mas para não terem solução.
Ouvimos falar do OE2013 (é disso que tenho estado a tratar) e, dizem outros, finalmente, que não há onde ir buscar mais dinheiro. Não há forma de pagar a dívida indo buscar apenas dinheiro à despesa. As instituições estrangeiras avisam que assim é: por aí a coisa não vai lá. Segundo podemos ler, de facto, no OE prevê-se que na renegociação das PPP, por exemplo, se irá recolher 200 milhões de euros... Pouco mais do que um simples jackpot do Euromilhões em dia mais gordo. Assim, de facto, a coisa não vai lá.
O primeiro ministro fica enxofrado quando lhe chamam ladrão. Terá razão, coitado. Acho, contudo, que, para evitar mal entendidos, estava na hora de ele explicar —muito devagar e sem perder a compostura que o cargo lhe exige— todo este absurdo, antes que o povo o conduza ao cadafalso.
Porque é isso que está mesmo em causa. Não vá ele ter dúvidas...
2012/10/10
Rigor científico
Todos os ex-presidentes da república se têm pronunciado contra o estado actual da governação, condenando-a de forma explícita. Ao fazê-lo, está também implícita uma crítica unânime à actuação do actual PR. Se tomarmos estas críticas pelo seu valor facial, a análise destes três personagens, digna da maior atenção, é certeira e demolidora.
Eanes diz que "um país que se preza não deixa cidadãos em dificuldades," acrescentando em jeito de alerta que "quando não há unidade num país, os homens passam muito rapidamente da resignação à indignação."
Sampaio faz notar que "se não se conseguir ver a luz ao fundo do túnel, a esperança desaparece, há pessoas dispostas a acreditar em tudo, e é por isso que os extremismos estão a florescer," advertindo ainda, cauteloso, que a "austeridade excessiva pode prejudicar terrivelmente a democracia."
Mário Soares, por seu lado, afirma que "o Governo está moribundo e ninguém o toma a sério. Nem os empresários nem os trabalhadores. Nem gente do Povo nem intelectuais, professores ou cientistas."
Pelos vistos, nem todos os cientistas pensam assim. Manuel Villaverde Cabral, por exemplo, acha que não. Na sua opinião, as críticas dos presidentes são "populistas" e servem apenas para "afagar o ego daqueles que viram os seus rendimentos diminuir." Porque é que não tentamos ajudar o governo," pergunta, espantado, o sociólogo, já que tudo por que passamos neste momento é fatal e a solução está fora do nosso alcance? Por que é que não ajudamos o governo, se ultimamente ele até conseguiu uma extensão do período de pagamento, sem aumento do juro?
De facto, "por que é que não ajudamos o governo?" Ora aí está uma boa pergunta para o sociólogo responder em vez de fazer perguntas que, longe de credibilizarem o rigor do cientista, mais indiciam um raciocínio fatalmente esclerosado?
Eanes diz que "um país que se preza não deixa cidadãos em dificuldades," acrescentando em jeito de alerta que "quando não há unidade num país, os homens passam muito rapidamente da resignação à indignação."
Sampaio faz notar que "se não se conseguir ver a luz ao fundo do túnel, a esperança desaparece, há pessoas dispostas a acreditar em tudo, e é por isso que os extremismos estão a florescer," advertindo ainda, cauteloso, que a "austeridade excessiva pode prejudicar terrivelmente a democracia."
Mário Soares, por seu lado, afirma que "o Governo está moribundo e ninguém o toma a sério. Nem os empresários nem os trabalhadores. Nem gente do Povo nem intelectuais, professores ou cientistas."
Pelos vistos, nem todos os cientistas pensam assim. Manuel Villaverde Cabral, por exemplo, acha que não. Na sua opinião, as críticas dos presidentes são "populistas" e servem apenas para "afagar o ego daqueles que viram os seus rendimentos diminuir." Porque é que não tentamos ajudar o governo," pergunta, espantado, o sociólogo, já que tudo por que passamos neste momento é fatal e a solução está fora do nosso alcance? Por que é que não ajudamos o governo, se ultimamente ele até conseguiu uma extensão do período de pagamento, sem aumento do juro?
De facto, "por que é que não ajudamos o governo?" Ora aí está uma boa pergunta para o sociólogo responder em vez de fazer perguntas que, longe de credibilizarem o rigor do cientista, mais indiciam um raciocínio fatalmente esclerosado?
2012/10/06
“Luísa Trindade”
foto Natacha Cardoso/Dinheiro Vivo |
2012/10/05
De pernas para o ar
Eduardo Galeano escreveu um livro chamado "De Pernas para o Ar". O livro relata um mundo onde o vício é virtude e a virtude é algo a abater. Exemplos que podiam ilustrar adequadamente este livro de Galeano abundam em Portugal. Este aconteceu ainda hoje de manhã.
A imagem de Natacha Cardoso é brutal. Alguns dizem que é o retrato do País. Não é, é o retrato de Cavaco Silva. "Muitos portugueses vêem-se em situações de grande dificuldade. Situações que os seus pais nunca conheceram e que eles próprios nunca julgaram que viriam a atravessar," disse Cavaco no discurso do 5 de Outubro que decorreu hoje em cerimónia clandestina. O discurso é impróprio de um Presidente da República.
De um Presidente da República esperar-se-ia uma posição activa, preventiva, crítica, viril, contundente. Cavaco é passivo, reactivo, acrítico, piegas e balofo. Cavaco é o primeiro responsável por este estado de coisas, mas dele se esperaria agora —esperaríamos nós todos, os Portugueses de quem ele é Presidente— contributo decisivo e eficaz para não deixar arrastar este processo de apodrecimento que ele iniciou, de que se queixa, mas que teima em manter activo.
Já estamos há muito habituados à falta de sentido de Estado e de verdadeira dimensão política dos agentes políticos portugueses, ao rasteirismo da sua postura, ao oportunismo ou à falta de estamina da sua actuação. Mas, também nessa medida, é preciso dizer basta!
"Nestas alturas, há o risco de nos deixarmos abater pelo desânimo e pelo pessimismo. De sermos assaltados por sentimentos de medo e de frustração. De incerteza quanto ao nosso futuro e quanto ao futuro dos nossos filhos," acrescentou distraído o presidente, pouco depois de, ao som do Hino Nacional, ter erguido a bandeira de Portugal ao contrário. Um presidente de pernas para o ar.
2012/10/04
Querer e poder
Os analistas fizeram as contas e a conclusão parece ser unânime: o novo pacote, ontem anunciado pelo ministro Gaspar, mantém e agrava mesmo a desigualdade na divisão do esforço de recuperação da bagunça financeira do país.
O povo rejeitou a "solução" da TSU. Em resposta o governo apresenta um conjunto de medidas mais abrangente e ainda mais gravoso para a vida dos portugueses. A incoerência é manifesta, o embuste é total, a provocação é clara.
O povo tomou, entretanto, plena consciência de todas estas realidades. Colectivamente, algo fez "clique!" Não há retrocesso possível. O governo, porém, continua a agir como se o calendário marcasse ainda 14 de Setembro.
O povo não quer esta austeridade, o governo não quer outra austeridade. O conflito de interesses não oferece dúvida. O embate é inevitável.
Querer é poder, mas o poder reside e vai sempre residir no povo. Adivinhem quem é que vai então sair mal deste confronto...
O povo rejeitou a "solução" da TSU. Em resposta o governo apresenta um conjunto de medidas mais abrangente e ainda mais gravoso para a vida dos portugueses. A incoerência é manifesta, o embuste é total, a provocação é clara.
O povo tomou, entretanto, plena consciência de todas estas realidades. Colectivamente, algo fez "clique!" Não há retrocesso possível. O governo, porém, continua a agir como se o calendário marcasse ainda 14 de Setembro.
O povo não quer esta austeridade, o governo não quer outra austeridade. O conflito de interesses não oferece dúvida. O embate é inevitável.
Querer é poder, mas o poder reside e vai sempre residir no povo. Adivinhem quem é que vai então sair mal deste confronto...
2012/10/03
Esquerda e redenção
Essa consciência foi ganha no quadro do mais violento ataque feito contra o povo trabalhador português de que há memória, no meio de uma recessão sem precedentes, de um desemprego trágico, do esbulho inaudito dos rendimentos do trabalho e de uma tentativa reles de ataque aos direitos mais básicos do povo, incluindo o da liberdade de expressão.
Quando centenas de milhar de portugueses se movimentam nas ruas, quando o clamor atravessa e une gerações, hierarquias e género, e até derruba fronteiras sociais e políticas, antes julgadas intransponíveis, que resposta vemos nós do lado dos partidos da oposição?
O PCP e o BE, o mais que conseguem fazer, neste quadro de enorme revolta, agitação, angústia e expectativa por alternativas políticas credíveis, perante a arrogância indescritível do poder, é apresentarem juntos duas moções de censura separadas. Perante o quadro catastrófico e a necessidade reclamada por milhões de um sério esforço de união em torno de soluções verdadeiramente alternativas e eficazes para os problemas do país, o PS chuta para canto, e confirma-nos o papel que, por iniciativa própria, atribui ao troço "esquerdo" do arco do poder: malhar mais no bombo e juntar desastre ao desastre. Um verdadeiro escarro este PS.
Estão todos equivocados. O que o clamor popular e esta nova consciência revelam é que a maioria já percebeu perfeitamente ao que vêm os do poder, situem-se eles no arco ou nas órbitas. Já se percebeu a sinceridade das suas posições. E, não duvidem, vão ser castigados, eles também, duramente. Não me parece haver redenção possível.
2012/09/29
Case Study
As declarações de António Borges, hoje preferidas em Vilamoura perante uma plateia de empresários portugueses e estrangeiros, revelam o pior das nossas “elites”. Como se não bastasse a arrogância com que sempre trataram quem trabalha (que mais direitos não tem do que pagar impostos), chama “ignorantes” aos empresários que ousam duvidar de medidas que só os poderia beneficiar...
