A corrupção, que é endémica na sociedade brasileira (o país ocupa a 78ª posição no índice "transparency" da ONU), sempre existiu antes e durante o consulado do PT.
Lula, ao aceitar a nomeação para um cargo de super-ministro (mesmo que inocente das acusações que lhe são feitas), só fará aumentar as suspeitas existentes e não se libertará do cerco.
E isto é mau para a democracia.
O Brasil, como os restantes "BRICs", depois de uma década de crescimento económico sem paralelo na história, entrou numa crise profunda: social, económica, na inflação, no desemprego e, como sempre, na corrupção, que é hoje transversal a toda a sociedade.
Se Dilma for afastada por "impeachment", quem a vai substituir? O vice-presidente acusado, ele também, de corrupção? O presidente da Assembleia, o "maior" corrupto? E quem a vai julgar? Tribunais e juízes, provavelmente tão corruptos como os demais? Ou a polícia, conivente com o crime organizado, como é do conhecimento público?
Quem tem moral para condenar quem?
Este é, provavelmente, o maior dilema da sociedade brasileira, que deixou de acreditar em soluções democráticas. Ora, quando se deixa de acreditar nas instituições, abre-se caminho para outras "pulsações".
Estamos a assistir a uma situação, onde tudo se conjuga para a chamada "tempestade perfeita". Em tempo de crise moral e social, os apelos a soluções autoritárias, aumentam. É da história e já assistimos a este filme no passado.
Também eu quero acreditar, que o tempo dos "generais" já passou, mas o "populismo" (outra das características da América Latina) está ainda bem presente (ver países vizinhos onde a "democracia musculada" vai fazendo o seu caminho...)
As reacções da apelidada "classe média branca", vistas da Europa, parecem típicas de um grupo social descaracterizado e sem grande consciência social. Com medo do presente e sem alternativa política. Não se manifestavam há dois anos atrás, mas, agora, parecem ter todos "descoberto" a corrupção (!?). Uma fuga em frente?
Provavelmente, não sofrem tanto com a corrupção, como fazem crer (também eles beneficiam dos privilégios advindos das desigualdades, do racismo e da estratificação social existente naquele país).
Não tenho certezas. Temo o pior, mas quero acreditar que a democracia acabará por vencer.
Com eleições democráticas, claro.
2016/03/16
2016/03/11
Taxi Driver (6)
- Buraca, se faz favor.
Importa-se que eu fume?
- Eu não, esteja à vontade...
Isto é um vício, sabe?...
- Deve ser. Não fumo, não posso avaliar. O meu médico diz que fumar, ou não fumar, é uma questão de inteligência.
Não me diga nada...
- Os vícios, são sempre difíceis de combater.
Mas, eu combato. Quando acabar esta corridinha, vou logo para o ginásio, fazer uns "push-ups".
- Faz bem, sempre elimina algumas toxinas.
Pois é. Sou doido por desporto. Todas as semanas, estou lá caído. E ainda faço "futsal", numa equipa das Olaias.
- Pelo menos não engorda. Agora só falta deixar o tabaco...
Não engordo, mas tenho de controlar-me. Cheguei a beber meio-litro por refeição, mais três ou quatro cervejas por dia, faça as contas...2 litros por dia, vezes 30 dias, são 60 litros por mês, vezes 12 meses, são mais de 700 litros por ano. Fora, as festas, as bebedeiras e os "cheirinhos"...nunca menos de 1000 litros por ano! Mil litros, é muito litro...
- Isso é capaz de ser muito, de facto. Tem de ter cuidado...
Eu sei, mas nesta profissão, já sabe como é...um "gajo" anda aqui sempre em "stress" e se, não compensa com outra coisa, não aguenta...
- Tem de beber menos e comer mais, se calhar...
Comer, não como muito, mas os doces...agora descobri umas sobremesas lá na "tasca" onde passo todos os dias e não resisto. Tem as melhores "mousses" de Lisboa. Com pedaços de chocolate puro e tudo! Dia que não coma duas "mousses", à sobremesa, não é dia...
- Cuidado com os diabetes...
Pois é, ando sempre a medir o colesterol por causa disso e estou sempre no ginásio. Um momento (toca o telefone). Está? És tu, pá? Agora não posso atender que vou levar um cliente e volto já para Lisboa. Depois, passo aí...eh pá, leva os "beefs" a uma cervejaria para eles beberem um copo e fazerem tempo. Daqui a meia-hora, vou ter contigo e levo-os ao clube...
- Não falta trabalho...
Pois não, o pior é que estava a pensar ir jogar "futsal" e já não vai dar tempo...tenho um grupo de "beefs" à espera, que querem ir a um clube de "strip", e nós temos percentagem pelos clientes que lá levamos. Não se pode perder...
- Claro, trabalho é trabalho...
Vamos ver se ainda consigo dar umas corridas, antes de levar os estrangeiros, porque depois faz-se muito tarde e nunca sabemos como acaba a noite.
- Estou a ver...isso é que é actividade!
Sou um doido por desporto. Até em casa, pratico. Tenho uma sala grande, onde instalei uma mesa de "pool". Convido os meus amigos e passamos lá fins-de-semana, inteiros, a jogar. Sou o melhor, pois pratico muito, mas às vezes tenho de os deixar ganhar, senão, nunca mais lá vão...agora descobri um professor estrangeiro, com uma academia em Portugal, que me tem dado umas lições. Tem manuais, com trabalhos de casa e tudo. Custa-me umas "massas", mas aprende-se muito.
- O "pool" é mais para descontrair, imagino...
Sim, sim, muito bom mesmo...no fundo, é a velha questão da "bola branca". Acertamos e pronto, a partir dali engatamos e mais ninguém joga...
- Estou a ver. Pelo menos, não se aborrece.
Eu? Nunca. No fundo, eu não sou taxista. Tenho é de ganhar algum. O meu projecto é tornar-me um bom jogador de "pool", montar uma academia e ensinar os outros. Passar os meus conhecimentos e, com isso, ganhar umas "massas", claro.
- Acho que faz muito bem. Chegámos.
São 7 euros e meio, certinhos. Boa-noite e obrigado pela companhia.
Importa-se que eu fume?
- Eu não, esteja à vontade...
Isto é um vício, sabe?...
- Deve ser. Não fumo, não posso avaliar. O meu médico diz que fumar, ou não fumar, é uma questão de inteligência.
Não me diga nada...
- Os vícios, são sempre difíceis de combater.
Mas, eu combato. Quando acabar esta corridinha, vou logo para o ginásio, fazer uns "push-ups".
- Faz bem, sempre elimina algumas toxinas.
Pois é. Sou doido por desporto. Todas as semanas, estou lá caído. E ainda faço "futsal", numa equipa das Olaias.
- Pelo menos não engorda. Agora só falta deixar o tabaco...
Não engordo, mas tenho de controlar-me. Cheguei a beber meio-litro por refeição, mais três ou quatro cervejas por dia, faça as contas...2 litros por dia, vezes 30 dias, são 60 litros por mês, vezes 12 meses, são mais de 700 litros por ano. Fora, as festas, as bebedeiras e os "cheirinhos"...nunca menos de 1000 litros por ano! Mil litros, é muito litro...
- Isso é capaz de ser muito, de facto. Tem de ter cuidado...
Eu sei, mas nesta profissão, já sabe como é...um "gajo" anda aqui sempre em "stress" e se, não compensa com outra coisa, não aguenta...
- Tem de beber menos e comer mais, se calhar...
Comer, não como muito, mas os doces...agora descobri umas sobremesas lá na "tasca" onde passo todos os dias e não resisto. Tem as melhores "mousses" de Lisboa. Com pedaços de chocolate puro e tudo! Dia que não coma duas "mousses", à sobremesa, não é dia...
- Cuidado com os diabetes...
Pois é, ando sempre a medir o colesterol por causa disso e estou sempre no ginásio. Um momento (toca o telefone). Está? És tu, pá? Agora não posso atender que vou levar um cliente e volto já para Lisboa. Depois, passo aí...eh pá, leva os "beefs" a uma cervejaria para eles beberem um copo e fazerem tempo. Daqui a meia-hora, vou ter contigo e levo-os ao clube...
- Não falta trabalho...
Pois não, o pior é que estava a pensar ir jogar "futsal" e já não vai dar tempo...tenho um grupo de "beefs" à espera, que querem ir a um clube de "strip", e nós temos percentagem pelos clientes que lá levamos. Não se pode perder...
- Claro, trabalho é trabalho...
Vamos ver se ainda consigo dar umas corridas, antes de levar os estrangeiros, porque depois faz-se muito tarde e nunca sabemos como acaba a noite.
- Estou a ver...isso é que é actividade!
Sou um doido por desporto. Até em casa, pratico. Tenho uma sala grande, onde instalei uma mesa de "pool". Convido os meus amigos e passamos lá fins-de-semana, inteiros, a jogar. Sou o melhor, pois pratico muito, mas às vezes tenho de os deixar ganhar, senão, nunca mais lá vão...agora descobri um professor estrangeiro, com uma academia em Portugal, que me tem dado umas lições. Tem manuais, com trabalhos de casa e tudo. Custa-me umas "massas", mas aprende-se muito.
- O "pool" é mais para descontrair, imagino...
Sim, sim, muito bom mesmo...no fundo, é a velha questão da "bola branca". Acertamos e pronto, a partir dali engatamos e mais ninguém joga...
- Estou a ver. Pelo menos, não se aborrece.
Eu? Nunca. No fundo, eu não sou taxista. Tenho é de ganhar algum. O meu projecto é tornar-me um bom jogador de "pool", montar uma academia e ensinar os outros. Passar os meus conhecimentos e, com isso, ganhar umas "massas", claro.
- Acho que faz muito bem. Chegámos.
São 7 euros e meio, certinhos. Boa-noite e obrigado pela companhia.
2016/03/10
Tempos de Circo...
Portugal tem um novo Presidente da República.
Aparentemente, começou um "novo ciclo", a expressão mais usada nas últimas vinte e quatro horas.
Uma coisa, parece certa: terminou o triste ciclo, inaugurado por Cavaco Silva, o pior presidente da democracia recente. Algo é algo.
Resta-nos aguardar pelo ciclo Marcelo que terá, à partida, cinco anos pela frente.
Sobre o novo presidente, já muito foi dito, antes e depois da sua nomeação. Sabemos que é um comunicador nato (quarenta anos semanais na imprensa escrita e televisiva, não passam despercebidos) e sabemos que, ideologicamente, é de direita e filiado no PSD, partido do qual foi secretário geral, na década de noventa. Da mesma forma, sabemos que é professor e constitucionalista de mérito, assim como sabemos ser um católico praticante, como ontem ficou, mais uma vez, demonstrado.
Se dúvidas houvesse sobre a sua personalidade e comportamento, os sinais dados neste primeiro dia, são inequívocos: o país assiste, entre surpreso e divertido, ao frenesim do novo presidente nestas horas em que ainda está em "estado de graça".
Relembramos: deslocação (a pé) para o Parlamento onde jurou a constituição e fez um discurso, suficientemente abrangente para agradar a gregos e troianos, após o que recebeu os cumprimentos habituais. Seguiu depois para os Jerónimos, onde depôs as flores da praxe nos túmulos de Camões e Gama. Almoço e visita "ecuménica" à mesquita de Lisboa, onde recebeu os cumprimentos dos representantes das confissões religiosas existentes em Portugal. À noite, mais cumprimentos no palácio da Ajuda e, finalmente, um concerto ao ar livre, oferecido aos lisboetas na companhia de dezenas de crianças convidadas para o efeito. Mariza cantou o hino e os restantes artistas fizeram a festa.
Hoje, a televisão ofereceu-nos um directo de Belém, que permitiu ver a sua apresentação formal aos funcionários do palácio (Obama fez escola) e, esta tarde, recebeu os representantes do corpo diplomático no palácio de Ajuda, em directo para a televisão, com a presença de alguns atletas e da inevitável...Mariza. É obra!
Está dado o mote: Marcelo, o "comunicador" nato, sabe lidar com os média e o frenesim não vai parar. Para a semana, estão anunciadas as duas primeiras visitas estatais, ao Vaticano (!?) e a Espanha (noblesse oblige).
Quem esperava um presidente mais sisudo e formalista, enganou-se. Quem esperava um presidente interventivo, vai ter de esperar mais tempo. Para já, o circo não tem faltado. Falta, ainda, o pão.
Uma coisa é certa: a partir de agora, nada será como dantes.
Aparentemente, começou um "novo ciclo", a expressão mais usada nas últimas vinte e quatro horas.
Uma coisa, parece certa: terminou o triste ciclo, inaugurado por Cavaco Silva, o pior presidente da democracia recente. Algo é algo.
Resta-nos aguardar pelo ciclo Marcelo que terá, à partida, cinco anos pela frente.
Sobre o novo presidente, já muito foi dito, antes e depois da sua nomeação. Sabemos que é um comunicador nato (quarenta anos semanais na imprensa escrita e televisiva, não passam despercebidos) e sabemos que, ideologicamente, é de direita e filiado no PSD, partido do qual foi secretário geral, na década de noventa. Da mesma forma, sabemos que é professor e constitucionalista de mérito, assim como sabemos ser um católico praticante, como ontem ficou, mais uma vez, demonstrado.
Se dúvidas houvesse sobre a sua personalidade e comportamento, os sinais dados neste primeiro dia, são inequívocos: o país assiste, entre surpreso e divertido, ao frenesim do novo presidente nestas horas em que ainda está em "estado de graça".
