Portugal pôs hoje à venda mais títulos da dívida pública portuguesa. Teixeira dos Santos, o ministro a prazo, declarou não ter havido qualquer dificuldade em encontrar compradores e que tinha vendido por um bom preço (!?). O preço é indicado por Portugal, mas a taxa dos juros é fixada pelos investidores internacionais. Obviamente que os agiotas estão interessados em comprar. Quando o juro é alto, quem não quer comprar a dívida de um país falido? Imaginem o lucro gerado com juros a sete por cento?...
Os governantes portugueses devem pensar que somos todos parvos.
2010/11/10
"Nós estamos no pensamento mágico"
João Cravinho, lá de longe, faz uma crítica arrasadora ao actual momento do país. Vale a pena ouvir a entrevista que deu à TSF (a parte mais interessante foi incluída no noticiário que pode ouvir aqui; terá de ter a paciência de deixar passar as notícias sobre a emissão de dívida pública e, sobretudo, as vulgaridades habituais dos "analistas".)
Cravinho chama a atenção para a questão central que Portugal enfrenta: não há uma única medida (uma única!) para fomentar o crescimento. E também não há culpados. Vogamos à bolina portanto, ou, como diz o ex-ministro e deputado deportado, "estamos no pensamento mágico". E sem timoneiro, o que é uma coisa verdadeiramente extraordinária.
Querem soluções? Ask the 8 ball...
Cravinho chama a atenção para a questão central que Portugal enfrenta: não há uma única medida (uma única!) para fomentar o crescimento. E também não há culpados. Vogamos à bolina portanto, ou, como diz o ex-ministro e deputado deportado, "estamos no pensamento mágico". E sem timoneiro, o que é uma coisa verdadeiramente extraordinária.
Querem soluções? Ask the 8 ball...
2010/11/09
7%
Com a taxa de juros a sete por cento, Portugal atingiu hoje um número simbólico - que o próprio ministro das finanças considerou ser a barreira psicológica - após o qual o FMI poderia ser chamado a intervir no nosso país.
Não sabemos se é isso que vai acontecer, mas sabemos que a economia portuguesa continua a não crescer acima dos 0,8%, que o desemprego se mantém em 10,6% (a quinta maior percentagem europeia) que a dívida pública continua a crescer e que 4% do PIB são para pagar juros (qualquer coisa como 4 mil milhões de euros ao ano). De acordo com a análise do "Financial Times" de ontem, somos já o país mais pobre da Europa.
Ou seja, não se prevêem melhores dias a curto prazo e, a médio-prazo, como diria um famoso economista, estaremos todos mortos...
E agora, Teixeira dos Santos? Qual vai ser a próxima mentira?
Não sabemos se é isso que vai acontecer, mas sabemos que a economia portuguesa continua a não crescer acima dos 0,8%, que o desemprego se mantém em 10,6% (a quinta maior percentagem europeia) que a dívida pública continua a crescer e que 4% do PIB são para pagar juros (qualquer coisa como 4 mil milhões de euros ao ano). De acordo com a análise do "Financial Times" de ontem, somos já o país mais pobre da Europa.
Ou seja, não se prevêem melhores dias a curto prazo e, a médio-prazo, como diria um famoso economista, estaremos todos mortos...
E agora, Teixeira dos Santos? Qual vai ser a próxima mentira?
Os "mercados"
Quando ouvir dizer a palavra "mercados" outra vez, lembre-se deste artigo, que reproduzo do NYT com a devida vénia.
Pense nas dificuldades que sente, nos cortes dos pequenos salários e pensões, pense nas notícias que se ouvem sem cessar, pense nos PECs, nos PIIGS, pense na austeridade, na "austera" Merkel, no "apreeensivo" Barroso, pense, sobretudo, na cara do Presidente da República, na cara do Primeiro Ministro, na cara do Ministro das Finanças, na figura do Catroga de telemóvel na mão e do seu staff sorrindo a compasso por trás dele, pense nos deputados do PS e nos da oposição na AR Portuguesa, na cara e no discurso dos dirigentes dos diferentes partidos. Pense nos comentadores e "politólogos" que a toda a hora invadem o nosso espaço com os seus malabarismos verbais e pense na conversa com que nos enchem os ouvidos a toda a hora.
Pare um momento e pense em tudo isto. Clique depois na imagem e leia o artigo...
Garanto-lhe: é um exercício que vai mudar a sua vida!
Pense nas dificuldades que sente, nos cortes dos pequenos salários e pensões, pense nas notícias que se ouvem sem cessar, pense nos PECs, nos PIIGS, pense na austeridade, na "austera" Merkel, no "apreeensivo" Barroso, pense, sobretudo, na cara do Presidente da República, na cara do Primeiro Ministro, na cara do Ministro das Finanças, na figura do Catroga de telemóvel na mão e do seu staff sorrindo a compasso por trás dele, pense nos deputados do PS e nos da oposição na AR Portuguesa, na cara e no discurso dos dirigentes dos diferentes partidos. Pense nos comentadores e "politólogos" que a toda a hora invadem o nosso espaço com os seus malabarismos verbais e pense na conversa com que nos enchem os ouvidos a toda a hora.
Pare um momento e pense em tudo isto. Clique depois na imagem e leia o artigo...
Garanto-lhe: é um exercício que vai mudar a sua vida!
2010/11/07
Notícias de outra cidade (2)
Doze dias em Amsterdão, sendo pouco tempo, permitem perceber algumas alterações de humor neste povo tradicionalmente cordial e afável. A cidade, que durante décadas ostentou o título de uma das capitais mais tolerantes da Europa, está a tornar-se da "cor" da estação do ano. O Outono é, por definição, mais cinzento.
Logo à chegada ao aeroporto, enquanto compro o bilhete de comboio que há-de transportar-me ao centro da cidade, a funcionária - já depois de ter-me atendido - repreende grosseiramente uma mulher muçulmana de meia-idade (que ousou perguntar-lhe uma informação, enquanto eu recolhia o troco do pagamento) obrigando-a a ir para trás de mim e esperar pela sua vez. É verdade que, formalmente, a funcionária tinha razão, mas duvido que usasse aquele tom de voz com um holandês.
Porque o sistema de controlo nos eléctricos é agora feito através de um cartão electrónico (chip-kaart) quem não o tiver terá de comprar um bilhete válido por uma hora. Nem todos os estrangeiros falam holandês, mesmo aqueles que vivem há anos nesta sociedade. Os muçulmanos (normalmente marroquinos) que não se fazem entender à primeira, correm sérios riscos de serem despachados com frases de duplo sentido, ditas entre sorrisos de escárnio e aparente amabilidade.
