2009/06/18

Belgais apresenta risco sistémico

Algumas reacções que o meu post de ontem suscitou fizeram-me pensar. Enquanto reflectia sobre a dificuldade em lhes dar resposta o senhor Primeiro Ministro veio em meu auxílio: "Querem saber um erro [da governação socialista]?" perguntava ele aos jornalistas ontem à saída do parlamento. "Se há um erro que é possível indentificar ao longo destes anos, é que talvez deveríamos ter investido mais na cultura."
Porque faria o Primeiro Ministro uma tal declaração?
Simples: porque sabe que a cultura é uma área onde admitir erros não "custa" votos e porque são os próprios agentes culturais que impedem muitas vezes que a cultura se torne o centro do debate, que passe a valer votos e que a ausência de uma política neste sector custe caro a qualquer executivo.
Nao quero estar a alimentar polémica esteril, mas insisto neste tema porque algumas das críticas que são feitas ao projecto Belgais me merecem atenção e alguns dos críticos me merecem respeito...
Mas, acho (é a minha opinião e o meu argumento de combate) que não devemos alimentar esta "polémica" dos pretensos pecados financeiros de Belgais. Aliás, nem sei se os há, admito que sim, embora ninguém os tenha denunciado claramente... No caso de Belgais nem há o limite do trânsito em julgado, porque Belgais já foi condenado sem remissão.
Belgais não passa de um pretexto. A verdade é que a cultura tem sido, é e vai continuar a ser vítima da indiferença ou do interesse parolo de todos os governos. De vez em quando, qual estrela cadente, há um brilho fugaz no céu, mas rapidamente o curso normal das coisas é retomado.
Para os vigaristas, os corruptos, os bandidos que poluem sectores vitais da nossa vida colectiva, total complacência, tolerância e compreensão. Para Maria João Pires e Belgais, a roda já! Que "activos" poderia Belgais ter?
A verdade é que este tratamento iníquo não menoriza, nem retira importância à cultura. Mas aceitar uma discussão nestes termos (e é o que muitos críticos de Belgais fazem) acaba por resultar nisso: menorização e secundarização desta área.
O que posso dizer, sem ter dúvidas, é isto: o que conheço e o que presenciei em Belgais revelaram-me um projecto que estava em contacto com o Céu. Estava solidamente alicerçado nos seus pressupostos e na sua filosofia de actuação. Como escrevi anteriormente, o futuro estava certo em Belgais.
Ora, para criticar Belgais, para retirar apoios a Belgais, para ser comissão liquidatária do futuro, o estado teria de ser melhor que Belgais! O estado teria de ser Belgais, de demonstar uma igual exuberância de actividade e profundidade de desígnios . Mas não foi nem é esse o caso. O estado limita-se a retirar o pipo e deixar que o frágil balão se esvazie, passageiro. Que nomeasse gestores para melhor lidarem com os dinheiros públicos, se foi esse o pecado de Belgais. Que lhes desse umas pensões chorudas para melhor os atrair, mesmo que essas pensões custassem outro Belgais... Que criasse um "mau Belgais" para absorver os produtos tóxicos gerados pelo projecto. Que "nacionalizasse" até Belgais, admite-o perfeitamente. Mas que preservasse, pelo menos, o essencial de tudo aquilo. Para poder criticar Belgais...
Não é o primeiro ministro, que agora confessa o pouco apetite socialista pela coisa cultural, que contra os problemas defende a acção firme e condena o conformismo? Pois, Belgais foi acção contra o problema da indiferença.
O que a gente retira de tudo isto é apenas o seguinte: Belgais não apresentava risco "sistémico"... Não há o menor perigo de os "clientes" defraudados ocuparem instalações ou fazerem esperas ao senhor ministro à porta de um qualquer parque de estacionamento.
Cabe-nos a nós demonstrar que houve, há e haverá mesmo risco sistémico para a vida do país se este tipo de comportamentos continuar a ser aceite.
E a discussão útil está na busca dos termos adequados para o provar.

2009/06/15

Pérolas a porcos

Em Julho de 2006 escrevi aqui, a propósito da partida de Maria João Pires para o Brasil e do fim da sua associação ao projecto de Belgais, que com ela afastada tudo aquilo iria acabar por definhar e morrer. Escrevi na altura que era um sentimento quase de luto que experimentava. Hoje Joana Pires, filha de Maria João fez saber que Belgais "vai fechar devido a um arresto de bens e à falta de apoios." Um fim bem pior do que eu próprio antecipava em 2006. 
Ainda alimentei a esperança de que o património criado por Belgais fosse aproveitado de alguma forma, reconvertido ou reutilizado, apesar de tudo. Nunca pensei que os responsáveis regionais e nacionais se dessem ao luxo de deitar, simplesmente, tudo aquilo para o lixo. Infelizmente, assim aconteceu.
Joana Pires revela agora que "após o encerramento da escola do primeiro ciclo da Mata e do Coro Infantil, não deve restar nada do projecto de Belgais iniciado pela minha mãe".
Em 2003 acompanhei na escola da Mata, perto de Belgais, a assinatura de um protocolo entre o ministro de educação de então (cujo nome não ficou para a história) e os responsáveis do Centro de Estudo das Artes de Belgais. O objectivo do protocolo era a criação de uma parceria entre essas duas estruturas com vista à integração, naquela escola, do ensino artístico com o programa do primeiro ciclo. A cerimónia decorreu com a devida pompa e circunstância. Para além do ministro, o cortejo oficial integrava um sem número de figuras que não queriam naquela altura ficar fora daquele retrato.
No final, numa singela cerimónia que decorreu já em Belgais, o Coro Infantil de Belgais presenteou todas aquelas luminárias com uma comovente intervenção musical. A enorme qualidade do coro, o total empenho e alto grau de responsabilidade daquelas crianças, constituia o fecho perfeito para aquela cerimónia: o Coro era a prova viva --para quem soubesse ou quisesse ler tudo aquilo-- de que os ideólogos de Belgais estavam certos. O futuro estava certo.
Foram pérolas deitadas a todos aqueles porcos.
Belgais acaba agora, com direito a arresto e tudo.
Fica-me a recordação da intervenção do Coro Infantil de Belgais no "Coimbra Vibra!" (cf. foto), um evento que ajudei a criar no âmbito do que foi Coimbra Capital da Cultura 2003...