Depois de afirmar que estes empresários chumbariam no primeiro ano da sua faculdade, Borges foi mesmo mais longe, ao declarar que o regime de austeridade imposto em Portugal estava a revelar-se um sucesso. No FMI (onde trabalhava à época do resgate português) ninguém acreditaria que, menos de dois anos depois, a situação portuguesa estivesse debelada. A “hemorragia” (nas suas próprias palavras) tinha sido estancada.
Claro que isso foi conseguido à custa de sacrifícios, mas ninguém de bom senso pensava que seria possível de outra maneira. Portanto, a primeira fase do programa estava a revelar-se um êxito, de tal forma que deve ser considerado um verdadeiro “case study”.
Ao contrário do que muitos empresários (Mira Amaral, CIP) e diversos fazedores de opinião, hoje vieram dizer, não penso que Borges seja tão parvo como o pintam. Não se trata de uma “gaffe”, mas de um pensamento, alicerçado na escola do INSEAD, Goldman & Sachs e FMI, instituições por onde passou e que primam pela estratégia de “choque e pavor” que caracteriza a sua acção pelo Mundo. Nesse sentido, Portugal não deve ser considerado uma excepção, antes um laboratório onde as teorias de homens como Gaspar e Borges, servem uma politica específica. A politica de quanto pior melhor, para desregular a economia, privatizar a qualquer preço e, nessa altura, poder impor as condições mais favoráveis ao modelo neo-liberal que defendem..
É Borges, o verdadeiro “case study”. Devemos estudá-lo, para melhor combatê-lo.
Depois de afirmar que estes empresários chumbariam no primeiro ano da sua faculdade, Borges foi mesmo mais longe, ao declarar que o regime de austeridade imposto em Portugal estava a revelar-se um sucesso. No FMI (onde trabalhava à época do resgate português) ninguém acreditaria que, menos de dois anos depois, a situação portuguesa estivesse debelada. A “hemorragia” (nas suas próprias palavras) tinha sido estancada.
Claro que isso foi conseguido à custa de sacrifícios, mas ninguém de bom senso pensava que seria possível de outra maneira. Portanto, a primeira fase do programa estava a revelar-se um êxito, de tal forma que deve ser considerado um verdadeiro “case study”.
Ao contrário do que muitos empresários (Mira Amaral, CIP) e diversos fazedores de opinião, hoje vieram dizer, não penso que Borges seja tão parvo como o pintam. Não se trata de uma “gaffe”, mas de um pensamento, alicerçado na escola do INSEAD, Goldman & Sachs e FMI, instituições por onde passou e que primam pela estratégia de “choque e pavor” que caracteriza a sua acção pelo Mundo. Nesse sentido, Portugal não deve ser considerado uma excepção, antes um laboratório onde as teorias de homens como Gaspar e Borges, servem uma politica específica. A politica de quanto pior melhor, para desregular a economia, privatizar a qualquer preço e, nessa altura, poder impor as condições mais favoráveis ao modelo neo-liberal que defendem..
É Borges, o verdadeiro “case study”. Devemos estudá-lo, para melhor combatê-lo.
2012/09/28
Mengele
Queria hoje recordar aqui Josef Mengele.
"Josef Rudolf Mengele foi um oficial das SS e médico no campo de concentração de Auschwitz. Obteve um doutoramento em antropologia pela Universidade de Munique e em medicina pela Universidade de Frankfurt. Começou a ganhar notoriedade por ser um dos médicos das SS que supervisionava a selecção e o transporte dos prisioneiros, decidindo quem iria ser liquidado e quem iria para trabalhos forçados, mas a razão principal da sua fama resulta das experiências que executou com os prisioneiros do campo de concentração, incluindo crianças. Por tudo isto ficou conhecido como Anjo da Morte (adaptado da Wikipédia).
Para mais esclarecimentos ver aqui.
2012/09/24
Confiança
Muita gente, muita gente sem partido, politicamente adormecida e aparentemente indiferente, se dá conta agora que tudo isto resvalou para um problema cuja resolução implica mais do que remendos legislativos e "toques" nos diplomas. O problema está no próprio regime. A crise é mais funda. O problema não é a TSU, o problema não é de mais ou menos impostos. O problema não é, sequer, o da total ausência de medidas "estruturais," de horizontes, de perspectivas de desenvolvimento. O problema é o próprio regime e a confiança que as instituições e qualquer dos políticos actuais merecem ao comum dos cidadãos.
A pergunta que toda a gente faz, independentemente da tendência política ou da falta de inclinação para a política, independentemente de andarem a gritar contra este regime desde há muito ou apenas desde o passado dia 15, independentemente de fazerem ou não parte do grupo dos "idiotas" do poema de Brecht que se gabaram durante tanto tempo de não se interessarem por política e, mesmo, de não terem contribuído, por falta de comparência, para a situação actual (afinal tudo é, como dizia o Brecht nesse poema, político e afinal o lixo lançado para o baldio acaba à nossa porta), a pergunta que toda a gente faz é esta: mesmo que fosse legítimo, mesmo que fosse inevitável, de facto, o massacre de que são vítimas os portugueses neste momento, o que vem a seguir? Isto porque as causas de tudo o que se passa e as justificações para o massacre continuam obscuras e, certamente, ipso facto, a sua eventual "correcção", parece hoje claramente, servir apenas para manter tudo na mesma, logo teríamos, na melhor das hipóteses, soluções com maturidade reduzida (para usar terminologia do inimigo...). E depois?
O problema é, pois, outro. Trata-se de um problema de confiança. Por mais saltos mortais que qualquer dos actuais e passados responsáveis políticos dêem, por mais malabarismos que façam, por mais coelhos que saiam da cartola (no sentido literal e metafórico da expressão...), por mais discursos que produzam, mais ou menos dourados, mais ou menos realistas, mais ou menos patetas, mais ou menos insultuosos para a generalidade do povo português, por mais que tentem, os bonzos do regime, o poder e os serventuários do poder estão totalmente desacreditados. Ninguém acredita em nada e ninguém acredita em ninguém —perdoem-me as duplas negativas— ligado a este poder. Quando digo ninguém, quero dizer isso mesmo: a desconfiança é total nas pessoas, nas instituições e nos valores que dizem defender e servir. Tudo parece uma ilusão. Parece que vivemos numa fantasia de Walt Disney.
Ninguém acredita em Passos Coelho, este aldrabão que começou por dizer uma coisa e acabou a fazer outra. Ninguém acredita em Gaspar. Que mente tortuosa se esconde por detrás daquela conversa flácida? Ninguém acredita no Portas, o rei da baderna! Quem acredita na Assunção da Fé? Quem acredita na Conjectura de Crato? E, claro, ninguém acredita no Relvas das equivalências, no Macedo das fábulas ou no Álvaro (quem?). Os outros nem sequer para anedota, infelizmente servem. Ninguém acredita na AR, que se sabe, por factos, ser hoje uma agência de gestão de activos. Ninguém acredita no Conselho de Estado (onde, como alguém dizia, apenas o Lobo Antunes se safa de ter as mãos sujas de sangue por ser cirurgião...). E ninguém acredita, desgraçadamente, neste Presidente da República! Como acreditar em Cavaco Silva?! E como era importante acreditar no Presidente da República.
O problema não é de fé, mas é de acreditar.
Muita gente, dizia eu, depois de um click qualquer que se produziu, sem grandes explicações, na nossa sociedade, poderá perceber agora o verdadeiro e profundo significado da expressão "há mais vida para além do défice." É preciso redefinir o regime e reconquistar a confiaça. Sem isso os problemas, nenhum problema, estes que temos entre mãos ou outros que apareçam no futuro, se resolvem.
Mas, muita gente está também assustada porque percebe, finalmente, que desenvolvimento e democracia caminham sempre de mãos dadas e não podem largá-las nem por um momento. A tarefa afinal é bem mais complicada e trabalhosa, e exige mais dos treinadores de bancada .
Também eu estou assustado porque não percebo se toda a gente percebeu que está na altura de agir, está na altura de colocar no contentor velhos dogmas, está na altura de procurar entendimentos e consensos, de assumir claramente as diferenças, tirando partido das semelhanças. Do respeito pelas diferenças entre os semelhantes e pelas semelhanças entre os diferentes nasce a confiança e a possibilidade de entendimentos.
Será que todos os indignados percebem que, depois de perceberem isto, será então altura de dar expressão política e institucional a toda essa acção? Será que estão à altura do momento? Será que os indignados percebem isto?
Está na hora de confiar, usando critérios muito mais apertados para estabelecer os padrões de confiança.
A pergunta que toda a gente faz, independentemente da tendência política ou da falta de inclinação para a política, independentemente de andarem a gritar contra este regime desde há muito ou apenas desde o passado dia 15, independentemente de fazerem ou não parte do grupo dos "idiotas" do poema de Brecht que se gabaram durante tanto tempo de não se interessarem por política e, mesmo, de não terem contribuído, por falta de comparência, para a situação actual (afinal tudo é, como dizia o Brecht nesse poema, político e afinal o lixo lançado para o baldio acaba à nossa porta), a pergunta que toda a gente faz é esta: mesmo que fosse legítimo, mesmo que fosse inevitável, de facto, o massacre de que são vítimas os portugueses neste momento, o que vem a seguir? Isto porque as causas de tudo o que se passa e as justificações para o massacre continuam obscuras e, certamente, ipso facto, a sua eventual "correcção", parece hoje claramente, servir apenas para manter tudo na mesma, logo teríamos, na melhor das hipóteses, soluções com maturidade reduzida (para usar terminologia do inimigo...). E depois?
O problema é, pois, outro. Trata-se de um problema de confiança. Por mais saltos mortais que qualquer dos actuais e passados responsáveis políticos dêem, por mais malabarismos que façam, por mais coelhos que saiam da cartola (no sentido literal e metafórico da expressão...), por mais discursos que produzam, mais ou menos dourados, mais ou menos realistas, mais ou menos patetas, mais ou menos insultuosos para a generalidade do povo português, por mais que tentem, os bonzos do regime, o poder e os serventuários do poder estão totalmente desacreditados. Ninguém acredita em nada e ninguém acredita em ninguém —perdoem-me as duplas negativas— ligado a este poder. Quando digo ninguém, quero dizer isso mesmo: a desconfiança é total nas pessoas, nas instituições e nos valores que dizem defender e servir. Tudo parece uma ilusão. Parece que vivemos numa fantasia de Walt Disney.
