2013/03/16

Um programa mal concebido


Soubemos hoje, após mais uma avaliação da Troika e da extraordinária comunicação do  ministro Gaspar ao pais, que nenhuma das previsões tinha sido atingida e que todos os indicadores determinantes (valor do défice, produto interno bruto, recessão e taxa de desemprego) tinham piorado. Isto, depois da última visita da troika, em finais do ano passado e das recentes previsões (em alta) do ministro colossal, em Janeiro deste ano. 
Como o disparate há muito deixou de ser quantificável, o “crânio” especializado em economia e finanças que dá pelo nome de Miguel Frasquilho, veio esta tarde ler um comunicado de imprensa onde dizia que “estas revisões deixam à vista de todos que o programa original apresentado em Maio de 2011 tinha sido mal desenhado, mal concebido, com projecções e efeitos que, sabemos agora, tinham pouca ou nenhuma adesão à realidade”.  Como? 
Esta gente ensandeceu, é apenas incompetente, ou pensa que as pessoas andam a dormir? 
Então não foram os partidos desta coligação que, juntamente com o PS, é bom lembrá-lo, assinaram o Memorando em 2011 e que tudo fizeram nestes últimos dois anos, para “ir além da troika” como, muito ufanos no seu papel de bom aluno da Alemanha, sempre afirmaram?
Não fosse a trágica dimensão desta crise, que nos vai conduzir, no curto prazo, a um ponto de não retorno e a uma situação sem paralelo nas últimas décadas, quase dava vontade de rir tanta idiotice junta.  Infelizmente, é verdade. 
Pior ainda, porque mais trágica, foi a completa subserviência da comunicação social portuguesa nesta encenação lúgubre, em que não ouvimos uma pergunta critica sobre a “má concepção” deste programa que nos andam a impingir. Perante esta complacência acrítica, é de recear o pior. Toda esta gente mete nojo.
   

2013/03/01

The cook, the thief, his wife and her lover


De acordo com o “Público” de hoje, Isaltino Morais acaba de criar duas empresas em Maputo.  O autarca tem como sócios, um adjunto da Câmara de Oeiras, um grande construtor civil que tem parcerias com o município, dois criadores de cavalos e três moçambicanos. Desconhece-se a nacionalidade dos cavalos.

2013/02/21

Esta gente não se enxerga

Portugal está numa encruzilhada e, tão cedo, não sairá dela.
É uma verdade de “La Palisse”, mas é necessário pensar depressa, porque a realidade não se compadece com análises macro económicas e, muito menos, com as projecções de Victor Gaspar que, ontem mesmo no parlamento, admitiu o erro crasso que cometeu. Resta saber se por incúria, incompetência, estratégia, ou todas estas coisas ao mesmo tempo...
Já não são necessárias estatísticas do INE, da OCDE ou do EUROSTAT, para os portugueses perceberem o que lhes está a acontecer. A simples observação empírica da realidade que nos rodeia, é um bom barómetro da situação. Basta andar pelas ruas, ver o número de pedintes a cada esquina, ou os sem-abrigo que se amontoam nas arcadas das lojas de luxo da Avenida da Liberdade, dos ministérios no Terreiro de Paço e nas estações do Cais do Sodré e de Santa Apolónia, para confirmá-lo. O número de lojas com promoções acima dos 60%, ou anunciando saldos por encerramento, aumenta de forma exponencial. A restauração (depois do aumento do IVA de 13% para 23%) enfrenta a sua pior crise dos últimos 40 anos e, com o fecho do comércio de retalho, os fornecedores a montante têm cada vez mais dificuldade em sobreviver. A economia há muito que deixou de crescer a níveis mínimos de sustentabilidade (2%) que permitam criar emprego duradouro e impulsionador do consumo para dinamizar a dita. Um círculo vicioso. Chama-se recessão e, como dura há mais de 18 meses, tornou-se estrutural, de tal forma que até o insuspeito economista Cavaco Silva já lhe chamou “espiral recessiva”.
Perante tal calamidade, que está a levar à indigência social e económica milhares de portugueses, que faz o governo? Refugia-se em discursos hiperbólicos, argumentando que a culpa foi de quem deixou o pais neste estado, como se o PSD (em alternância com o PS)  não tivesse governado o país nos últimos 37 anos! Pior: os seus governantes mais odiosos e odiados, mantêm-se em exercício de funções, mesmo quando contra eles pendem acusações tão graves como o das “viagens fantasma” no parlamento, as pressões censórias sobre jornalistas como Pedro Rosa Mendes na TSF ou uma jornalista do “Público”, de recente memória. Isto, para já não falar do escândalo da Ongoing e do papel da loja maçónica da Mozart à qual pertencerá o referido ministro, ou da licenciatura “turbo” feita em 20 meses, uma afronta para todos aqueles que estudam e pagam do seu bolso uma formação de 5 anos!
Não é, pois, de admirar, que nos últimos dias, as manifestações de desagrado e indignação tenham subido de tom, normalmente ao som da “Grândola” de boa memória. Foi no parlamento com Passos Coelho, no Porto e posteriormente em Lisboa com Miguel Relvas e, ontem, com Paulo Macedo, no Porto. Não nos devemos admirar que mais manifestações se repitam por estes dias. A democracia não se esgota na representatividade parlamentar: há muitas formas de protesto e a indignação, como, de resto, a desobediência civil, são apenas duas delas. Ainda não estamos na Grécia, onde a violência campeia nas ruas, mas estamos muito perto e não se podem culpar as pessoas por isso. São as actuais medidas de austeridade que sufocam a maioria da população  e que não lhes deixam alternativas. Até porque, este governo foi eleito com promessas que nunca cumpriu e por isso quebrou o contrato social pelo qual foi eleito. Perdeu, por isso, qualquer legitimidade democrática.

2013/02/15

Esta gente não se aguenta!