2009/06/14

As cancelas da internet

Para os leitores do Face Oculta que não são utilizadores do Facebook (eu sou), conto rapidamente como funciona esta "rede social". Qualquer pessoa se pode inscrever. Depois de inscrito, cada um trata de ir construindo a sua "rede", dirigindo convites a pessoas das suas relações, que ainda não sejam utilizadores deste serviço, para se tornarem "friends", ou encontrando, através da pesquisa de nomes ou de endereços electrónicos, gente conhecida que já seja utilizadora do Facebook. Depois de inscrito e de ter a sua "rede" constituída, o novo utilizador do Facebook está pronto a tirar partido deste serviço publicando os seus pensamentos, trocando mensagens, partilhando músicas, fotos, textos ou outro material existente na internet.
Aqui há dias ocorreu uma pequena avalanche no Facebook por causa de um escrito anódino que foi "marcado" como censurável por alguém, que por via dos mecanismos do próprio Facebook tem de ser "friend" do autor do escrito. (*) Esta "marcação" é uma função do Facebook, criada, quero crer, com a melhor das intenções, para denunciar material que possa ser considerado de facto impróprio. Ao "marcar" uma mensagem, um video, ou outra qualquer coisa, é desencadeado um processo que permite aos gestores do Facebook exercer o seu poder discricionário (que ninguém pode contraditar) e "bloquear" o acesso do utilizador a estes serviços. No caso vertente, não só o utilizador, mas também os "friends" que comentaram o seu escrito e até poderiam estar em desacordo com ele, foram impedidos de aceder ao Facebook.
Este episódio, meio ridículo, meio preocupante, desencadeou um movimento enérgico em torno da defesa do direito à livre expressão do pensamento do utilizador do Facebook em causa e dos seus comentadores.
Até ao momento, segundo creio, o movimento não teve consequências e o acesso do utilizador não foi restaurado, mas a sua simples expressão é já sintoma de que algo vai acontecer.
Em última análise os utilizadores do Facebook prejudicados por esta medida mudam-se para outro serviço deste género --tão facilmente como entraram-- e denunciam publicamente este episódio, o que não será bom certamente para o negócio.
As tentativas de controlo da internet, de condicionamento dos seus utilizadores e de limitação dos seus conteúdos, são um atentado intolerável aos direitos individuais, uma absoluta negação do espírito que presidiu à criação e expansão da net e, em última análise, são tentativas condenadas ao fracasso porque podem sempre ser contornadas por um qualquer expediente informático. A proibição é uma palavra proibida na internet e ainda bem.
Por mim, sou contra qualquer tentativa de limitar o uso da internet.
Como diz Francisco Teixeira da Mota num artigo recente do Público "a internet é um direito fundamental". É-o, e é-o cada vez mais, à medida que o seu acesso se universaliza e se simplifica. O Conselho Constitucional francês tomou recentemente uma decisão que é uma prova prática disto mesmo que disse: não é possível, determinou este organismo, restringir por via administrativa o acesso à internet de alguém, mesmo que sobre esse alguém recaia uma qualquer razão específica, legítima, de queixa sobre o uso que faz da rede. Qualquer irregularidade cometida sobre um assunto específico tem que ser tratada no âmbito desse assunto específico. Desta forma --e foi esta questão que esteve na origem da decisão daquele Conselho--, o acesso à internet não pode ser cortado a uma pessoa que tenha feito downloads de música ilegais, por exemplo. Esta é matéria que terá de ser tratada de forma circunscrita.
De forma muito simplificada, é um pouco como se eu estivesse envolvido num acidente rodoviário e me fosse proibido o direito de me deslocar nas estradas. Ou se eu cortasse abusivamente o acesso à agua a um vizinho e fosse proibido de beber água.
Na China, assistimos neste momento a uma tentativa caricata de controlo da liberdade de circulação digital. O governo chinês prepara-se para fazer entrar em vigor a lei designada por "Cancela Verde" que obriga à instalação de software que restringe o acesso à internet. O objectivo, segundo os seus proponentes, é o de filtrar conteúdos pornográficos ou considerados "ordinários". Os chineses, dizem, tentam proteger as crianças.
Este software foi, aparentemente, implementado sem a audição dos fabricantes mas, a par dos seus propósitos mais ou menos virtuosos, parece permitir também bloquear blogs críticos do regime ou vigiar os dados dos computadores pessoais. É, de facto, estranho que a iniciativa e o seu controlo pertençam ao estado e que aos pais, a eles próprios pelo menos, não seja dada a chance de controlar o controlo.
No fundo, deixemo-nos de tretas, trata-se de uma tentativa, no mínimo, canhestra, de privar os cidadãos do uso da estrada, sob o pretexto de controlar acidentes.
A internet e as novas formas de socialização, de interacção e transmissão dos conhecimentos que proporcionam constituem uma nova fase do desenvolvimento humano. O mais empedernido adepto do luddismo concordará com esta observação hoje. Vindas de chineses ou de americanos as tentativas de controlo da internet estão votadas ao fracasso. Mas, há que estar vigilante. É que a viagem na internet não é à borla.
A Europa tem um exemplo forte a dar nesta matéria. A recente eleição de um membro do Partido Pirata da Suécia para o PE é sinal de que os europeus são sensívels a este tema e estão atentos, mais talvez do que se julga.




(*) O episódio está descrito aqui.

2009/06/13

Guerras e guerras...

Vamos discutir o Cristiano Ronaldo a sério? Querem...?

O Instituto de Pesquisa para a Paz de Estocolmo anunciou há dias que 2008 foi o ano em que se gastou mais dinheiro com armamento. Cada ser humano "gastou" cerca de 155 euros... Os E.U. vão à frente com 903 milhares de milhões de dólares. Segue-se a China, a França, o Reino Unido, a Rússia e até o "Brásiu" aparece na lista em lugar de destaque. Foi mais de um bilião de dólares gasto em armas, qualquer coisa como 2,4 por cento da riqueza mundial. E isto é o comércio "lícito", ou seja, comércio levado a cabo por empresas estatais ou "de defesa", como hipocritamente são chamadas. Não estão aqui contemplados os valores do comércio "ilícito", nem do comércio de pequenas armas. E tudo isto não passa de uma parte insignificante da estimativa dos gastos globais com a defesa que ultrapassam os mil biliões de dólares (*).

O desporto, principalmente o desporto praticado em equipe, sempre constituiu para mim uma metáfora da guerra. E sempre tive grande respeito por esta manifestação humana. Onde uns vêem um mero pontapé na bola, eu e muitos outros, vemos uma expressão superior do nosso humanismo. Porque somos seres humanos mesmo quando os maus instintos nos querem comandar e porque somos capazes de inventar formas de nos rirmos deles. O desporto é uma metáfora de guerra, não a guerra! Confesso que prefiro a metáfora ao facto real. Preferia mil vezes saber que o meu clube perdeu uma final no último minuto com um pontapé acrobático de fora da área do ponta de lança adversário, do que saber que o meu país bombardeou uma aldeia com napalm. Prefiro saber que não sei que avançado marcou um livre, com a bola a ser "disparada" a 120 km/h, do que saber que morreram mais não sei quantos soldados portugueses, de uma dessas forças que se encontram estacionadas no Afeganistão ou no Líbano, vítimas do fogo de armas que disparam balas reais, que matam realmente. Prefiro saber que o ponta de lança que marcou o tal golo no último minuto foi contratado por uns largas dezenas de milhar de euros, do que saber que o meu governo fechou um negócio para fornecimento de armas a não sei que país, cujos habitantes morrem à fome, mas cujos soldados estão armados dos pés à cabeça com o material mais mortífero e sofisticado.