Ninguém acredita em Passos Coelho, este aldrabão que começou por dizer uma coisa e acabou a fazer outra. Ninguém acredita em Gaspar. Que mente tortuosa se esconde por detrás daquela conversa flácida? Ninguém acredita no Portas, o rei da baderna! Quem acredita na Assunção da Fé? Quem acredita na Conjectura de Crato? E, claro, ninguém acredita no Relvas das equivalências, no Macedo das fábulas ou no Álvaro (quem?). Os outros nem sequer para anedota, infelizmente servem. Ninguém acredita na AR, que se sabe, por factos, ser hoje uma agência de gestão de activos. Ninguém acredita no Conselho de Estado (onde, como alguém dizia, apenas o Lobo Antunes se safa de ter as mãos sujas de sangue por ser cirurgião...). E ninguém acredita, desgraçadamente, neste Presidente da República! Como acreditar em Cavaco Silva?! E como era importante acreditar no Presidente da República.
O problema não é de fé, mas é de acreditar.
Muita gente, dizia eu, depois de um click qualquer que se produziu, sem grandes explicações, na nossa sociedade, poderá perceber agora o verdadeiro e profundo significado da expressão "há mais vida para além do défice." É preciso redefinir o regime e reconquistar a confiaça. Sem isso os problemas, nenhum problema, estes que temos entre mãos ou outros que apareçam no futuro, se resolvem.
Mas, muita gente está também assustada porque percebe, finalmente, que desenvolvimento e democracia caminham sempre de mãos dadas e não podem largá-las nem por um momento. A tarefa afinal é bem mais complicada e trabalhosa, e exige mais dos treinadores de bancada .
Também eu estou assustado porque não percebo se toda a gente percebeu que está na altura de agir, está na altura de colocar no contentor velhos dogmas, está na altura de procurar entendimentos e consensos, de assumir claramente as diferenças, tirando partido das semelhanças. Do respeito pelas diferenças entre os semelhantes e pelas semelhanças entre os diferentes nasce a confiança e a possibilidade de entendimentos.
Será que todos os indignados percebem que, depois de perceberem isto, será então altura de dar expressão política e institucional a toda essa acção? Será que estão à altura do momento? Será que os indignados percebem isto?
Está na hora de confiar, usando critérios muito mais apertados para estabelecer os padrões de confiança.
2012/09/22
2012/09/17
Desenrascanços
Os portugueses são os reis do improviso. Uma qualidade muito apreciada nos principais países de acolhimento da emigração portuguesa, onde o aperto das regras faz por vezes passar ao lado da solução simples e óbvia dos problemas. O desenrascanço português surge assim como uma mais valia que por vezes dá jeito e proporciona admiração pela espécie lusa.
McGyver, por exemplo era afinal (sabemo-lo agora) português, mas os produtores da série omitiram durante anos esse facto...
O desenrascanço é, como disse, útil... quando as coisas estão organizadas. Quando essa organização falta, o desenrascanço não é solução para o problema, é um problema para a solução.
Percebe-se que a este governo falta essa organização base, sobre a qual a arte do desenrascanço pode ser praticada com vantagem. Eles bem tentam dar imagem de organização e seriedade, mas há muito que se percebeu que este governo é um enorme bluff.
Ficámos há pouco a saber que a Comissão Europeia condiciona o desbloqueamento da próxima tranche do empréstimo ao cumprimento do acordo, nomeadamente, no que respeita a questão da baixa da TSU.
Ou seja:
1- Mantendo a tradição lusa, o governo desenrasca medidas para combater o défice que se suspeitou desde o início serem inconstitucionais. Se alguma vez as decisões do governo se pareceram com algo fruto de madura reflexão, cuidada preparação e claro domínio dos dossiês, isso foi fruto de uma ilusão habilmente encenada. Ninguém pesca um boi do que está a tratar.
O ministro Gaspar foi disso o exemplo mais eloquente. Com aquela imagem solene e douta que todos lhe reconhecemos, adormecia o pagode, deliberadamente, tentando dar ar que havia mais qualquer coisa por detrás da forma geométrica e do verbo entediante, quando afinal, é agora claro, toda aquela encenação tecnocrática servia para esconder que o Ministro das Finanças não passa afinal de um desenrascado a agir no quadro do caos total. Como explicar de outra forma os erros de palmatória que este ministro cometeu?
2- O TC acabou, sem surpresas, por declarar as medidas principais da política de consolidação orçamental, de facto, inconstitucionais.
3- Perante o novo problema, Passos Coelho e a sua pandilha resolvem desenrascar a baixa da TSU, que, pelos vistos, deixou os parceiros da coligação à rasca.
4- Coelho deverá, sabemo-lo também agora, ter desenrascado argumentos que "convenceram" Portas de que se a medida não fosse para frente, as futuras negociações com a troika ficavam comprometidas.
5- A medida é mesmo aprovada e anunciada, e... Surpresa! o país fica em pé de guerra!
6- Ai, ai, ai, ai, ai! meu Deus! Como é que a gente vai desenrascar isto agora?
7- Mais: ficou-se agora a saber que "esta medida foi proposta pelo Governo," como foi referido há pouco pelo porta voz da Comissão.
8- Ficou-se também a saber que é verdade: se esta proposta do governo português não for para a frente, as negociações com a troika estão mesmo comprometidas.
9- Estranhou-se durante algum tempo que Portas não rangesse, mas sabemos agora que ele não rangia porque sabia, e que sabia que se rangesse ficávamos a perceber que era um tanso e iria ficar colado ao desenrascanço. Ficou, coitado, com a alternativa no bolso, sem nada poder fazer que evitasse deitar tudo a perder, como veio a acontecer...
10- Sem o cumprimento desta medida, que foi proposta pelo governo, a próxima tranche não pinga. Aquilo foi o que foi acordado, aquilo é o que tem de ser cumprido. Mas, o acordo poderia ter sido outro, pelo que se percebe.
11- O Coelho desenrascou uma solução para desenrascar um problema, que enrascou a coligação, que enrascou a relação do governo com os outros orgãos e parceiros institucionais, que enrascou o governo perante a Comissão, e, pior ainda, que enrascou em defintivo a relação dos governantes com os governados. Not bad for a day's work...
12- Percebe-se agora o "custe o que custar" e percebe-se agora também o "fiquei convencido" do Portas.
Uma monumental bota que o Coelho tem agora que descalçar. Aconselho a elegante descalçadeira da imagem, à venda on line por uma quantia que estará certamente ao alcance da leporídia criatura...
PS- É claro que há em tudo isto, ao mesmo tempo, algo de muito positivo e extremamente saudável. O porta voz da sisuda Comissão disse, enquanto lembrava que o acordo era para cumprir, que a medida anunciada pelo governo "visa aumentar a competitividade das empresas portuguesas, para melhorar a sua capacidade em termos de exportações, mas também de criação de emprego (...) e tem de ser vista - e isto é muito importante na perspectiva da Comissão Europeia - no contexto de um conjunto global de medidas que visam aumentar a competitividade na economia portuguesa."
Quem pensou que a troika era uma coisa séria, organizada, metódica, capaz de pôr ordem no caos da actual governação portuguesa e avaliar com critério imparcial a acção de Passos e dos seus muchachos, quem alguma vez pensou que haveria males que vêm por bem, depois de ler estas palavras, fica com a sensação que os troikos já foram tomados pelo clima e estão rendidos ao grande desígnio nacional, ou então alguém lhes coloca umas coisinhas giras no café matinal.
McGyver, por exemplo era afinal (sabemo-lo agora) português, mas os produtores da série omitiram durante anos esse facto...
O desenrascanço é, como disse, útil... quando as coisas estão organizadas. Quando essa organização falta, o desenrascanço não é solução para o problema, é um problema para a solução.
Percebe-se que a este governo falta essa organização base, sobre a qual a arte do desenrascanço pode ser praticada com vantagem. Eles bem tentam dar imagem de organização e seriedade, mas há muito que se percebeu que este governo é um enorme bluff.
Ficámos há pouco a saber que a Comissão Europeia condiciona o desbloqueamento da próxima tranche do empréstimo ao cumprimento do acordo, nomeadamente, no que respeita a questão da baixa da TSU.
Ou seja:
1- Mantendo a tradição lusa, o governo desenrasca medidas para combater o défice que se suspeitou desde o início serem inconstitucionais. Se alguma vez as decisões do governo se pareceram com algo fruto de madura reflexão, cuidada preparação e claro domínio dos dossiês, isso foi fruto de uma ilusão habilmente encenada. Ninguém pesca um boi do que está a tratar.
O ministro Gaspar foi disso o exemplo mais eloquente. Com aquela imagem solene e douta que todos lhe reconhecemos, adormecia o pagode, deliberadamente, tentando dar ar que havia mais qualquer coisa por detrás da forma geométrica e do verbo entediante, quando afinal, é agora claro, toda aquela encenação tecnocrática servia para esconder que o Ministro das Finanças não passa afinal de um desenrascado a agir no quadro do caos total. Como explicar de outra forma os erros de palmatória que este ministro cometeu?
2- O TC acabou, sem surpresas, por declarar as medidas principais da política de consolidação orçamental, de facto, inconstitucionais.
3- Perante o novo problema, Passos Coelho e a sua pandilha resolvem desenrascar a baixa da TSU, que, pelos vistos, deixou os parceiros da coligação à rasca.
4- Coelho deverá, sabemo-lo também agora, ter desenrascado argumentos que "convenceram" Portas de que se a medida não fosse para frente, as futuras negociações com a troika ficavam comprometidas.
5- A medida é mesmo aprovada e anunciada, e... Surpresa! o país fica em pé de guerra!
6- Ai, ai, ai, ai, ai! meu Deus! Como é que a gente vai desenrascar isto agora?