No dia da meu regresso a Lisboa tento, sem êxito, fazer o "check-in" numa das máquinas do aeroporto. O computador não reconhece o número da minha reserva e pede-me outra identificação. Introduzo o passaporte e recebo uma reserva com outro nome, ainda que com o mesmo apelido. Em desespero de causa dirijo-me a uma funcionária que tenta perceber o erro enquanto me pede o passaporte. Porque tenho cinco nomes não consegue atinar com o apelido. Explico-lhe que a reserva está feita em nome do primeiro e último nome. Ela tenta desesperadamente todos os apelidos e desiste, tentando enviar-me para outro balcão. Recuso e peço-lhe para tentar Rui Mota. Acede, contrafeita e, quando descobre o óbvio, vira-se para mim com ar de enfado e exclama: "com tantos nomes, não é para admirar que não encontre a sua marcação!". Refreio os meus impulsos para lhe responder à letra, pois não quero perder o avião e ainda tenho de tirar o cinto e os sapatos quando passar o controlo electrónico...
Os holandeses andam nervosos e a recente chegada ao poder de uma coligação de direita, apoiada pelo partido do xenófobo Geert Wilders, contribui para o aparecimento dos "little men" de que falava Willem Reich nos idos anos quarenta...
Logo à chegada ao aeroporto, enquanto compro o bilhete de comboio que há-de transportar-me ao centro da cidade, a funcionária - já depois de ter-me atendido - repreende grosseiramente uma mulher muçulmana de meia-idade (que ousou perguntar-lhe uma informação, enquanto eu recolhia o troco do pagamento) obrigando-a a ir para trás de mim e esperar pela sua vez. É verdade que, formalmente, a funcionária tinha razão, mas duvido que usasse aquele tom de voz com um holandês.
Porque o sistema de controlo nos eléctricos é agora feito através de um cartão electrónico (chip-kaart) quem não o tiver terá de comprar um bilhete válido por uma hora. Nem todos os estrangeiros falam holandês, mesmo aqueles que vivem há anos nesta sociedade. Os muçulmanos (normalmente marroquinos) que não se fazem entender à primeira, correm sérios riscos de serem despachados com frases de duplo sentido, ditas entre sorrisos de escárnio e aparente amabilidade.
No dia da meu regresso a Lisboa tento, sem êxito, fazer o "check-in" numa das máquinas do aeroporto. O computador não reconhece o número da minha reserva e pede-me outra identificação. Introduzo o passaporte e recebo uma reserva com outro nome, ainda que com o mesmo apelido. Em desespero de causa dirijo-me a uma funcionária que tenta perceber o erro enquanto me pede o passaporte. Porque tenho cinco nomes não consegue atinar com o apelido. Explico-lhe que a reserva está feita em nome do primeiro e último nome. Ela tenta desesperadamente todos os apelidos e desiste, tentando enviar-me para outro balcão. Recuso e peço-lhe para tentar Rui Mota. Acede, contrafeita e, quando descobre o óbvio, vira-se para mim com ar de enfado e exclama: "com tantos nomes, não é para admirar que não encontre a sua marcação!". Refreio os meus impulsos para lhe responder à letra, pois não quero perder o avião e ainda tenho de tirar o cinto e os sapatos quando passar o controlo electrónico...
Os holandeses andam nervosos e a recente chegada ao poder de uma coligação de direita, apoiada pelo partido do xenófobo Geert Wilders, contribui para o aparecimento dos "little men" de que falava Willem Reich nos idos anos quarenta...
Não estou a falar sozinho
Vinha no carro a falar sozinho. Falava alto. É coisa que me acontece amiúde (falar sozinho!), e, em especial quando estou a guiar, falo alto.
De repente, "dou um prego" na gramática. Uma troca na ordem correcta dos pronomes, fruto do ruído constante proveniente deste português abrasileirado que enche o ar nos tempos que correm. Emendei-me a mim próprio (sempre em voz alta...), escandalizado com o meu próprio "prego".
Depois, comentei discretamente para mim mesmo (desta feita já não em voz alta...), que estava satisfeito. Norma é norma e, mesmo a falar sozinhos, temos de ser exigentes. A infalibilidade não existe, mas a sua procura permanente, mesmo quando se trata apenas de colocar na ordem um pronome que tentou meter-se na bicha à má fila, é uma dessas exigências elementares.
Não sou certamente a única pessoa no mundo sozinha e não sou, seguramente, o único a falar sozinho. Há por aí muita gente, hoje em dia, só e a falar sozinha. Conheço muitos. E não serei, certamente também, o único a impôr-se a si próprio padrões exigentes de vida e de obediência a valores, gramaticais e outros. Conheço também muitos.
Podemos e devemos questionar todos os valores e estar atentos, sobretudo, àqueles que afinal o não são. Mas, uma vez discutidos e firmados, a eles temos de nos submeter, humildemente e em nome da coerência. Em nome da ordem correcta do pronome ou de qualquer outra norma, temos de obedecer à regra livremente estabelecida. É a regra do jogo.
Como não serei certamente o único a pensar assim, sou de opinião que nos devíamos juntar para fazer passar esta mensagem. Inevitavelmente, ao lutar pela regra dos valores, ao discuti-los, ao questioná-los primeiro, e, finalmente, ao aceitar o seu primado, vamos obter de imediato um mapa simples que desenha com clareza a fronteira entre os que, de um lado, querem fazer isto e os que, do outro, o não querem. Podemos depois mais facilmente discutir o que fazer com estes e vamos também conseguir distinguir, com maior precisão, de que "valores" falam quando, eles próprios, falam de valores.
O debate político em Portugal está a este nível. É mais ou menos básico e rasteiro, mas é o que se pode arranjar.
Não estou a falar sozinho, pois não?
De repente, "dou um prego" na gramática. Uma troca na ordem correcta dos pronomes, fruto do ruído constante proveniente deste português abrasileirado que enche o ar nos tempos que correm. Emendei-me a mim próprio (sempre em voz alta...), escandalizado com o meu próprio "prego".
Depois, comentei discretamente para mim mesmo (desta feita já não em voz alta...), que estava satisfeito. Norma é norma e, mesmo a falar sozinhos, temos de ser exigentes. A infalibilidade não existe, mas a sua procura permanente, mesmo quando se trata apenas de colocar na ordem um pronome que tentou meter-se na bicha à má fila, é uma dessas exigências elementares.
Não sou certamente a única pessoa no mundo sozinha e não sou, seguramente, o único a falar sozinho. Há por aí muita gente, hoje em dia, só e a falar sozinha. Conheço muitos. E não serei, certamente também, o único a impôr-se a si próprio padrões exigentes de vida e de obediência a valores, gramaticais e outros. Conheço também muitos.