É oficial: a politica seguida pelo governo falhou.
 Os números não mentem e, contra números, falham todos os argumentos. O número de desempregados atingiu a fasquia “record” de 920.000 cidadãos inscritos nos centros de desemprego, o que corresponde a 16,9% da população produtiva do pais (ou seja, 1 em cada 5 portugueses está, neste momento, desempregado). Destes, 43% já não recebem qualquer tipo de subsídio ou apoio. Entre os desempregados, 40% são jovens, abaixo dos 34 anos. Se contabilizarmos os desempregados não-inscritos, o total rondará 1,4 milhões, uma cifra nunca atingida em Portugal desde que há memória estatística.
A montante (et pour cause) a queda do crescimento económico é agora de 3,2% do produto, em comparação com o período homólogo, enquanto o crescimento, propriamente dito, não sobe acima dos 0,2% do PIB. Porque uma má notícia nunca vem só, as exportações (essa ilusão macro-económica dos economistas que nos governam) perdeu o balanço que sustentava algum optimismo e, como as economias do Euro começaram a abrandar, compram agora menos às periferias e afectam directamente a nossa balança de pagamentos. “Mutatis-mutandis”, dado que a economia não cresce, não são criados empregos e, sem empregos, não há poder de compra para sustentar a economia, nem dinheiro para pagar os subsídios e apoios sociais de todo o tipo, enquanto a dívida soberana continua a aumentar e a ser paga aos credores.
A jusante, as sequelas começam a ser visíveis a olho nu e já não são necessárias estatísticas para nos convencerem do fosso em que caímos:
As prestações das casas deixaram de ser pagas aos milhares (7.800 no último ano) e, com a nova lei de arrendamentos, este número vai certamente aumentar. No seu relatório anual, publicado no “Público” de hoje, a Caritas revela que 28,6% das crianças portuguesas (mais de 1/4 da população infantil!) estava em risco de pobreza ou exclusão social, número que, provavelmente já aumentou desde então.
As filas, nos centros sociais e nos bancos alimentares, aumentam diariamente e as corridas às reformas dispararam em todos os sectores. Os mais aptos e qualificados procuram saída através da emigração e o desespero instala-se nas famílias sem qualquer perspectiva de futuro. Começa a ser preocupante o número de homicídios e suicídios na sociedade portuguesa, que não podem nem devem ser desvalorizados ou desligados da realidade social actual.
Perante esta verdadeira calamidade social, que faz o governo? Defende a sua politica prometendo-nos um dia melhor (quando?) talvez lá para 2014 ou 2015, se as condições se inverterem, com o argumento que temos primeiro de pagar aos credores (a juros que estes determinam) para dessa forma provarmos ser bem comportados e merecermos a sua condescendência.
Obviamente que ninguém acredita neste “promissor futuro” e, mesmo admitindo que daqui a um ano ou dois as perspectivas mudavam, só um desmiolado acredita que depois de três anos de uma politica de terra queimada, alguma coisa vai subsistir na actual economia. A verdade é que nada vai ser como dantes e todas as conquistas (ordenados, meses-extra, apoios sociais, educação, serviço nacional de saúde, etc.) vão acabar.
E porque a economia vai ser destruída, o governo que se seguir (seja ele do PS, ou outro), não terá outra alternativa a não ser manter a situação neste nível de indigência a que os actuais governantes nos conduziram. É este o dilema. Quanto mais tempo aguentarmos Passos Coelho e a Troika, pior será o nosso futuro.

2013/02/07

Paganismos

Jano é o deus romano das duas caras. Convém alertar os mais crédulos para o facto de que se trata de uma metáfora. Só mesmo um deus, e pagão, poderia ter tais dotes. Jano, na realidade, não existe...
Mas esta ideia das duas faces de Jano leva-me a trazê-lo aqui ao Face a propósito de notícias que hoje  dão conta do caso dos técnicos da Segurança Social que aconselham jovens grávidas, sem recursos, a abortar. Há diversos testemunhos a confirmar esta actuação e o assunto parece estar longe de poder ser considerado resultado de uma acto de algum anormal, demente e em autogestão.
O ministro Mota Soares tem de dar explicações urgentes sobre esta questão. Tem de clarificar tudo isto. O silêncio tem, como Jano, duas caras. E ao CDS/PP, partido a que pertence o ministro e membro da coligação que governa o país, exige-se que venha também a público comentar este assunto.
Olhando para Mota Soares, numa primeira leitura, fico com a fortíssima suspeita de que o ministro não é sequer capaz de olhar para trás, quanto mais para a frente e, pior ainda, ao mesmo tempo...

2013/02/01

Governo B

O que quererá dizer exactamente esta afirmação do PM de que as substituições no governo "não têm dignidade de primeiro plano político?" Significará que estes cargos são menores? Que os novos responsáveis são chumaços que substituem chumaços? Que ser secretário de estado é trivial?
Se não têm dignidade de primeiro plano político para que serve o cargo? Porquê aumentar até o  número destes, confessadamente, quase inúteis? O que pensarão os outros "secretários de estado" de tudo isto?
Qual é então a justificação para que seja o PR a dar-les lhes posse e não o seu chefe de gabinete? E que dizer de um PM que escolhe e chefia um governo de inúteis segundos planos políticos, sem dignidade?

2013/01/21

Conhecer a Dívida para Sair da Armadilha

Realizou-se este fim-de-semana, nas instalações do Instituto Franco-Português em Lisboa,  o “1º Encontro Nacional da Iniciativa para uma Auditoria Cidadã à Dívida Pública”, subordinado ao mote “Crises não pagam dívidas”. 
O Encontro, que fechou o  primeiro ano de actividades da Comissão de Auditoria, eleita em 17 de Dezembro de 2011 no Cinema S. Jorge, tinha como objectivos principais apresentar o “Relatório Preliminar do Grupo Técnico”, avaliar as actividades desenvolvidas em 2012, discutir novos planos de acção e eleger uma nova comissão para 2013. A sessão, para a qual se inscreveram cerca de 400 participantes, entre activistas e apoiantes, encheu literalmente o auditório do IFP, que se revelou pequeno para todos aqueles que se interessam por esta causa pública.
Na sessão da manhã, destaque para o balanço das actividades do IAC neste primeiro ano, e a apresentação do “Relatório Preliminar”, a cargo do relator José Castro Caldas, onde seriam abordados alguns “casos de estudo” investigados.
A parte da tarde seria dedicada às comunicações dos convidados estrangeiros, Éric Toussaint (que já estivera presente no S. Jorge) e António Sanabra Martin, da ATTAC espanhola, para além da aprovação da Resolução deste 1º Encontro Nacional e a escolha da Comissão Coordenadora para 2013, composta de 56 nomes da sociedade civil, 48 dos quais transitam da Comissão anterior.
O IAC continua aberto à participação activa de todos aqueles que, a nível nacional, queiram participar e apoiar este movimento de Auditoria Cidadã à Dívida Pública, o qual entra, agora, no seu segundo ano de actividade.
Para mais informações os interessados podem consultar o “site” do IAC. O “Relatório Preliminar do Grupo Técnico” pode ser descarregado aqui.

2013/01/18

Toma lá o tempero!