7- Mais: ficou-se agora a saber que "esta medida foi proposta pelo Governo," como foi referido há pouco pelo porta voz da Comissão.
8- Ficou-se também a saber que é verdade: se esta proposta do governo português não for para a frente, as negociações com a troika estão mesmo comprometidas.
9- Estranhou-se durante algum tempo que Portas não rangesse, mas sabemos agora que ele não rangia porque sabia, e que sabia que se rangesse ficávamos a perceber que era um tanso e iria ficar colado ao desenrascanço. Ficou, coitado, com a alternativa no bolso, sem nada poder fazer que evitasse deitar tudo a perder, como veio a acontecer...
10- Sem o cumprimento desta medida, que foi proposta pelo governo, a próxima tranche não pinga. Aquilo foi o que foi acordado, aquilo é o que tem de ser cumprido. Mas, o acordo poderia ter sido outro, pelo que se percebe.
11- O Coelho desenrascou uma solução para desenrascar um problema, que enrascou a coligação, que enrascou a relação do governo com os outros orgãos e parceiros institucionais, que enrascou o governo perante a Comissão, e, pior ainda, que enrascou em defintivo a relação dos governantes com os governados. Not bad for a day's work...
12- Percebe-se agora o "custe o que custar" e percebe-se agora também o "fiquei convencido" do Portas.
Uma monumental bota que o Coelho tem agora que descalçar. Aconselho a elegante descalçadeira da imagem, à venda on line por uma quantia que estará certamente ao alcance da leporídia criatura...
PS- É claro que há em tudo isto, ao mesmo tempo, algo de muito positivo e extremamente saudável. O porta voz da sisuda Comissão disse, enquanto lembrava que o acordo era para cumprir, que a medida anunciada pelo governo "visa aumentar a competitividade das empresas portuguesas, para melhorar a sua capacidade em termos de exportações, mas também de criação de emprego (...) e tem de ser vista - e isto é muito importante na perspectiva da Comissão Europeia - no contexto de um conjunto global de medidas que visam aumentar a competitividade na economia portuguesa."
Quem pensou que a troika era uma coisa séria, organizada, metódica, capaz de pôr ordem no caos da actual governação portuguesa e avaliar com critério imparcial a acção de Passos e dos seus muchachos, quem alguma vez pensou que haveria males que vêm por bem, depois de ler estas palavras, fica com a sensação que os troikos já foram tomados pelo clima e estão rendidos ao grande desígnio nacional, ou então alguém lhes coloca umas coisinhas giras no café matinal.
2012/09/16
Point of no return?
Foi bonita a festa (pá), ouvia-se dizer ontem na praça de Espanha.
Foi, mas não chega.
Da mesma forma que a democracia não se esgota na representatividade parlamentar, também a democracia participativa não se esgota em manifestações, por muita gente e palavras de ordem que estas tenham.
Sim, é preciso correr com estes vendilhões do templo, que não olham a meios para atingir os seus fins, ainda que no fim só venham a restar zombies incapazes de resistir seja ao que for. Para correr com eles (porque são muitos e usam diversas máscaras) todos os meios legais são lícitos, pois os últimos 38 anos mostraram que não aprendemos nada. A prova é que continuamos a votar nos partidos que, alternadamente, vão espoliando o pais e empobrecendo a população, enquanto defendem os interesses (nacionais e estrangeiros) daqueles que sempre viveram à custa do estado e da exploração sistemática de quem trabalha e quem desconta para os sustentar.
A manifestação de ontem, como aquela que reuniu centenas de milhares de manifestantes no dia 12 de Março de 2011, foi boa (muito boa), na medida em que as pessoas ousaram descer á rua e dizer “basta!”. Podem não saber o que querem, mas começam a saber o que não querem. É um princípio. Por algum lado temos de começar.
Mas, não devemos ter ilusões. Não é por gritar “que se lixe a troika!” que esta se vai embora. Veja-se a Grécia, onde a população desce às ruas todas as semanas sem que as medidas de austeridade diminuam. Qual é o limite? Das medidas e da resistência. Estas são as questões.
Cavaco Silva já percebeu a mensagem e, impedido como está de se pronunciar devido à imagem negativa que o persegue, mandou Manuela Ferreira Leite avisar o governo. Esta, que nunca escondeu o desprezo pelo jovem Passos, encarregou-se na perfeição da mensagem, Fê-lo tão bem que conseguiu unir toda a gente (da esquerda à direita) contra o jovem turco. E o resultado está à vista: 40 cidades portuguesas vieram à rua manifestar-se contra este governo. É obra!
Segue-se o segundo acto. Perante o descrédito do regime, Cavaco convocou o “Conselho de Estado”. Basta olhar para a sua constituição (ex-presidentes na reforma, comentadores de televisão, economistas da moda e neurocirurgiões da ribalta) para não ter ilusões. Para dar um ar de democracia (e fazer o contraditório) convidou o Gaspar.
A estratégia é clara: é preciso que alguma coisa mude para que tudo fique na mesma.
Até é possível que perante a derrocada da receita da Troika, o governo tenda a inflectir de estratégia. Talvez até saia o Relvas, ou mesmo o Gaspar...
Mas, será que mudará alguma coisa na forma como os peões internos da Troika vão abordar a crise portuguesa, eles que apenas estão interessados em que paguemos aos credores e em desregular o mercado de trabalho interno para dessa forma nos tornar mais submissos? Não. Não vai mudar nada de essencial. É por isso que a manifestação de ontem não nos deve iludir.
A manifestação foi um acto de cidadania e, nesse sentido, um ponto de não-retorno. Nada será como dantes, a partir de agora. Mas, os representantes do “centrão” continuarão lá e a defender os seus interesses. Ora os seus interesses, não são necessariamente os nossos. E é nesta dialéctica de contradições que nos devemos fixar, com o risco de nos fixarmos demasiado na árvore e perdermos a floresta de vista.
Foi, mas não chega.
Da mesma forma que a democracia não se esgota na representatividade parlamentar, também a democracia participativa não se esgota em manifestações, por muita gente e palavras de ordem que estas tenham.
Sim, é preciso correr com estes vendilhões do templo, que não olham a meios para atingir os seus fins, ainda que no fim só venham a restar zombies incapazes de resistir seja ao que for. Para correr com eles (porque são muitos e usam diversas máscaras) todos os meios legais são lícitos, pois os últimos 38 anos mostraram que não aprendemos nada. A prova é que continuamos a votar nos partidos que, alternadamente, vão espoliando o pais e empobrecendo a população, enquanto defendem os interesses (nacionais e estrangeiros) daqueles que sempre viveram à custa do estado e da exploração sistemática de quem trabalha e quem desconta para os sustentar.
A manifestação de ontem, como aquela que reuniu centenas de milhares de manifestantes no dia 12 de Março de 2011, foi boa (muito boa), na medida em que as pessoas ousaram descer á rua e dizer “basta!”. Podem não saber o que querem, mas começam a saber o que não querem. É um princípio. Por algum lado temos de começar.
Mas, não devemos ter ilusões. Não é por gritar “que se lixe a troika!” que esta se vai embora. Veja-se a Grécia, onde a população desce às ruas todas as semanas sem que as medidas de austeridade diminuam. Qual é o limite? Das medidas e da resistência. Estas são as questões.
Cavaco Silva já percebeu a mensagem e, impedido como está de se pronunciar devido à imagem negativa que o persegue, mandou Manuela Ferreira Leite avisar o governo. Esta, que nunca escondeu o desprezo pelo jovem Passos, encarregou-se na perfeição da mensagem, Fê-lo tão bem que conseguiu unir toda a gente (da esquerda à direita) contra o jovem turco. E o resultado está à vista: 40 cidades portuguesas vieram à rua manifestar-se contra este governo. É obra!
Segue-se o segundo acto. Perante o descrédito do regime, Cavaco convocou o “Conselho de Estado”. Basta olhar para a sua constituição (ex-presidentes na reforma, comentadores de televisão, economistas da moda e neurocirurgiões da ribalta) para não ter ilusões. Para dar um ar de democracia (e fazer o contraditório) convidou o Gaspar.
A estratégia é clara: é preciso que alguma coisa mude para que tudo fique na mesma.
Até é possível que perante a derrocada da receita da Troika, o governo tenda a inflectir de estratégia. Talvez até saia o Relvas, ou mesmo o Gaspar...
Mas, será que mudará alguma coisa na forma como os peões internos da Troika vão abordar a crise portuguesa, eles que apenas estão interessados em que paguemos aos credores e em desregular o mercado de trabalho interno para dessa forma nos tornar mais submissos? Não. Não vai mudar nada de essencial. É por isso que a manifestação de ontem não nos deve iludir.
A manifestação foi um acto de cidadania e, nesse sentido, um ponto de não-retorno. Nada será como dantes, a partir de agora. Mas, os representantes do “centrão” continuarão lá e a defender os seus interesses. Ora os seus interesses, não são necessariamente os nossos. E é nesta dialéctica de contradições que nos devemos fixar, com o risco de nos fixarmos demasiado na árvore e perdermos a floresta de vista.
2012/09/15
2012/09/13
Do triunfo dos velhos ao fracasso da oposição
Há muitas conclusões a tirar dos acontecimentos dos últimos dias. Deixem-me referir um acontecimento em particular -a entrevista de Manuela Ferreira Leite- e duas ou três conclusões que dela se podem tirar. Haveria muito mais, seguramente, a referir, mas as minhas limitações de acesso à net neste momento obrigam-me a ser económico.
Desde há tempos que se ouve muita gente sugerir que apenas um acontecimento excepcional poderia tirar os portugueses deste estado letárgico em que se encontram, com Coelho, Portas, Gaspar & Troika Lda. a desferir golpe atrás de golpe, sem que se perceba uma reacção, sem um sinal vital a manifestar-se.
Pois bem, o acontecimento excepcional aí está: Manuela Ferreira Leite abriu o livro e Coelho ficou de repente a ver os dias contados.