Kimi Raikkonen, Michael Jordon, Phil Mickelson, Tiger Woods, Fernando Alonso, Roger Federer, Oscar De La Hoya, Shaquille O'Neal, Kobe Bryant, Alex Rodriguez, sabem quem são? São alguns dos atletas que figuram numa longa lista dos mais bem pagos do mundo, onde o C. Ronaldo nem sequer tem ainda direito a figurar. No caso do futebol, David Beckham, o único que figura nesta lista dos mais bem pagos, destaca-se, seguido, muito ao longe, por Lionel Messi e Ronaldinho Gaúcho. Cristiano Ronaldo lá vem a seguir, praticamente a par de outros nomes como Káká ou Tierry Henry. Ou seja: apesar dos flashes, o Cristiano Ronaldo ainda não passa de um artista mediano.

Chamem-me ingénuo, mas confesso que não percebo o coro que para aí se ouve e o que deu a alguns responsáveis políticos e comentadores da coisa pública quando vêm criticar os valores da transferência do Cristiano Ronaldo, fazendo comparações destes valores com os orçamentos para a construção de um novo hospital ou escola, e atribuindo ao montante da transferência o poder de "desvirtuar" a verdade desportiva... A "verdade desportiva"...?! Será também em nome da "verdade desportiva" que se bombardeiam escolas ou hospitais? Quando vir a mesma aplicação e o mesmo arrebatamento de toda esta gente a exigir a redução dos orçamentos de defesa dos países e a reclamar o fim do macabro comércio do armamento, então falamos.


(*) Confesso humildemente a minha dificuldade em grafar de forma correcta estes números com muitos zeros...

2009/06/11

As aventuras de Marcia no Irão

Nesta semana de eleições, as mais importantes realizam sexta-feira no Irão.
Ganhe a facção radical (de Armani Jihad) ou a moderada (?) de Moussavi, numa sociedade teocrática há que ter cuidado com os excessos. As mulheres que o digam.
Sempre em cima do acontecimento, os principais canais de televisão portuguesa já enviaram para Teerão as suas jornalistas de eleição. De todas, a que gosto mais é a Marcia Rodrigues. Passo a explicar:
Ao contrário de Fátima Ferreira ou Judite de Sousa, normalmente escolhidas para relatarem as cerimónias em Fátima e na Praça de S.Pedro, Marcia (como Cândida Pinto, aliás) é invariavelmente enviada para lugares "quentes": Afeganistão, Iraque, Irão. "Where the action is", em resumo.
Desconheço se há um critério por detrás das nomeações, tipo as católicas vão para Roma e as ateias para o Iraque, mas todas elas têm uma coisa em comum: o lenço, ou "chador" nos casos mais extremos.
No meio do povo, lá estava hoje a Marcia, de cabeça tapada, ou lado de uma iraniana de cabeça meia descoberta. A portuguesa, tipo viuvinha "chique", a iraniana versão mais "light" (porque verde) das camponesas do Sado.
Desde que vi a Marcia a entrevistar o embaixador do Iraque em Lisboa, vestida dos pés à cabeça e com luvas negras até aos cotovelos, fiquei rendido. Há ali uma mística, a lembrar a Catherine Deneuve da "Belle de Jour", que nem a Cândida do canal concorrente consegue bater. Não sei bem explicar. Penso que é da combinação dos tons: aqueles cabelos louros tapados pelo lenço Chanel, são fatais. Sensualidade e sofrimento, é o que é. Nem Mahomé resiste a uma mulher assim. Será por isso que elas andam todas tapadas?

2009/06/10

O Dia da (Desg)raça

Enquanto o PR, procurando fugir certamente discurso tecnocrático, faz citações pouco convincentes de Almeida Garrett e Ruy Belo na sua alocução do 10 de Junho, o Instituto Nacional de Estatística informa-nos que o PIB caíu 3.7% (valor comparado com período homólogo de 2008) e 2% face ao valor do trimestre anterior. Esta é a maior queda desde que há registos, segundo dizem. Outras economias revelam quebras mais ou menos significativas, mas o caso português merece uma reflexão mais séria.
Uma percentagem de 90% deste PIB que emagrece sem regime, já está hipotecada para cobrir o défice externo. Aqui há tempos as previsões referiam que o valor deste défice externo subirá para cerca de 100% do PIB já para o ano. Cem por cento...! A percentagem da dívida externa do PIB era de 7.4% em 96 e passou alegremente para 90% no ano passado. Para o ano já não conseguimos com a nossa produção cobrir o défice externo.
Ou seja, para o ano o país está falido !
É neste quadro que lá vamos para mais uma ponte.
Quanto à possível falência... "- Uma desgraça!", pensarão uns enquanto atestam os carros de gasolina importada, preparando-se para zarpar daqui para fora até domingo. "- Uma desgraça!", pensarão outros, que sabem o que devem fazer mas não conseguem, não querem ou não lhes convém fazê-lo. "- Pode ser que, por um acto qualquer de natureza divina, a desgraça caia em desgraça!", pensarão uns e outros...

2009/06/07

A derrota da arrogância

Contrariamente a todas as projecções, o PSD ganhou as eleições europeias. Se houve surpresa nos resultados, a derrota do PS foi a maior de todas. Esta derrota devia obrigar o governo, e o partido que o apoia, a parar para pensar. A avaliar pelas declarações de Sócrates, o governo não governa para eleições e vai continuar o rumo traçado. Em direcção ao abismo, diremos nós. O pior não é este governo perder a maioria absoluta nas legislativas. O pior é o PSD poder voltar a governar e, desta forma, poder manter a rotatividade dos partidos de sempre. Há, no entanto, outros cenários possíveis: uma coligação à direita (PSD/CDS), uma coligação à esquerda (PS/BE) e um governo minoritário do PS. Em qualquer dos casos, o ciclo governamental do primeiro-ministro parece estar a terminar. Isso, já por si, é uma boa notícia. O autismo e a arrogância pagam-se caros.