Relembramos: deslocação (a pé) para o Parlamento onde jurou a constituição e fez um discurso, suficientemente abrangente para agradar a gregos e troianos, após o que recebeu os cumprimentos habituais. Seguiu depois para os Jerónimos, onde depôs as flores da praxe nos túmulos de Camões e Gama. Almoço e visita "ecuménica" à mesquita de Lisboa, onde recebeu os cumprimentos dos representantes das confissões religiosas existentes em Portugal. À noite, mais cumprimentos no palácio da Ajuda e, finalmente, um concerto ao ar livre, oferecido aos lisboetas na companhia de dezenas de crianças convidadas para o efeito. Mariza cantou o hino e os restantes artistas fizeram a festa.
Hoje, a televisão ofereceu-nos um directo de Belém, que permitiu ver a sua apresentação formal aos funcionários do palácio (Obama fez escola) e, esta tarde, recebeu os representantes do corpo diplomático no palácio de Ajuda, em directo para a televisão, com a presença de alguns atletas e da inevitável...Mariza. É obra!
Está dado o mote: Marcelo, o "comunicador" nato, sabe lidar com os média e o frenesim não vai parar. Para a semana, estão anunciadas as duas primeiras visitas estatais, ao Vaticano (!?) e a Espanha (noblesse oblige).
Quem esperava um presidente mais sisudo e formalista, enganou-se. Quem esperava um presidente interventivo, vai ter de esperar mais tempo. Para já, o circo não tem faltado. Falta, ainda, o pão.
Uma coisa é certa: a partir de agora, nada será como dantes.
2016/03/04
É a ética, estúpida!
Assisto a uma das muitas "opiniões públicas", em que a televisão portuguesa é pródiga, desta vez sobre a polémica relativa ao novo "job" da ex-ministra Maria Luís Albuquerque.
Como é habitual nestas "terapias de grupo", há opiniões para todos os gostos: os comentadores "encartados", que juram a pés juntos não saberem nada de leis, mas afirmam peremptoriamente não haver incompatibilidade com a função de deputada; os indignados do costume, que criticam toda esta promiscuidade a que vamos assistindo regularmente; e os conformados do costume, que dizem serem todos os políticos iguais, leia-se corruptos.
Assistimos, de facto, à degradação crescente de uma sociedade onde, apesar, de todos os progressos materiais, continuamos a ser confrontados com a mais despudorada falta de "sentido de estado" (o sempre citado "civil servant") categoria há muito arredada da política portuguesa recente.
Os portugueses em geral, mantêm-se enredados em "rodriguinhos" e assuntos de "lã caprina", sem qualquer relevância para a vida dos cidadãos (futebóis, dramas passionais de famosos, telenovelas, lixo televisivo, prisões de empresários futebolísticos...), enquanto os assuntos, verdadeiramente importantes para o nosso bem-estar quotidiano, continuam por resolver, sem que a "polis" se revolte indignada.
Nunca, como nos dias que correm, o conformismo, o laxismo e a promiscuidade, parecem ter descido tão baixo. O que devia ser fácil (criar uma lei de incompatibilidades entre funções de estado e interesses privados) é tido como uma dificuldade intransponível, com o argumento de que a "exclusividade" de cargos políticos, impediria, no futuro, de contratar os melhores para a função. Mas, se assim é, quem obriga os "civil servant" a fazer serviço público? Ninguém, como é óbvio. Todos lá estão (ou deviam estar) com essa missão: a de servir o povo, que os elegeu para o representar por um período determinado. Uma vez eleitos, só lhes resta cumprir (o melhor que souberem) a função de governantes ou deputados, como é o caso em notícia. Uma vez, este período cumprido, podem sempre optar pelo emprego que melhor sirva os seus interesses. Ninguém os impede.
Logo, uma deputada - que há 3 meses atrás ainda era ministra das finanças e nessa função negociou parte da dívida portuguesa com a empresa especuladora Arrows - não deveria, em tese, poder conciliar o seu cargo de deputada, com o de administradora dessa mesma empresa.
A própria lei de incompatibilidades o afirma, ao explicitar que (aos ex-governantes) se exige um período mínimo de 6 anos de nojo, antes de aceitar uma cargo de chefia numa administração de uma empresa com a qual teve relações institucionais. Claro como a água.
Não se percebe, por isso, as reacções das "virgens ofendidas" do costume, ouvidas a toda a hora e vindas de quem mais proveito tira deste regime de promiscuidade, que só pode interessar a quem não quer perder privilégios inerentes a quem governou o país.
É a ética, estúpida!
Como é habitual nestas "terapias de grupo", há opiniões para todos os gostos: os comentadores "encartados", que juram a pés juntos não saberem nada de leis, mas afirmam peremptoriamente não haver incompatibilidade com a função de deputada; os indignados do costume, que criticam toda esta promiscuidade a que vamos assistindo regularmente; e os conformados do costume, que dizem serem todos os políticos iguais, leia-se corruptos.
Assistimos, de facto, à degradação crescente de uma sociedade onde, apesar, de todos os progressos materiais, continuamos a ser confrontados com a mais despudorada falta de "sentido de estado" (o sempre citado "civil servant") categoria há muito arredada da política portuguesa recente.
Os portugueses em geral, mantêm-se enredados em "rodriguinhos" e assuntos de "lã caprina", sem qualquer relevância para a vida dos cidadãos (futebóis, dramas passionais de famosos, telenovelas, lixo televisivo, prisões de empresários futebolísticos...), enquanto os assuntos, verdadeiramente importantes para o nosso bem-estar quotidiano, continuam por resolver, sem que a "polis" se revolte indignada.
Nunca, como nos dias que correm, o conformismo, o laxismo e a promiscuidade, parecem ter descido tão baixo. O que devia ser fácil (criar uma lei de incompatibilidades entre funções de estado e interesses privados) é tido como uma dificuldade intransponível, com o argumento de que a "exclusividade" de cargos políticos, impediria, no futuro, de contratar os melhores para a função. Mas, se assim é, quem obriga os "civil servant" a fazer serviço público? Ninguém, como é óbvio. Todos lá estão (ou deviam estar) com essa missão: a de servir o povo, que os elegeu para o representar por um período determinado. Uma vez eleitos, só lhes resta cumprir (o melhor que souberem) a função de governantes ou deputados, como é o caso em notícia. Uma vez, este período cumprido, podem sempre optar pelo emprego que melhor sirva os seus interesses. Ninguém os impede.
Logo, uma deputada - que há 3 meses atrás ainda era ministra das finanças e nessa função negociou parte da dívida portuguesa com a empresa especuladora Arrows - não deveria, em tese, poder conciliar o seu cargo de deputada, com o de administradora dessa mesma empresa.
A própria lei de incompatibilidades o afirma, ao explicitar que (aos ex-governantes) se exige um período mínimo de 6 anos de nojo, antes de aceitar uma cargo de chefia numa administração de uma empresa com a qual teve relações institucionais. Claro como a água.
Não se percebe, por isso, as reacções das "virgens ofendidas" do costume, ouvidas a toda a hora e vindas de quem mais proveito tira deste regime de promiscuidade, que só pode interessar a quem não quer perder privilégios inerentes a quem governou o país.
É a ética, estúpida!
2016/03/02
I'll make you an offer you can't refuse...
O "episódio" do CCB é, apenas, mais um, na já longa série de nomeações por "compadrio" (familiar e partidário) que enxameia o aparelho de estado (leia-se, o Poder) em Portugal. Neste particular, o PS não difere do PSD. Vivemos numa partidocracia controlada por duas "famílias" políticas (PS e PSD) que, de há 40 anos a esta parte, dominam por completo o "spectrum" político português.
Independentemente das pessoas que são (ou não) nomeadas para os cargos, o que importa realçar é o regime de clientelismo larvar que existe em Portugal, um país subdesenvolvido em termos de cidadania, onde as pessoas continuam dependentes do patrocinato existente, segundo a velha fórmula "se votares em mim, arranjo-te um emprego".
O problema não são as nomeações, mas a forma como os "amigos" são colocados no aparelho de estado e lá ficam eternamente. Se querem nomear pessoas de "confiança", façam-no com transparência e limitem os mandatos às legislaturas, como nos EUA, onde os nomeados abandonam os cargos, após exercerem os seus mandatos. Nesse sentido, é completamente ridícula a argumentação da ex-ministra da cultura (Canavilhas) quando ontem veio justificar a decisão de João Soares, com a desculpa de Mega Ferreira (PS) também ter sido afastado do CCB, para lá colocar Vasco da Graça Moura (PSD). Como se uma nomeação partidária pudesse ser justificada por outra nomeação partidária (...se o PSD já fez, nós também podemos fazer...).
Que dizer, então, da nomeação da filha de Ana Gomes para a direcção da EGEAC, da filha do ministro Vieira da Silva para secretária de estado, do filho de João Soares para assessor na CML, ou ainda da nomeação da (ex-deputada) Inês Medeiros para a direcção do INATEL?
E, agora ("cereja em cima do bolo"), a nomeação do "irmão" Summavielle para a presidência do CCB, como se a promiscuidade entre o estado e a maçonaria não fosse já suficiente...
Sim, Portugal é um país onde a corrupção campeia, a meritocracia não é reconhecida e o amiguismo e o "compadrio" continuam a fazer lei. Assim, não vamos lá.
Independentemente das pessoas que são (ou não) nomeadas para os cargos, o que importa realçar é o regime de clientelismo larvar que existe em Portugal, um país subdesenvolvido em termos de cidadania, onde as pessoas continuam dependentes do patrocinato existente, segundo a velha fórmula "se votares em mim, arranjo-te um emprego".
O problema não são as nomeações, mas a forma como os "amigos" são colocados no aparelho de estado e lá ficam eternamente. Se querem nomear pessoas de "confiança", façam-no com transparência e limitem os mandatos às legislaturas, como nos EUA, onde os nomeados abandonam os cargos, após exercerem os seus mandatos. Nesse sentido, é completamente ridícula a argumentação da ex-ministra da cultura (Canavilhas) quando ontem veio justificar a decisão de João Soares, com a desculpa de Mega Ferreira (PS) também ter sido afastado do CCB, para lá colocar Vasco da Graça Moura (PSD). Como se uma nomeação partidária pudesse ser justificada por outra nomeação partidária (...se o PSD já fez, nós também podemos fazer...).
Que dizer, então, da nomeação da filha de Ana Gomes para a direcção da EGEAC, da filha do ministro Vieira da Silva para secretária de estado, do filho de João Soares para assessor na CML, ou ainda da nomeação da (ex-deputada) Inês Medeiros para a direcção do INATEL?
E, agora ("cereja em cima do bolo"), a nomeação do "irmão" Summavielle para a presidência do CCB, como se a promiscuidade entre o estado e a maçonaria não fosse já suficiente...
Sim, Portugal é um país onde a corrupção campeia, a meritocracia não é reconhecida e o amiguismo e o "compadrio" continuam a fazer lei. Assim, não vamos lá.
2016/03/01
Taxi Driver (5)
Para onde vamos?
- Buraca
É melhor ir pelo Monsanto, não acha?
- Acho, mas teria de ter virado à direita e, agora, já é tarde...
Pois, não posso virar à esquerda no largo do Rato, mas a gente dá um jeito...
- O senhor é que sabe...
Eu não devia fazer isto, se a polícia me apanha...só me meto em trapalhadas, mas tenho de trabalhar. Não posso parar.
- Parar é morrer...
Tenho a carta apreendida e não posso conduzir durante três meses...
- Então?
A culpa foi minha. Fui ver o Benfica com uns amigos e depois fomos beber um copo. Tinha deixado o carro estacionado perto do terreno, onde o arrumo todas os dias, a menos de 100 metros do café. Quando saímos, já ia um bocado "entornado" e peguei no carro para ir ao parque de estacionamento. Logo por azar, a policia, que nunca anda por ali, mandou-me parar (deve ter desconfiado ao ver um gajo aos tombos a conduzir àquela hora da matina).
- Isso é azar, de facto. E depois?
Fizeram-me o "teste do balão" e acusou logo:1.47...tinha bebido bem, ganhámos ao Zenith...
- Estou a ver. O Benfica faz perder a cabeça a muita gente.
Paguei, logo ali, 300euros de multa, mas fiquei 3 meses sem carta e ainda tenho de fazer serviço cívico numa instituição durante 60 dias...
- É pá, essa foi a doer...
Não me diga nada. O pior é andar sem carta este tempo todo, pois tenho de trabalhar. Não posso parar, tenho mulher e filhos em casa.
- E se o apanham?
A "bófia" não costuma controlar os táxis. Tenho de arriscar. Faço-me esquecido. Já sei que daqui a um mês, mandam-me apresentar na esquadra e entregar a carta. Tenho de arranjar um bom advogado e ele consegue pedir adiamento da pena. Entretanto, já passaram 3 meses...
- Mas, um advogado bom, custa dinheiro...
É verdade, também tenho de ganhar para lhe pagar...mas, não tenho alternativa. Tenho de pagar as contas e, se não ganho, como vou manter a família?
- É difícil, assim. E o trabalho voluntário? Onde é que tem de fazê-lo?
Ah, isso é fácil. É à minha escolha. Já escolhi. Vou fazê-lo no Vitória F.C. que é lá no meu bairro. Como faço parte dos orgãos sociais, peço ao presidente para assinar a ficha e já está. Passo lá as noites, por isso não me importo nada.
- Estou a ver...não sabia que obrigavam os infractores a fazerem serviço voluntário...
Sim, sim, há muito tempo. Mas, isso é o menos. Já está resolvido. O problema é andar 3 meses sem a carta...Se me voltam a apanhar em falta, estou quilhado...
- E guia sempre à noite?
Não, costumo guiar de dia, Não gosto da noite, mas agora tenho de andar de dia e de noite. Sempre que possa, pois tenho de arranjar dinheiro. Como é que posso parar 3 meses?