Podemos e devemos questionar todos os valores e estar atentos, sobretudo, àqueles que afinal o não são. Mas, uma vez discutidos e firmados, a eles temos de nos submeter, humildemente e em nome da coerência. Em nome da ordem correcta do pronome ou de qualquer outra norma, temos de obedecer à regra livremente estabelecida. É a regra do jogo.
Como não serei certamente o único a pensar assim, sou de opinião que nos devíamos juntar para fazer passar esta mensagem. Inevitavelmente, ao lutar pela regra dos valores, ao discuti-los, ao questioná-los primeiro, e, finalmente, ao aceitar o seu primado, vamos obter de imediato um mapa simples que desenha com clareza a fronteira entre os que, de um lado, querem fazer isto e os que, do outro, o não querem. Podemos depois mais facilmente discutir o que fazer com estes e vamos também conseguir distinguir, com maior precisão, de que "valores" falam quando, eles próprios, falam de valores.
O debate político em Portugal está a este nível. É mais ou menos básico e rasteiro, mas é o que se pode arranjar.
Não estou a falar sozinho, pois não?
2010/11/03
Inevitabilidades
O "debate político" em Portugal resume-se hoje a isto: as medidas a tomar são inevitáveis, não se pode discutir as causas da crise ou soluções porque as medidas são inevitáveis e o que nos espera é, assim, inevitavelmente, ter de aguentar as consequências da inevitabilidade das medidas.
E ninguém tem culpa! Não se pode discutir a culpa, não se pode sequer apresentar alternativas, porque as medidas são inevitáveis e ninguém pode apontar o dedo ou apresentar uma saída deste ciclo vicioso, que resulta de ter de gramar as consequências inevitáveis da tomada de medidas inevitáveis, porque as medidas são... inevitáveis!
É o arrefecimento global, é "a verdade conveniente"!
Quem toma as medidas inevitáveis está defendido pelo seu carácter inevitável e fica livre de mais encargos, e quem as ousar contestar está a esquecer que elas têm um carácter inevitável e portanto não sabe do que está a falar...
É este o espetáculo que se desenrola perante os nossos olhos espantados, enquanto pegamos na caneta para assinar mais um cheque que ajude a pagar todo este desvario.
Mas, no meio de tudo o que se está a passar, passa-se, e passa-nos ao lado, uma outra coisa, que por parecer uma inevitabilidade, é rapidamente metida nos arrumos da nossa mente sem grande crítica.
É que no meio de tudo isto vamos ter uma eleição presidencial em breve. O candidato Cavaco Silva (admiravelmente retratado por José Vitor Malheiros ontem no Público num artigo intitulado "A austera, apagada e vil tristeza da retórica") lembrou-se de repente que a "classe política" dá um triste espetáculo ao país. É verdade. É aliás uma daquelas verdades que, por ser tão, tão verdade de La Palice, leva inevitavelmente a que toda a gente concorde com ela. Esqueceu-se Sua Excelência (mas convém lembrar-lhe!) que ele faz parte indissolúvel dessa classe política que critica e que faz parte dela há muitos, muitos anos. Está inevitavelmente ligado a tudo isto, e de que forma!!, primeiro como ministro das finanças, a seguir como primeiro ministro e agora como presidente da república. São muitos anos, é muita ligação ao poder, é muito exercício de poder, é muita ligação à vida política deste país para agora vir tirar, com este descaramento todo, o cavalinho da chuva!
Cavaco Silva é inevitavelmente parte do problema que agora suscita. Com responsabilidades acrescidas porque o seu papel foi determinante durante 10 anos (tinha a faca e o decreto na mão!) e agora, como presidente da república tinha e tem a obrigação de ter um outro tipo de actuação.
Pois é a esta criatura, mesquinha e sem dimensão, que os portugueses se preparam para estender a passadeira que o levará de novo até Belém. Sem debate, sem avaliação profunda do que foram os seus mandatos como político e do que está em jogo agora, sem discussão, sem luta, pelo que se consegue perceber até agora. Se ele ficar na presidência, os inevitáveis do costume manter-se-ão também. Se ele não quisesse os inevitáveis do costume há muito que os teria mandado à vida. Não vai mudar no futuro.
Com todos estes protagonistas seria inevitável que os portugueses se continuassem a afundar ainda mais. Enquanto houver cheques em branco e canetas para os assinar não se podem, porém, esperar grandes mudanças. Mas, como os cheques estão a acabar e as canetas a ficar sem tinta, se calhar é inevitável que a mostarda chegue ao nariz de alguns.
E ninguém tem culpa! Não se pode discutir a culpa, não se pode sequer apresentar alternativas, porque as medidas são inevitáveis e ninguém pode apontar o dedo ou apresentar uma saída deste ciclo vicioso, que resulta de ter de gramar as consequências inevitáveis da tomada de medidas inevitáveis, porque as medidas são... inevitáveis!
É o arrefecimento global, é "a verdade conveniente"!
Quem toma as medidas inevitáveis está defendido pelo seu carácter inevitável e fica livre de mais encargos, e quem as ousar contestar está a esquecer que elas têm um carácter inevitável e portanto não sabe do que está a falar...
É este o espetáculo que se desenrola perante os nossos olhos espantados, enquanto pegamos na caneta para assinar mais um cheque que ajude a pagar todo este desvario.
Mas, no meio de tudo o que se está a passar, passa-se, e passa-nos ao lado, uma outra coisa, que por parecer uma inevitabilidade, é rapidamente metida nos arrumos da nossa mente sem grande crítica.
É que no meio de tudo isto vamos ter uma eleição presidencial em breve. O candidato Cavaco Silva (admiravelmente retratado por José Vitor Malheiros ontem no Público num artigo intitulado "A austera, apagada e vil tristeza da retórica") lembrou-se de repente que a "classe política" dá um triste espetáculo ao país. É verdade. É aliás uma daquelas verdades que, por ser tão, tão verdade de La Palice, leva inevitavelmente a que toda a gente concorde com ela. Esqueceu-se Sua Excelência (mas convém lembrar-lhe!) que ele faz parte indissolúvel dessa classe política que critica e que faz parte dela há muitos, muitos anos. Está inevitavelmente ligado a tudo isto, e de que forma!!, primeiro como ministro das finanças, a seguir como primeiro ministro e agora como presidente da república. São muitos anos, é muita ligação ao poder, é muito exercício de poder, é muita ligação à vida política deste país para agora vir tirar, com este descaramento todo, o cavalinho da chuva!
Cavaco Silva é inevitavelmente parte do problema que agora suscita. Com responsabilidades acrescidas porque o seu papel foi determinante durante 10 anos (tinha a faca e o decreto na mão!) e agora, como presidente da república tinha e tem a obrigação de ter um outro tipo de actuação.