Enfermidades

Reagindo certamente à violência do texto de Saramago, os eleitores italianos deram ao partido dessa "coisa perigosamente parecida com um ser humano [que] manda num país chamado Itália" a maioria dos votos nas eleições de hoje naquele país...
O pior é que não parece ter sido só em Itália que os eleitores se mostraram indiferentes aos valores invocados pelo Nobel português. Como sublinhou Paulo Rangel, essa história da penalização dos partidos do governo é uma treta. Só nos países onde os partidos socialistas chefiam governos é que as eleições para o PE lhes foram desfavoráveis. Nos outros países, governados por partidos de direita, os partidos de governo foram premiados, obtendo vitórias, o que significa, na opinião de Rangel, uma rejeição generalizada das políticas "socialistas".
Será que os povos europeus acreditam mesmo que esta "crise" afinal é resultado de políticas de esquerda...? Ou serão os partidos socialistas que teimam em prosseguir as suas políticas andróginas e pagam depois por isso?
E estará Rangel --o declarado vencedor do grande concurso da "chuva de estrelas" da direita portuguesa-- convencido que os partidos à direita do PS já deixaram de precisar da "lebre" socialista para marcar o ritmo da sua própria corrida?

2009/06/05

Cidadania (4)

No próximo dia 7 de Junho não irei votar para as Eleições Europeias.
Após 13 anos sem exercer o direito de voto, e quando me preparava para gozar do direito a que o novo Cartão de Cidadão "obriga", foi-me dito que o recenseamento encerrou a 8 de Abril, o que impediu a actualização da morada em tempo útil. Castigo de Santo Sócrates que deve ter adivinhado que eu me preparava para votar contra o seu partido. Ficará para Setembro, só que aí o meu voto não contará por dois. É pena, mas quem esperou 13 anos pode esperar três meses...

2009/06/02

Give the fucking money back!

A televisão portuguesa está, desde esta manhã, a transmitir em directo a ocupação do BPP por um grupo de clientes, portugueses e estrangeiros, que se dizem lesados pela administração do banco. Devem ter razão. A avaliar pelas declarações de alguns dos intervenientes, advogado incluido, há mais de seis meses que esperam por uma resposta da administração e do Banco de Portugal sobre as poupanças que ainda não foram devolvidas. O BPP teria oferecido uma solução faseada (em quatro pagamentos) mas os depositantes querem o dinheiro já. Como bem expressou um emigrante português de chapéu à "cowboy": "I want my fucking money, back!". Nem mais. Eu, no lugar dele, diria o mesmo. Ainda não chegámos ao Texas!

2009/05/30

A verdadeira diferença entre o bestial e a besta está nos pequenos actos

Uma notícia de ontem dava conta que o executor (um dos...) de Victor Jara, um tal José Adolfo Marquez, tinha sido localizado e detido no Chile. O homem tem hoje 54 anos e teria à data 18. Obedecia, dizia ele, a ordens de Manuel Contreras, comandante da sua unidade e mais tarde fundador da DINA, a polícia política de Pinochet.

O que terá levado um rapaz de 18 anos, soldado --que confessou o crime, mas agora exige que peçam também contas aos altos comandos-- a disparar sobre o corpo de um cantor, indefeso, que nem sequer a sua guitarra podia tocar, um corpo coberto de sangue, uma massa de ossos partidos?

Num texto admirável sobre os ecos do golpe de Pinochet chamado "Between the Silence and the Screams" (*), Peter Read e Marivic Wyndham, descrevem os momentos finais de Jara. Foi levado da Universidade Tecnica del Estado, juntamente com centenas de outros que aí se reuniram enquanto decorria a tomada do Palácio de La Moneda, para o então chamado Stadium Chile. Juntaram-se-lhes depois os operários das chamadas "cinturas industriais" do Chile. No total estariam detidos no estádio uns 5 000 prisioneiros. Reconhecido por um dos tropas durante a detenção, uma criatura a quem chamavam "Príncipe" (um camarada de armas do Marquez, "alto, louro e simpático"), foi antes levado para um balneário do estádio, agora transformado em câmara de tortura. O "Príncipe" terá "reservado" Jara para si. Quando foi levado finalmente para o relvado do estádio, já mal se podia manter em pé, sangrava e tinha ossos partidos.

"Foi nessa altura", escrevem Read e Wyndham, "que Jara pediu aos seus amigos que lhe arranjassem uma caneta e papel e começou a escrever a sua última canção.

Há cinco mil de nós
Nesta pequena parte da cidade
Há cinco mil de nós
Quantos haverá no total?
Nas cidades e no resto do país...
Só aqui, há dez mil mãos que plantam sementes
E fazem trabalhar as fábricas


Ninguém sabe se ele terminou a canção, mas as suas últimas palavras foram:

O que eu vi, nunca tinha visto
O que senti e sinto
Dará origem ao momento..
.

Jara conseguiu passar o papel aos amigos antes que os guardas o viessem buscar para um último encontro com o "Príncipe" durante o qual foi de novo provocado e espancado. "Canta agora se conseguires filho da puta!" Uma provocação a que Jara respondeu, cantando um verso da canção Venceremos, o hino do Partido de Unidade Popular de Allende. O seu extraordinário acto de temeridade, ouvido por muitos no estádio, provocou ainda mais represálias de grande crueldade. Terá sido nessa altura que o "Príncipe" lhe fracturou os pulsos."

Foi também nessa altura que um oficial jogou roleta russa com Jara e que este Marquez e os outros crivaram o corpo do poeta e cantor com 44 balas. Foi já no relvado para onde foi arrastado, provavelmente antes do crepúsculo, no dia 16 de Setembro, que morreu.

A linha que divide a barbárie da civilização é ténue, mais ténue do que se pensa. A besta revela-se no "príncipe" mais encantado. Lembro-me de, na altura do golpe, ter sentido uma enorme revolta e de ter experimentado uma angustiante sensação de impotência. Hoje, pergunto-me como foi possível algo como o que se passou no Chile ter acontecido. Pergunto-me como é que, depois deste horror, a ocorrência, noutras partes do mundo, de actos bárbaros semelhantes a este tem sido de novo possível. Mas pergunto, acima de tudo, em que pequenos actos, feitos de cobardia, desleixo ou ignorância, deixamos medrar esses actos maiores. O Marquez pode estar em nós próprios...


(*) Hearing Places, Sound Place, Time, Culture - Ed. Ros Bandt, Michelle Duffy e Dolly MacKinnon; foto de Victor e Joan Jara do Freedom Archives.

2009/05/29

Obrigado ERC

A decisão da ERC relativa ao Jornal da Noite da TVI parece aquela história do "pato com laranja" de que alguns se lembrarão. É chocante (profundamente chocante!) a decisão, são chocantes as justificações e os processos da ERC e constituem um verdadeiro escândalo as cínicas declarações de Arons de Carvalho sobre este assunto. A imaginação corre à solta quando se pensa nesta figura a "regular" a pasta da comunicação em tempos anteriores...
Tudo isto cheira a mafia e a trampolinice, e revela claramente os tiques autoritários e fascitóides desta governação "socialista", para além de revelar o grau de "isenção" dessa "entidade reguladora da comunicação" (só o título causa logo um calafrio!).
Ninguém me ensina a ver um telejornal, ninguém me diz o que eu posso ou não posso ver, já tenho um pai que chegue! E digo-vos mesmo mais: nunca fui fã da Manuela Moura Guedes, mas vou passar a ver e ouvir o dito Jornal da Noite religiosamente todos os dias... Pode ser que aprenda com a informação da TVI aquilo que o "rigor" e a "independência" de outros serviços informativos me impedem de conhecer.
Obrigado ERC.