Para dar um bocadinho mais de sal à educação, a PSP usa gás pimenta. O Ministério cumpre assim o seu desígnio e "educa".
A polícia diz que evitou uma "acção mais musculada". O Ministério da Educação vai revelar em conferência de imprensa a possibilidade de convidar Rambo para Director Geral do Ensino Secundário, acumulando com funções directivas também nos jardins de infância.
E o país vai preparando desta forma os seus futuros contribuintes...

2013/01/15

De derrota em derrota até à vitória final...

No mesmo dia em que o Banco de Portugal publica o seu “Boletim de Inverno” com as previsões económicas para 2013, o governo lança uma “Conferência para a Reforma do Estado”.
E o que diz o Boletim do BdP?
Entre outras coisas importantes, que haverá uma contracção em 2013, de 1,9% do PIB (o dobro do previsto pelo governo para o mesmo período); o consumo privado irá diminuir 3.6%; o investimento cairá 8,5% e as exportações diminuirão 2,4%. Haverá ainda uma diminuição do emprego (perca real de 88.000 postos de trabalho) e a economia não deve descolar antes de 2014, a uma taxa que não deve ultrapassar 1%.
Ou seja, tudo a correr mal e com fortes possibilidades de vir a correr pior, como de resto qualquer observador, minimamente informado da realidade, podia prever. A “espiral recessiva” veio para ficar e ninguém sabe quando sairemos dela.
Por coincidência, ou talvez não, o governo anuncia com pompa e circunstância, uma conferência sobre a “Reforma do Estado”, a decorrer por estes dias no Palácio Foz, onde falarão diversos especialistas.
E o que dizem os convidados nessa ilustre conferência? Não sabemos. Para além da comunicação de abertura, lida pelo secretário de estado Carlos Moedas e transmitida por todos os canais televisivos, a comunicação social está impedida de transmitir o que vai passar-se nas salas do extinto SNI, à excepção da comunicação final, reservada a Passos Coelho que, obviamente, terá honras de “prime-time”.
Entretanto, o governo pela voz dos seus representantes, chama a atenção para a importância desta reforma e apela a todos os cidadãos para participarem e discutirem, pois dela depende o futuro do pais (!?). Mas, como, se nem sequer as propostas dos especialistas podem ser transmitidas?
Ouve-se, vê-se e não se acredita.
Contrariado por uma realidade que não se compadece com as previsões de Victor Gaspar e os elogios de instituições internacionais, apenas interessadas no pagamento dos juros aos credores, o governo lança mão de todos os estratagemas e mentiras para prolongar esta agonia que só pode conduzir o pais a um ponto de não retorno, com um inevitável pedido de um “segundo resgate”.
Provavelmente, é esta a sua real intenção: destruir as funções sociais do estado para liberalizar depois as suas principais funções e deixar ao glorioso “mercado” impor as suas leis.
Estamos pois, a aproximar-nos perigosamente da situação grega, onde os cidadãos sem possibilidade de pagar a electricidade, abatem árvores para fazerem fogueiras e, dessa forma, poderem aquecer-se. Talvez por isso, o gabinete do primeiro-ministro grego foi ontem alvo de um atentado a tiro, o segundo em poucos dias. Se a moda pega...

2013/01/13

Um euro

Está no ar há já algum tempo uma campanha do BES para atrair os mais novos à poupança. Para o efeito, os miúdos são convidados a abrir uma conta com 100 €. Cem euros. Em troca o pequeno aforrador recebe um mealheiro —concebido por uma estilista de nome sonante, de cujo significativo e diversificado empório comercial faz parte uma linha de vestuário para criança— e, contente, canta  "Tostão a tostão vou juntar um dinheirão!" Por sua vez, o BES oferece, por cada conta aberta, 1 € à Cáritas "para ajudar os meninos que mais precisam."
Cristiano Ronaldo dá crédito à alforria perguntando, em jeito de remate, ao tenro aforrador potencial qualquer coisa como "E tu? Já tens o teu novo mealheiro...?"
O anúncio está, como disse, há tempo no ar sem ter provocado, que eu saiba, uma palavra de indignação a qualquer alma dessas pias e sensíveis que por aí pulula, uma dessas que seja mais dada a contas.
Na aritmética publicitária do BES, criança + tostão + dinheirão + porquinhos de la Prada = um euro para a Cáritas... E depois perguntam-me por que razão resmungo tanto.