- Mas isso é um grande risco. Além disso, se tiver um acidente, como é?
Também já pensei nisso. Vou sempre a uma velocidade baixa, até para não levantar suspeitas e ando por caminhos menos controlados. Este trajecto, pelo Monsanto, não é mau, até porque levo passageiros e normalmente a polícia não nos manda parar quando vê a luz acessa...
- Estou a ver. E quando o táxi não tem passageiros?
É a mesma coisa: acendo a luz e, se me mandarem parar, digo que fui chamado e tenho de ir buscar um cliente...
- Bem pensado. Bom, chegámos.
São 7,85euros. Obrigado pela companhia.
- Boa noite e boa sorte.
- Buraca
É melhor ir pelo Monsanto, não acha?
- Acho, mas teria de ter virado à direita e, agora, já é tarde...
Pois, não posso virar à esquerda no largo do Rato, mas a gente dá um jeito...
- O senhor é que sabe...
Eu não devia fazer isto, se a polícia me apanha...só me meto em trapalhadas, mas tenho de trabalhar. Não posso parar.
- Parar é morrer...
Tenho a carta apreendida e não posso conduzir durante três meses...
- Então?
A culpa foi minha. Fui ver o Benfica com uns amigos e depois fomos beber um copo. Tinha deixado o carro estacionado perto do terreno, onde o arrumo todas os dias, a menos de 100 metros do café. Quando saímos, já ia um bocado "entornado" e peguei no carro para ir ao parque de estacionamento. Logo por azar, a policia, que nunca anda por ali, mandou-me parar (deve ter desconfiado ao ver um gajo aos tombos a conduzir àquela hora da matina).
- Isso é azar, de facto. E depois?
Fizeram-me o "teste do balão" e acusou logo:1.47...tinha bebido bem, ganhámos ao Zenith...
- Estou a ver. O Benfica faz perder a cabeça a muita gente.
Paguei, logo ali, 300euros de multa, mas fiquei 3 meses sem carta e ainda tenho de fazer serviço cívico numa instituição durante 60 dias...
- É pá, essa foi a doer...
Não me diga nada. O pior é andar sem carta este tempo todo, pois tenho de trabalhar. Não posso parar, tenho mulher e filhos em casa.
- E se o apanham?
A "bófia" não costuma controlar os táxis. Tenho de arriscar. Faço-me esquecido. Já sei que daqui a um mês, mandam-me apresentar na esquadra e entregar a carta. Tenho de arranjar um bom advogado e ele consegue pedir adiamento da pena. Entretanto, já passaram 3 meses...
- Mas, um advogado bom, custa dinheiro...
É verdade, também tenho de ganhar para lhe pagar...mas, não tenho alternativa. Tenho de pagar as contas e, se não ganho, como vou manter a família?
- É difícil, assim. E o trabalho voluntário? Onde é que tem de fazê-lo?
Ah, isso é fácil. É à minha escolha. Já escolhi. Vou fazê-lo no Vitória F.C. que é lá no meu bairro. Como faço parte dos orgãos sociais, peço ao presidente para assinar a ficha e já está. Passo lá as noites, por isso não me importo nada.
- Estou a ver...não sabia que obrigavam os infractores a fazerem serviço voluntário...
Sim, sim, há muito tempo. Mas, isso é o menos. Já está resolvido. O problema é andar 3 meses sem a carta...Se me voltam a apanhar em falta, estou quilhado...
- E guia sempre à noite?
Não, costumo guiar de dia, Não gosto da noite, mas agora tenho de andar de dia e de noite. Sempre que possa, pois tenho de arranjar dinheiro. Como é que posso parar 3 meses?
- Mas isso é um grande risco. Além disso, se tiver um acidente, como é?
Também já pensei nisso. Vou sempre a uma velocidade baixa, até para não levantar suspeitas e ando por caminhos menos controlados. Este trajecto, pelo Monsanto, não é mau, até porque levo passageiros e normalmente a polícia não nos manda parar quando vê a luz acessa...
- Estou a ver. E quando o táxi não tem passageiros?
É a mesma coisa: acendo a luz e, se me mandarem parar, digo que fui chamado e tenho de ir buscar um cliente...
- Bem pensado. Bom, chegámos.
São 7,85euros. Obrigado pela companhia.
- Boa noite e boa sorte.
2016/02/24
Entre Bruxelas e Lisboa, vai o passo de um anão...
O Orçamento 2016 foi aprovado na generalidade. Segue-se, agora, a discussão na especialidade.
Após dois dias de intenso debate, a aprovação final - que não constituiu propriamente uma surpresa, dada a constituição da Assembleia da República - confirmou o caminho estreito e sinuoso que nos espera.
Será, agora, a execução do próprio Orçamento, a confirmar (ou não) as expectativas geradas.
O governo, numa antecipação do que poderá aí vir, já foi avisando que este não é Orçamento desejado, ainda que inclua algumas das premissas apresentadas na primeira versão discutida em Bruxelas. Sabemos assim, que esta versão, é um recuo em relação aos desejos governamentais e, por extensão, aos partidos de esquerda que o apoiam. Um mal menor, algures entre o desvarios dos últimos 4 anos e o Orçamento "ideal" que todos desejaríamos, mas que não será ainda possível.
Há um nítido avanço no campo dos direitos laborais, com recuperação das medidas de equidade necessárias à recuperação do poder de compra dos mais desfavorecidos e uma maior inclusão de mais de dois milhões de portugueses na sociedade. Estas são as medidas positivas e devem ser saudadas.
Depois, há um agravar dos impostos indirectos (combustíveis, automóveis, tabaco) o que, sendo compreensível, por serem os bens mais importados, irá necessariamente agravar o peso da despesa nas empresas e nos transportes públicos, como é inevitável.
Desta forma, o governo corre o risco de penalizar largos extratos sociais (a mítica classe média), dependentes da utilização do automóvel e dos transportes públicos no seu quotidiano (empregos, escolas, etc.). Esta é uma crítica pertinente da direita, ainda que se perceba a lógica de taxar os bens mais importados e, nessa medida, contribuir para a diminuição da despesa pública.
O governo fez as contas e provou, com números, ser a carga fiscal menor relativamente ao Orçamento do anterior governo. Por outras palavras, os portugueses irão pagar, globalmente, menos impostos este ano.
Independentemente dos ganhos e perdas neste Orçamento, nada mudará estruturalmente enquanto o peso da dívida continuar a sufocar a economia portuguesa. Com uma dívida pública de 220.000 milhões de euros (130% do PIB) e 8.500 milhões de juros a pagar em 2016, não parece fácil reduzir o déficit até 2,4%, conforme a exigência da Comissão Europeia. Sem um crescimento económico sólido (acima de 2,5%) e sem poder utilizar o saldo primário excedente (todo ele canalizado para o pagamento da dívida), o governo português não parece dispôr de margem suficiente para praticar as políticas sociais anunciadas.
Desta forma, a exigência da renegociação da dívida (defendida pelo BE e pelo PCP) ganha nova actualidade. Impedido de fazer as reformas estruturais anunciadas, o governo terá na dívida a "pedra de toque" desta legislatura. Também, por esse motivo, arrisca a sua própria sobrevivência. Bruxelas sabe isso e não facilitará a vida a Lisboa.
Agora que se tornou moda citar Sérgio Godinho, parece-nos actual relembrar uma das suas canções mais famosas:
"Entre a rua e o país, vai o passo de um anão
vai o rei que ninguém quis, vai o tiro de um canhão
e o trono é do charlatão".
Foto: MANUEL DE ALMEIDA/LUSA
2016/02/09
Simplex Revisitado
- Faço parte de uma associação, recentemente constituida. Quero registar esta associação nas Finanças e abrir as respectivas actividades.
Funcionária 1 - Uma associação? Actividades? Que tipo de Associação? Tem aí algum documento?
- Tenho os documentos seguintes: os estatutos da associação, o documento da inscrição na Conservatória do Registo Predial das Caldas da Rainha, a acta da sua constituição em AG (com a respectiva nomeação e assinatura dos membros dos corpos sociais), a abertura de uma conta bancária, os meus documentos na qualidade de tesoureiro e uma procuração do presidente, autenticada por um notário. É necessário mais alguma coisa?
Funcionária 1 - Deixe cá ver... hum, não sei se podemos fazer isto aqui. Ainda por cima uma "associação na hora", registada nas Caldas da Rainha...Um momento, vou perguntar à minha colega...
Funcionária 2 - Sim, podemos abrir as actividades, mas necessitamos de mais uma assinatura. No mínimo, são necessárias 3 pessoas. Tem aí mais algum documento?
- Não, pois de acordo com os nossos estatutos só são necessárias 2 assinaturas...
Funcionária 2 - Não, não...necessitamos de mais uma assinatura. Pode ser de qualquer membro dos corpos sociais. Por exemplo, do presidente do Conselho Fiscal...
- Mas, essa pessoa vive em Coimbra...
Funcionária 2 - Peça-lhe para enviar uma fotocópia do BI e, depois, volte cá. Entretanto, a minha colega tira fotocópias de toda a documentação e, quando voltar, já cá temos o processo...
Manhã de Dezembro, mesma repartição (outro funcionário)
- Faço parte de uma associação, recentemente constituida e estive cá há cerca de um mês, para registar a associação nas Finanças. Como, aparentemente, faltava uma assinatura, tive de pedi-la e trouxe uma fotocópia do BI da pessoa em causa...Penso que, agora, está tudo.
Funcionário - Deixe cá ver os estatutos. Quais são os objectivos da associação?
- Uma associação cultural, sem fins lucrativos...
Funcionário - Estou a ver. Nesse caso, não necessitam de pagar IVA nem de ter contabilidade organizada. Basta um registo de contabilidade simples, vulgo "livro de caixa", para "lançarem" os débitos e os créditos da associação. Se tiverem receitas, acima de 10.000euros/ano, têm de preencher uma declaração de impostos e pagar IVA.
- E posso abrir hoje as actividades nas Finanças? Tenho aqui uma procuração do presidente e a assinatura da pessoa que faltava.
Funcionário - Pode, mas ainda tem dois meses para fazê-lo. Não necessita de três assinaturas, bastam duas e a procuração não serve para nada. O presidente tem de assinar este formulário, que lhe vou dar para preencher.
- Mas, não foi isso que as suas colegas me disseram em Novembro...
Funcionário - Pois, mas informaram-no mal. Quando tiver o formulário preenchido e assinado por dois responsáveis, pode entregá-lo em qualquer repartição das Finanças do país...
Manhã de Janeiro, mesma repartição (outro funcionário)
- Faço parte de uma associação, recentemente constituida e já cá estive, duas vezes, para abrir as actividades nas Finanças, mas não consegui, porque faltava sempre qualquer coisa. Um colega seu, entregou-nos este formulário para preencher e assiná-lo presencialmente. Estamos aqui, eu na qualidade de tesoureiro e o presidente da associação.
Funcionário - Ora deixe cá ver... pois, faltam aqui alguns dados... a associação tem proveitos?
- Não, só as quotas dos associados. Pensamos editar um livro, que será vendido posteriormente...
Funcionário - Estou a ver. As quotas não pagam imposto, pois são consideradas doações. Se venderem o livro, terão de pagar IVA, acima dos 10.000euros/ano. Quanto ao resto, parece-me bem, à excepção dos bens e transacções comunitárias... necessito de rever isto... os senhores vivem em Lisboa?
- Eu, por acaso não, mas estou perto...
Funcionário - Pois, eu podia preencher o resto do formulário, mas não quero cometer erros e dar-vos uma má informação. Se não se importam, deixam cá a documentação necessária e voltam amanhã, à mesma hora. Têm de tirar senha, mas não têm de esperar... basta fazer um sinal...
- Bem, nesse caso, até amanhã...
Manhã de Janeiro, mesma repartição (mesmo funcionário)
Funcionário - Avancem, avancem...
- E agora, está tudo bem?
Funcionário - Parece que sim... tive de esclarecer aqui umas questões com os meus colegas. Vão ter de pagar uma multa, pois este registo nas Finanças tinha de ser feito nos primeiros quinze dias após a constituição da associação...
- Ahn? A lei diz que temos 90 dias para fazê-lo e ainda falta uma semana...
Funcionário - Ah é? Pois, têm razão. É uma associação "criada na hora". Vou só buscar um carimbo e tirar cópias da documentação para os senhores...(Volta com as mãos sujas de tinta dos carimbos)... Nada funciona aqui... agora nem o "agrafador" (os agrafes revelam-se fracos para o tamanho da resma de papel). Tenho de ir buscar um agrafador mais forte...
- Isso, hoje, não está a correr bem...
Funcionário - Está a ver em que condições trabalhamos aqui? Nem material de qualidade nos dão.
- Têm de fazer exigências...
Funcionário - Precisamos é de criar uma associação...
- Isso, isso. E agora? Está tudo em ordem?
Funcionário - Agora está tudo bem. Tenham um bom dia...
2016/02/04
As Grandes Manobras
Nunca um Orçamento de Estado desencadeou uma discussão tão profícua na sociedade portuguesa.
É extraordinário o afã das forças mais retógradas - da oposição parlamentar à "domesticada" comunicação social - em criticar os números do "draft" (esboço) apresentado pelo governo português a Bruxelas. Trata-se de um procedimento normal, à qual todos os países da UE estão sujeitos e que Portugal (ainda que com algum atraso) está a cumprir de acordo com os compromissos assumidos. A questão do "atraso", inclusive, explica-se pelo facto do anterior governo (PSD/CDS) não ter apresentado um Orçamento em tempo útil, devido à realização das eleições legislativas de Outubro. Dada a inexistência de um Orçamento e de um governo formal (saído das eleições) não era, de todo, possível apresentar o OE antes da constituição de um novo governo, o que só veio a verificar-se em finais de Novembro. Dois meses e alguns dias mais tarde, o actual governo apresentou o seu primeiro "esboço" à UE, que está, neste momento, a ser discutido em Bruxelas. Qual a surpresa?