2009/05/26

Da problemática do Ego

Nesta longa e desconcertante saga em que se transformou o caso BPN e a respectiva comissão parlamentar de inquérito, o dia de hoje ficará certamente para a história como o momento "zen" desta investigação. Como não bastassem as amnésias de Dias Loureiro ou os desmentidos de António Marta, surge agora Oliveira e Costa a "pôr a boca no trombone" e a acusar tudo e todos: Victor Constâncio do Banco de Portugal, os "dez accionistas" do BPN, Dias Loureiro (um ego problemático) e, calcule-se, Miguel Cadilhe o qual, de acordo com as declarações do ex-director, ganharia "só" duas vezes e meia mais do que Costa em dez anos (!?). Tudo gente de egos desmedidos. Do dinheiro desaparecido, não se falou. Para onde foram os mais de mil milhões que, entretanto, voaram e levaram o BPN à maior falência fraudulenta da história bancária portuguesa? Essa devia ser, de facto, a questão central.
Tudo indica que as acusações pessoais não acabarão por aqui. Agora que a "caixa" de Pandora foi aberta, é dificil não imaginar uma reacção dos visados à mortal acusação de Costa. Temos de reconhecer: os banqueiros vivem dias dificeis. Com tantos "egos" em disputa, só mesmo uma cura de divã. Um bom negócio para psicanalistas.

2009/05/24

Desenrascanço

Mãos amigas (como sói dizer-se...) fizeram-me chegar a referência de um site cuja leitura atenta parece revelar mais do que a curiosidade, divertida e anódina, poderia indiciar.
Dez palavras, diz o site, que fazem falta na língua inglesa. Por ordem de importância. E a palavra que, segundo os autores do site, mais falta faz na língua inglesa é, imaginem, desenrascanço! Assim mesmo, em português.
Uma qualidade que, sem dúvida, os portugueses sobrevalorizam, mas também subvalorizam.
Foi com base no desenrascanço --mais do que na cartografia, tenho quase a certeza...-- que os portugueses foram levados a desbravar novos territórios. Outras nações, à época mais ricas, com mais gente, maiores recursos, nem sequer o tentaram. Mas, os portugueses, na altura já certamente mestres na arte do desenrascanço, lá foram por aí fora. Não foi a cultura do conhecimento, da reflexão filosófica, a capacidade invulgar de organização ou a queda para o planeamento rigoroso que nos levaram a partir por aí. Foi este desenrascanço que nos conduziu mais longe porque, face ao desconhecido e à ausência de receita para o enfrentar, a capacidade de improviso era certamente a única resposta possível, era mesmo a resposta adequada.
Os portugueses são desenrascados por natureza, vá-se lá saber porquê. Não serão certamente os únicos, mas foram e são aqueles que, em determinado momento, melhor souberam usar essa capacidade.
O desenrascanço terá sido o factor chave que nos fez partir e foi, sobretudo, o método de eleição usado na resolução dos nossos desafios expansionistas. O feito foi inequívoco, mas os resultados finais do esforço ficaram-se pelo medíocre. O desenrascanço serviu-nos para atingir a costa do Malabar e sugar ao infiel os recursos abundantes, enquanto era fácil fazê-lo e o resto da malta andava ainda distraída. Quando se perdeu o efeito surpresa e o empreendimento se tornou mais complexo, exigindo mais organização e planeamento, outros tomaram conta das operações.
O exemplo da cortiça é também eloquente. Não é por acaso que o maior produtor e exportador do mundo de cortiça não tem um único centro de investigação sobre o produto e que o assunto raramente merece as atenções dos académicos. Não é por acaso que os produtos de grande valor acrescentado baseados na cortiça são raros. O ataque dos vedantes sintéticos deixou a indústria corticeira portuguesa com as suas debilidades totalmente à mostra... Enquanto se trata de desenrascar a extracção da cortiça e de produzir umas simples rolhas a coisa ainda vai. Quando o grau de rigor aperta e exige mais organização e menos desenrascanço, a indústria baqueia completamente. Numa área sem concorrência significativa, esta indústria não conseguiu passar da fase do desenrascanço.
É que os portugueses, e sobretudo os seus dirigentes, demonstram ao longo da história gloriosa um horror patológico ao planeamento e à organização. E o desenrascanço é uma espécie de desporto nacional e solução única para todos os nossos problemas. Os portugueses teimam em recorrer a uma solução, o desenrascanço, que serve nalgumas ocasiões, mas parece uma qualidade inútil (ou mesmo contraproducente) noutras.
Neste sentido, esta qualidade é manifestamente sobreavaliada por nós.
Mas, por outro lado, paradoxalmente o "génio" português não parece levar este assunto suficientemente a sério. Não soube nunca tirar partido duradouro deste seu talento e não conseguiu criar um "produto" que incorpore esta qualidade e se distinga pela presença implícita desta qualidade.
O MacGyver devia ser português!
Outros povos sabem valorizar as qualidades que os distinguem. Os alemães são frios pensadores e sabem organizar-se como ninguém. Os suiços são rigorosos e precisos. Os italianos têm um sentido estético sublime. Os espanhóis distinguem-se pela sua bravura e destemor. Os japoneses são exímios na extracção da essência das coisas. Souberam todos transformar essas qualidades em mais valias para a sua vida, souberam exportá-las ou acrescentar esse valor aos produtos por eles criados. Souberam inventar produtos que incorporam essas suas características. Um automóvel alemão ou um relógio suiço não são só parafusos e porcas. Um sapato italiano não é simples couro cosido. Um walkman não é só chips de silício.
Os alemães não são os únicos pensadores, os italianos não são os únicos estetas e os espanhóis não são os únicos bravos. Mas, todos eles conseguem reflectir na sua economia as suas qualidades únicas, que são tão estimáveis como o nosso desenrascanço.
Os portugueses esgotam-se na efemeridade do improviso, e o produto do seu labor desfaz-se antes dessa, digamos, marca de água deixar o seu cunho nos bens tangíveis por si produzidos. Não deixam lastro. Têm uma qualidade única que se perde no seu próprio exercício. Tocam uma espécie de jazz sem escola...
Nesse sentido subavaliam o impacto deste desporto do desenrascanço que tão bem cultivam.
O desafio tem, pois, de ser outro! Estará na altura de apostar na institucionalização a sério do desenrascanço. Está na hora de criar mais valia e enriquecer o país com esta qualidade. Esqueçam as perfeitas patetices que são o Allgarve ou o Portugal: West Coast da Europa, ou a aposta nas "novas tecnologias" como panaceia para os nossos males.
O que precisamos é saber aplicar correctamente a capacidade de desenrascanço portuguesa, institucionalizá-la e transformá-la numa prática sustentada e erudita. Nem que para isso os portugueses tenham que chamar alguém mais organizado para teorizar sobre o desenrascanço e ajudar a estruturar e planear a exploração dessa qualidade sui generis... Saibamos criar uma economia em volta desta nossa qualidade inata, em vez de impôr a criação de qualidades de que não fomos dotados, para servir conceitos económicos lambidos à pressa entre passagens administrativas, como agora se tenta fazer.
Desenrasquemo-nos! Mas, a sério...
Que diabo, até a Cracked Entertainement, editora de publicações de humor e proprietária do site Cracked.com, sendo uma empresa que se leva a sério, reconhece e valoriza perante os seus leitores esta qualidade e lamenta a falta do conceito na língua inglesa... Isto vale ouro meus amigos!