2013/01/11

Portugal em 3D

Conta-se que, quando tiveram lugar as primeiras projecções públicas de cinema, os espectadores fugiam quando viam a imagem de um comboio aproximar-se no ecrã, em "direcção" à plateia. A pouco e pouco a habituação apagou o efeito de surpresa. Com o 3D dos anos 50 procurou-se de novo chocar o espectador. Hoje esta tecnologia, muito mais apurada, permite um efeito ainda mais realista.
Apesar das reacções, as imagens produzidas com a velha tecnologia não passavam de ilusão, mas também o era o 3D dos anos 50 e o poderoso 3D de hoje também não é a realidade. Em qualquer dos casos ilusão é o efeito que se pretende criar. Os Na'vi, de facto, não existem...
Com uma simples câmara movida a corda ou com um sofisticado sistema de objectivas duplas, digital, a filmar em alta resolução, o objectivo é sempre o mesmo: produzir um universo virtual que leve o espectador a criar a ilusão de que está mesmo lá dentro e lhe permite povoá-lo com as ficções que o autor induz.
Em Portugal vivemos neste momento em plena era 3D. O governo e os restantes agentes do poder (todos os agentes das diversas formas de poder!) não precisaram sequer de distribuir óculos especiais à população. Tenta-se fazer os Portugueses comer por bom um universo totalmente artificial, criado com perícia e eficácia é certo, mas que não deixa por isso de ser o que é: uma enorme, uma monumental pantominice.
Repare-se, por exemplo, nisto. Aqui há dias foi dito (e não foi desmentido por ninguém!) que o "negócio do resgate" a Portugal permitiu um rendimento de 57% aos investidores. Uma personalidade qualquer alemã (já não me lembro se do governo ou do BCE) chegou mesmo a confessar que a própria Alemanha tinha lucrado bastante com o tal "resgate". As notícias correram os blogs, as páginas do Facebook e foram "tweetadas" até à exaustão. Quando digo "negócio do resgate" refiro-me àquilo que Passos Coelho e o ministro Gaspar classificaram como uma inevitabilidade, o tal "custe o que custar" que obrigou Portugal inteiro a vergar-se à sua lógica e à sua tirania, provocando uma das maiores catástrofes sociais de que há memória em Portugal.
O negócio foi correndo de vento em popa, mas agora, a malta agita-se... As mentiras destes vigaristas, comissionistas locais da finança agiota que tenta tomar conta dos nossos destinos, são cada vez mais evidentes para o comum dos cidadãos, mesmo daqueles para quem a "política" é tabu. A leviandade e a má fé são cada vez mais evidentes e o cataclismo social está cada vez mais iminente. Passos Coelho perde manifestamente o pé. As comadres zangam-se, as fissuras começam a ver-se. O esquema liberal, neoliberal ou como lhe queiram chamar estala por todo o lado, apesaar dos retoques. O arranjinho está em perigo.
Os "mercados" decidem então desapertar a tarraxa e baixar a taxa de juro das "maturidades" (este jargão é impagável!) a 5 e 10 anos para valores semelhantes aos que tínhamos "no final de 2010". São as novidades de hoje.
Em breve (querem uma aposta?), Coelho virá à televisão ou aproveitará um momento em que lhe estendam pressurosamente os microfones e as câmaras para anunciar, sem contradita, que está mau mas estamos no caminho certo e que os "mercados" reconhecem o esforço de Portugal. E irá dizer que vamos finalmente poder reentrar nos "mercados", graças ao esforço feito. Serão estes "mercados" —onde não estamos, mas onde vamos poder reentrar— os mesmos que acham que estamos no bom caminho e que provocam a baixa do juro do mercado secundário? Ou serão os que lucraram 57% com o resgate português? Mistérios...
Este tipo de contradições multiplica-se ad nauseum. Não parece contraditório, por exemplo, o destino que está a ser dado a este resgate se tivermos em conta as razões que motivaram o seu pedido? Não parecem contraditórias as opções estratégicas tomadas face aos problemas estruturais de que o país padece, tão repetidamente apontados? Não parece contraditório apontar esses problemas, não tomar uma única medida para os solucionar e usar o "resgate" para continuar a promover as causas que levaram ao seu aparecimento?
Os deuses não sorriem a Passos Coelho e parece claro que são cada vez mais os que topam a mentira. O negócio parece pois estar em perigo. Há que, pensarão os mercados, dar alguma folga para não o perder. O governo esclarece-nos que é tudo consequência do nosso bom comportamento. Mas, a verdade é que tudo isto não passa de um escandaloso acto de prestidigitação, ao lado do qual aquele truque do desaparecimento do Boeing parece brincadeira de amadores.
Os portugueses olham atónitos e horrorizados para tudo isto. E muitos vêem um ministro exibir o bronze de Copacabana enquanto procuram a marmita há muito esquecida no fundo da despensa e recolhem cartão para fazer a cama.
Portugal. Em 3D. Sem óculos e sem vaselina.

2013/01/10

Here we go again...

Desenganem-se aqueles que pensam que a economia portuguesa vai voltar a crescer nos tempos mais próximos ou que haverá aumento de emprego por via de investimento feito no nosso pais, única forma de criar riqueza para sair da recessão actual.
Como se não bastassem as medidas de austeridade aplicadas no último ano e meio, que deixaram o cidadão comum a “pão e laranja”, veio ontem o governo anunciar mais um “pacote” de medidas de “ajustamento” (gosto desta palavra) sugeridas pela Troika. As sugestões são de tal modo gravosas que, a serem aplicadas, nos conduzirão à idade das trevas. Provavelmente, é esse o desejo do governo, ainda que não seja de descartar a hipótese de tudo isto não passar de um balão de ensaio para avaliar a reacção da população. Outra hipótese, é a coligação governamental estar a fazer um “tour de force” preparando desta forma uma “demissão honrosa”, caso o Tribunal Constitucional venha a chumbar o OE para 2013. A probabilidade de que, em seu lugar, surja um governo de inspiração presidencial (tecnocrático ou partidário), para prosseguir esta politica suicida, como foi tentado na Grécia (com Papademos) ou em Itália (com Monti), não deve tão pouco ser descartada, quando conhecemos o histórico do FMI em situações semelhantes.
Obviamente que, eleições antecipadas, poderiam, teoricamente, dar a possibilidade aos eleitores de se pronunciarem sobre a justeza e a lógica da actual austeridade. Poderia, inclusive, dar a vitória ao maior partido da oposição, o que não significa que este possa obter uma maioria confortável para governar e, eventualmente, renegociar as condições da “dívida soberana”. Essa força só poderia surgir de um governo de coligação que estivesse verdadeiramente interessado em defender os interesses de Portugal, sem se vergar ao “diktat” da Alemanha e do FMI, coisas que o actual PS não parece estar em condições de fazer, muito menos se não fizer uma aliança à esquerda. 
Estamos pois, perante um dilema, para o qual não se vislumbram soluções fáceis ou de curto prazo, agora que a população foi de tal forma aterrorizada que parece aceitar todas as medidas impostas por este governo. Quando terminar o “ajustamento”, o pais não estará melhor, mas pior, como todos os índices o provam. Ora um pais pior, será um pais mais vulnerável e sujeito a pressões inaceitáveis por parte daqueles de quem dependemos: os credores e as instituições bancárias que nos financiam para pagarmos as dívidas aos primeiros. Um ciclo vicioso que, conduzirá a mais recessão e a um eventual segundo resgate para pôr as contas em dia...Mas, alguém acredita ser esta é a receita para sair desta crise?  Obviamente que não e, mesmo dentro da coligação, as primeiras fissuras são já visíveis. Provavelmente, vamos assistir a mais vozes discordantes, vindas agora de notáveis de ambos os partidos, o que pode originar uma nova realidade: a da implosão do governo, provocada pela insatisfação dos seus próprios membros. Que seja amanhã!

2013/01/04

As boas almas comovem-me

Curioso ver as boas almas da política portuguesa virem agora lançar apelos angustiados sobre o perigo de o TC ser transformado num órgão "político". Chega a ser comovedor ouvi-los!
Esquecem-se que o TC "fez" política quando infelizmente produziu o meio acórdão de Junho do ano passado. Nessa altura estas almas emudeceram. 
Se no ano passado o TC tivesse obrigado o governo a cumprir totalmente a Lei nº 1 tínhamos evitado estes meses de massacre coelheiro e a Constituição não tinha sido desrespeitda... 
Isso sim, foi um mau serviço, é um mau princípio, um péssimo exemplo e um perigosíssimo precendente.
Em democracia não há nada a temer da judicialização da política, mas sim da politização da justiça!