A surpresa, reside no facto deste orçamento partir de pressupostos diferentes dos orçamentos anteriores, elaborados num período de crise financeira e de austeridade, imposta pela Troika, entre 2011 e 2014. Como é sabido, os resultados desse programa foram, na sua quase totalidade, desastrosos para a economia e para a população portuguesa e, com a excepção do "déficit", nenhum dos objectivos foi alcançados pelas políticas de austeridade levadas a cabo pelo governo anterior: houve perda do poder de compra, empobrecimento geral, desemprego generalizado, aumento da emigração, perda de apoios sociais e subsídios diversos, miséria absoluta para grandes extratos da população e fome declarada para milhares de crianças sem apoios parentais.
Uma vez no governo, é pois, natural, que o PS (no que é apoiado pelas forças de esquerda maioritárias no parlamento) quisesse inverter este ciclo de empobrecimento que, não só não conseguiu obter os resultados anunciados, como compromete o futuro do desenvolvimento do país para os próximos anos.
É com esta estratégia, que se compromete a reverter o ciclo de austeridade, que o orçamento foi elaborado e apresentado em Bruxelas: um orçamento que se propõe cumprir as obrigações de Portugal na Europa (pagamento das prestações da dívida soberana e "déficit" abaixo dos 3% nominais exigidos), ao mesmo tempo que prevê melhorar as condições sociais dos grupos mais atingidos pela austeridade (assalariados, pensionistas, famílias e grupos mais vulneráveis da sociedade), penalizando os salários e grupos (empresas) mais favorecidos.
É difícil, esta equação?
Com certeza. O governo necessita de cerca de 1000 milhões de euros para cobrir as despesas previstas e isso só será possível com um aumento do crescimento económico superior a 2,5% anual, quando a média da UE é inferior a 2% (ainda que, em Espanha, a economia esteja a crescer a 3,5%).
Ou seja, sem crescimento económico relevante, dificilmente o governo poderá satisfazer os seus compromissos, a menos que volte a penalizar (através de impostos) a classe média, tradicionalmente o grupo mais "sacrificado" em todas as projecções. A chamada "quadratura do círculo".
Uma coisa é certa: as críticas ao (esboço de) Orçamento, feitas pela direita portuguesa (no que é secundada pela comunicação social) e pela Comissão Europeia, não são técnicas, mas, fundamentalmente, políticas. Para a UE, Portugal não pode tornar-se um exemplo positivo para outros países (Espanha e Itália, por exemplo), pois isso seria comprometer o modelo económico e o "pensamento único" que, actualmente, domina a Europa, onde o capital financeiro controla o poder politico.
Este é, pois, o maior desafio que o governo de Costa enfrenta e sobre o qual não pode haver duas interpretações: ou, as negociações em Bruxelas, permitem ao governo defender o seu orçamento e aplicá-lo (ainda que com concessões) de acordo com as promessas eleitorais feitas há três meses; ou uma capitulação, nesta fase, poderá comprometer toda a estratégia concebida e tornar Portugal numa nova Grécia, o pesadelo de todos os democratas.
É extraordinário o afã das forças mais retógradas - da oposição parlamentar à "domesticada" comunicação social - em criticar os números do "draft" (esboço) apresentado pelo governo português a Bruxelas. Trata-se de um procedimento normal, à qual todos os países da UE estão sujeitos e que Portugal (ainda que com algum atraso) está a cumprir de acordo com os compromissos assumidos. A questão do "atraso", inclusive, explica-se pelo facto do anterior governo (PSD/CDS) não ter apresentado um Orçamento em tempo útil, devido à realização das eleições legislativas de Outubro. Dada a inexistência de um Orçamento e de um governo formal (saído das eleições) não era, de todo, possível apresentar o OE antes da constituição de um novo governo, o que só veio a verificar-se em finais de Novembro. Dois meses e alguns dias mais tarde, o actual governo apresentou o seu primeiro "esboço" à UE, que está, neste momento, a ser discutido em Bruxelas. Qual a surpresa?
A surpresa, reside no facto deste orçamento partir de pressupostos diferentes dos orçamentos anteriores, elaborados num período de crise financeira e de austeridade, imposta pela Troika, entre 2011 e 2014. Como é sabido, os resultados desse programa foram, na sua quase totalidade, desastrosos para a economia e para a população portuguesa e, com a excepção do "déficit", nenhum dos objectivos foi alcançados pelas políticas de austeridade levadas a cabo pelo governo anterior: houve perda do poder de compra, empobrecimento geral, desemprego generalizado, aumento da emigração, perda de apoios sociais e subsídios diversos, miséria absoluta para grandes extratos da população e fome declarada para milhares de crianças sem apoios parentais.
Uma vez no governo, é pois, natural, que o PS (no que é apoiado pelas forças de esquerda maioritárias no parlamento) quisesse inverter este ciclo de empobrecimento que, não só não conseguiu obter os resultados anunciados, como compromete o futuro do desenvolvimento do país para os próximos anos.
É com esta estratégia, que se compromete a reverter o ciclo de austeridade, que o orçamento foi elaborado e apresentado em Bruxelas: um orçamento que se propõe cumprir as obrigações de Portugal na Europa (pagamento das prestações da dívida soberana e "déficit" abaixo dos 3% nominais exigidos), ao mesmo tempo que prevê melhorar as condições sociais dos grupos mais atingidos pela austeridade (assalariados, pensionistas, famílias e grupos mais vulneráveis da sociedade), penalizando os salários e grupos (empresas) mais favorecidos.
É difícil, esta equação?
Com certeza. O governo necessita de cerca de 1000 milhões de euros para cobrir as despesas previstas e isso só será possível com um aumento do crescimento económico superior a 2,5% anual, quando a média da UE é inferior a 2% (ainda que, em Espanha, a economia esteja a crescer a 3,5%).
Ou seja, sem crescimento económico relevante, dificilmente o governo poderá satisfazer os seus compromissos, a menos que volte a penalizar (através de impostos) a classe média, tradicionalmente o grupo mais "sacrificado" em todas as projecções. A chamada "quadratura do círculo".
Uma coisa é certa: as críticas ao (esboço de) Orçamento, feitas pela direita portuguesa (no que é secundada pela comunicação social) e pela Comissão Europeia, não são técnicas, mas, fundamentalmente, políticas. Para a UE, Portugal não pode tornar-se um exemplo positivo para outros países (Espanha e Itália, por exemplo), pois isso seria comprometer o modelo económico e o "pensamento único" que, actualmente, domina a Europa, onde o capital financeiro controla o poder politico.
Este é, pois, o maior desafio que o governo de Costa enfrenta e sobre o qual não pode haver duas interpretações: ou, as negociações em Bruxelas, permitem ao governo defender o seu orçamento e aplicá-lo (ainda que com concessões) de acordo com as promessas eleitorais feitas há três meses; ou uma capitulação, nesta fase, poderá comprometer toda a estratégia concebida e tornar Portugal numa nova Grécia, o pesadelo de todos os democratas.
2016/01/24
Campanha alegre...
Ao meio-dia, tinham votado 15,8% dos recenseados portugueses. Fraquinho, fraquinho...
Há seis minutos, que estou a assistir em 6 canais (seis!) a uma entrevista de Marcelo Rebelo na mesa de voto de Celorico da Beira. De longe, o candidato que falou mais tempo e em mais canais em simultâneo. Em directo, nos telejornais das 13horas. Com mais de meio-dia para votar, se isto não é propaganda descarada, não sei o que é...
Há seis minutos, que estou a assistir em 6 canais (seis!) a uma entrevista de Marcelo Rebelo na mesa de voto de Celorico da Beira. De longe, o candidato que falou mais tempo e em mais canais em simultâneo. Em directo, nos telejornais das 13horas. Com mais de meio-dia para votar, se isto não é propaganda descarada, não sei o que é...
2016/01/23
Reflexão
Ao contrário da opinião generalizada, os dados não estão lançados, mesmo quando os media portugueses levaram o "candidato da televisão" ao colo.
Num país pouco dado a mobilizações e onde as taxas de abstenção rondam os 50%, não será diferente desta vez.
As razões para que tal suceda são, de resto, conhecidas: iliteracia generalizada, ignorância profunda sobre os verdadeiros problemas do país, admiração bacoca pelos símbolos do entretenimento a que temos direito e medo, "muito medo", do desconhecido. Ora, como bem sabemos, os povos (os portugueses não são excepção) são conservadores por natureza. Preferem votar no que já conhecem, a votarem na mudança. É natural. Há quem lhe chame "instinto de sobrevivência".
Acontece que, no quadro actual das relações do poder em Portugal, não há muitas escolhas, ou alternativas, possíveis: ou se vota no "status quo" - o modelo experimentado em Portugal nos últimos quatro anos; ou se arrisca mudar o modelo, com todos os riscos daí inerentes. Não se trata, sequer, de alterar o regime, porque esse parece de pedra e cal.
Um primeiro passo, frágil e arriscado é certo, foi tentado em Novembro que, de tão recente, não permite (ainda) extrair conclusões apressadas. O caminho é estreito, mas os sinais estão lá. Assim consigam os gestores da coisa pública, levar este barco a bom porto e muita coisa poderá mudar. Para melhor, espera-se.
Depois, há as presidenciais.
Ainda que não sejam eleições comparáveis e, muito menos, possam ser consideradas uma 2ª volta das legislativas, a recente campanha permitiu esclarecer algumas coisas importantes:
Desde logo, a emergência de dois ou três nomes, não totalmente desconhecidos, cujas propostas deixaram antever uma nova forma de fazer política, diferente daquela experimentada até agora. Depois, a clarificação, no campo da esquerda, de quem estava (ou não) verdadeiramente interessado na mudança. Nesse sentido, o surgimento de duas correntes distintas dentro do PS, foi clarificador e, nesse sentido, benéfico. Finalmente, a comprovação, à direita, que não é necessário uma máquina partidária oleada para eleger um candidato, pois, com os principais jornais e canais televisivos a apoiar, até "sabonetes se vendem". Numa sociedade de consumo, a publicidade, compensa.
Amanhã, saberemos, quem ganha. Ou melhor: amanhã, saberemos se há segunda volta ou não.
Em qualquer dos casos, só dois candidatos poderão passar à fase seguinte: Marcelo e Nóvoa.
Porque hoje, é "dia de reflexão" (uma lei completamente desactualizada na era digital), abstenho-me de dar a minha opinião.
Porque penso, e espero, haver uma 2ª volta, deixo já explícito qual será o meu candidato nessa altura: Sampaio da Nóvoa.
Num país pouco dado a mobilizações e onde as taxas de abstenção rondam os 50%, não será diferente desta vez.
As razões para que tal suceda são, de resto, conhecidas: iliteracia generalizada, ignorância profunda sobre os verdadeiros problemas do país, admiração bacoca pelos símbolos do entretenimento a que temos direito e medo, "muito medo", do desconhecido. Ora, como bem sabemos, os povos (os portugueses não são excepção) são conservadores por natureza. Preferem votar no que já conhecem, a votarem na mudança. É natural. Há quem lhe chame "instinto de sobrevivência".
Acontece que, no quadro actual das relações do poder em Portugal, não há muitas escolhas, ou alternativas, possíveis: ou se vota no "status quo" - o modelo experimentado em Portugal nos últimos quatro anos; ou se arrisca mudar o modelo, com todos os riscos daí inerentes. Não se trata, sequer, de alterar o regime, porque esse parece de pedra e cal.
Um primeiro passo, frágil e arriscado é certo, foi tentado em Novembro que, de tão recente, não permite (ainda) extrair conclusões apressadas. O caminho é estreito, mas os sinais estão lá. Assim consigam os gestores da coisa pública, levar este barco a bom porto e muita coisa poderá mudar. Para melhor, espera-se.
Depois, há as presidenciais.
Ainda que não sejam eleições comparáveis e, muito menos, possam ser consideradas uma 2ª volta das legislativas, a recente campanha permitiu esclarecer algumas coisas importantes:
Desde logo, a emergência de dois ou três nomes, não totalmente desconhecidos, cujas propostas deixaram antever uma nova forma de fazer política, diferente daquela experimentada até agora. Depois, a clarificação, no campo da esquerda, de quem estava (ou não) verdadeiramente interessado na mudança. Nesse sentido, o surgimento de duas correntes distintas dentro do PS, foi clarificador e, nesse sentido, benéfico. Finalmente, a comprovação, à direita, que não é necessário uma máquina partidária oleada para eleger um candidato, pois, com os principais jornais e canais televisivos a apoiar, até "sabonetes se vendem". Numa sociedade de consumo, a publicidade, compensa.
Amanhã, saberemos, quem ganha. Ou melhor: amanhã, saberemos se há segunda volta ou não.
Em qualquer dos casos, só dois candidatos poderão passar à fase seguinte: Marcelo e Nóvoa.
Porque hoje, é "dia de reflexão" (uma lei completamente desactualizada na era digital), abstenho-me de dar a minha opinião.
Porque penso, e espero, haver uma 2ª volta, deixo já explícito qual será o meu candidato nessa altura: Sampaio da Nóvoa.