Não disse nada de novo nem apontou saídas, é certo. Usou argumentos que há anos os mais atentos vêm repetindo sem cessar. Foi a voz do senso comum. Usou argumentos a que as oposições poderiam ter já há muito dado conveniente expressão política. Argumentos que as oposições têm usado, quando as usam, sem um milionésimo da eficiência. Leu tão bem o momento que até quase se situou na cabeça da manif de 15/9.
O certo é que depois do que disse Ferreira Leite, Coelho e o seu gang podem começar a fazer as malas. A porta da rua desencravou-se. É uma questão de tempo.
A intervenção de M. F. Leite mostra ainda outra coisa: a janela de consenso político em Portugal é afinal mais ampla do que se supõe. Haja democratas! Se calhar é mesmo esse o problema...
O que impede esse consenso é matéria de reflexão para todos nós. Temos todos culpas no cartório, mas o preço que estamos a ter de pagar para perceber tudo isto era escusado.
A solução dos problemas que afligem o País não vem nem virá das palavras de M. F. Leite. Mas não deixa de me parecer irónico que tenha sido a criatura que queria enterrar os velhos mais cedo e admitia a suspensão da democracia que talvez tenha tido um inesperado papel na sua salvação.
Passos Coelho, entretanto, se precisares de alguém para te ajudar a fechar a mala, escreve aqui para o Face.
Desde há tempos que se ouve muita gente sugerir que apenas um acontecimento excepcional poderia tirar os portugueses deste estado letárgico em que se encontram, com Coelho, Portas, Gaspar & Troika Lda. a desferir golpe atrás de golpe, sem que se perceba uma reacção, sem um sinal vital a manifestar-se.
Pois bem, o acontecimento excepcional aí está: Manuela Ferreira Leite abriu o livro e Coelho ficou de repente a ver os dias contados.
Não disse nada de novo nem apontou saídas, é certo. Usou argumentos que há anos os mais atentos vêm repetindo sem cessar. Foi a voz do senso comum. Usou argumentos a que as oposições poderiam ter já há muito dado conveniente expressão política. Argumentos que as oposições têm usado, quando as usam, sem um milionésimo da eficiência. Leu tão bem o momento que até quase se situou na cabeça da manif de 15/9.
O certo é que depois do que disse Ferreira Leite, Coelho e o seu gang podem começar a fazer as malas. A porta da rua desencravou-se. É uma questão de tempo.
A intervenção de M. F. Leite mostra ainda outra coisa: a janela de consenso político em Portugal é afinal mais ampla do que se supõe. Haja democratas! Se calhar é mesmo esse o problema...
O que impede esse consenso é matéria de reflexão para todos nós. Temos todos culpas no cartório, mas o preço que estamos a ter de pagar para perceber tudo isto era escusado.
A solução dos problemas que afligem o País não vem nem virá das palavras de M. F. Leite. Mas não deixa de me parecer irónico que tenha sido a criatura que queria enterrar os velhos mais cedo e admitia a suspensão da democracia que talvez tenha tido um inesperado papel na sua salvação.
Passos Coelho, entretanto, se precisares de alguém para te ajudar a fechar a mala, escreve aqui para o Face.
2012/09/10
Uma carta de Eugénio Lisboa ao PM de Portugal
Exmo. Senhor Primeiro Ministro
Hesitei muito em dirigir-lhe estas palavras, que mais não dão do que uma pálida ideia da onda de indignação que varre o país, de norte a sul, e de leste a oeste. Além do mais, não é meu costume nem vocação escrever coisas de cariz político, mais me inclinando para o pelouro cultural. Mas há momentos em que, mesmo que não vamos nós ao encontro da política, vem ela, irresistivelmente, ao nosso encontro. E, então, não há que fugir-lhe.
Para ser inteiramente franco, escrevo-lhe, não tanto por acreditar que vá ter em V. Exa. qualquer efeito – todo o vosso comportamento, neste primeiro ano de governo, traindo, inescrupulosamente, todas as promessas feitas em campanha eleitoral, não convida à esperança numa reviravolta! – mas, antes, para ficar de bem com a minha consciência. Tenho 82 anos e pouco me restará de vida, o que significa que, a mim, já pouco mal poderá infligir V. Exa. e o algum que me inflija será sempre de curta duração. É aquilo a que costumo chamar “as vantagens do túmulo” ou, se preferir, a coragem que dá a proximidade do túmulo. Tanto o que me dê como o que me tire será sempre de curta duração. Não será, pois, de mim que falo, mesmo quando use, na frase, o “odioso eu”, a que aludia Pascal.
Mas tenho, como disse, 82 anos e, portanto, uma alongada e bem vivida experiência da velhice – da minha e da dos meus amigos e familiares. A velhice é um pouco – ou é muito – a experiência de uma contínua e ininterrupta perda de poderes. “Desistir é a derradeira tragédia”, disse um escritor pouco conhecido. Desistir é aquilo que vão fazendo, sem cessar, os que envelhecem. Desistir, palavra horrível. Estamos no verão, no momento em que escrevo isto, e acorrem-me as palavras tremendas de um grande poeta inglês do século XX (Eliot): “Um velho, num mês de secura”... A velhice, encarquilhando-se, no meio da desolação e da secura. É para isto que servem os poetas: para encontrarem, em poucas palavras, a medalha eficaz e definitiva para uma situação, uma visão, uma emoção ou uma ideia.
A velhice, Senhor Primeiro Ministro, é, com as dores que arrasta – as físicas, as emotivas e as morais – um período bem difícil de atravessar. Já alguém a definiu como o departamento dos doentes externos do Purgatório. E uma grande contista da Nova Zelândia, que dava pelo nome de Katherine Mansfield, com a afinada sensibilidade e sabedoria da vida, de que V. Exa. e o seu governo parecem ter défice, observou, num dos contos singulares do seu belíssimo livro intitulado The Garden Party: “O velho Sr. Neave achava-se demasiado velho para a primavera.” Ser velho é também isto: acharmos que a primavera já não é para nós, que não temos direito a ela, que estamos a mais, dentro dela... Já foi nossa, já, de certo modo, nos definiu. Hoje, não. Hoje, sentimos que já não interessamos, que, até, incomodamos. Todo o discurso político de V. Exas., os do governo, todas as vossas decisões apontam na mesma direcção: mandar-nos para o cimo da montanha, embrulhados em metade de uma velha manta, à espera de que o urso lendário (ou o frio) venha tomar conta de nós. Cortam-nos tudo, o conforto, o direito de nos sentirmos, não digo amados (seria muito), mas, de algum modo, utilizáveis: sempre temos umas pitadas de sabedoria caseira a propiciar aos mais estouvados e impulsivos da nova casta que nos assola. Mas não. Pessoas, como eu, estiveram, até depois dos 65 anos, sem gastar um tostão ao Estado, com a sua saúde ou com a falta dela. Sempre, no entanto, descontando uma fatia pesada do seu salário, para uma ADSE, que talvez nos fosse útil, num período de necessidade, que se foi desejando longínquo. Chegado, já sobre o tarde, o momento de alguma necessidade, tudo nos é retirado, sem uma atenção, pequena que fosse, ao contrato anteriormente firmado. É quando mais necessitamos, para lutar contra a doença, contra a dor e contra o isolamento gradativamente crescente, que nos constituímos em alvo favorito do tiroteio fiscal: subsídios (que não passavam de uma forma de disfarçar a incompetência salarial), comparticipações nos custos da saúde, actualizações salariais – tudo pela borda fora. Incluindo, também, esse papel embaraçoso que é a Constituição, particularmente odiada por estes novos fundibulários. O que é preciso é salvar os ricos, os bancos, que andaram a brincar à Dona Branca com o nosso dinheiro e as empresas de tubarões, que enriquecem sem arriscar um cabelo, em simbiose sinistra com um Estado que dá o que não é dele e paga o que diz não ter, para que eles enriqueçam mais, passando a fruir o que também não é deles, porque até é nosso.
Já alguém, aludindo à mesma falta de sensibilidade de que V. Exa. dá provas, em relação à velhice e aos seus poderes decrescentes e mal apoiados, sugeriu, com humor ferino, que se atirassem os velhos e os reformados para asilos desguarnecidos , situados, de preferência, em andares altos de prédios muito altos: de um 14º andar, explicava, a desolação que se comtempla até passa por paisagem. V. Exa. e os do seu governo exibem uma sensibilidade muito, mas mesmo muito, neste gosto. V. Exas. transformam a velhice num crime punível pela medida grande. As políticas radicais de V. Exa, e do seu robôtico Ministro das Finanças - sim, porque a Troika informou que as políticas são vossas e não deles... – têm levado a isto: a uma total anestesia das antenas sociais ou simplesmente humanas, que caracterizam aqueles grandes políticos e estadistas que a História não confina a míseras notas de pé de página.
Falei da velhice porque é o pelouro que, de momento, tenho mais à mão. Mas o sofrimento devastador, que o fundamentalismo ideológico de V. Exa. está desencadear pelo país fora, afecta muito mais do que a fatia dos velhos e reformados. Jovens sem emprego e sem futuro à vista, homens e mulheres de todas as idades e de todos os caminhos da vida – tudo é queimado no altar ideológico onde arde a chama de um dogma cego à fria realidade dos factos e dos resultados. Dizia Joan Ruddock não acreditar que radicalismo e bom senso fossem incompatíveis. V. Exa. e o seu governo provam que o são: não há forma de conviverem pacificamente. Nisto, estou muito de acordo com a sensatez do antigo ministro conservador inglês, Francis Pym, que teve a ousadia de avisar a Primeira Ministra Margaret Thatcher (uma expoente do extremismo neoliberal), nestes termos: “Extremismo e conservantismo são termos contraditórios”. Pym pagou, é claro, a factura: se a memória me não engana, foi o primeiro membro do primeiro governo de Thatcher a ser despedido, sem apelo nem agravo. A “conservadora” Margaret Thatcher – como o “conservador” Passos Coelho – quis misturar água com azeite, isto é, conservantismo e extremismo. Claro que não dá.