2012/12/31

Entre Belém e Copacabana, venha o diabo e escolha

No final de mais um ano, há sinais que não enganam.
O primeiro e mais significativo é, sem dúvida, a aprovação do Orçamento de Estado por essa figura que ainda dá pelo nome de presidente da república. Não que se esperasse outra coisa, mas determinados actos dizem mais dos seus autores de que tudo que sobre eles se possa escrever. Com o pífio argumento de que “mais vale um orçamento mau do que não ter orçamento” (não vão os “mercados” desconfiar...), o inquilino de Belém manteve o pais num patético “suspense”, para acabar por fazer o que sempre desejou: o frete ao governo que legitima, apesar de todos os sinais nos dizerem que esta politica é profundamente errada e este orçamento impraticável.
O segundo sinal, não menos simbólico, foi a ida em bando (os “good fellas” nunca andam sozinhos) de Miguel Relvas, Dias Loureiro e José Luís Arnaud, para o Rio de Janeiro onde, alojados no Copacabana Palace, vão assistir à passagem do ano. Certamente de consciência tranquila, após as lucrativas operações comerciais em que estiveram envolvidos (ANA, BPN e REN), os “rapazes bons” não deixarão de beber o merecido “champagne” na cidade maravilhosa.
É esta a “família” que nos governa e se governa. Foi assim durante o ano que hoje acaba e é assim há muitos anos. Provavelmente, continuará por muito mais tempo, pois, a acreditar na profecia, “a tradição ainda é o que era”. Ou não?

2012/12/27

“Olhar a lua e não o dedo que a ela aponta”

Artur Baptista da Silva é, por este dias, o homem mais célebre de Portugal. Não é caso para menos. Depois de uma conferência no Grémio Literário, que lhe valeu um convite de Nicolau Santos para participar no programa “Expresso da Meia-Noite”, apareceu e “arrasou” a concorrência. As suas opiniões, sobre as consequências do modelo de intervenção internacional na crise dos países da Europa do Sul, nomeadamente em Portugal, assim como a sua critica ao papel da Alemanha, só pode surpreender quem não ande atento e informado. Afinal, o que disse de substancial Baptista da Silva, que não se soubesse?
Disse que o “resgate”, a que Portugal está sujeito, é de 78 mil milhões de euros, dos quais 34 mil milhões são juros a pagar às três identidades da Troika (FMI, Banco Central Europeia e Comissão Europeia) a taxas que chegam a atingir 5% a 10 anos e mais de 4% em média.
Que a dívida actual (120% do PIB) começou muito antes da crise internacional de 2008, pois, quando entrámos no Euro, já a dívida pública era de 60%. do PIB.
Que parte substancial, dessa dívida original, foi criada ao longo dos diversos programas europeus, que obrigavam Portugal a endividar-se para poder receber apoios da UE. Sem dinheiro para participar, Portugal não podia concorrer aos subsídios, por isso tinha de pedir emprestado para se modernizar.
Que os juros exigidos aos países intervencionados são imorais, pois enquanto a países, como a Grécia e Portugal, são cobradas taxas de juro de 4%, os bancos dos países credores obtém esses mesmos empréstimos, do BCE, a 1%. e emprestam-no a taxas agiotas. Deu, inclusive, o exemplo do Hypo Bank, em Munique, (o segundo maior banco alemão de empréstimos) que, ameaçado de falência, foi resgatado pelo Deutsche Bank em Outubro de 2008 e, posteriormente, nacionalizado em 2009. De acordo com a informação de Baptista da Silva, o Hypo teria pedido um empréstimo de 175 mil milhões de euros ao BCE, para colmatar o “buraco” existente. Dado que a intervenção só custou 120 mil milhões, teriam sobrado 55 mil milhões. Para onde foi este dinheiro? Como não podia voltar ao BCE, ficou no Banco. Ou seja, o Hypo Bank ganhou 55 mil milhões de euros que pôde utilizar em novos empréstimos a taxas valorizadas! Um escândalo, segundo Baptista da Silva, de que ninguém fala. Dessa forma, os bancos alemães enriquecem, enquanto os países do Sul da Europa estão cada vez mais pobres. Mas, Baptista da Silva disse mais: disse por exemplo, que o Memorando com a Troika deve ser renegociado, pois as condições impostas a Portugal e a outros países com programas de intervenção semelhantes, só podem dar maus resultados: mais impostos, menos salários, reformas e subsídios, mais desemprego e mais recessão, aumentando assim o ciclo da pobreza e a dependência cada vez maior dos bancos agiotas. É este o modelo seguido para a Europa do Sul e está a falhar.
Bom, depois disto, não é de admirar que o homem tivesse sido citado em tudo o que era sitio. Não pelo que disse, mas pela exposição e frontalidade com que o fez, ainda por cima perante audiências especializadas que não conseguiram contradizê-lo. Ou seja, o “aldrabão Silva” limitou-se a dizer que o “rei vai nu” e ninguém o criticou por isso, mas pela sua audácia em fazê-lo, especialmente não sendo reconhecido pelos pares.
Está por provar que a acusação ao Deutsche Bank é falsa (fomos verificar e a Wikipedia confirma a operação de 2009, na qual o governo alemão suportou a intervenção com 102 mil milhões de euros). Ninguém o desmentiu. Quanto às restantes opiniões estão dispersas por dezenas de artigos de opinião e trabalhos de reputados cientistas sociais, que dizem exactamente o mesmo que Silva.
Como nos lembra o provérbio japonês: “Devemos olhar a lua e não o dedo que para ela aponta”.