2016/01/21
Uma força matriz da Democracia
Há um aspecto particularmente relevante na eleição para a Presidência da República, que não tem sido devidamente valorizado. Tem, contudo, uma importância vital e um significado profundo. Refiro-me ao facto de, pela primeira vez na história da 3a República termos um candidato, a sério (não uma “lebre”, um boneco de ventríloquo ou os habituais fantoches que sempre aparecem nestas coisas para compor o ramalhete ou dar o toque de pantomima barata que julgam que ainda falta à vida política portuguesa), que não é oriundo das sacrossantas áreas castrense, do direito ou da economia. Sampaio da Nóvoa vem da área da pedagogia. Tem originalmente, pasme-se!, uma licenciatura em Teatro. O Teatro, seguramente uma força matriz da Democracia! E ousa afirmar que a Pedagogia e o Conhecimento são condicionantes e componentes vitais do nosso futuro.
Neste país de burros convertidos em “doutores”, a área de especialidade de Sampaio da Nóvoa é motivo de especulação. Fosse isto um país a sério e a causa a que ele dedicou a sua vida seria, não pretexto para insulto, mas motivo de enorme confiança. Fosse isto um país a sério e a dedicação que ele generosamente demonstrou à causa seria motivo de merecido e grato reconhecimento e nunca pretexto para ataques reles. Fosse isto um país a sério e a simples escolha dos temas Pedagogia e Conhecimento como causas maiores e necessárias de um magistério presidencial seria, isso sim, garantia antecipada de vitória. Fosse isto um país a sério e estaríamos a escolher entre, não um, mas dois ou mais candidatos de cujo programa constariam esses dois temas essenciais.
Há dois candidatos à eleição para Presidente da República de Portugal. Um uniu a Universidade e fez da Pedagogia e do Conhecimento bandeiras últimas da sua acção. Quer formar mais Portugueses capazes. Outro dá “aulas" numa espécie de loja dos 300 em formato HD, com promoções semanais e promessa de desconto em cartão. Quer formar mais imbecis, como se não bastassem os que cá temos.
Vamos ver se isto é um país a sério...
Mas não vamos desistir nunca de o transformar num país a sério.
2016/01/15
Taxi Driver (4)
Para onde?
- Para a Buraca...
Vamos lá ver se arranjamos um trajecto rápido...
- O melhor é ir por Monsanto.
Já estou a ver que sabe o caminho. Isto à sexta-feira é mais difícil. Muito trânsito, ruas cheias de buracos...olhe, mais um!
- Os buracos tapam-se, o trânsito é mais difícil.
Não custava nada. Eu tenho lá um cilindro em casa e uma misturadora para o alcatrão. Vou escrever ao Presidente da Câmara e propôr-lhe o negócio...ele alugava-me a maquineta e eu andava aí a tapar buracos...
- Ao Medina?
Esse...
- Boa. Cada vez que passava por um buraco...pimba!
Pimba! Essa é muito boa...acha que ele aceitava?
- Sei lá, alguns políticos aceitam tudo e o seu contrário...
Pois é...mas, agora, como não há eleições, não precisam de tapar os buracos...
- Agora, estão mais preocupados com a 2ª circular e as árvores que lá vão plantar. Dizem que é para melhorar o meio-ambiente.
Não acredite nisso. São boatos para distrair o pessoal. As pessoas andam cheias de "stress" e é preciso distraí-las com alguma coisa. Se quisessem melhorar o ambiente, proíbiam os carros no centro.
- Ou isso, ou taxá-los como em Londres...
Andamos a dizer isso há anos. Taxavam os carros e criavam corredores para os táxis e para os autocarros. Quem quisesse, deixava os carros fora das cidades e vinha de autocarro.
- Pois, mas os interesses dos automobilistas falam mais alto e, taxar os automóveis, faz perder votos...
Claro, essa é que é essa! Andamos aqui que nem cordeirinhos...os gajos querem é que a malta se porte bem. Que nem cordeirinhos...Isto já é um "big brother". Estamos como no "1984", amigo...
- O livro?
Sim, do George...o Orwell. Leu? E os "Diários" dele (onde escreve sobre os ovos que contava todos os dias na quinta?). As galinhas eram os soldados dele, percebe? Vem daí a ideia da quinta e dos porcos...
- Estou a ver. Os "Diários" (!?), não li. Foi um escritor premonitório. Já estamos em 1984, de facto. Ele e o Huxley...
O do "Admirável Mundo Novo"?
- Sim, esse mesmo. Ainda escreveu uma sequela (Regresso ao Admirável Mundo Novo), mas não era tão boa. O Orwell e o Huxley são dois clássicos. Estão entre os meus favoritos.
Esse segundo livro, não conheço, mas já vi que é cá dos meus...
- Pois, mas isso foi nos anos 30 e 40, do século passado. Agora, com a internet, já andamos todos controlados.
Ah, pois é. O meu patrão sabe sempre (se quiser, claro) onde está este táxi. Estou sempre debaixo de olho...
- Claro, é como os Iphones, estão encriptados e têm um chip que assinala a sua localização.
Todos têm. Os Iphones e os outros telemóveis. Foi assim que eles apanharam os terroristas...
- Claro, agora é mais fácil, vai tudo para a NSA.
Na América, não é? Vi há tempos um filme sobre isso. Aquilo é que é uma bizarma, han? São milhões e milhões de dados, que são todos vistos à lupa...
- Todos, não direi, mas podem sempre fazer uma pesquisa mais direccionada, através de palavras-chave, ou de pessoas suspeitas...
Não foi assim que apanharam o Bin-Laden?
- Bom, que eu saiba, ele não usava telemóvel...mas, de facto, a versão oficial conta que foi através do telemóvel do seu "pombo-correio", quando este foi interceptado no Paquistão. Depois, foi só seguir o "pombo-correio"...
Está a ver?
- Até há um filme sobre isso. Se está interessado na história...
Ah, sim? Como se chama?
- "00.30: hora negra", baseado num livro do Peter Berger, que entrevistou o Laden para a televisão.
Entrevistou-o? Antes ou depois "daquilo"?...
- Penso que antes. Deve ter sido em finais dos anos noventa.
Isso é que eu acho uma estupidez. Esses gajos são uns estúpidos...é como o narcotraficante mexicano que foi apanhado.
- O "El Chapo"?
Esse. São todos uns vaidosos. Querem mostrar-se e dar entrevistas e, depois, pumba!
- Pois, parece que foi através de uma entrevista que lhe fez o Sean Penn, um artista americano...
Esses gajos não prestam. O Craig é que é bom.
- O Craig?...
Sim, o Bond. Transportei-o aqui, neste táxi, aí onde o senhor vai sentado. Estava alojado num hotel em Alcântara e eu fui chamado ao hotel. Quando o vi, conheci-o logo: James Bond!
- É um Bond simpático...
Diz o senhor...
- Nos filmes, pelo menos. Não o conheço pessoalmente...
Ah, pois, se o conhecesse...
- Bom, chegámos.
São 7.50euros. Tive muito prazer em falar consigo. Como se chama?
- Rui...
O meu nome é João. Tome lá o meu cartão, quando precisar de um táxi, já sabe...
- Para a Buraca...
Vamos lá ver se arranjamos um trajecto rápido...
- O melhor é ir por Monsanto.
Já estou a ver que sabe o caminho. Isto à sexta-feira é mais difícil. Muito trânsito, ruas cheias de buracos...olhe, mais um!
- Os buracos tapam-se, o trânsito é mais difícil.
Não custava nada. Eu tenho lá um cilindro em casa e uma misturadora para o alcatrão. Vou escrever ao Presidente da Câmara e propôr-lhe o negócio...ele alugava-me a maquineta e eu andava aí a tapar buracos...
- Ao Medina?
Esse...
- Boa. Cada vez que passava por um buraco...pimba!
Pimba! Essa é muito boa...acha que ele aceitava?
- Sei lá, alguns políticos aceitam tudo e o seu contrário...
Pois é...mas, agora, como não há eleições, não precisam de tapar os buracos...
- Agora, estão mais preocupados com a 2ª circular e as árvores que lá vão plantar. Dizem que é para melhorar o meio-ambiente.
Não acredite nisso. São boatos para distrair o pessoal. As pessoas andam cheias de "stress" e é preciso distraí-las com alguma coisa. Se quisessem melhorar o ambiente, proíbiam os carros no centro.
- Ou isso, ou taxá-los como em Londres...
Andamos a dizer isso há anos. Taxavam os carros e criavam corredores para os táxis e para os autocarros. Quem quisesse, deixava os carros fora das cidades e vinha de autocarro.
- Pois, mas os interesses dos automobilistas falam mais alto e, taxar os automóveis, faz perder votos...
Claro, essa é que é essa! Andamos aqui que nem cordeirinhos...os gajos querem é que a malta se porte bem. Que nem cordeirinhos...Isto já é um "big brother". Estamos como no "1984", amigo...
- O livro?
Sim, do George...o Orwell. Leu? E os "Diários" dele (onde escreve sobre os ovos que contava todos os dias na quinta?). As galinhas eram os soldados dele, percebe? Vem daí a ideia da quinta e dos porcos...
- Estou a ver. Os "Diários" (!?), não li. Foi um escritor premonitório. Já estamos em 1984, de facto. Ele e o Huxley...
O do "Admirável Mundo Novo"?
- Sim, esse mesmo. Ainda escreveu uma sequela (Regresso ao Admirável Mundo Novo), mas não era tão boa. O Orwell e o Huxley são dois clássicos. Estão entre os meus favoritos.
Esse segundo livro, não conheço, mas já vi que é cá dos meus...
- Pois, mas isso foi nos anos 30 e 40, do século passado. Agora, com a internet, já andamos todos controlados.
Ah, pois é. O meu patrão sabe sempre (se quiser, claro) onde está este táxi. Estou sempre debaixo de olho...
- Claro, é como os Iphones, estão encriptados e têm um chip que assinala a sua localização.
Todos têm. Os Iphones e os outros telemóveis. Foi assim que eles apanharam os terroristas...
- Claro, agora é mais fácil, vai tudo para a NSA.
Na América, não é? Vi há tempos um filme sobre isso. Aquilo é que é uma bizarma, han? São milhões e milhões de dados, que são todos vistos à lupa...
- Todos, não direi, mas podem sempre fazer uma pesquisa mais direccionada, através de palavras-chave, ou de pessoas suspeitas...
Não foi assim que apanharam o Bin-Laden?
- Bom, que eu saiba, ele não usava telemóvel...mas, de facto, a versão oficial conta que foi através do telemóvel do seu "pombo-correio", quando este foi interceptado no Paquistão. Depois, foi só seguir o "pombo-correio"...
Está a ver?
- Até há um filme sobre isso. Se está interessado na história...
Ah, sim? Como se chama?
- "00.30: hora negra", baseado num livro do Peter Berger, que entrevistou o Laden para a televisão.
Entrevistou-o? Antes ou depois "daquilo"?...
- Penso que antes. Deve ter sido em finais dos anos noventa.
Isso é que eu acho uma estupidez. Esses gajos são uns estúpidos...é como o narcotraficante mexicano que foi apanhado.
- O "El Chapo"?
Esse. São todos uns vaidosos. Querem mostrar-se e dar entrevistas e, depois, pumba!
- Pois, parece que foi através de uma entrevista que lhe fez o Sean Penn, um artista americano...
Esses gajos não prestam. O Craig é que é bom.
- O Craig?...
Sim, o Bond. Transportei-o aqui, neste táxi, aí onde o senhor vai sentado. Estava alojado num hotel em Alcântara e eu fui chamado ao hotel. Quando o vi, conheci-o logo: James Bond!
- É um Bond simpático...
Diz o senhor...
- Nos filmes, pelo menos. Não o conheço pessoalmente...
Ah, pois, se o conhecesse...
- Bom, chegámos.
São 7.50euros. Tive muito prazer em falar consigo. Como se chama?
- Rui...
O meu nome é João. Tome lá o meu cartão, quando precisar de um táxi, já sabe...
2016/01/08
Eleger (ou não) um trampolineiro
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foto tvi24 |
Depois de termos assistido à maioria dos debates, e excluíndo os sete candidatos com menos possibilidade de passarem à fase seguinte, fácil é concluir que Maria de Belém e Sampaio da Nóvoa, reúnem a preferência da maioria dos portugueses. Serão estes dois candidatos que, em princípio, poderão passar a uma segunda volta, caso Marcelo não consiga reunir uma maioria absoluta à primeira. O "comentador" sabe disso e terá todo o interesse em ganhar logo com mais de 50%, pois não é garantido que consiga aumentar a percentagem dos seus votos numa segunda volta. Também sabe que o candidato adversário poderá reunir a maioria dos votos dispersos nesta primeira fase e, nesse caso, ter mais votos do que Marcelo.
Esta é, neste momento a grande diferença destas eleições: Marcelo corre por si e Belém e Nóvoa, correm entre si.
Curiosamente, ou talvez não, a comunicação social portuguesa (controlada por 3 ou 4 grupos económicos) depois de ter levado Marcelo "ao colo" durante meses a fio, tem evitado publicar sondagens nesta fase dos debates, o que é susceptível de várias interpretações. Marcelo, incensado como o (virtual) vencedor destas presidenciais, desde o anúncio da sua candidatura, surgiu de tal forma destacado nas sondagens (chegaram a dar-lhe 52% à primeira volta) que, dificilmente, podia subir. Ora, como bem observou um comentador televisivo, quando se começa uma campanha com expectativas muito altas, a tendência é para descer. As pessoas inqueridas, conhecem Marcelo da televisão (onde foi visto, semanalmente, nos últimos 20 anos) e é natural que gostem do seu estilo de
conversador nato, que entre meia-dúzia de opiniões avulso, sobre política, futebol ou livros (não esquecendo as "ofertas" dos presuntos aos "pivots") fabricava factos políticos, dizendo tudo e o seu contrário, quando lhe convinha. Nestes seus "monólogos" semanais, nunca escondeu as suas preferências partidárias, chegando a imiscuir-se na linha política do PSD, partido do qual foi secretário-geral. Sem contraditório.