Pois é a esta criatura, mesquinha e sem dimensão, que os portugueses se preparam para estender a passadeira que o levará de novo até Belém. Sem debate, sem avaliação profunda do que foram os seus mandatos como político e do que está em jogo agora, sem discussão, sem luta, pelo que se consegue perceber até agora. Se ele ficar na presidência, os inevitáveis do costume manter-se-ão também. Se ele não quisesse os inevitáveis do costume há muito que os teria mandado à vida. Não vai mudar no futuro.
Com todos estes protagonistas seria inevitável que os portugueses se continuassem a afundar ainda mais. Enquanto houver cheques em branco e canetas para os assinar não se podem, porém, esperar grandes mudanças. Mas, como os cheques estão a acabar e as canetas a ficar sem tinta, se calhar é inevitável que a mostarda chegue ao nariz de alguns.
2010/11/01
Notícias de outra cidade
O "Podium Mozaiek" é um centro intercultural situado em pleno coração do distrito de Bos en Lommer, um dos bairros mais problemáticos de Amsterdão. Nesta zona vive a maior comunidade muçulmana da cidade, com predominância de turcos e marroquinos, as nacionalidades mais numerosas. Construido originalmente para funcionar como mesquita, o centro cultural manteve a arquitectura árabe exterior (um grande cubo encimado por um minarete) e foi totalmente remodelado por dentro. Nele coexistem serviços sociais, galeria de exposições, biblioteca, cybercafé, um bar e um restaurante, abertos ao público em geral. Dispõe ainda de um auditório com capacidade para 300 pessoas, que mantém uma programação regular de música, teatro, dança e cinema, onde actuam periodicamente nomes conhecidos da cena nacional e internacional. Foi o caso do grupo português "Deolinda", que aqui actuou no passado sábado no âmbito de uma digressão holandesa. Sala cheia, de um público curioso, maioritariamente constituido por holandeses e portugueses, para além de alguns curiosos de outras nacionalidades e estudantes portugueses do programa "Erasmus".
Um excelente concerto, onde o grupo passou em revista o seu último album "Dois selos e um carimbo" e ainda teve tempo para três "encores", a pedido de uma sala rendida à arte de Ana Bacalhau, uma fonte inesgotável de energia. Música simples e cativante, com textos irónicos traduzidos em doses reduzidas, a mostrar que os dois anos de "estrada" deram consistência e profissionalismo a um projecto que é já um caso sério de popularidade internacional. No final, a festa e a celebração da interculturalidade, sempre possível quando a música é o elo de ligação. Num bairro conhecido como um dos mais conflituosos da cidade, devido à exclusão social dos seus habitantes e aos conflitos religiosos empolados pelo discurso populista da direita xenófoba, o concerto dos "Deolinda" teve o condão de amenizar as tensões existentes numa sociedade que continua a procurar pontes de entendimento entre culturas diferentes. Se a música puder ajudar, tanto melhor...
Um excelente concerto, onde o grupo passou em revista o seu último album "Dois selos e um carimbo" e ainda teve tempo para três "encores", a pedido de uma sala rendida à arte de Ana Bacalhau, uma fonte inesgotável de energia. Música simples e cativante, com textos irónicos traduzidos em doses reduzidas, a mostrar que os dois anos de "estrada" deram consistência e profissionalismo a um projecto que é já um caso sério de popularidade internacional. No final, a festa e a celebração da interculturalidade, sempre possível quando a música é o elo de ligação. Num bairro conhecido como um dos mais conflituosos da cidade, devido à exclusão social dos seus habitantes e aos conflitos religiosos empolados pelo discurso populista da direita xenófoba, o concerto dos "Deolinda" teve o condão de amenizar as tensões existentes numa sociedade que continua a procurar pontes de entendimento entre culturas diferentes. Se a música puder ajudar, tanto melhor...
2010/10/30
Leite achocolatado para os olhos
Totalmente patético este acordo, verdadeiramente patéticas as posições e justificações do governo e do PSD, patética a estratégia do PR, verdadeiramente confrangedor o comportamento da restante oposição, enfim, não há ponta por onde se lhe pegue.
É importante reter, porém, do lado do governo, a ânsia de demonstrar que ainda governa e, da parte do PSD, 1) a ânsia de provar que é capaz de governar, 2) o empenho em demonstar que não tem "nada a ver com isto" ("isto" é o estado de descalabro a que a governação do país chegou) e 3) o contributo vergonhoso dado para esta monumental e descarada operação de propaganda a favor da candidatura de Cavaco Silva.
É importante sublinhar e não deixar passar em claro que, face a uma situação classificada como tão, tão calamitosa, nenhum dos protagonistas de toda esta charada se eximiu afinal de prosseguir friamente a sua estratégia própria de curto prazo. O povo português que se lixe! O povo português que pague os dislates destes miseráveis que nos têm governado à vez e que passe o cheque para pagar a estratégia que os seus coveiros manhosamente montaram! Os tachos estão todos salvaguardados, o povo portugês paga. É nisto que consiste o "entendimento" agora atingido.
O que é que mudou verdadeiramente com o "acordo" entre o PS e o PSD, senão terem acordado que fica tudo rigorosamente na mesma?
É importante reter, porém, do lado do governo, a ânsia de demonstrar que ainda governa e, da parte do PSD, 1) a ânsia de provar que é capaz de governar, 2) o empenho em demonstar que não tem "nada a ver com isto" ("isto" é o estado de descalabro a que a governação do país chegou) e 3) o contributo vergonhoso dado para esta monumental e descarada operação de propaganda a favor da candidatura de Cavaco Silva.
É importante sublinhar e não deixar passar em claro que, face a uma situação classificada como tão, tão calamitosa, nenhum dos protagonistas de toda esta charada se eximiu afinal de prosseguir friamente a sua estratégia própria de curto prazo. O povo português que se lixe! O povo português que pague os dislates destes miseráveis que nos têm governado à vez e que passe o cheque para pagar a estratégia que os seus coveiros manhosamente montaram! Os tachos estão todos salvaguardados, o povo portugês paga. É nisto que consiste o "entendimento" agora atingido.
O que é que mudou verdadeiramente com o "acordo" entre o PS e o PSD, senão terem acordado que fica tudo rigorosamente na mesma?
2010/10/27
Uma proposta singela...
...Para acabar de vez com a "crise": passar isto à hora dos telejornais, em sua substituição. Passar nos 3 canais e em simultâneo.
Ouçam, já agora, até ao fim. Talvez a "crise" passe também a ter, para todos vós, um outro significado...
Ouçam, já agora, até ao fim. Talvez a "crise" passe também a ter, para todos vós, um outro significado...
Alerta
As notícias sobre os resultados positivos que a sua "magistratura de influência produziu" podem muito bem ser exageradas...