2012/12/23

O Mundo, tal como o conhecemos, está a acabar

Lisboa, quatro e meia da tarde. À saída da estação do Rossio cruzo-me com uma mulher de idade, bem vestida, que me interpela. “Se eu disponho de um momento?”, pergunta-me... Respondo-lhe afirmativamente e ela, puxando-me para o lado, mostra-me um saco de plástico com duas ou três camisas: “Se eu quero comprar uma?”... Não sei que responder e digo-lhe que não necessito de camisas. Puxa-me pelo braço e desfaz-se em lágrimas. Não tem dinheiro, tem uma pequena reforma e o marido está num lar que ela tem de pagar. Não sabe como há-de sobreviver e tem de pagar todas as despesas. Insiste que eu lhe compre a camisa. Após segunda recusa, confessa que nunca pensou ter de fazer tal coisa e está desesperada. “Onde é que vamos parar? O que é que nos está a acontecer?”
Tento consolá-la e digo algumas palavras de circunstância, sem estar muito certo do que se estava a passar. Estabelece-se um curto dialogo. Enquanto falamos, noto-lhe o desespero estampado na cara. Chora convulsivamente. Consigo acalmá-la e ela, já mais conformada, tenta vender-me a camisa pela última vez. Há dignidade na sua pobreza e sinto-me culpado de algo para que não contribui. Despedimo-nos e ela agradece-me, desejando-me boa sorte. À distancia, olho uma última vez para trás e vejo-a entrar na estação à procura de alguém a quem consiga vender a peça de roupa. Provavelmente do seu marido, que não a pode usar...
Não posso deixar de pensar na profecia Maya. O Mundo não acabou ontem, é verdade, mas, para demasiados portugueses, o mundo a que estavam habituados deixou de existir.
A avaliar pelas previsões mais optimistas, tudo será pior em 2013.
Recentemente, o líder do partido grego Syriza, a propósito da situação de intervenção a que estão sujeitos os dois países, dizia que “o Portugal de amanhã, será a Grécia de hoje”. Referia-se à situação de extrema pobreza para a qual foram atirados milhares de gregos nos últimos anos. Uma miséria extrema, que atingiu a classe média, hoje obrigada a procurar comida nos contendores de lixo em Atenas. A degradação humana, na Europa que construiu o estado social.
Algo de terrível nos está a acontecer e a paralisia é má conselheira. Quando se perde a dignidade, não há camisa que cubra a nossa vergonha. É essa a maior miséria.

2012/12/19

Ignomínia!

Vale a pena ver este video publicado no 5 Dias por Raquel Varela. Vejam, vejam e digam lá se ainda é preciso promover debates sobre o que cabe ou não ao Estado fazer, quem paga o quê, e onde se vão buscar os fundos. Vejam, vejam e digam se haverá dúvidas sobre o futuro que esta quadrilha, que nos levou até aqui, nos preparou. Vamos deixar continuar o massacre, em nome desta "estabilidade política" e desta "imagem para o exterior" para "apaziguar mercados" com que o tentam mascarar...?
Aviso prévio: antes de ver tome uma daquelas pílulas para revestir o estômago...


2012/12/14

Bullying: você defendê-lo-ia?


É uma prática que parece merecer reprovação generalizada. Até os meninos da JSD colocaram um cartaz, aqui à porta da escola da minha terra, a condenar o bullying.
Reproduzo da Wikipédia: "bullying: termo utilizado para descrever atos de violência física ou psicológica, intencionais e repetidos, praticados por um indivíduo (do inglês bully, tiranete ou valentão) ou grupo de indivíduos causando dor e angústia, sendo executadas dentro de uma relação desigual de poder."
O bullying é uma prática abjecta que saiu dos seus locais habituais, das escolas e dos locais de trabalho. Agora é prática política. Nem mais nem menos: o governo pratica bullying contra o povo português.
Se o leitor procurar entender o que é o fenómeno do bullying, se estudar as suas características, tal como são definidas pelos peritos que estudam este assunto, se analisar as justificações para a sua punição exemplar vai perceber a razão pela qual digo isto, está lá tudo.
O governo instituiu o povo português como vítima para os seus insultos; acusa a vítima de ter pouco préstimo; ataca-a fisicamente; ataca e interfere com a sua propriedade; espalha rumores negativos a seu respeito; deprecia a vítima sem motivo; obriga a que esta faça o que ela não quer, ameaçando-a para que siga as suas ordens; coloca a vítima em situação problemática com alguém (normalmente uma autoridade), forçando uma acção disciplinar contra a vítima por algo que não cometeu ou foi por si exagerado; faz comentários depreciativos sobre a vítima, sobre as suas características e carácter; isola a vítima socialmente; exerce chantagem; profere sobre ela afirmações depreciativas; faz com que a vítima passe vergonhas em frente dos outros, etc..
Em suma, institui um clima agressivo e de medo permanente, forçando a vítima (nós todos!) a seguir os seus pérfidos desígnios, numa relação desigual de poder.
Não se fique apenas pela leitura das minhas palavras, procure informar-se a fundo sobre o assunto. Se está a ler este texto, tem acesso aos meios para saber mais sobre o tema.
Tendo o comportamento deste governo como pano de fundo, faça a comparação. Recorde-se do discurso do governo, passe em revista os meios e expedientes usados para instituir este discurso e tire as suas conclusões.
Lembre-se de que o bullying é objecto de legislação que criminaliza o acto. Diga lá então se haverá ou não motivo para julgar este governo por esse crime?
O governo Passos Coelho não passa de um bando de bullies a exigir correctivo urgente.

2012/12/10

O melhor filme do ano?



Chama-se “Amor” (Amour) e foi realizado pelo austríaco Michael Haneke. Já ganhou, só este ano,  a Palma de Ouro de Cannes e, na semana passada, o prémio do melhor filme europeu, o da melhor realização e o dos melhores actores (Jean-Louis Trintignant e Emannuelle Riva). É candidato ao Óscar para o melhor filme estrangeiro em Hollywood e...está em exibição num cinema perto de si.
Por isso, e não é pouco, se viu, já percebeu do que se trata; senão, corra a vê-lo, pois este é um filme que não pode mesmo perder. Mais, se tiver de ver apenas um filme este ano, “Amor” é a escolha certa.
Porque é que eu escrevo isto?
Bom, se calhar, porque gostei tanto do filme, que o recomendo a todos que leiam este texto. Depois, porque entre os cineastas europeus, Haneke, há muito que ocupa um lugar especial na minha galeria de cineastas-autores, aqueles que fazem o “seu” cinema, sem aderirem às modas “mainstream”.
È difícil não gostar dos filmes de Michael Haneke. Eu não me lembro de nenhum. Desde  “Benny’s vídeo”, um dos seus primeiros trabalhos, passando por “71 Fragmentos de uma Cronologia do Acaso”, “Funny Games”, “Código Desconhecido”, “A Pianista”, “Tempo do Lobo”, “Caché” (por muitos considerado a sua obra-prima) e “Laço Branco”, que venho acompanhando o seu percurso e, em todos os seus filmes, sem excepção, a redescoberta de uma faceta diferente, numa superação constante daquela que é tida como a sua visão critica e implacável das relações nas sociedades modernas. Por isso, é difícil ficar-lhe indiferente. Em todos os seus filmes, sentimos a mesma sensação de desconforto e, ao mesmo tempo, o fascínio de querer ver tudo até ao fim, pois sabemos que, no fim, sairemos recompensados. Não pelas explicações (os filmes de Haneke não são simples e muito menos apresentam soluções), mas pelo que eles nos dão a ver e de que não ousamos falar. E portanto, tudo que ele nos dá a ver, existe e está em cada um de nós.
“Amor” reconta, na sua simplicidade, a relação de um casal de idosos que se amam, na vida e na morte. Assistimos, durante mais de duas horas, à degeneração física e psíquica da personagem feminina (fabulosa Emmanuele Riva) que sofre um AVC do qual nunca mais recupera, até ao fim previsível, no qual é assistida pelo marido (comovente Trintignant). Não há uma palavra a mais num diálogo, por vezes cómico, por vezes austero, em “coupages” cirúrgicas, dentro de um apartamento em Paris, transformado pelo realizador de acordo com a sua casa paterna de Viena. Uma lição sobre o fim da vida, num filme maior que a vida. Como escrevia um critico esta semana: “É que daquela casa - e daquele filme - ninguém sai vivo”. Eu saí, também porque vos queria contar esta experiência.