Acontece que, agora, é obrigado a debater com candidatos cultos e experientes no combate político, seja na área partidária (Maria de Belém, Marisa Matias, Edgar Silva), seja na área da cidadania independente (Sampaio da Nóvoa, Paulo Morais, Henrique Neto). E é aqui que o candidato comentador, habituado a dizer tudo e o seu contrário, foi obrigado a responder às questões centrais que preocupam os portugueses: as desigualdades na sociedade, as questões de género, as causas fracturantes, a dívida pública, a promiscuidade entre a política e os interesses económicos, a corrupção ou o Tratado Europeu.
Ontem, mais uma vez, confrontado com as contradições políticas apontadas por Nóvoa, irritou-se, perdeu a calma e chegou ao desplante de sugerir outro assunto, dizendo ao "pivot" de serviço (Clara de Sousa) que mudasse de tema (!?). Percebe-se: não está habituado a ser criticado e sempre impôs a agenda nas suas homílias dominicais. Agora, a arena política é outra. Marcelo, pela primeira vez nestes debates, teve um adversário à altura e foi obrigado vir a terreiro justificar-se pelas incongruências passadas. Vai ser assim, daqui para a frente. Nada será igual, nos quinze dias que faltam. A tendência na campanha poderá ter mudado ontem. O que parecia uma vitória indiscutível do "comentador", poderá vir a revelar-se uma surpresa para muitos. A começar por ele próprio.
2016/01/04
Taxi Driver (3)
Para onde é que vamos?
- Para a Buraca, sff...
Tem algum caminho preferido?
- Talvez pelo Monsanto, há menos semáforos...
Terminou mais um dia de trabalho, não?
- Não, já não trabalho, no sentido formal do termo...
Ah... reformado... Também gostaria de estar assim, agora sou taxista...
- Então?
Tive de agarrar o que havia... a minha empresa foi à falência e tive de arranjar um táxi. Tenho dois filhos para criar. Estão ambos na faculdade, um com 19 e outro com 22. Alguém tem de ganhar dinheiro. A minha mulher trabalha e, até ver, tenho de ser taxista...
- Pois, não deve ser fácil. Ainda para mais há muita concorrência nos táxis...
Concorrência? Isto são tudo "curiosos" que vêm aqui estragar o negócio dos outros. Está cheio de oportunistas.
- Não há controlo?
Controlo? Ando aqui há seis meses e nunca fui controlado. Ninguém controla nada neste país...
- Lá isso, também é verdade... Isto está bom é para os banqueiros...
Lá está, para os banqueiros e para os políticos que estão feitos com os banqueiros. Veja lá na América, se o Madoff não apanhou centenas de anos! Centenas de anos! Ou na Islândia... onde deixaram falir os bancos.
- Certo. Fizeram eles muito bem.
Cá, mandam os gajos para casa com pulseiras, como o gajo do BPN, que pôs os bens todos em nome da mulher. Mas, a culpa também é deste povo que aceita tudo. O meu pai sempre me disse que Portugal era um país muito pequenino e que não sabíamos cuidar de nós. Tivemos aquele século dos Descobrimentos e nunca mais... vivemos sempre à custa de alguém: das colónias, agora da Europa...
- Sim, somos pouco letrados e críticos...
Lá está. Esta gente nova não se interessa por nada...os meus filhos, se eu não fôr acordá-los de manhã ficam a dormir. O mais novo, quando eu, hoje, saí de casa ainda ficou na cama...
- Também têm a vida mais facilitada...
Lá em casa, não. O meu mais velho só teve computador aos 18 anos. Se queria trabalhar num, ia para o meu escritório. Não pago extravagâncias, como aqueles pais que mandam os filhos para Espanha, embebedar-se no fim do curso. Não há para mim, não há para eles. É igual para todos...
- Acho muito bem...
Eu também tive o primeiro carro aos 18 anos, mas o meu pai tinha posses e eu ajudava-o a arranjar carros na oficina. Fazia serões a limpar as peças todas...e hoje ando aqui, a fazer nem sei bem o quê...
- Ainda por cima com esta crise e a falta de dinheiro...
Falta de dinheiro? Tem visto os debates? Veja lá a corrupção que para aí há...começa logo pelos impostos no mesmo ramo de actividade: se você dormir num hotel de 5 estrelas paga 6% de IVA, mas se for a um restaurante em frente, paga 23%! Acha isto bem? Só defendem os grandes grupos económicos...
- Sim, essa afirmação é do Paulo Morais, que também disse que 30% da economia não pagava impostos.
Pois não! 30% ou mais! Já viu para que dava esse dinheiro?...
- Imagino...para pagar reformas, por exemplo...
Sim, eu acho que esse senhor tem razão, mas não devia candidatar-se a presidente da república. Devia ir para o Ministério Público...
- Também acho que faria um bom lugar no MP.
Mas, julga que esta gente vai votar nele? Vão todos votar no Marcelo, porque o conhecem da televisão. Uns broncos. A mim não me enganam, vou votar no reitor da universidade.
- No Nóvoa?
Nesse. Um homem culto e de confiança.
- Bom, chegámos.
São €9,75. Bom ano para si.
- Bom ano.
- Para a Buraca, sff...
Tem algum caminho preferido?
- Talvez pelo Monsanto, há menos semáforos...
Terminou mais um dia de trabalho, não?
- Não, já não trabalho, no sentido formal do termo...
Ah... reformado... Também gostaria de estar assim, agora sou taxista...
- Então?
Tive de agarrar o que havia... a minha empresa foi à falência e tive de arranjar um táxi. Tenho dois filhos para criar. Estão ambos na faculdade, um com 19 e outro com 22. Alguém tem de ganhar dinheiro. A minha mulher trabalha e, até ver, tenho de ser taxista...
- Pois, não deve ser fácil. Ainda para mais há muita concorrência nos táxis...
Concorrência? Isto são tudo "curiosos" que vêm aqui estragar o negócio dos outros. Está cheio de oportunistas.
- Não há controlo?
Controlo? Ando aqui há seis meses e nunca fui controlado. Ninguém controla nada neste país...
- Lá isso, também é verdade... Isto está bom é para os banqueiros...
Lá está, para os banqueiros e para os políticos que estão feitos com os banqueiros. Veja lá na América, se o Madoff não apanhou centenas de anos! Centenas de anos! Ou na Islândia... onde deixaram falir os bancos.
- Certo. Fizeram eles muito bem.
Cá, mandam os gajos para casa com pulseiras, como o gajo do BPN, que pôs os bens todos em nome da mulher. Mas, a culpa também é deste povo que aceita tudo. O meu pai sempre me disse que Portugal era um país muito pequenino e que não sabíamos cuidar de nós. Tivemos aquele século dos Descobrimentos e nunca mais... vivemos sempre à custa de alguém: das colónias, agora da Europa...
- Sim, somos pouco letrados e críticos...
Lá está. Esta gente nova não se interessa por nada...os meus filhos, se eu não fôr acordá-los de manhã ficam a dormir. O mais novo, quando eu, hoje, saí de casa ainda ficou na cama...
- Também têm a vida mais facilitada...
Lá em casa, não. O meu mais velho só teve computador aos 18 anos. Se queria trabalhar num, ia para o meu escritório. Não pago extravagâncias, como aqueles pais que mandam os filhos para Espanha, embebedar-se no fim do curso. Não há para mim, não há para eles. É igual para todos...
- Acho muito bem...
Eu também tive o primeiro carro aos 18 anos, mas o meu pai tinha posses e eu ajudava-o a arranjar carros na oficina. Fazia serões a limpar as peças todas...e hoje ando aqui, a fazer nem sei bem o quê...
- Ainda por cima com esta crise e a falta de dinheiro...
Falta de dinheiro? Tem visto os debates? Veja lá a corrupção que para aí há...começa logo pelos impostos no mesmo ramo de actividade: se você dormir num hotel de 5 estrelas paga 6% de IVA, mas se for a um restaurante em frente, paga 23%! Acha isto bem? Só defendem os grandes grupos económicos...
- Sim, essa afirmação é do Paulo Morais, que também disse que 30% da economia não pagava impostos.
Pois não! 30% ou mais! Já viu para que dava esse dinheiro?...
- Imagino...para pagar reformas, por exemplo...
Sim, eu acho que esse senhor tem razão, mas não devia candidatar-se a presidente da república. Devia ir para o Ministério Público...
- Também acho que faria um bom lugar no MP.
Mas, julga que esta gente vai votar nele? Vão todos votar no Marcelo, porque o conhecem da televisão. Uns broncos. A mim não me enganam, vou votar no reitor da universidade.
- No Nóvoa?
Nesse. Um homem culto e de confiança.
- Bom, chegámos.
São €9,75. Bom ano para si.
- Bom ano.
2015/12/31
Filmes que valem a pena
E pronto, terminou mais um ano. O do calendário e o das efemérides. Também o ano dos acontecimentos, para lembrar e para esquecer. Para esquecer, já basta assim. Para lembrar, entre outras coisas boas, ficam os filmes, o sonho possível, que a realidade não se deixa sonhar.
Comparado com o ano anterior, 2015 não foi um ano de grande safra. Entre as dezenas de filmes vistos, alguns ficaram na retina que é, como quem diz, na memória. Eis os meus favoritos, ordenados cronologicamente, sem qualquer ordem de preferência:
1. PASOLINI de Abel Ferrara (2014)
2. LEVIATÃ de Andrey Zvyagintsev (2014)
3. O ÚLTIMO DOS INJUSTOS de Claude Lanzmann (2013)
4. BIRDMAN de Alejandro G. Jñárritu (2014)
5. O OLHAR DO SILÊNCIO de Joshua Oppenheimer (2014)
6. REGRESSO A CASA de Zhang Yimou (2014)
7. AS MIL E UMA NOITES de Miguel Gomes (2015)
8. LISTEN TO ME MARLON de Stevan Riley (2015)
9. RIO CORGO de Maya Kosa e Sérgio Costa (2015)
10. MINHA MÃE de Nanni Moretti (2015)
Para além dos filmes estreados, de assinalar as retrospectivas e os ciclos dedicados a Roberto Rosselini, Ingrid Bergman, Jacques Tati e Krzysztof Kieslowsky, como os mais marcantes, num ano em que a Medeia e a Midas, uma vez mais, deram a ver bom cinema em Portugal.
2015 seria também o ano do desaparecimento de dois dos mais marcantes realizadores portugueses, Manoel de Oliveira e José Fonseca e Costa. O cinema português ficou mais pobre.
Resta desejar um bom ano - e melhores filmes - em 2016!
2015/12/30
Casa Júlia
"Os agressores, raramente são psicopatas. Não é esse o padrão mais comum. São, normalmente, homens criados em meios sociais de baixa educação, onde o papel da mulher continua a ser de submissão. Estamos a falar de uma questão cultural, ainda que a violência doméstica possa ter lugar em todos os estratos sociais, dos mais pobres e destruturados aos mais ricos e educados. Uma herança de uma sociedade patriarcal e machista, como é a sociedade portuguesa". As palavras são da representante da UMAR (União de Mulheres Alternativa e Resposta) no dia em que a comunicação social anunciava mais uma vítima de violência doméstica: a 29º em 2015. De acordo com o relatório anual da mesma organização, entre 1 de Janeiro e 20 de Novembro, 33 mulheres foram vítimas de tentativa de homicídio. Em 2014, 35 mulheres foram assassinadas por ex-maridos, companheiros ou namorados. Outras sete mulheres foram assassinadas por outros familiares.
Uma verdadeira chaga social e civilizacional, que nos devia envergonhar a todos.
Para combatê-la, foram criados programas, organizações e pontos de apoio (casas abrigo), onde podem ser denunciadas (e protegidas) as vítimas deste verdadeiro flagelo nacional.
Uma delas, é a "Casa Júlia", situada numa esquadra policial de Lisboa, baptizada com o nome de uma dessas mulheres, morta na mesma rua.
Os contactos escritos, para informações ou denúncias, podem ser feitos através do endereço de mail: <casajulia.lisboa@psp.pt> ou, telefonicamente, através dos números: 214161147 e 214161148.
Denunciar a violência doméstica é um dever moral e cívico em qualquer sociedade.
Uma verdadeira chaga social e civilizacional, que nos devia envergonhar a todos.
Para combatê-la, foram criados programas, organizações e pontos de apoio (casas abrigo), onde podem ser denunciadas (e protegidas) as vítimas deste verdadeiro flagelo nacional.
Uma delas, é a "Casa Júlia", situada numa esquadra policial de Lisboa, baptizada com o nome de uma dessas mulheres, morta na mesma rua.
Os contactos escritos, para informações ou denúncias, podem ser feitos através do endereço de mail: <casajulia.lisboa@psp.pt> ou, telefonicamente, através dos números: 214161147 e 214161148.
Denunciar a violência doméstica é um dever moral e cívico em qualquer sociedade.
2015/12/29
Urgente
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A Jovem e a Morte, de Marianne Stokes |
É urgente remodelar as urgências dos hospitais, que não funcionam, quando mais urgentes são os seus serviços. A recente morte do jovem de Santarém, por falta de assistência atempada no tratamento de um AVC, veio despoletar uma discussão velha de anos, agora divulgada pelo relato dos familiares, sem o qual não teríamos sabido a existência de mais quatro casos semelhantes. Ontem mesmo, um novo caso, agora no hospital de Faro, provocou a sexta morte (!?) por falta de assistência a uma vítima de AVC nas urgências, o que excede toda e qualquer tolerância para este tipo de procedimentos.