2010/10/26
O semáforo
O semáforo é uma criação extraordinariamente simples e eficaz. Raramente paramos para pensar na sua utilidade. Nem quando estamos ali com a luz vermelha mesmo à frente do nosso nariz nos interrogamos, por um momento, sobre o que seria se o semáforo não estivesse a funcionar. Não paramos para pensar o que seria se não existisse semáforo ou se, em vez daquela sequência estável, precisa e categórica de alternância de luzes, tivessemos uma coisa errática, sem lógica e totalmente imprevisível ou absurda. Para mim, governar é algo que se assemelha à acção do semáforo. Depois de ser instalado, ligado à corrente e colocado a funcionar, o semáforo assegura que todos têm hipótese de exercer o seu direito a circular, em condições de perfeita igualdade e com um mínimo de perturbação. No semáforo, como na governação, quanto menos fantasia melhor...
É tão simples quanto isso. Governar é exercer Justiça e velar por uma clara igualdade de oportunidades para todos. O semáforo é justo (todos passam, de acordo com uma ordem convencionada, mas todos passam!) e proporciona igualdade de oportunidades (passa o Rolls-Royce e passa a "bicla" velha).
Em Portugal a governação é um semáforo que tem vindo a evidenciar falhas crescentes, a reclamar manutenção. Nos dias que correm avariou totalmente. Falo de governação num sentido amplo, no quadro da democracia, com o povo como actor da soberania. Reina o caos total no trânsito!
O trânsito empancou em Portugal, como seria de esperar que acontecesse, mais tarde ou mais cedo.
É possível o tráfego fluir sem semáforos. Era útil que esta comissão que "negoceia" o OE 2011 e o actual PR, putativo recandidato ao cargo, percebessem isso claramente... Ou fazem o que é suposto que façam ou não são precisos. É (mesmo) assim, simples como um semáforo.
É tão simples quanto isso. Governar é exercer Justiça e velar por uma clara igualdade de oportunidades para todos. O semáforo é justo (todos passam, de acordo com uma ordem convencionada, mas todos passam!) e proporciona igualdade de oportunidades (passa o Rolls-Royce e passa a "bicla" velha).
Em Portugal a governação é um semáforo que tem vindo a evidenciar falhas crescentes, a reclamar manutenção. Nos dias que correm avariou totalmente. Falo de governação num sentido amplo, no quadro da democracia, com o povo como actor da soberania. Reina o caos total no trânsito!
O trânsito empancou em Portugal, como seria de esperar que acontecesse, mais tarde ou mais cedo.
É possível o tráfego fluir sem semáforos. Era útil que esta comissão que "negoceia" o OE 2011 e o actual PR, putativo recandidato ao cargo, percebessem isso claramente... Ou fazem o que é suposto que façam ou não são precisos. É (mesmo) assim, simples como um semáforo.
2010/10/25
"Deixar de pagar as dívidas à banca"
A propósito da nova taxa que os bancos certamente irão ter de pagar para o ano, o presidente do BES veio-nos hoje lembrar que a banca existe para ser rentável. Num súbito ataque de amnésia esqueceu-se do estatuto fiscal de privlégio de que goza este sector particular da nossa economia e de que a "rentabilidade" da banca portuguesa assenta, em boa parte, num inexplicável e injustificado "perdão fiscal" que o generoso povo português decidiu atribuir, por delegação de competências, à banca neste país.
Vale a pena ver e ouvir o insosso presidente do BES a dizer isto ao vivo e a cores.
(O título foi tirado do texto de Paulo Varela Gomes que ontem tive a oportunidade de reproduzir no post "Declaração".)
Vale a pena ver e ouvir o insosso presidente do BES a dizer isto ao vivo e a cores.
(O título foi tirado do texto de Paulo Varela Gomes que ontem tive a oportunidade de reproduzir no post "Declaração".)
2010/10/24
"Declaração"
O Público de ontem contém uma "Declaração" de Paulo Varela Gomes (clique na imagem para a ler) incluida na habitual crónica de sábado "Cartas do Interior".
Por concordar totalmente com o que aí é dito, por ser sensível a este apelo bem articulado, sincero e simples, e por estar disposto a participar nas acções nele sugeridas, aqui a reproduzo com a devida vénia—como acto de total solidariedade— na esperança de que outros, que não tiveram possibilidade de o fazer, possam ler esta "Declaração" e avaliar, por si próprios, a oportunidadade e o alcance do que aí é preconizado.
Se esta reprodução não for legal, paciência; é, desde já, uma forma de começar a participar no que PVG sugere...
Por concordar totalmente com o que aí é dito, por ser sensível a este apelo bem articulado, sincero e simples, e por estar disposto a participar nas acções nele sugeridas, aqui a reproduzo com a devida vénia—como acto de total solidariedade— na esperança de que outros, que não tiveram possibilidade de o fazer, possam ler esta "Declaração" e avaliar, por si próprios, a oportunidadade e o alcance do que aí é preconizado.
Se esta reprodução não for legal, paciência; é, desde já, uma forma de começar a participar no que PVG sugere...
2010/10/22
Cosa Nostra no Bombarral
Pelos vistos, a "Máfia" chegou à West Coast da Europa. A verdadeira, porque a máfia lusitana já cá está há muito tempo.
2010/10/16
A "pen" da nossa incompetência
Depois de muitas "noites em claro", os homens do orçamento lá conseguiram esta madrugada entregar a famosa "pen" ao Presidente da Assembleia, num acto que ameaça transformar-se numa verdadeira tradição de ineficiência. Hoje, Teixeira dos Santos repetiu a dose, declarando-se aberto a todas as sugestões para "melhorar" o documento, desde que fosse respeitado o limite do "déficit" imposto pelo BCE.
Portugal tem assim duas hipóteses: ou respeita os ditames do Banco Central Europeu, aumentando os impostos, diminuindo o investimento, estagnando o crescimento e aumentando a recessão; ou, recusa os cortes a que se auto-impôs, aumenta os investimentos e mantém as prestações sociais como forma de diminuir a crescente pobreza, aumentando dessa forma os "ratings" negativos das agências e os juros da dívida à banca internacional. Ambas as soluções são más, pelo que não há, entre elas, escolha possível. Como foi possível chegar até aqui?
Porque as coisas não acontecem por acaso, convém não esquecer os principais responsáveis por esta situação que, durante anos a fio, ignoraram todos os avisos e conselhos, repetindo à exaustão a "mantra" da "economia saudável", bem acima da média dos países do espaço europeu.
Depois de dez anos de divergência económica continuada, dos piores índices em áreas tão fundamentais como a educação, a justiça, a evasão fiscal ou a corrupção, difícil seria esperar melhores resultados em termos económico-financeiros. E, no entanto, foi isso que aconteceu. Agora é tarde para prevenir, coisa que sucessivos governos sem qualquer visão estratégica nunca conseguiram fazer. Resta saber, se por dolo, ou por incompetência. Está tudo na "pen".