Alguém observava que os americanos ficavam muito admirados quando se sabiam odiados. É possível que, no governo e no partido a que V. Exa. preside, a maior parte dos seus constituintes não se aperceba bem (ou, apercebendo-se, não compreenda), de que lavra, no país, um grande incêndio de ressentimento e ódio. Darei a V. Exa. – e com isto termino – uma pista para um bom entendimento do que se está a passar. Atribuíram-se ao Papa Gregório VII estas palavras: ”Eu amei a justiça e odiei a iniquidade: por isso, morro no exílio.” Uma grande parte da população portuguesa, hoje, sente-se exilada no seu próprio país, pelo delito de pedir mais justiça e mais equidade. Tanto uma como outra se fazem, cada dia, mais invisíveis. Há nisto, é claro, um perigo.
De V. Exa., atentamente,
Eugénio Lisboa
Hesitei muito em dirigir-lhe estas palavras, que mais não dão do que uma pálida ideia da onda de indignação que varre o país, de norte a sul, e de leste a oeste. Além do mais, não é meu costume nem vocação escrever coisas de cariz político, mais me inclinando para o pelouro cultural. Mas há momentos em que, mesmo que não vamos nós ao encontro da política, vem ela, irresistivelmente, ao nosso encontro. E, então, não há que fugir-lhe.
Para ser inteiramente franco, escrevo-lhe, não tanto por acreditar que vá ter em V. Exa. qualquer efeito – todo o vosso comportamento, neste primeiro ano de governo, traindo, inescrupulosamente, todas as promessas feitas em campanha eleitoral, não convida à esperança numa reviravolta! – mas, antes, para ficar de bem com a minha consciência. Tenho 82 anos e pouco me restará de vida, o que significa que, a mim, já pouco mal poderá infligir V. Exa. e o algum que me inflija será sempre de curta duração. É aquilo a que costumo chamar “as vantagens do túmulo” ou, se preferir, a coragem que dá a proximidade do túmulo. Tanto o que me dê como o que me tire será sempre de curta duração. Não será, pois, de mim que falo, mesmo quando use, na frase, o “odioso eu”, a que aludia Pascal.
Mas tenho, como disse, 82 anos e, portanto, uma alongada e bem vivida experiência da velhice – da minha e da dos meus amigos e familiares. A velhice é um pouco – ou é muito – a experiência de uma contínua e ininterrupta perda de poderes. “Desistir é a derradeira tragédia”, disse um escritor pouco conhecido. Desistir é aquilo que vão fazendo, sem cessar, os que envelhecem. Desistir, palavra horrível. Estamos no verão, no momento em que escrevo isto, e acorrem-me as palavras tremendas de um grande poeta inglês do século XX (Eliot): “Um velho, num mês de secura”... A velhice, encarquilhando-se, no meio da desolação e da secura. É para isto que servem os poetas: para encontrarem, em poucas palavras, a medalha eficaz e definitiva para uma situação, uma visão, uma emoção ou uma ideia.
A velhice, Senhor Primeiro Ministro, é, com as dores que arrasta – as físicas, as emotivas e as morais – um período bem difícil de atravessar. Já alguém a definiu como o departamento dos doentes externos do Purgatório. E uma grande contista da Nova Zelândia, que dava pelo nome de Katherine Mansfield, com a afinada sensibilidade e sabedoria da vida, de que V. Exa. e o seu governo parecem ter défice, observou, num dos contos singulares do seu belíssimo livro intitulado The Garden Party: “O velho Sr. Neave achava-se demasiado velho para a primavera.” Ser velho é também isto: acharmos que a primavera já não é para nós, que não temos direito a ela, que estamos a mais, dentro dela... Já foi nossa, já, de certo modo, nos definiu. Hoje, não. Hoje, sentimos que já não interessamos, que, até, incomodamos. Todo o discurso político de V. Exas., os do governo, todas as vossas decisões apontam na mesma direcção: mandar-nos para o cimo da montanha, embrulhados em metade de uma velha manta, à espera de que o urso lendário (ou o frio) venha tomar conta de nós. Cortam-nos tudo, o conforto, o direito de nos sentirmos, não digo amados (seria muito), mas, de algum modo, utilizáveis: sempre temos umas pitadas de sabedoria caseira a propiciar aos mais estouvados e impulsivos da nova casta que nos assola. Mas não. Pessoas, como eu, estiveram, até depois dos 65 anos, sem gastar um tostão ao Estado, com a sua saúde ou com a falta dela. Sempre, no entanto, descontando uma fatia pesada do seu salário, para uma ADSE, que talvez nos fosse útil, num período de necessidade, que se foi desejando longínquo. Chegado, já sobre o tarde, o momento de alguma necessidade, tudo nos é retirado, sem uma atenção, pequena que fosse, ao contrato anteriormente firmado. É quando mais necessitamos, para lutar contra a doença, contra a dor e contra o isolamento gradativamente crescente, que nos constituímos em alvo favorito do tiroteio fiscal: subsídios (que não passavam de uma forma de disfarçar a incompetência salarial), comparticipações nos custos da saúde, actualizações salariais – tudo pela borda fora. Incluindo, também, esse papel embaraçoso que é a Constituição, particularmente odiada por estes novos fundibulários. O que é preciso é salvar os ricos, os bancos, que andaram a brincar à Dona Branca com o nosso dinheiro e as empresas de tubarões, que enriquecem sem arriscar um cabelo, em simbiose sinistra com um Estado que dá o que não é dele e paga o que diz não ter, para que eles enriqueçam mais, passando a fruir o que também não é deles, porque até é nosso.
Já alguém, aludindo à mesma falta de sensibilidade de que V. Exa. dá provas, em relação à velhice e aos seus poderes decrescentes e mal apoiados, sugeriu, com humor ferino, que se atirassem os velhos e os reformados para asilos desguarnecidos , situados, de preferência, em andares altos de prédios muito altos: de um 14º andar, explicava, a desolação que se comtempla até passa por paisagem. V. Exa. e os do seu governo exibem uma sensibilidade muito, mas mesmo muito, neste gosto. V. Exas. transformam a velhice num crime punível pela medida grande. As políticas radicais de V. Exa, e do seu robôtico Ministro das Finanças - sim, porque a Troika informou que as políticas são vossas e não deles... – têm levado a isto: a uma total anestesia das antenas sociais ou simplesmente humanas, que caracterizam aqueles grandes políticos e estadistas que a História não confina a míseras notas de pé de página.
Falei da velhice porque é o pelouro que, de momento, tenho mais à mão. Mas o sofrimento devastador, que o fundamentalismo ideológico de V. Exa. está desencadear pelo país fora, afecta muito mais do que a fatia dos velhos e reformados. Jovens sem emprego e sem futuro à vista, homens e mulheres de todas as idades e de todos os caminhos da vida – tudo é queimado no altar ideológico onde arde a chama de um dogma cego à fria realidade dos factos e dos resultados. Dizia Joan Ruddock não acreditar que radicalismo e bom senso fossem incompatíveis. V. Exa. e o seu governo provam que o são: não há forma de conviverem pacificamente. Nisto, estou muito de acordo com a sensatez do antigo ministro conservador inglês, Francis Pym, que teve a ousadia de avisar a Primeira Ministra Margaret Thatcher (uma expoente do extremismo neoliberal), nestes termos: “Extremismo e conservantismo são termos contraditórios”. Pym pagou, é claro, a factura: se a memória me não engana, foi o primeiro membro do primeiro governo de Thatcher a ser despedido, sem apelo nem agravo. A “conservadora” Margaret Thatcher – como o “conservador” Passos Coelho – quis misturar água com azeite, isto é, conservantismo e extremismo. Claro que não dá.
Alguém observava que os americanos ficavam muito admirados quando se sabiam odiados. É possível que, no governo e no partido a que V. Exa. preside, a maior parte dos seus constituintes não se aperceba bem (ou, apercebendo-se, não compreenda), de que lavra, no país, um grande incêndio de ressentimento e ódio. Darei a V. Exa. – e com isto termino – uma pista para um bom entendimento do que se está a passar. Atribuíram-se ao Papa Gregório VII estas palavras: ”Eu amei a justiça e odiei a iniquidade: por isso, morro no exílio.” Uma grande parte da população portuguesa, hoje, sente-se exilada no seu próprio país, pelo delito de pedir mais justiça e mais equidade. Tanto uma como outra se fazem, cada dia, mais invisíveis. Há nisto, é claro, um perigo.
De V. Exa., atentamente,
Eugénio Lisboa
Cinema Bioscoop: um balanço provisório
À excepção de dois ou três cineastas de renome mundial – Ivens, Van der Keuken, Verhoeven – o cinema neerlandês e, por extensão, o cinema flamengo, é relativamente pouco conhecido em Portugal.
Para colmatar esta lacuna, três jovens docentes da língua neerlandesa no nosso pais, decidiram organizar um pequeno festival (Cinema Bioscoop) com filmes holandeses e flamengos dos últimos anos. Durante quatro dias, o Teatro do Bairro foi o centro desta pequena Mostra que, a avaliar por alguns dos filmes exibidos, tem potencial para futuras edições.
Descontadas as “doenças infantis” de uma primeira edição, o festival confirmou alguns nomes e possibilitou a descoberta de outros, que nunca chegaram ao circuito comercial. Entre as obras exibidas, destaque para os filmes belgas “Pauline & Paulettte” (2001) de Lieven Debrauwer e “Rundskop” (2011) de Michael Roskam. O primeiro, centrado na relação de duas irmãs, uma retardada mental e outra dona de uma pequena loja de aldeia, que a vida obriga a viver juntas; enquanto o segundo parte de uma situação existente (a máfia das hormonas na Flandres) para ilustrar o drama de um criador de gado vítima das vendetas locais.