Invocam-se os cortes verificados na saúde, devido à austeridade financeira a que Portugal está sujeito, como explicação para a falta de médicos nos fins-de-semana. É certamente uma explicação contabilística, que não resolve o problema de saúde dos cidadãos, que têm direito constitucional (SNS) a serem tratados, independentemente de terem posses financeiras, ou não. Em última análise, se os hospitais públicos não estão apetrechados para determinado tipo de intervenções (as operações de doentes, que sofreram um AVC, implicam uma equipa de cirurgiões especializados), devem existir escalas nos principais hospitais nacionais (privados inclusive) que permitam, de forma rotativa e satisfatória, operar doentes em risco de vida iminente. A filosofia só pode ser uma: salvar a vida primeiro e exigir o pagamento depois.
Por outro lado, e não sejamos ingénuos, as lacunas do incensado Serviço Nacional de Saúde, já vêm de longe e não começaram com a chegada da Troika a Portugal. O desmantelamento progressivo de apoios intermediários e unidades hospitalares no interior do país, é uma tendência da última década e iniciou-se com as aberrantes decisões do ministro de saúde de então (Correia de Campos), cujo afã para encerrar serviços, obrigou dezenas de portuguesas irem ter os filhos a clínicas espanholas. Alguém imagina uma cidadã espanhola vir a Portugal ter os seus filhos, por falta de apoios no seu país?
Eu próprio, fui testemunha da falta de meios humanos em diversos hospitais da periferia de Lisboa, nomeadamente durante a noite e nos fins-de-semana. No Hospital Amadora-Sintra, por exemplo. Por alguma razão, as urgências nesse hospital registaram, no ano passado, tempos de espera de 17 e mais horas (!?), o que pode revelar-se fatal, como é o caso de um AVC, com sequelas para a vida.
Não basta, por isso, pedir a demissão, como fizeram os principais responsáveis pela saúde da região de Lisboa. Por muito nobre que o gesto pareça, a causa desta inoperância é estrutural e tem de ser assumida pelos governantes em gestão. O sistema existente não funciona, os meios humanos são reduzidos, os médicos queixam-se de não serem chamados aos fins-de-semana por falta de verbas e os doentes têm de esperar mais de 48horas, antes de serem atendidos. Para seis desses pacientes, a espera foi fatal. E é isto que não pode acontecer. Nunca mais.
Esperemos que o partido do novo governo, responsável pela criação do Serviço Nacional de Saúde, motivo de orgulho de todos nós, saiba extrair as lições desta catástrofe. É urgente tratar das urgências.
2015/12/23
Salvam-se os bancos, pagam os contribuintes
Menos de um mês após a instalação do governo PS (com apoio dos partidos à sua esquerda) surge a primeira divisão entre os partidos da coligação governamental. Na origem, a urgência de votar um Orçamento Rectificativo, necessário para justificar o dinheiro investido no banco Banif. Nada que deva espantar, conhecidos que eram os contornos da falência anunciada deste banco, com maioria de capitais do estado, gerido por privados. Os repetidos alertas e pedidos de intervenção (8!) junto das autoridades europeias de supervisão, não chegaram para encontrar uma solução atempada que previa a integração do Banif na Caixa Geral de Depósitos e, dessa forma, evitar uma falência, aparentemente, desnecessária. Agora é tarde e, para evitar males maiores, o governo PS decidiu vender o Banif ao banco Santander, que apresentou a melhor proposta (150 milhões). Salvam-se os depositantes, os aforradores e (para já) os funcionários do banco falido, mas pagam os contribuintes, que verão os seus impostos aumentados em mais de 3 mil milhões de euros (375 por português). Um mal menor, nas palavras do ministro de finanças...
Percebem-se melhor, agora, as reservas de António Costa durante as conversações com Passos Coelho, após as eleições de Outubro. Nessa altura, as conversações foram interrompidas por falta de transparência nas contas públicas. Aparentemente, o governo cessante teria omitido o "buraco" do Banif, para não comprometer o défice de 3% prometido a Bruxelas.
Sabemos agora que, nem o banco podia ser salvo, nem o défice de 3% será atingido.
Perante tal situação e obrigado a apresentar um Orçamento Provisório a Bruxelas, antes do fim-do-ano, o governo optou por fechar este dossier, com um mínimo de perdas. A decisão, que pode ser justificada pelas obrigações nacionais (depositantes, aforradores, credores e funcionários) e pelas obrigações internacionais (apresentação de um Orçamento na Europa), não pode agradar ao partido do governo e, ainda menos, aos partidos de esquerda que o apoiam.
A votação, esta tarde, reflectiu isso mesmo: o PS só podia votar a favor de um Orçamento Rectificativo, que apenas passou devido aos votos de abstenção do PSD. Coerentemente, o PCP, os Verdes e o Bloco de Esquerda, votaram contra.
Esperemos, que a lição, tenha sido apreendida de vez. Urge, agora, rectificar os procedimentos de supervisão e controlo do sistema bancário português, cuja crise estrutural e sistémica já levou à falência de 4 bancos (BPN, BPP, BES e BANIF) nos últimos 7 anos.
Nada justifica que continue a faltar dinheiro para as pessoas, enquanto há dinheiro para salvar os bancos.
Percebem-se melhor, agora, as reservas de António Costa durante as conversações com Passos Coelho, após as eleições de Outubro. Nessa altura, as conversações foram interrompidas por falta de transparência nas contas públicas. Aparentemente, o governo cessante teria omitido o "buraco" do Banif, para não comprometer o défice de 3% prometido a Bruxelas.
Sabemos agora que, nem o banco podia ser salvo, nem o défice de 3% será atingido.
Perante tal situação e obrigado a apresentar um Orçamento Provisório a Bruxelas, antes do fim-do-ano, o governo optou por fechar este dossier, com um mínimo de perdas. A decisão, que pode ser justificada pelas obrigações nacionais (depositantes, aforradores, credores e funcionários) e pelas obrigações internacionais (apresentação de um Orçamento na Europa), não pode agradar ao partido do governo e, ainda menos, aos partidos de esquerda que o apoiam.
A votação, esta tarde, reflectiu isso mesmo: o PS só podia votar a favor de um Orçamento Rectificativo, que apenas passou devido aos votos de abstenção do PSD. Coerentemente, o PCP, os Verdes e o Bloco de Esquerda, votaram contra.
Esperemos, que a lição, tenha sido apreendida de vez. Urge, agora, rectificar os procedimentos de supervisão e controlo do sistema bancário português, cuja crise estrutural e sistémica já levou à falência de 4 bancos (BPN, BPP, BES e BANIF) nos últimos 7 anos.
Nada justifica que continue a faltar dinheiro para as pessoas, enquanto há dinheiro para salvar os bancos.
2015/11/25
Com a morte na alma...
O Presidente da República indicou António Costa como primeiro-ministro. Não indigitou, mas indicou. Este, como lhe competia, no mesmo dia (!), entregou-lhe a lista dos ministros escolhidos. Cavaco, não parece convencido. Terá com Costa mais uma conversa.
Falta alguma coisa?
Não sabemos. Com este Presidente, o "delay" é uma constante. Há quem pense que o homem é incompetente. Outros, que ele estará doente. Há quem ache ser apenas uma vingança mesquinha, por não suportar dar posse a um governo de esquerda, ainda por cima apoiado pelo Partido Comunista e pelo Bloco de Esquerda. Tudo é possível.
Pessoalmente, penso que a falta de sentido de estado e de valores democratas, são os grandes defeitos deste presidente. Sempre pensei, de resto. Não é surpresa nenhuma. Esta "mise en-scene" era escusada e, só se compreende, vinda do mentor de uma política reaccionária e autoritária de anos, que não se importa de adiar o país, desde que a sua vontade prevaleça. Triste fim para uma carreira política que sempre se pautou pela mediocridade e pelo conservadorismo mais pacóvio.
Dito isto, a culpa não foi só dele. Foi de quem o apoiou e em quem ele sempre se apoiou, a começar pelos amigos, pelo partido a que pertence e pelos agentes económicos e financeiros deste país. As clientelas. Também dos seus votantes. Não foi ele eleito quatro vezes, sempre com maioria absoluta? Vinte anos da vida política do país, metade dos quarenta que leva esta democracia. Então?
Aparentemente, terminou um ciclo na vida política portuguesa. Um mau ciclo. Pior do que os últimos quatro anos, será difícil. "Avec la mort dans l'âme" (como diria Sartre), Cavaco vai ter de empossar Costa e o executivo por este indicado.
As tarefas, que esperam o novo governo, são enormes. Desde logo, internamente, quando todos sabemos que a economia não cresce o suficiente para pagar as despesas e a dívida pública continua a aumentar. Depois, externamente, quando sabemos que os "mercados" e os credores, serão agentes activos na destabilização deste governo de pendor socializante.
Resta a composição governamental, onde os "pesos pesados" e as "surpresas" se misturam, naquilo que pode ser considerado um governo de "experiência e juventude", sempre uma escolha pessoal do primeiro-ministro. Pesem algumas surpresas (cultura, defesa, educação, justiça...) o governo parece equilibrado. Pessoalmente, gostaria de ver todos os partidos, que assinaram este acordo, representados no governo. Daria mais consistência ao executivo e responsabilizaria os seus co-autores. Não foi possível. Aparentemente, as diferenças são maiores que as convergências. É pena. Foi o que se pôde arranjar.
Resta desejar os melhores votos à governação que agora se inicia. Estaremos cá para apoiar e criticar, sempre que isso o justifique.
Falta alguma coisa?
Não sabemos. Com este Presidente, o "delay" é uma constante. Há quem pense que o homem é incompetente. Outros, que ele estará doente. Há quem ache ser apenas uma vingança mesquinha, por não suportar dar posse a um governo de esquerda, ainda por cima apoiado pelo Partido Comunista e pelo Bloco de Esquerda. Tudo é possível.
Pessoalmente, penso que a falta de sentido de estado e de valores democratas, são os grandes defeitos deste presidente. Sempre pensei, de resto. Não é surpresa nenhuma. Esta "mise en-scene" era escusada e, só se compreende, vinda do mentor de uma política reaccionária e autoritária de anos, que não se importa de adiar o país, desde que a sua vontade prevaleça. Triste fim para uma carreira política que sempre se pautou pela mediocridade e pelo conservadorismo mais pacóvio.
Dito isto, a culpa não foi só dele. Foi de quem o apoiou e em quem ele sempre se apoiou, a começar pelos amigos, pelo partido a que pertence e pelos agentes económicos e financeiros deste país. As clientelas. Também dos seus votantes. Não foi ele eleito quatro vezes, sempre com maioria absoluta? Vinte anos da vida política do país, metade dos quarenta que leva esta democracia. Então?
Aparentemente, terminou um ciclo na vida política portuguesa. Um mau ciclo. Pior do que os últimos quatro anos, será difícil. "Avec la mort dans l'âme" (como diria Sartre), Cavaco vai ter de empossar Costa e o executivo por este indicado.
As tarefas, que esperam o novo governo, são enormes. Desde logo, internamente, quando todos sabemos que a economia não cresce o suficiente para pagar as despesas e a dívida pública continua a aumentar. Depois, externamente, quando sabemos que os "mercados" e os credores, serão agentes activos na destabilização deste governo de pendor socializante.
Resta a composição governamental, onde os "pesos pesados" e as "surpresas" se misturam, naquilo que pode ser considerado um governo de "experiência e juventude", sempre uma escolha pessoal do primeiro-ministro. Pesem algumas surpresas (cultura, defesa, educação, justiça...) o governo parece equilibrado. Pessoalmente, gostaria de ver todos os partidos, que assinaram este acordo, representados no governo. Daria mais consistência ao executivo e responsabilizaria os seus co-autores. Não foi possível. Aparentemente, as diferenças são maiores que as convergências. É pena. Foi o que se pôde arranjar.
Resta desejar os melhores votos à governação que agora se inicia. Estaremos cá para apoiar e criticar, sempre que isso o justifique.
2015/11/24
Algo é algo...
Portugal tem um novo primeiro-ministro.
Depois de mais de cinquenta dias de audições, já não era sem tempo.
Algo é algo.
Depois de mais de cinquenta dias de audições, já não era sem tempo.
Algo é algo.
2015/11/17
Da Hipocrisia
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Foto Mint Press News |
Sigo, como a maior parte das pessoas, as notícias sobre os atentados de Paris que, ao minuto, passam nos principais canais televisivos. As análises dos "experts" (poucos) e dos tudólogos (muitos) sucedem-se em catadupa. Passada a estupefacção e revolta iniciais, tentamos compreender as razões deste acto de terror gratuito, mais um, entre muitos, que se sucedem em todo o Mundo: Nova-York, Bali, Istambul, Madrid, Londres, Bombaim, Paris, Nigéria, Beirute, Bruxelas...
Aparentemente, todos estes actos, seguem um padrão semelhante, há muito tipificado pelos estudiosos da matéria: puro terror, praticado por fundamentalistas psicopatas, sem qualquer objectivo relevante, que não seja provocar o medo e a insegurança. Através desta estratégia demente, crêem os seus autores poder destabilizar as sociedades democráticas, onde vivem e trabalham a maior parte das comunidades muçulmanas, esperando dessa forma um aumento da repressão por parte das autoridades desses países e a consequente revolta dessas mesmas comunidades, estigmatizadas devido aos actos dos fundamentalistas islâmicos. Porque, estes, não receiam a morte (praticam a auto-imolação), tornam-se mais perigosos e, por consequência, mais imprevisíveis. No fundo, é esse o verdadeiro terror, o medo do desconhecido. Relata-me uma amiga, a viver em Paris, que ontem, no metro, o silêncio era sepulcral. Os passageiros pareciam em estado de choque, olhando-se desconfiados e temerosos do que não podem controlar. Se esse for o estado de alma dos parisienses (e de outros cidadãos do Mundo) no futuro, podemos dizer que o terror ganhou. Voltarão os apelos aos líderes fortes e ao reforço das medidas autoritárias, sempre sugestivos em tempos de incerteza e insegurança, como aqueles que vivemos.