Portugal tem assim duas hipóteses: ou respeita os ditames do Banco Central Europeu, aumentando os impostos, diminuindo o investimento, estagnando o crescimento e aumentando a recessão; ou, recusa os cortes a que se auto-impôs, aumenta os investimentos e mantém as prestações sociais como forma de diminuir a crescente pobreza, aumentando dessa forma os "ratings" negativos das agências e os juros da dívida à banca internacional. Ambas as soluções são más, pelo que não há, entre elas, escolha possível. Como foi possível chegar até aqui?
Porque as coisas não acontecem por acaso, convém não esquecer os principais responsáveis por esta situação que, durante anos a fio, ignoraram todos os avisos e conselhos, repetindo à exaustão a "mantra" da "economia saudável", bem acima da média dos países do espaço europeu.
Depois de dez anos de divergência económica continuada, dos piores índices em áreas tão fundamentais como a educação, a justiça, a evasão fiscal ou a corrupção, difícil seria esperar melhores resultados em termos económico-financeiros. E, no entanto, foi isso que aconteceu. Agora é tarde para prevenir, coisa que sucessivos governos sem qualquer visão estratégica nunca conseguiram fazer. Resta saber, se por dolo, ou por incompetência. Está tudo na "pen".
2010/10/14
"O actual PR é fraco"
Em entrevista ao Público, Carvalho da Silva volta hoje a abordar a questão presidencial. Vale a pena lê-la. Já há dias referi aqui o coordenador da CGTP a propósito desta questão, sobre a qual nunca é demais insistir.
Carvalho da Silva tem-se revelado neste aspecto uma das vozes mais persistentes e lúcidas que se ouvem sobre esta matéria. Um discurso a necessitar de alguma ordem mas que, sem dúvida, revela uma enorme sensibilidade para analisar o que está neste momento em jogo.
O debate presidencial não deveria ser uma questão arrumada e eu creio que as forças que lutam por um Portugal mais justo a têm negligenciado.
Antes de entregar um poder tão importante, como é o do PR, de mão beijada a Cavaco Silva, vale a pena ir muito mais fundo na avaliação do que foi este seu mandato e no que pode e deve ser o papel de um presidente no Portugal que queremos ver saído do actual atoleiro em que se encontra.
Carvalho da Silva tem-se revelado neste aspecto uma das vozes mais persistentes e lúcidas que se ouvem sobre esta matéria. Um discurso a necessitar de alguma ordem mas que, sem dúvida, revela uma enorme sensibilidade para analisar o que está neste momento em jogo.
O debate presidencial não deveria ser uma questão arrumada e eu creio que as forças que lutam por um Portugal mais justo a têm negligenciado.
Antes de entregar um poder tão importante, como é o do PR, de mão beijada a Cavaco Silva, vale a pena ir muito mais fundo na avaliação do que foi este seu mandato e no que pode e deve ser o papel de um presidente no Portugal que queremos ver saído do actual atoleiro em que se encontra.
2010/10/13
Lições do Chile
Ainda nem metade dos mineiros chilenos soterrados foi resgatada e já se podem tirar algumas conclusões sobre tudo isto. Estou convicto que toda esta operação vai ter consequências profundas.
É um acidente e, como tal, uma coisa fortuita, imprevisível. É até um acidente de dimensões relativamente reduzidas quando comparado com episódios recentes como New Orleans ou o Haiti. É um acidente de dimensão reduzida quando comparado com o terramoto que ocorreu no próprio Chile!
Mas, se, por um lado, perante essas tragédias, não nos transformámos em cidadãos de qualquer destes lugares, neste caso de facto tornámo-nos "todos chilenos", como diz o RM no último post, e "somos todos mineiros" como me disse o FL. Porquê?
Fica demonstrado de forma inequívoca que a opção pelo primado da dimensão humana não tem discussão, nem escala padrão, e que o engenho, a solidariedade, a capacidade de sacrifício postos ao serviço dos outros não são "commodities", que possam ser sujeitas às oscilações do mercado de valores ou à especulação bolsista. O clima em que hoje se vive faz crer que tudo se resume aos "mercados". No Chile escreve-se neste momento o texto que demonstra justamente o contrário.
Parece-me também difícil justificar no futuro a aniquilação deliberada de seres humanos e a leviandade dos "danos colaterais" quando se vê o mundo ficar às avessas e comover-se até às lágrimas, depois de se ter sentido encurralado como e com estes 33 mineiros. No Chile apagaram-se os pretextos para as divisões artificiais. 33 ou 33 milhões, todos os encurralados querem libertar-se.
Se os meios justificassem os fins, estes 33 mineiros estariam a esta hora certamente mortos. Esta operação não peca por falta de meios e não houve estudos custo-benefício que impedissem o seu emprego. Fica claro de uma vez por todas a falsidade deste princípio e o crime que é aplicá-lo torcendo pela força a lógica das coisas. No Chile a realidade é maior que o mais "real" reality show e demonstra que quem está convicto do fim, não olha a meios.
É um acidente e, como tal, uma coisa fortuita, imprevisível. É até um acidente de dimensões relativamente reduzidas quando comparado com episódios recentes como New Orleans ou o Haiti. É um acidente de dimensão reduzida quando comparado com o terramoto que ocorreu no próprio Chile!
Mas, se, por um lado, perante essas tragédias, não nos transformámos em cidadãos de qualquer destes lugares, neste caso de facto tornámo-nos "todos chilenos", como diz o RM no último post, e "somos todos mineiros" como me disse o FL. Porquê?
Fica demonstrado de forma inequívoca que a opção pelo primado da dimensão humana não tem discussão, nem escala padrão, e que o engenho, a solidariedade, a capacidade de sacrifício postos ao serviço dos outros não são "commodities", que possam ser sujeitas às oscilações do mercado de valores ou à especulação bolsista. O clima em que hoje se vive faz crer que tudo se resume aos "mercados". No Chile escreve-se neste momento o texto que demonstra justamente o contrário.
Parece-me também difícil justificar no futuro a aniquilação deliberada de seres humanos e a leviandade dos "danos colaterais" quando se vê o mundo ficar às avessas e comover-se até às lágrimas, depois de se ter sentido encurralado como e com estes 33 mineiros. No Chile apagaram-se os pretextos para as divisões artificiais. 33 ou 33 milhões, todos os encurralados querem libertar-se.