2009/05/20

Viver de pé atrás

Hoje, a propósito do tema da qualidade e do preço dos combustíveis, ouvi alguém comentar que há um problema de confiança dos consumidores nas gasolineiras. Concertação de preços --ninguém acredita nela, mas deve ser como as bruxas...--, aditivos desconhecidos --não existe nenhuma certificação independente neste domínio--, é tudo "guerra comercial", proclama com leveza o secretário de Estado da tutela. A esta desconfiança nas gasolineiras, acrescentava o comentador, junta-se a desconfiança nas empresas do sector financeiro, bancos e outras, envolvidas nos tempos que correm em casos que deslustram totalmente o seu objecto social. Em quem podemos nós acreditar?
A somar a tudo isto, acrescento eu, existe uma total desconfiança dos cidadãos nas instituições do Estado. Desconfiamos das polícias, das finanças, da justiça, da saúde, da educação, das autarquias, dos serviços municipalizados, etc, etc, etc. Ninguém escapa! Desconfiamos do Estado porque colocamos nas suas mãos uma parte significativa dos nossos proventos, fora o que nos é sacado à sorrelfa, e em troca somos brindados com a sua ineficácia e com o seu total e absoluto desprezo por nós. E desconfiamos do Estado porque, quando tudo aponta para que seja o Estado o alvo de todas as desconfianças, somos nós que somos por ele tratados com desconfiança...!
A própria imprensa, veículo através do qual nos vão chegando, timidamente, alguns ecos das pequenas e grandes traições da confiança, não merece grande confiança, ela própria, conhecendo-se o seu enquadramento institucional e a sua própria lógica de funcionamento, totalmente distorcida, que fere de morte qualquer sombra de confiança que nela pudéssemos originalmente depositar.
A elementar prudência leva a que vivamos, pois, hoje mais do que nunca, de modo generalizado e permanente, de pé atrás.
Bem podem as marcas, as empresas e outras instituições, particulares ou oficiais, invocar pretensos inquéritos que nos tentam fazer acreditar que elas são dignas de toda a confiança. Volta não volta lá ouvimos a empresa A a gabar-se que foi distinguida com o galardão de merecedora da maior confiança dos Portugueses, ou a marca B a dizer que estes a distinguem entre todas as outras. Para acreditar em tudo isto era necessário que os próprios inquiridores, as empresas de sondagens, de auditorias, etc nos merecessem confiança. Mas, não merecem. A discrepância entre o mundo real e o mundo por eles fabricado é total. E sabemos todos que é possível produzir resultados bastante lisonjeiros "martelando" as componentes dos inquéritos e das análises e introduzindo factores de amortecimento de eventuais apreciações negativas ou aldrabando pura e simplesmente os resultados por interesses corporativos. O mesmo se passa no caso da defesa do consumidor. Quem nos defende dos defensores?
As instituições vão sobrevivendo, no meio da generalizada desconfiança que delas os cidadãos hoje têm. E sobrevivem muito à custa de toques e retoques de imagem. O culto da boa imagem é fundamental. O universo institucional vive para a e da imagem. Muito legítimo e importante trabalho académico acabou como mero lastro das técnicas de produção de imagem. O que gera desconfiança sobre os produtores de imagem --que buscam "legitimidade científica" para a venda a retalho-- e sobre a academia --que não parece servir para muito mais do que inspirar os retalhistas. Enquanto a boa imagem passar, o mundo de faz de conta das empresas, organismos oficiais e outras instituições vai-se aguentando. Mas nós sabemos que as imagens são efémeras e o Photoshop uma grande ferramenta.
É uma verdadeira espiral de desconfiança esta em que nos encontramos mergulhados. O conto do vigário é hoje o primeiro e único mandamento desta nova religião.
Religião? Eu falei em religião?! Bem, o melhor é não me alongar mais...

2009/05/17

Viver da crise

Naquela linguagem hiperbólica que os sacerdotes adoram cultivar, o Cardeal Patriarca perguntava recentemente se "queremos resolver a 'crise' ou queremos também 'escutar' a crise?" O advérbio atrapalha, mas a antinomia é clara e parece-me infeliz e gratuita. Resolver e escutar são faces da mesma moeda.
Não sei, no entanto, se a pergunta, com subtis ressonâncias críticas, não terá sido feita para dentro da confraria. Mas sei que esta anda há séculos a fazer ouvidos moucos a esta e a todas as outras crises. Diria mesmo que vive da surdez, vive da crise.
As interrogações do prelado trazem, por sua vez, outras interrogações ao espírito. Quando diz que é necessária uma nova consciência, está implícita uma crítica à velha. Mas, lembro-me do fortíssimo contributo da confraria para velha consciência e, nesse, sentido, não posso deixar de pensar numa co-autoria da crise.
Olhando a nova ordem social que está em marcha, olhando os fenómenos globais que hoje se manifestam por todo o mundo, olhando as posições da confraria sobre as inúmeras e mais ou menos visíveis emanações de tudo isto, olhando ainda as suas ancilosadas posições sobre o percursos que o mundo hoje tenta percorrer, interrogo-me sobre a sua capacidade para "escutar" a crise e, em decorrência, sobre o verdadeiro sentido do alerta.
Esta, como outras confrarias, vive das crises e sobrevive nas crises. Por outro lado, conhecemos bem o destino que as novas consciências têm tido na história da confraria. Que sentido fará pois o apelo para escutar esta crise?