Perante tal cenário, não posso deixar de congratular-me com as medidas anunciadas pelo presidente Hollande, com a "pompa e a circunstância" que Versailles exige. Como deixar de aplaudir? Também os bombardeamentos executados pelos bombardeiros franceses na Síria, contra o quartel-geral do ISIS, me parece de louvar. Nem podia ser de outro modo. No meio de toda esta retórica, uma dúvida sistemática me assalta: mas, então, foi preciso um atentado destas proporções, para a França "descobrir" onde estava o "comando" do Estado Islâmico e bombardeá-lo? Porque não o fizeram antes? Porque esperaram para fazê-lo, agora que todos os argumentos jogavam a seu favor e a maior parte dos países europeus não hesitariam em apoiá-los?
Recordo os atentados contra o "Charlie-Hebdo", nesta mesma Paris, em Janeiro deste ano e a manifestação de líderes políticos de todo o Mundo, que marcharam de braço dado contra a barbárie. Muitos deles, ainda no poder, dirigem governos que continuam a vender armas a grupos terroristas que matam os cidadãos dos seus próprios países. A começar pela França que, ao apoiar os grupos "rebeldes" que combatem o regime de Assad, "alimenta" indirectamente grupos como o ISIS, responsável pelos atentados de Paris. Da mesma forma que a França, também os EUA, a China, a Russia, a Inglaterra e a Alemanha, vendem armas às ditaduras árabes (que apoiam os grupos terroristas) em troca de petróleo.
Sobre a hipocrisia destes políticos, e da política que praticam, estamos conversados.
2015/11/09
Acabou a Tradição
Há dias assim...
Uma pessoa acorda, meio estremunhada, com um telefonema de parabéns, para descobrir que tem mais um ano. Nada de especial, não fora esta data, para além do primeiro dia do resto da nossa vida, ser também o primeiro dia do que resta do actual governo português. Dois em um, portanto.
Porque estas coisas andam todas ligadas, justifica-se a comemoração, a qual irá decorrer ao longo desta jornada: parlamentar, primeiro; lúdica, mais tarde.
Enquanto, na Assembleia, tudo parece decorrer de acordo com a "mise-en-scene" própria do momento, lembram-me os "mercados" que a Bolsa de Lisboa caíu hoje 3%, vá lá saber-se porquê...
Porque a História não se repete, vamos poder assistir a dois dias de apresentação do programa governamental, com o mais que provável "chumbo" por parte da oposição, agora maioritária no hemiciclo. Em si, um momento normal num regime parlamentar, que só espantará quem não está habituado a estas coisas da democracia.
Assim não parecem entender alguns "velhos do Restelo", acantonados, como sempre, num discurso tradicional e bafiento, a lembrar regimes de má memória, como aquele de que nos livrámos há quarenta anos.
Não sabemos - ninguém sabe - que futuro terá um governo diferente. Especulações à parte, avaliar desde já (positiva ou negativamente) um ciclo, que se deseja novo, será sempre um exercício necessário, mas falho de experimentação, a qual terá de ser avaliada diariamente. É este o grande desafio, porventura o maior, neste difícil período da vida portuguesa.
Nada está ganho à partida e seria naíve pensar que tudo mudará, pela simples razão que outro poderá ser o governo. Mais importante do que os governos, são os regimes que os sustentam e nada prova que o actual regime não esteja para durar. Logo, a margem de manobra será sempre curta. Desde já, em Portugal e, não menos importante, no espaço europeu no qual estamos inseridos. É nesta dualidade que o governo do futuro terá de actuar. Da sua capacidade e coesão interna, dependerá grandemente o seu sucesso governamental.
Lembramos: no passado dia 4 de Outubro, a maioria dos eleitores votou, inequivocamente, contra o modelo de austeridade levado a cabo nos últimos quatro anos. É tempo de mudar de políticas. Essa foi a mensagem e é com base neste pressuposto que os quatro partidos da esquerda parlamentar acordaram um programa de governo alternativo. Se, como se espera, o programa do governo actual, amanhã for chumbado, é altura de dar posse a um governo que, mais do que de alternância, seja essencialmente alternativo. Até porque, a tradição já não é o que era.
Uma pessoa acorda, meio estremunhada, com um telefonema de parabéns, para descobrir que tem mais um ano. Nada de especial, não fora esta data, para além do primeiro dia do resto da nossa vida, ser também o primeiro dia do que resta do actual governo português. Dois em um, portanto.
Porque estas coisas andam todas ligadas, justifica-se a comemoração, a qual irá decorrer ao longo desta jornada: parlamentar, primeiro; lúdica, mais tarde.
Enquanto, na Assembleia, tudo parece decorrer de acordo com a "mise-en-scene" própria do momento, lembram-me os "mercados" que a Bolsa de Lisboa caíu hoje 3%, vá lá saber-se porquê...
Porque a História não se repete, vamos poder assistir a dois dias de apresentação do programa governamental, com o mais que provável "chumbo" por parte da oposição, agora maioritária no hemiciclo. Em si, um momento normal num regime parlamentar, que só espantará quem não está habituado a estas coisas da democracia.
Assim não parecem entender alguns "velhos do Restelo", acantonados, como sempre, num discurso tradicional e bafiento, a lembrar regimes de má memória, como aquele de que nos livrámos há quarenta anos.
Não sabemos - ninguém sabe - que futuro terá um governo diferente. Especulações à parte, avaliar desde já (positiva ou negativamente) um ciclo, que se deseja novo, será sempre um exercício necessário, mas falho de experimentação, a qual terá de ser avaliada diariamente. É este o grande desafio, porventura o maior, neste difícil período da vida portuguesa.
Nada está ganho à partida e seria naíve pensar que tudo mudará, pela simples razão que outro poderá ser o governo. Mais importante do que os governos, são os regimes que os sustentam e nada prova que o actual regime não esteja para durar. Logo, a margem de manobra será sempre curta. Desde já, em Portugal e, não menos importante, no espaço europeu no qual estamos inseridos. É nesta dualidade que o governo do futuro terá de actuar. Da sua capacidade e coesão interna, dependerá grandemente o seu sucesso governamental.
Lembramos: no passado dia 4 de Outubro, a maioria dos eleitores votou, inequivocamente, contra o modelo de austeridade levado a cabo nos últimos quatro anos. É tempo de mudar de políticas. Essa foi a mensagem e é com base neste pressuposto que os quatro partidos da esquerda parlamentar acordaram um programa de governo alternativo. Se, como se espera, o programa do governo actual, amanhã for chumbado, é altura de dar posse a um governo que, mais do que de alternância, seja essencialmente alternativo. Até porque, a tradição já não é o que era.
2015/11/08
Tautau
"Caíram as máscaras" é uma das frases mais fortes que li nestes últimos tempos, passo interessante neste processo de extinção do regime instituído pelo golpe de 25 de novembro. Passos Coelho, o epítome do mascarado, vai ficar, em curta nota de rodapé da História, como o homem que colocou o ponto final neste período.
Aparentemente surpreendidos, mas claramente embaraçados, num primeiro tempo até nos mais experimentados dos mascarados se notou um indisfarçável esgar de pânico.
Momentaneamente recompostos, os mascarados tentam agora apanhar e recolocar as máscaras caídas. Mas é aqui que surge a surpresa.
Comentadores, actuais e ex-governantes, moços de recado e jornalistas de turno tentam, em desespero e enquanto mostram finalmente o rosto, recolocar a máscara tombada.
Ouvimos coisas espantosas, ditas com enorme convicção, como esta, por exemplo, de que a coligação de esquerda, vá-se lá saber por que desígnio perverso, se fez para se apoderar do poder ou esta outra supreendente premonição, lançada em registo grave a lembrar um shaman em estado de transe, de que o governo que vai emanar do acordo de esquerda vai governar para as eleições.
Ouvimos coisas espantosas, ditas com enorme convicção, como esta, por exemplo, de que a coligação de esquerda, vá-se lá saber por que desígnio perverso, se fez para se apoderar do poder ou esta outra supreendente premonição, lançada em registo grave a lembrar um shaman em estado de transe, de que o governo que vai emanar do acordo de esquerda vai governar para as eleições.
Ou seja, os mascarados tentam agora colocar as máscaras... nos seus adversários. São eles, eram eles, sempre foram eles, afinal, os mascarados!
Obrigado por estes momentos de stand up comedy, obrigado por esta tentativa de amenizar e de dar um ar "normal" a tudo isto.
Mas não se livram do tautau...
Mas não se livram do tautau...
2015/11/02
DOC's (parte 3)
Dos títulos acima referidos, vimos "Phil Mendrix", um biopic sobre o legendário Filipe Mendes, guitarrista actual dos "Ena Pá 2000!" e dos "Irmãos Catita", que passou pelos históricos "Chinchilas" e "Roxigénio", dos anos sessenta e setenta. Após uma estadia no Brasil, onde residiu durante a década de '80, Filipe regressou a Portugal, para reiniciar uma carreira única, agora "rebaptizado" de Phil Mendrix, em homenagem ao ícone Jimi Hendrix. Excelente documentário, tanto do ponto de vista técnico (som e imagem) como musical, recheado de episódios humorísticos, dignos desta personagem única no meio musical português.
"Talvez Deserto, Talvez Universo", relata o quotidiano de um grupo de doentes mentais, numa ala do Hospital Júlio de Matos, utilizando o método da observação-participativa, onde a descrição e o respeito, pelos personagens filmados, são notáveis. Óptima fotografia e enquadramentos, num preto e branco enevoado, a sublinhar a ténue fronteira entre loucura e normalidade.
Dos ciclos temáticos, "I don't throw bombs, I make films" (da famosa citação de Fassbinder), apresentava uma das melhores selecções desta Mostra. Destaque para "El Proceso de Burgos" (Imanol Uribe), um extenso e bem documentado filme, sobre o célebre processo contra 9 membros da ETA, acusados da morte do Comissário da Brigada Político-Social de Guipúzcoa (País Basco) em 1968. Pesem os inúmeros pormenores do julgamento, contados por todos os implicados, o documentário peca pela extensão e repetição de detalhes, numa sucessão de "talking-heads", algo monótona. Bem mais interessante, seria a trilogia "Afsan's Long Day" (The Young Man was...) de Naeem Mohaiemen, uma reflexão sobre os anos tumultuosos do Bengla-Desh pós-1971, em contraponto com o chamado "Outono Alemão" e as espectaculares acções da "Armada Vermelha" japonesa, quando o terrorismo internacional era transversal a diversas zonas do globo.
No mesmo ciclo, destaque para dois filmes italianos, o excelente "Colpire al Cuore" (Gianni Amelio) sobre um jovem em crise, desconfiado das relações do pai com uma amiga acusada de terrorismo; e a curta-metragem "Hipóteses sobre a morte de G. Pinelli" (Elio Petri), onde são encenadas 3 versões da morte do anarquista Pinelli, acusado do atentado da Piazza Fontana (Dezembro de 1969) e que, segundo a versão policial, teria saltado da janela da esquadra, o que lhe provocou a morte. O caso, que se tornou emblemático, denuncia as práticas da polícia italiana e é igualmente relatado num dos melhores filmes deste ciclo, "A Orquestra Negra", sobre o "complot fascista" organizado com o apoio da CIA na Itália dos anos sessenta.
Ainda sobre a mesma problemática, dois filmes alemães históricos: o primeiro, "Deutschland im Herbst" (com Rainer Werner Fassbinder, Bernhard Sinkel, Edgar Reiz, Volker Schlondorff e Wolf Biermann e.o.), sobre os dias que se seguiram ao assassinato, em 1977, de Hanns-Martin Schleyer, às mãos do grupo Baader-Meinhof. Imagens que correram Mundo, desde o enterro do presidente da confederação dos patrões alemães, até à prisão dos terroristas e ao posterior anúncio da sua morte (alegadamente por suicídio) na prisão de Stammheim. O filme, que termina com imagens do funeral dos três terroristas, encontrados mortos nas suas celas, tenta articular e explicar um sentido para esta estratégia de luta, que caracterizou a extrema-esquerda europeia nos anos setenta; o segundo, "Die Bleierne Zeit" (Margarethe von Trotta), é uma encenação da relação das irmãs Meinhof (Marianne e Julianne) personalidades antagónicas, que permanecem unidas até ao trágico desenlance na prisão de Stammheim, após o qual, Julianne (jornalista), toma conta do filho da irmã e inicia uma investigação sobre as causas da morte de Marianne. Dois clássicos a ver e rever, sobre um dos períodos mais conturbados da história europeia recente. O DOC's 15, acabou, mas os documentários continuam.
P.S. Durante o Festival, fomos informados da morte do cineasta José Fonseca e Costa. Um desaparecimento, de algum modo anunciado, dado o estado de saúde do realizador nas últimas semanas. O cinema português perdeu uma referência e um autor de filmes marcantes, onde se destacam "O Recado", "Os Demónios de Alcácer-Quibir", "Kilas, o mau da fita", "Sem Sombra de Pecado", "Balada da Praia dos Cães", "Cinco Dias, Cinco Noites" e "A Mulher do Próximo". O cinema e, por extensão, a cultura portuguesa, estão de luto. A nossa homenagem.
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