Se os meios justificassem os fins, estes 33 mineiros estariam a esta hora certamente mortos. Esta operação não peca por falta de meios e não houve estudos custo-benefício que impedissem o seu emprego. Fica claro de uma vez por todas a falsidade deste princípio e o crime que é aplicá-lo torcendo pela força a lógica das coisas. No Chile a realidade é maior que o mais "real" reality show e demonstra que quem está convicto do fim, não olha a meios.
2010/10/12
Internacionalismo interesseiro?
Aquilo que me pareceu ser uma imbecilidade de todo o tamanho, pode afinal ser uma jogada de mestre! É que ontem ouvi a reacção do PCP à entrega do prémio Nobel da Paz. Uma reacção que me pareceu, à primeira vista, tão desastrada, tão desastrada, de um primarismo tão grande que nem queria acreditar no que ouvia.
Hoje leio que Wang Yong, do banco central chinês, aconselha a compra da dívida soberana dos países em dificuldade (Portugal, Grécia, Irlanda e Itália) para evitar a valorização do yuan acima dos 3%, pretendida pelos americanos. Ah!, pensei eu, afinal sempre traz água no bico a posição do PCP...
O PCP diz que o Nobel é "inseparável das pressões económicas e políticas dos EUA à República Popular da China". My mistake... Afinal, o PCP não foi desastrado, nem o Nobel atribuído a Liu Xiaobo é a condenação de um acto arbitrário de um estado que vive, em certos aspectos, numa situação de inexplicável paragem no tempo. Afinal o Nobel da Paz é um instrumento de pressão económica. E o PCP, numa atitude patriótica e surpreendentemente europeísta, faz o rapapé aos Chineses não vão eles chatear-se, como se chatearam já com a Noruega, e desistir da hipótese de "contribuir activamente para a resolução da dívida europeia", excluindo, nomeadamente, Portugal desse pacote de apoio activo.
Os insondáveis desígnios da diplomacia e da política internacional...
Hoje leio que Wang Yong, do banco central chinês, aconselha a compra da dívida soberana dos países em dificuldade (Portugal, Grécia, Irlanda e Itália) para evitar a valorização do yuan acima dos 3%, pretendida pelos americanos. Ah!, pensei eu, afinal sempre traz água no bico a posição do PCP...
O PCP diz que o Nobel é "inseparável das pressões económicas e políticas dos EUA à República Popular da China". My mistake... Afinal, o PCP não foi desastrado, nem o Nobel atribuído a Liu Xiaobo é a condenação de um acto arbitrário de um estado que vive, em certos aspectos, numa situação de inexplicável paragem no tempo. Afinal o Nobel da Paz é um instrumento de pressão económica. E o PCP, numa atitude patriótica e surpreendentemente europeísta, faz o rapapé aos Chineses não vão eles chatear-se, como se chatearam já com a Noruega, e desistir da hipótese de "contribuir activamente para a resolução da dívida europeia", excluindo, nomeadamente, Portugal desse pacote de apoio activo.
Os insondáveis desígnios da diplomacia e da política internacional...
O défice explicado para quem não tenha ainda percebido
Hoje chegou-nos a notícia que os tratamentos de infertilidade ministrados na Maternidade Alfredo da Costa tinham sido interrompidos. A interrupção resulta de uma circular do Ministério da Saúde que determina a limitação desses tratamentos a um durante este ano, por casal.
Até agora eram ministrados dois tratamentos anualmente. Quem estiver neste momento a aguardar por um segundo tratamento terá de esperar por 2011.
Há, porém, casos em que a interrupção foi ordenada já após o início do segundo tratamento, mesmo em pleno processo de preparação para esse tratamento, ao que consta. Uma "brutalidade", dizem alguns testemunhos que a comunicação social recolheu naquela maternidade. Uma situação que está a provocar revolta. Uma solução tecnicamente "incorrecta e incompreensível", diz uma responsável da D. G. de Saúde, ouvida pela TSF.
A MAC terá assim agido nestes casos por iniciativa própria, pelo que se percebe.
Independentemente das contradições burocráticas e do risco clínico, independentemente do facto de que estão previstos programas para o ano que ministrarão os três tratamentos desde sempre preconizados (e não apenas os dois que eram actualmente administrados), o que tudo isto vem desvendar perante os cidadãos é o caos, o grau de demência e de insensibilidade que reinam na administração pública portuguesa. "Até hoje nem sequer um telefonema da MAC com nenhum tipo de apoio, quando sabem que isto psicologicamente afecta muito," diz uma das mulheres ouvidas pela TSF.
Em Abril de 2009, o Governo determinou o "apoio aos casais que precisassem de tratamentos de fertilidade, aumentando a comparticipação dos medicamentos necessários de 37 para 69 por cento e o encaminhamento dos casais em lista de espera no público para clínicas privadas. A medida foi uma das grandes apostas do executivo Sócrates para a saúde em 2009," como nota o Público. Agora o défice manda fechar a loja e, mais papista que o Papa, a MAC revelando a sensibilidade de um pneu e tripudiando sobre os mais elementares princípios do comportamento humano, administra sem hesitar um preceito "incorrecto", segundo da DGS, revelando um desvelo que merecerá certamente nota "Excelente" na avaliação.
Aonde chegou a cegueira, a insensatez, o desnorte, o egoismo e a falta de solidariedade das instituições públicas neste País. Se é assim com a saúde reprodutiva, se é assim com a fragilidade da maternidade, é fácil imaginar o que se passará noutros sectores da vida portuguesa.
Até agora eram ministrados dois tratamentos anualmente. Quem estiver neste momento a aguardar por um segundo tratamento terá de esperar por 2011.
Há, porém, casos em que a interrupção foi ordenada já após o início do segundo tratamento, mesmo em pleno processo de preparação para esse tratamento, ao que consta. Uma "brutalidade", dizem alguns testemunhos que a comunicação social recolheu naquela maternidade. Uma situação que está a provocar revolta. Uma solução tecnicamente "incorrecta e incompreensível", diz uma responsável da D. G. de Saúde, ouvida pela TSF.
A MAC terá assim agido nestes casos por iniciativa própria, pelo que se percebe.
Independentemente das contradições burocráticas e do risco clínico, independentemente do facto de que estão previstos programas para o ano que ministrarão os três tratamentos desde sempre preconizados (e não apenas os dois que eram actualmente administrados), o que tudo isto vem desvendar perante os cidadãos é o caos, o grau de demência e de insensibilidade que reinam na administração pública portuguesa. "Até hoje nem sequer um telefonema da MAC com nenhum tipo de apoio, quando sabem que isto psicologicamente afecta muito," diz uma das mulheres ouvidas pela TSF.