2009/05/14

Turista Acidental

Na visita que, por estes dias, Cavaco Silva faz por terras turcas, todos os dias há discursos e declarações avulso. Por exemplo: "A Turquia faz falta à Europa, como a Europa é necessária à Turquia", ou "Portugal teve de esperar sete anos para entrar para a Europa", ou esta, a lembrar o inesquecível Tomaz, "É a segunda vez que aqui estou. Estive aqui, neste mesmo lugar, há seis anos. Da outra vez não tirei fotografias, agora vou fixar o momento". A mais citada, do guia explicando porque é que as mulheres têm de ficar atrás dos homens nas orações, também é boa: "As mulheres à frente, como têm de pôr a cabeça no chão, podiam atrapalhar os homens" (?!). Claro que não há discriminação das mulheres na Turquia moderna, apressa-se a esclarecer o tradutor. Cavaco e a esposa acenam afirmativamente.
Sabemos todos que este tipo de visitas, acompanhadas de dezenas de empresários portugueses (sempre os mesmos) não se destinam a discutir nada de essencial, para além dos negócios e do óbvio.
Pesem as boas intenções e troca de gentilezas - A Turquia deve entrar na Europa - não ocorreu a Cavaco que algumas das razões pelas quais a Turquia ainda não entrou na UE (e já está à espera há mais de sete anos) tem exactamente a ver com coisas tão óbvias como: pertencer à Ásia, a maioria da população ser muçulmana, não respeitar os direitos das minorias curdas, manter ocupada parte da ilha de Chipre, ser uma democracia musculada onde o exército tem a última palavra e, dada a religião dominante (o Islão), ainda manter as mulheres em segunda fila, nas mesquitas e não só...
Porque Portugal está num extremo da Europa e não tem problemas fronteiriços ou outros (imigração, por exemplo) com a Turquia, não custa nada fazer declarações inóquas. Não é esta a opinião de Merkel e Sarkozy que já declararam alto e bom som que não querem a Turquia na União Europeia. Como são eles quem (ainda) manda nesta Europa, bem pode o nosso presidente continuar a tirar fotografias ao Bósforo.

2009/05/13

A diferença

Paul Krugman, o Nobel da economia, diz que a recessão que vivemos não é como as outras e que as medidas que têm estado a ser implementadas pelos governos e investidores são desadequadas. De facto, ou é do meu ouvido, ou aquilo que mais se ouve hoje para os lados do poder, é um enorme coro de assobios para o lado. A crise existe e manifesta-se diariamente, assumindo as formas mais variadas e violentas. Afecta tudo e todos, mas o que observamos no meio do drama social real que vivemos é um empenho de plástico para disfarçar a indiferença. No fundo, os velhos hábitos, as velhas taxonomias sociais, a arrogância e o exercício pecaminoso da hipocrisia continuam a prevalecer. E as crises, sabemo-lo bem, até dão jeito.
O que é que originará então a diferença notada agora por Krueger nesta recessão?
No Brave New World, a personagem Lenina lembra-se de ter um dia acordado subitamente e de ter dado conta do murmúrio constante que condicionava todo os seus sonos. Recordava a voz suave que repetia incessantemente "Todos trabalham para todos os outros! Não sobrevivemos sem os outros! Até os Épsilons são úteis! Não sobreviveríamos sem os Épsilons!" E o tom calmante dessa voz conduzia-a de novo ao sono.
"Suponho que os Épsilons não se sentem verdadeiramente mal por serem Épsilons?" perguntava então Lenina a Henry. "Claro que não!" retorquia Henry. "Como seria isso possível? Eles não sabem o que é ser outra coisa."
A diferença talvez resida no facto de agora, depois de ter tido que pagar os desmandos dos Alfas e dos Betas e de ter perdido o seu emprego, agora até o Épsilon mais Épsilon sabe.

2009/05/12

A miopia

A Sociedade Portuguesa de Oftalmologia (SPO) alerta para a possibilidade de o Magalhães poder vir a fazer disparar os casos de miopia. O tamanho do portátil e o das letras obrigam as crianças a uma leitura "muito próxima", alegam os especialistas.
A leitura mais próxima que podemos fazer é a de que está enganada a SPO. A miopia já era um verdadeiro problema de saúde pública em Portugal, antes do Magalhães entrar em cena. O próprio Magalhães é a prova disso.
Tremo agora só de pensar o que pode vir a ser a "geração magalhães" daqui a vinte ou trinta anos. Imaginem uma versão míope da "geração rasca", prima afastada da "geração dos 500", filha dos pais do Magalhães...

A Europa deles

De acordo com as mais recentes sondagens, 60% dos portugueses não pensa votar nas próximas eleições europeias de Junho. Interrogados sobre a razão da sua abstenção, 37% responderam que as eleições europeias não têm interesse. Na Europa, propriamente dita, a percentagem de abstenções não difere muito da portuguesa e esse é um motivo que devia preocupar os eurocratas que nos representam. Lamenta-se, mas percebe-se.
Quem ontem viu o "debate televisivo a 13", onde pela primeira vez puderam estar presentes todos os candidatos partidários registados, pode perceber a razão deste desinteresse. Para os partidos maioritários (PS e PSD) a Europa é uma questão tão "evidente" que já não merece discussão. Para quê referendar o Tratado de Lisboa se o "povo" não o entende? Para quê referendos, se Portugal nunca referendou nenhuma Constituição ou Tratado na história da União?...
Moreira, o vital pavão socrático, chegou ao ridículo de dizer que os portugueses nunca foram chamados a referendar nenhum dos grandes momentos da sua história; desde o 25 de Abril (!?) à Independência...Estaria ele a referir-se a 1143? Porquê, esta obsessão com o referendo, agora? Não ocorreu ao constitucionalista de Coimbra que a Constituição Portuguesa foi modificada de forma a permitir tal referendo e, mais importante ainda, que este foi uma promessa eleitoral do partido que Vital representa na Europa? A arrogância e o desplante dos "partidos do centro" (em Portugal, como no hemiciclo europeu) face às exigências e direitos democráticos das populações que supostamente representam e são frequentemente silenciadas, não têm limites. Quando, algum dos países membros não respeita o "guião" do politicamente correcto - caso da Holanda e da França em 2005 e da Irlanda em 2007 - aqui d'el rei que a União está em perigo! Nessa altura não se poupam esforços para trazer a "ovelha tresmalhada" para o rebanho. A Irlanda votará quantas vezes for necessária até que o "sim" à Europa seja obtido. Bonita democracia, esta!
Se alguma coisa o debate de ontem provou, pesem os esforços manipuladores da apresentadora mais interessada em dar a palavra aos grandes partidos, foi a recusa dos restantes onze candidatos em participar na farsa europeia proposta pelo PS e pelo PSD. A Europa que os grandes partidos querem não é, de certeza, a dos cidadãos. Resta, agora, aguardar o dia da votação para confirmar se a penalização do "bloco central" é uma mera especulação, ou se confirma o desencanto geral.