2012/12/07

NOTAS DE VIAGEM: no meio da “crise” holandesa (2)

Ons aller ziel
PS Theater
Pesem as restrições económicas, anunciadas na passada semana pelo governo holandês, é difícil descortinar sinais visíveis de austeridade, neste país que passa por ser um dos mais ricos da Europa.
Os cafés e restaurantes continuam cheios, assim como as esplanadas, aquecidas nesta época do ano, enquanto as lojas fervilham de consumidores nacionais e estrangeiros, carregados de sacos das mais famosas marcas. O mesmo podemos dizer dos eventos (exposições e museus) que pudemos visitar. Nem mesmo os preços médios praticados (muito acima do que estamos habituados) parecem assustar os frequentadores da cultura citadina. Um pequeno resumo do que conseguimos ver:
Na galeria FOAM,  especializada em fotografia contemporânea, uma excelente retrospectiva de norte-americana Diane Arbus (1923-1971), constituída por  200 fotos, a preto e branco, dos temas que marcaram a sua obra: pares de namorados de todas as idades, gémeos, idosos em lares de acolhimento, jovens com o síndrome de Down, ruas e parques de Nova-Iorque. A solidão, a tristeza e a alegria, numa fotografia antropológica com a “patine” das décadas de cinquenta e sessenta. Entrada: €10.
No Museu Histórico Judeu, renovado em 2005,  para além da colecção permanente que relata a diáspora, as zonas habitacionais, a ocupação alemã e o holocausto, uma excelente exposição do artista plástico William Kentridge e as pinturas naíves de Sal Meijer, um cidadão que amava a sua cidade. Tempo ainda para ver um excelente documentário holandês, sobre as origens da música Klezmer (da Roménia ao Canadá). Porque o bilhete incluía a Sinagoga Portuguesa, vizinha ao Museu, lá voltámos, agora com a curiosidade de visitar a cave, recentemente aberta, onde podem ser admirados os tesouros deste templo sefardita, construído em 1675 e que alberga a mais antiga biblioteca judaica do Mundo. Entrada: €12.
Igualmente renovado, após um polémico concurso ao qual concorreu Siza Vieira, está o Stedelijk Museum, um dos mais populares da cidade, famoso pela sua colecção de arte moderna e contemporânea dos séculos XIX e XX.  O “Stedelijk”  modernizado, alargado e desfigurado, numa intervenção a todos os títulos criticável pelo mau gosto e desproporção de formas, estava apinhado no dia em que o visitámos. Se já era popular, agora toda a gente quer ver o novo anexo (conhecida pela “banheira”) que alberga uma colecção de “design”, a todos os títulos notável. Entrada: €15.
Já desesperávamos de  ver algo gratuito, quando fomos alertados para a nova “coqueluche” da cidade, o edifício futurista  (a lembrar o avião “Concorde”), que alberga a nova  cinemateca da cidade. Verdadeiramente espantoso, como espantosa é a sua localização, na margem norte do IJ, atrás da estação principal de comboios. 
Chama-se “Eye” (um trocadilho entre o nome do  canal que liga a cidade ao mar do Norte e o “olho” cinematográfico) e reconciliou-nos com a arquitectura. Com uma colecção com mais de 40.000 títulos,  a cinemateca tem 4 salas de projecção, 1 sala de exposições temporárias,  uma sala infantil (onde se podem aprender todos os passos necessários para fazer um filme), uma sala escura, onde é possível visionar excertos de filmes clássicos, bastando, para isso, premir uma das quatro “slot-machines” existentes, para além de uma loja e 2 cafés e restaurantes, com vista para a cidade. Um espanto. À excepção das exposições e dos filmes, tudo o mais é gratuito. Os “amigos da cinemateca” pagam 30 euros por ano e têm redução nos bilhetes que custam entre 8 e 10 euros. Por comparação, na Cinemateca de Lisboa, os “amigos” pagam os mesmos 30 euros anuais, mas apenas €1,35 por sessão...
Num pais onde a Cultura vai sofrer um corte de 50% no próximo orçamento, o teatro não é excepção. O grupo PS-Theater, de Leiden, encenou a peça “Ons aller Ziel” (A Alma de todos nós), uma metáfora sobre a miséria, onde a personagem principal (uma jovem rica e fútil da alta sociedade) convida os amigos para uma festa de caridade, onde estes devem apresentar-se vestidos de mendigos, sem-abrigo e vestimentas árabes. Durante a festa, a bebida servida é o “champagne”. Durante a peça, é confeccionada uma sopa de beterraba e lentilhas, que no fim é oferecida aos espectadores. No átrio de entrada do teatro, estava colocado um carro, onde também podiam ser depositados contributos para o Banco Alimentar. Sim, na Holanda,  um dos países mais ricos da Europa, o Banco Alimentar é cada vez mais popular...
Uma última nota para a digressão “Daisy Correia canta José Afonso”, a decorrer até Maio do próximo ano, com mais de 20 concertos agendados para toda a Holanda. Criado e interpretado por uma jovem cantora holandesa de ascendência portuguesa (Daisy Correia), este é o tributo ao Zeca que faltava. O ciclo está encerrado.