Interessantes foram ainda os filmes “De Tweeling” (2002) de Ben Sombogaart e “Wilde Mossels” (2000) de Erik de Bruyn, o primeiro sobre duas gémeas separadas pela 2ª Guerra Mundial e obrigadas a viver sob regimes inimigos: e o segundo, localizado numa pequena comunidade da Zeelândia, onde um grupo de jovens leva uma existência sem futuro. Da Holanda vieram ainda dois excelentes documentários, respectivamente “Ouwenhoeren” de Gabrielle Provaas (2011) um “docudrama” sobre duas irmãs prostitutas em Amsterdão e “Cinema Invisible” de Kees Hin, uma encenação sobre argumentos que nunca foram filmados. A primeira edição de “Cinema Bioscoop” contou ainda com a participação dos realizadores deBrauwen e Hin, que no último dia do Festival participaram num debate com a assistência.. Estão de parabéns os organizadores desta primeira edição de cinema em língua neerlandesa, que mostraram ser viável, ainda que difícil, a organização de um evento com estas características.
Para ano, espera-se, haverá mais. Lá estaremos.
Para colmatar esta lacuna, três jovens docentes da língua neerlandesa no nosso pais, decidiram organizar um pequeno festival (Cinema Bioscoop) com filmes holandeses e flamengos dos últimos anos. Durante quatro dias, o Teatro do Bairro foi o centro desta pequena Mostra que, a avaliar por alguns dos filmes exibidos, tem potencial para futuras edições.
Descontadas as “doenças infantis” de uma primeira edição, o festival confirmou alguns nomes e possibilitou a descoberta de outros, que nunca chegaram ao circuito comercial. Entre as obras exibidas, destaque para os filmes belgas “Pauline & Paulettte” (2001) de Lieven Debrauwer e “Rundskop” (2011) de Michael Roskam. O primeiro, centrado na relação de duas irmãs, uma retardada mental e outra dona de uma pequena loja de aldeia, que a vida obriga a viver juntas; enquanto o segundo parte de uma situação existente (a máfia das hormonas na Flandres) para ilustrar o drama de um criador de gado vítima das vendetas locais.
Interessantes foram ainda os filmes “De Tweeling” (2002) de Ben Sombogaart e “Wilde Mossels” (2000) de Erik de Bruyn, o primeiro sobre duas gémeas separadas pela 2ª Guerra Mundial e obrigadas a viver sob regimes inimigos: e o segundo, localizado numa pequena comunidade da Zeelândia, onde um grupo de jovens leva uma existência sem futuro. Da Holanda vieram ainda dois excelentes documentários, respectivamente “Ouwenhoeren” de Gabrielle Provaas (2011) um “docudrama” sobre duas irmãs prostitutas em Amsterdão e “Cinema Invisible” de Kees Hin, uma encenação sobre argumentos que nunca foram filmados. A primeira edição de “Cinema Bioscoop” contou ainda com a participação dos realizadores deBrauwen e Hin, que no último dia do Festival participaram num debate com a assistência.. Estão de parabéns os organizadores desta primeira edição de cinema em língua neerlandesa, que mostraram ser viável, ainda que difícil, a organização de um evento com estas características.
Para ano, espera-se, haverá mais. Lá estaremos.
2012/09/08
V de verme
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foto Valter Abrucez |
Não, o que me intrigou foi ouvir aquele "meus caros portugueses" (ora leia aqui), com que pontuou a sua homilia de ontem. Quando o ouvi dizer aquilo pensei: "meu?" Eu sou "dele"? "Caro?" Como poderei ser "dele," como poderei eu ser-lhe "caro" e, ao mesmo tempo, como pode ele fazer-me, fazer-nos, uma desfeita destas? Aquilo soava-me estranho.
Depois percebi. Momentos antes, em tom de "tem que ser, sou eu que mando" o doutor Coelho tinha feito uma dessas pontuações com um formal, autoritário e assertivo "Portugueses." Momentos mais tarde, muda o registo, hesita e parece tentar amenizar o discurso, introduzindo nele um tom mais tu-cá-tu-lá. Caros, meus!?
Uma interpretação possível é a do português Coelho se comportar como um qualquer dignitário estrangeiro, de visita, a tentar defender os seus interesses. O premier chinês ou o presidente angolano, de visita a Portugal para inspeccionar a colónia, usariam porventura a fórmula "meus caros portugueses"... Do PM português perceberia "meus caros concidadãos," admito o institucional "Portugueses," mas, "meus caros portugueses"? Por que se permite este safardana tais familiaridades?
Seja como for, nem quando pretende soar assertivo e institucional nem quando pretende fazer o número do buddy-buddy, Coelho convence. O que me intriga em tudo isto é ouvir, como ouvimos ontem, no meio de muita gente irada, é certo, gente que ainda defende esta política e culpa o anterior governo pela situação actual.
Esta gente esquece que o primeiro ministro disse, ele próprio, que não se iria escudar nesses argumentos. Esquece que o problema a resolver é a situação do país, não as culpas do actual anterior governo. Esquece que a situação do país está pior do que estava antes.
São eles o sustentáculo destes miseráveis, é a esses vermes, que cada vez mais me incomodam, que devemos, nesta altura, pedir contas.
2012/09/06
2012/08/31
É uma crença...
O desemprego continua a aumentar e as contas públicas continuam a derrapar. Apesar deste duplo massacre a que os portugueses têm estado a ser sujeitos (verem a precariedade do emprego a aumentar em nome da resolução de um problema de défice que, contudo, se agrava) não se perspectiva qualquer solução para o País no horizonte.
Esta política está errada, baseia-se em contradições insanáveis e nunca poderia resultar. Só os estúpidos acreditam ainda nela.
Este é, seguramente, o governo mais incompetente desde o 25A. Incompetente na escolha das políticas e incompetente na sua execução. E dizer que este governo é o mais incompetente de todos é obra, porque já tivemos ao longo dos anos a nossa farta dose de governos incompetentes.
Este é também o governo que procura transformar a incompetência em fé. A ministra do vodoo, certamente depois da executar a dança apropriada, aceditava que a chuva acabaria por cair. Agora o secretário de estado do emprego acredita que o desemprego vai estabilizar. O primeiro ministro, recorde-se, acredita que a retoma está para breve.
O problema é que também há portugueses que acreditam. A fé, sabêmo-lo todos, move montanhas, mesmo contra a evidência dos resultados, mesmo que a montanha permaneça de facto imóvel há quem acredite que está a mover-se. Muitos portugueses acreditam que esta é a via certa. Passando ao lado de toda a experiência passada, apoiam este tipo de políticas. Contrariando as mais elementares normas de prudência e bom senso, que exigem no entanto dos outros, continuam a dar o seu precioso aval a este governo.
Está na hora de pedir contas a estes portugueses.
Esta política está errada, baseia-se em contradições insanáveis e nunca poderia resultar. Só os estúpidos acreditam ainda nela.
Este é, seguramente, o governo mais incompetente desde o 25A. Incompetente na escolha das políticas e incompetente na sua execução. E dizer que este governo é o mais incompetente de todos é obra, porque já tivemos ao longo dos anos a nossa farta dose de governos incompetentes.
Este é também o governo que procura transformar a incompetência em fé. A ministra do vodoo, certamente depois da executar a dança apropriada, aceditava que a chuva acabaria por cair. Agora o secretário de estado do emprego acredita que o desemprego vai estabilizar. O primeiro ministro, recorde-se, acredita que a retoma está para breve.
O problema é que também há portugueses que acreditam. A fé, sabêmo-lo todos, move montanhas, mesmo contra a evidência dos resultados, mesmo que a montanha permaneça de facto imóvel há quem acredite que está a mover-se. Muitos portugueses acreditam que esta é a via certa. Passando ao lado de toda a experiência passada, apoiam este tipo de políticas. Contrariando as mais elementares normas de prudência e bom senso, que exigem no entanto dos outros, continuam a dar o seu precioso aval a este governo.
Está na hora de pedir contas a estes portugueses.
2012/08/30
O pretor
Quando me lembro das intervenções de António Borges só me ocorrem palavrões. Não é nada de pessoal, claro, é tudo uma questão política. Nem conheço o cavalheiro. Será certamente produto da nossa melhor sociedade. Mas, considero que tudo o que se lhe chamar peca por defeito.
Eu não o conheço, nem ele a mim. Mas eu tenho (nós temos) de o gramar. Porquê?
Borges é uma espécie de pretor romano, mas ao contrário. Um pretor peregrino, daqueles que corre o império a impôr a ordem. Mas, em vez de subordinado ao cônsul, parece que o cônsul lhe está subordinado a ele. Aliás, pelos vistos, todos os cônsules parecem estar-lhe subordinados, já que não há limite para a amplitude da sua intervenção.
Borges corrige, decreta, sugere, anuncia, preconiza; não há dia que não apareça, não há ocasião que não aproveite para falar. Houve aquela dos salários, lembram-se? Caiu logo mal. Na verdade, o se pode esperar de uma criatura que aufere centenas de milhar de euros por mês e preconiza cortes nos salários dos outros?! Aqui há dias foi o célebre episódio da RTP. Hoje decretou que o programa da troika está a correr bem. Momentos antes o presidente da CIP tinha dito que estava a correr mal e que tinha de ser revisto. Borges acha que não, "está a correr bem, diga-se o que se disser:" Mais tarde veio assegurar que a retoma há-de vir, não se sabe é quando. Corrigiu o entusiasmo juvenil de Coelho no Pontal. Para ele, a retoma pode vir em 2012, 2013 ou 2014, nunca se sabe... O tempo, como sabemos depois de Einstein, é relativo.
Há um imenso rol de interrogações que a actuação de Borges suscita. Uma postura institucional e uma abrangência de actuação que não jogam com o cargo que desempenha. Um discurso que não casa com o "gancho" que arranjou.
Borges invoca a legitimidade democrática do governo para levar a cabo o seu programa de genocídio dos portugueses e venda a retalho do país. Não lhe ocorre referir que o programa eleitoral, com o qual o PSD se submeteu ao veredito do eleitorado, não coincide, nem sequer vagamente, com estes propósitos. Diz que a população "quer" esta mudança! Quer? E diz que há "interesses" que se levantam contra a acção do governo, que há gritaria (o PM chama-lhe histerismo). Há sempre interesses, há sempre contestação. Que interesses? Quem grita? Quem contesta? A CIP? A CGTP? Fala em legitimidade democrática, esta criatura que interfere na vida política portuguesa sem ter sido legitimado por ninguém.