2009/05/08

Lealdade e apoio

Basílio Horta, o circunspecto e respeitável presidente da API e o homem a cujos calcanhares Paulo Rangel não chega --a não ser que se deixe seduzir pela campanha de promoção do produto que a Maizena entendeu aproveitar para fazer-- já veio agradecer a "lealdade e o apoio" dados pelo ministro Pinho.
A Maizena, segundo se diz, pensa já lançar dois novos produtos no mercado: a Maizena Lealdade, para crianças difíceis, e a Maizena Apoio para crianças carenciadas...
Entretanto, a famosa marca Dr. Scholl's vai lançar uma linha de produtos para calcanhares, em complemento dos conhecidos produtos para o cuidado dos pés... Aguarda-se com ansiedade um produto desta nova linha, feito a partir de chá mexido com colher de prata...
É o regresso do comércio tradicional & dos produtos da nossa infância!

2009/05/07

A CIP quer-se fazer ouvir

O presidente da CIP defende uma coligação. É uma das "medidas" preconizadas para vencer a "crise" e faz parte de um conjunto que consta de um documento apresentado publicamente hoje que vai ser posteriormente entregue ao governo.
Para justificar a coligação, Van Zeller diz estarmos perante uma posição de "abuso de posição dominante" por parte do governo da maioria. Bloco central, ou outra qualquer solução, apressa-se a esclarecer, para dissipar dúvidas osbre se está ou não a fazer política. Porque a CIP, alerta, não é um orgão político... Sabendo que defendeu recentemente uma solução de bloco central e tendo em conta que, como ele diz, "talvez uma coligação transmitisse melhor as nossas preocupações e talvez nos fizéssemos ouvir melhor", é fácil perceber que tipo de coligação o presidente da CIP tem em mente.
Não está certamente a defender uma coligação PS-Verdes...
Ou seja, contra uma solução governativa a solo, prepotente, a CIP vê com bons olhos uma outra solução governativa baseada na mesma maioria abusadora, que agora nos governa, retocada por uma minoria totalmente incompetente, inoperante, que falhou totalmente o simples exercício do seu papel como oposição.
Aqui está o melhor que os capitães da indústria portuguesa conseguem produzir para melhor se fazerem ouvir. É aliás um belo enquadramento para o resto das sessenta propostas da CIP e revela a sua visão e noção de responsabilidade social.
E a avaliar pelo ar solene e pomposo da apresentação, pretendem ser levados a sério...

2009/05/06

Duas Cruzes

Dias Loureiro, esse grande amnésico compulsivo, acaba de acrescentar mais uma metáfora ao seu discurso hiperbólico. Já era dele o célebre "pai, sou ministro!"; mas recentemente tornou-se célebre por ter declarado que "não se lembrava do que assinava". Ontem, acrescentou que assinava de "cruz" os negócios do BPN. Lê-se e não se acredita!
Com tantas "one-liners" arrrisca-se mesmo a tornar-se um clássico e, pior do que isso, criar jurisprudência: a partir de agora, todo o alegado criminoso (independentemente da cor do colarinho) pode dizer que não se lembra. Quem é que vai condenar um amnésico?
Quando o oiço falar lembra-me sempre uma história que me contaram em Itália: certo dia um siciliano dirige-se ao notário para fazer uma escritura e, quando chega a hora de assinar, declara que não sabe escrever. O notário sossega-o e diz-lhe para fazer uma "cruz", que é suficiente. O homem concorda e faz duas "cruzes". Mas, porquê duas, pergunta o notário? O homem sorri e diz: "dottore!...".

2009/05/05

Chá, Maizena e calcanhares

Alguém deveria explicar ao dr. Manuel Pinho que não fica bem a um Ministro da República dizer de um deputado da Assembleia da República que este tem de comer "muita papa Maizena" para chegar aos calcanhares de um alto funcionário do Estado Português. A papa Maizena não será bitola apropriada para ser usada em comparações entre figuras de Estado, por uma outra alta figura do Estado.
O chá sim! O chá é um instrumento legítimo para estabelecer comparações. É perfeitamente possível, por exemplo, detectar a presença ou ausência desta substância numa tentativa de escalada rumo ao cume do calcanhar alheio.
No caso vertente verifica-se que, em matéria de chá, os calcanhares do ministro Pinho são de Aquiles...

O Bloco Central de Interesses

Anda para aí uma grande excitação a propósito das últimas declarações de Jorge Sampaio por este ter sugerido a criação de uma coligação dos partidos do "centro", única forma (segundo ele) de garantir alguma estabilidade governamental e para ver se "saimos disto" - sendo "isto" a situação a que Portugal chegou, depois de anos de desgoverno dos partidos que governaram ao "centro".
A mensagem (subliminar) de Sampaio vem no seguimento de outras opiniões no mesmo sentido (Van Zeller, Belmiro de Azevedo, António Mexia, Mário Soares) e circula entre diversos "capitães da industria" e banqueiros falidos do "sistema".
Curiosamente, ou talvez não, quem de imediato recusou tal coligação (o chamado "bloco central") foram os partidos do "centro", pondo de parte a ideia, remota que fosse, de alianças interpartidárias.
Compreende-se: para o PS, só interessa a maioria absoluta, única forma de continuar a legislatura vigente; para o PSD, só interessa opôr-se ao actual governo, única forma de capitalizar a insatisfação crescente na sociedade portuguesa.
Não será, pois, de esperar qualquer modificação nas estratégias de ambos os partidos até às eleições.
Acontece que entre as estratégias partidárias e a realidade eleitoral, vai uma grande distância. A acreditar nas sondagens que de há um ano a esta parte têm vindo a ser publicadas (nomeadamente as da Universidade Católica, tidas como as mais fiáveis) tudo aponta para uma vitória do PS, mas sem maioria absoluta. Neste cenário, resta ao PS governar em minoria (a exemplo do que fez Guterres entre 1995 e 1999), governar através de acordos pontuais (como tentou Guterres entre 1999 e 2001) ou coligar-se à esquerda (com o BE, por exemplo), cenário que está longe de ser consensual.
Numa situação de maioria relativa do Partido Socialista e uma subida acentuada do PCP e do BE, não faltará quem advoge um governo abrangente de esquerda. Isso seria natural se o PS fosse de esquerda o que, manifestamente com Sócrates, há muito deixou de ser. Não é de excluir a ideia de um afastamento de Sócrates (por iniciativa própria, ou por pressão interna) para facilitar uma maior convergência à esquerda. Mas, o mais natural é - com Sócrates ou sem ele - que o PS seja pressionado pelo Presidente da República a coligar-se à direita. Nessa altura, o parceiro menos natural será o CDS-PP, aparentemente em queda eleitoral. Resta, pois, o PSD, eventualmente com melhor votação do que hoje muitos vaticinam.
É aqui que as declarações de Sampaio, podem ganhar actualidade. Apesar de todos dizerem que não desejam o "bloco central", os interesses do "sistema" acabarão por prevalecer numa sociedade pouca dada a mudanças e conservadora por natureza. É um pouco como a história do lobo: de tanto gritar por ele, quando vier ninguém acreditará...