2012/12/04

NOTAS DE VIAGEM: no meio da “crise” holandesa

Nada como sairmos da pátria para ver as coisas em perspectiva. Os dias passados entre Paris e Amsterdão, deram-nos uma imagem, necessariamente impressionista, que ajuda a relativizar lugares-comuns. Parece ser oficial: a crise chegou aos Países-Baixos, bastião de austeridade e rigor orçamental, onde a frugalidade e a poupança, mais do que conceitos, são um “modo de vida”. O que, até há pouco era um problema exclusivo de países periféricos, como Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha (vulgo PIIGS), parece ter-se alastrado ao núcleo duro do “marco” de que fazem parte a Alemanha, a Holanda, a Áustria ou a Finlândia.
Depois de longos meses de formação, o novo governo holandês – uma coligação de liberais de direita e sociais-democratas – tomou posse no passado mês de Outubro. Confrontada com a crise da “zona euro” e a relativa estagnação do crescimento económico (causa do aumento do desemprego e dos subsídios sociais daí inerentes), a coligação governamental anunciou na passada semana um novo pacote de medidas de austeridade: corte de 16 mil milhões de euros no orçamento para 2013, com especial incidência nos rendimentos mais baixos, nas prestações sociais (com excepção das reformas), na educação, na saúde e na cultura. Simultaneamente, foi anunciada uma nova grelha fiscal (5 escalões) e aumentada a percentagem do IRS e do seguro de saúde obrigatório.  Onde é que já vimos este filme?
De acordo com  o “De Volkskrant” do passado dia 29,  a desigualdade de rendimentos será maior em 2013. Os grupos de rendimentos mais baixos (entre €500 e €1200 brutos) verão os seus rendimentos descer cerca de 2%, enquanto um trabalhador que ganhe uma vez e meia o ordenado médio nacional (€3.819,45 brutos) verá o seu vencimento aumentar em 2%.  Simultaneamente, o ordenado mínimo nacional (€1.456,20 brutos) será aumentado em 0,13% (€1,62 mensais em termos líquidos).
Ao contrário da classe média portuguesa, a classe média holandesa é a mais beneficiada deste novo escalonamento fiscal, o que não deixa de ser surpreendente. A razão desta medida, é explicada pela violenta reacção deste grupo, após o anúncio do acordo governamental de Outubro, que previa um aumento substancial do imposto do seguro de saúde (obrigatório na Holanda) para os maiores rendimentos. Essa receita extra reverteria para os mais desfavorecidos que, dessa forma, não veriam os seus seguros de saúde aumentados. Com a nova grelha fiscal, os mais desfavorecidos, não só verão o seu seguro de saúde (€150 mensais em média) aumentado, como verão os seus vencimentos diminuídos.
Outro dos ministérios mais afectados será o da Ajuda ao Desenvolvimento, onde estão previstos cortes no valor de mil milhões de euros até 2017. Será uma diminuição progressiva (cerca de 200 milhões anuais), mas representativa da tendência actual na sociedade holandesa, agora mais sensível aos discursos da direita que defende cortes nos apoios a estrangeiros dentro e fora do pais.
Aparentemente isentos neste pacote de austeridade, parecem estar os reformados mais pobres que, até ver, mantêm as suas pensões congeladas. Isto, até ao dia 1 de Março. Nessa data, será feita uma avaliação das provisões do Fundo Nacional de Pensões e, caso estas estejam abaixo do previsto, poderão haver cortes até 3% do rendimento.

2012/12/01

NOTAS DE VIAGEM: em Paris, com a música do Zeca

No ano em que passam 25 anos sobre a morte de José Afonso, o Theatre de La Ville, em Paris, levou a cabo uma homenagem ao cantor português que actuou naquela prestigiosa sala em Novembro de 1981. O concerto, que esteve para acontecer em 2011, nos trinta anos da passagem do Zeca pelo teatro, só agora teve lugar, devido à dificuldade em conciliar datas. Lá fomos, aproveitando a proximidade da cidade onde nos encontrávamos (Amsterdão), também movidos pela curiosidade de ver um “naipe” de intérpretes que nunca antes se tinha juntado em palco e de rever Paris, afinal a cidade onde tudo pode acontecer. Porque o tempo escasseava, optámos pelo Thalys, a versão TGV da Benelux, que liga Amsterdão a Paris em menos de 3 horas e meia. À chegada à Gare du Nord, a primeira surpresa: a entrada da estação do metro tinha um cartaz do Zeca, anunciando o espectáculo, situação que se repetiu ao longo dos corredores do metro que fomos atravessando e, mais tarde, quando chegámos a Chatelet, a estação que serve o Theatre de la Ville. No dia do concerto e enquanto atravessávamos a cidade, os cartazes e as menções ao concerto repetiam-se: nas estações de metro, nos jornais (Liberation), na rádio e na Net (MediaPart). A máquina de promoção estava a funcionar e isso era bom sinal. O concerto, que partiu de uma ideia do primeiro director artístico do Theatre de la Ville, Démarcy-Mota, tinha um conceito arrojado: misturar “compagnons de route” do Zeca (Francisco Fanhais e Júlio Pereira) intérpretes da sua obra (João Afonso, o sobrinho) e gente que, do Zeca, só tinha ouvido as gravações (António Zambujo e Mayra Andrade). Como era esperado, o público luso-francês compareceu em massa e, se mais bilhetes houvera mais teriam sido vendidos. Uma sala de 1000 lugares, onde não cabia um alfinete. A primeira batalha estava ganha. Seguiu-se a parte musical propriamente dita, que não chegou a durar hora e meia, tempo médio dos concertos no Theatre de La Ville e que o mestre de cerimónias controlou com “mão de ferro”. Nem os pedidos de “encore”, depois da inevitável “Grândola” (cantada de pé pela assistência), demoveu o director do teatro da sua tarefa. Também por isso, o concerto soube a pouco,. Do que vimos e ouvimos, devemos destacar a presença e a interpretação de António Zambujo, definitivamente uma aposta ganha; o sentido e sentimento de João Afonso, a quem coube as canções mais difíceis (Redondo Vocábulo, por exemplo); o “ensemble” dirigido por Júlio Pereira, que assegurou a direcção e o apoio dos restantes elementos. De Fanhais, que teve a difícil tarefa de abrir o concerto com uma difícil “Utopia” cantado a capella; e de Mayra Andrade, sensual e alegre, mas longe da alma afonsina que se espera de um concerto deste tipo, resta-nos acrescentar que cumpriram, o que não é pouco. Uma bonita homenagem, de que se continuou a falar na recepção oferecida pela direcção do Teatro e pela Embaixada portuguesa, após o concerto, aos artistas envolvidos. Como diria Hemingway, “Paris, é uma festa!”.




Pour José Afonso, revoir le concert live sur... viaMediapart