Fala em verdade. Mas, a verdade é que ninguém sabe o que faz António Borges, dando ordens à porta da nossa casa; a verdade é que por mais que se procure a justificação para fazer o que faz, ou dizer sequer o que diz, não se encontra.
Pergunta um cidadão angustiado e desconhecedor dos bastidores da política, mas que exige transparência onde existem legítimas e fundadas suspeitas de que ela falta: quem raio é este cavalheiro e que interesses defende? Quem manda nele e em quem é que ele manda?
Eu não o conheço, nem ele a mim. Mas eu tenho (nós temos) de o gramar. Porquê?
Borges é uma espécie de pretor romano, mas ao contrário. Um pretor peregrino, daqueles que corre o império a impôr a ordem. Mas, em vez de subordinado ao cônsul, parece que o cônsul lhe está subordinado a ele. Aliás, pelos vistos, todos os cônsules parecem estar-lhe subordinados, já que não há limite para a amplitude da sua intervenção.
Borges corrige, decreta, sugere, anuncia, preconiza; não há dia que não apareça, não há ocasião que não aproveite para falar. Houve aquela dos salários, lembram-se? Caiu logo mal. Na verdade, o se pode esperar de uma criatura que aufere centenas de milhar de euros por mês e preconiza cortes nos salários dos outros?! Aqui há dias foi o célebre episódio da RTP. Hoje decretou que o programa da troika está a correr bem. Momentos antes o presidente da CIP tinha dito que estava a correr mal e que tinha de ser revisto. Borges acha que não, "está a correr bem, diga-se o que se disser:" Mais tarde veio assegurar que a retoma há-de vir, não se sabe é quando. Corrigiu o entusiasmo juvenil de Coelho no Pontal. Para ele, a retoma pode vir em 2012, 2013 ou 2014, nunca se sabe... O tempo, como sabemos depois de Einstein, é relativo.
Há um imenso rol de interrogações que a actuação de Borges suscita. Uma postura institucional e uma abrangência de actuação que não jogam com o cargo que desempenha. Um discurso que não casa com o "gancho" que arranjou.
Borges invoca a legitimidade democrática do governo para levar a cabo o seu programa de genocídio dos portugueses e venda a retalho do país. Não lhe ocorre referir que o programa eleitoral, com o qual o PSD se submeteu ao veredito do eleitorado, não coincide, nem sequer vagamente, com estes propósitos. Diz que a população "quer" esta mudança! Quer? E diz que há "interesses" que se levantam contra a acção do governo, que há gritaria (o PM chama-lhe histerismo). Há sempre interesses, há sempre contestação. Que interesses? Quem grita? Quem contesta? A CIP? A CGTP? Fala em legitimidade democrática, esta criatura que interfere na vida política portuguesa sem ter sido legitimado por ninguém.
Fala em verdade. Mas, a verdade é que ninguém sabe o que faz António Borges, dando ordens à porta da nossa casa; a verdade é que por mais que se procure a justificação para fazer o que faz, ou dizer sequer o que diz, não se encontra.
Pergunta um cidadão angustiado e desconhecedor dos bastidores da política, mas que exige transparência onde existem legítimas e fundadas suspeitas de que ela falta: quem raio é este cavalheiro e que interesses defende? Quem manda nele e em quem é que ele manda?
2012/08/28
Ladrão que rouba a ladrão...
De acordo com a imprensa, Albert Jaeger, cidadão austríaco e representante do FMI em Portugal, foi roubado no eléctrico 28, quando acompanhava um grupo de turistas ao Castelo de S. Jorge. Certamente, por desconhecerem a identidade do assaltado, os ladrões ousaram tal crime. Onde já se viu isto?
Uma angústia me assalta: despojado dos seus bens, como poderá sobreviver o senhor Jaeger?
2012/08/26
Ecce Homo
O polémico anúncio da privatização da RTP, a que António Borges chamou eufemisticamente "concessão", não é propriamente surpreendente pela intenção (o governo sempre o anunciou muito claramente desde que tomou posse), mas pelo modelo escolhido. Ao contrário de uma privatização, esta "concessão" pretende vender a RTP em "leasing", oferecendo 200 milhões ao potencial comprador, sem qualquer contrapartida.
As contas são fáceis de fazer: o estado garante ao comprador 150 milhões de taxa de utilizador (cobrados através da factura da EDP) mais 50 milhões de publicidade, para cobrir gastos calculados em 180 milhões. Ou seja, o privado que "comprar" a RTP, não só não paga nada pela televisão estatal, como ganha 20 milhões de bónus anualmente, por um período nunca inferior a 20 anos!
Dado que o inenarrável Relvas há muito perdeu qualquer réstia de respeitabilidade, Passos mandou o "respeitável" Borges dar a notícia; ou melhor, lançar o "balão de ensaio", sempre conveniente nestas decisões polémicas.
António Borges (não confundir com o cavaleiro olímpico do mesmo nome) é também proprietário de uma herdade em Alter do Cháo (a terra do cavalo lusitano), onde acumula com o lugar de presidente da assembleia municipal.
Mas, há mais: António Mendo de Castelo-Branco de Amaral Osório Borges (o nome é todo um programa) nasceu em 1949, tendo-se licenciado em Economia em 1972. Mudou-se para os Estados Unidos, em 1976, para fazer o mestrado e, posteriormente, o doutoramento em Stanford (1980). A partir daí, foi sempre a "subir": mudou-se, no mesmo ano, para França, como administrador do INSEAD e regressou a Lisboa para ser vice-governador do Banco de Portugal, entre 1990 e 1993. Novo regresso a França, desta vez como director do INSEAD, em 2000. Mais tarde, tornou-se vice-presidente do conselho administrativo da Goldman & Sachs International, em Londres, onde se manteve até 2008.
Passou ainda pelo Citybank, BNP Paribas, Petrogal, Sonae, Jerónimo Martins, Cimpor e Vista Alegre. Foi consultor do Departamento do Tesouro da EUA, da US Electric Power na OCDE e foi colaborador na criação da União Monetária Europeia.
Em 2010 foi nomeado director do Departamento Europeu do FMI, onde se manteria até à chegada da senhora Lagarde que, dizem as más-línguas, o teria despedido por não se enquadrar na filosofia da instituição...
Em 2011, foi nomeado por Passos Coelho para dirigir a equipa encarregada do dossier das privatizações junto da "troika". Nessa função, têm-se excedido no zelo profissional, não se coibindo em dar opiniões de um verdadeiro governante. Há até que lhe chame o 12º ministro. Em 2011, Borges ganhou 225.000 euros livres de impostos.
Ficou célebre pela frase: "Defendo que reduzir salários é uma urgência nacional".
2012/08/21
Os coletes do Macedo
O Ministro da Administração Interna lá conseguiu "descobrir" 600 000 euros para gastar em coletes de protecção para a polícia. Durante a pomposa cerimónia de entrega dos preciosos acessórios, declarou que "o dinheiro pode faltar para tudo, mas não para isto."
Aproveitou a ocasião para lamentar também a falta de condições de trabalho da polícia, esquecendo por certo o mais de 1 milhão de desempregados que gostariam, estou em crer, de ter trabalho, qualquer trabalho, com ou sem condições.
As palavras de Miguel Macedo são repugnantes. Mostram uma criatura que não está à altura do cargo que desempenha. Mais um neste extenso rol de criaturas que vêm ocupando o poder em Portugal.
Não há justificação que se possa aceitar para transformar as polícias em excepção nesta altura de apertos orçamentais. A contradição entre a narrativa oficial corrente e actos como este é flagrante. Não é fácil perceber para que serve tanto colete.
Se, como parece, a situação do país não é muito diferente, em matéria de segurança, do que tem sido até aqui, o reforço das polícias, do contingente, dos meios e das condições laborais, só pode, pois, querer dizer uma de três coisas: que 1) vem aí mais pilhagem e a cordita poderá não aguentar ou 2) o melhor é estar de bem com os homens do cassetete, não se vão eles lembrar um dia destes que também são vítimas desta política do governo ou, finalmente, 3) os cidadãos são brandos, mas nunca fiando: se tiverem alguma remota vontade de se indignarem com o esbulho de que estão a ser vítimas o governo está subtilmente a recordar-lhes: temos coletes!
Tudo isto é fraco, triste, desesperante! Os coletes com que brindou os polícias deviam ter sido distribuídos por Miguel Macedo aos cidadãos. A insegurança que este governo suscita nos cidadãos é total.
Aproveitou a ocasião para lamentar também a falta de condições de trabalho da polícia, esquecendo por certo o mais de 1 milhão de desempregados que gostariam, estou em crer, de ter trabalho, qualquer trabalho, com ou sem condições.
As palavras de Miguel Macedo são repugnantes. Mostram uma criatura que não está à altura do cargo que desempenha. Mais um neste extenso rol de criaturas que vêm ocupando o poder em Portugal.
Não há justificação que se possa aceitar para transformar as polícias em excepção nesta altura de apertos orçamentais. A contradição entre a narrativa oficial corrente e actos como este é flagrante. Não é fácil perceber para que serve tanto colete.
Se, como parece, a situação do país não é muito diferente, em matéria de segurança, do que tem sido até aqui, o reforço das polícias, do contingente, dos meios e das condições laborais, só pode, pois, querer dizer uma de três coisas: que 1) vem aí mais pilhagem e a cordita poderá não aguentar ou 2) o melhor é estar de bem com os homens do cassetete, não se vão eles lembrar um dia destes que também são vítimas desta política do governo ou, finalmente, 3) os cidadãos são brandos, mas nunca fiando: se tiverem alguma remota vontade de se indignarem com o esbulho de que estão a ser vítimas o governo está subtilmente a recordar-lhes: temos coletes!
Tudo isto é fraco, triste, desesperante! Os coletes com que brindou os polícias deviam ter sido distribuídos por Miguel Macedo aos cidadãos. A insegurança que este governo suscita nos cidadãos é total.
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