Em Abril de 2009, o Governo determinou o "apoio aos casais que precisassem de tratamentos de fertilidade, aumentando a comparticipação dos medicamentos necessários de 37 para 69 por cento e o encaminhamento dos casais em lista de espera no público para clínicas privadas. A medida foi uma das grandes apostas do executivo Sócrates para a saúde em 2009," como nota o Público. Agora o défice manda fechar a loja e, mais papista que o Papa, a MAC revelando a sensibilidade de um pneu e tripudiando sobre os mais elementares princípios do comportamento humano, administra sem hesitar um preceito "incorrecto", segundo da DGS, revelando um desvelo que merecerá certamente nota "Excelente" na avaliação.
Aonde chegou a cegueira, a insensatez, o desnorte, o egoismo e a falta de solidariedade das instituições públicas neste País. Se é assim com a saúde reprodutiva, se é assim com a fragilidade da maternidade, é fácil imaginar o que se passará noutros sectores da vida portuguesa.
2010/10/07
Um Nobel ao retardador
O Nobel da literatura, hoje atribuído ao escritor peruano Vargas Llosa, premeia um dos mais destacados e prolíferos escritores da actualidade. Ainda que o seu nome não constasse há muito da lista de nomeáveis em que o "gossip" de Estocolmo é fértil, poucas vezes uma "obra" (porque é disso que se trata) recolheria tal unânimidade. É verdade que estas coisas valem o que valem e Llosa não precisava do Nobel para ser reconhecido como grande escritor que é. Mas fica sempre bem à Academia Sueca premiar os melhores na sua área. Foi o caso e deve registar-se.
Os cães ladram e a investigação continua
Há tempo escrevi aqui um comentário sobre o cinismo que os instalados no poder revelam ao abordar a questão do mérito. O mérito, para além de ser necessário tê-lo, precisa de ser reconhecido, e precisa de ser reconhecido através de actos concretos. Se assim não for, o mérito não passará nunca de uma curiosidade, de um número de variedades.
Em Portugal, o mérito é doença que suscita imediatas e violentas reacções de rejeição. Poder e falta de mérito vão aqui de mãos dadas. O exemplo vem de cima e pega como fogo em seara seca, por isso, o reconhecimento oficial do mérito, na prática, não existe.
Por mais "roteiros presidenciais" (iniciados por Mário Soares, recorde-se, que Cavaco segue à letra), por mais visitas simbólicas aos "centros de excelência", feitos por suas excelências, o círculo de giz caucasiano não se rompe. Fala-se em mérito e, na prática, ouve-se logo sacar da pistola!
Ainda há dias o professor António Damásio dizia, em entrevista na SICN —por palavras cuidadosamente escolhidas, mas dizia!— que a sua investigação não seria possível em Portugal. A ele coube reagir à falta de condições que tinha e escolher os EUA para fazer o seu trabalho. A nós todos, sobretudo os mais responsáveis, caber-nos-ia e cabe-nos perguntar, porque não? E é aqui que esta questão do mérito e do seu reconhecimento se começa a embrulhar num novelo cuja ponta precisamos de urgentemente encontrar.
Hoje o Público, num artigo de Teresa Firmino, refere que uma equipa de cientistas portugueses, que trabalha com a equipa que ganhou o Nobel da Física pela descoberta do grafeno, viu o financiamento de um projecto seu que permitiria avançar no domínio da investigação sobre este novo material, ser recusado pela FCT. Um responsável da equipa portuguesa, o professor Nuno Peres da Universidade do Minho, diz, ainda segundo o Público, que "vamos continuar a trabalhar —sem dinheiro, com mais dificuldade—, porque a nossa motivação é compreender a natureza e daí tirar vantagens para a vida das pessoas."
Um dia destes vão todos tentar alapar no "mérito" destes investigadores, vão ver. Talvez mesmo distingui-los em breve com uma paragem do "roteiro" eleitoral e, para o ano, o presidente eleito vai conceder-lhes uma medalha de um "mérito" qualquer, num qualquer dia, de um qualquer Camões, sem corar de vergonha pelo ridículo do seu acto...
Depois continua tudo na mesma.
Em Portugal, o mérito é doença que suscita imediatas e violentas reacções de rejeição. Poder e falta de mérito vão aqui de mãos dadas. O exemplo vem de cima e pega como fogo em seara seca, por isso, o reconhecimento oficial do mérito, na prática, não existe.
Por mais "roteiros presidenciais" (iniciados por Mário Soares, recorde-se, que Cavaco segue à letra), por mais visitas simbólicas aos "centros de excelência", feitos por suas excelências, o círculo de giz caucasiano não se rompe. Fala-se em mérito e, na prática, ouve-se logo sacar da pistola!
Ainda há dias o professor António Damásio dizia, em entrevista na SICN —por palavras cuidadosamente escolhidas, mas dizia!— que a sua investigação não seria possível em Portugal. A ele coube reagir à falta de condições que tinha e escolher os EUA para fazer o seu trabalho. A nós todos, sobretudo os mais responsáveis, caber-nos-ia e cabe-nos perguntar, porque não? E é aqui que esta questão do mérito e do seu reconhecimento se começa a embrulhar num novelo cuja ponta precisamos de urgentemente encontrar.
Hoje o Público, num artigo de Teresa Firmino, refere que uma equipa de cientistas portugueses, que trabalha com a equipa que ganhou o Nobel da Física pela descoberta do grafeno, viu o financiamento de um projecto seu que permitiria avançar no domínio da investigação sobre este novo material, ser recusado pela FCT. Um responsável da equipa portuguesa, o professor Nuno Peres da Universidade do Minho, diz, ainda segundo o Público, que "vamos continuar a trabalhar —sem dinheiro, com mais dificuldade—, porque a nossa motivação é compreender a natureza e daí tirar vantagens para a vida das pessoas."
Um dia destes vão todos tentar alapar no "mérito" destes investigadores, vão ver. Talvez mesmo distingui-los em breve com uma paragem do "roteiro" eleitoral e, para o ano, o presidente eleito vai conceder-lhes uma medalha de um "mérito" qualquer, num qualquer dia, de um qualquer Camões, sem corar de vergonha pelo ridículo do seu acto...
Depois continua tudo na mesma.
Uma petição oportuna
Agora que tantos economistas vão à televisão falar da actual crise e das soluções para combatê-la, seria bom ouvir outras opiniões para além dos "especialistas do sistema" que diariamente nos lavam o cérebro com as suas receitas.
Uma petição oportuna é esta aqui.
Assinem e divulguem.
Uma petição oportuna é esta aqui.
Assinem e divulguem.
2010/10/05
Atirar a toalha na questão presidencial
O antigo Presidente da República Ramalho Eanes diz que a gravidade da situação do País exige consensos entre os partidos. Ora aqui está uma frase, aparentemente inócua, que tem muito mais que se lhe diga. De repetida de forma ora automática, ora acéfala, esta ideia de que os partidos é que geram consensos acaba por ir fazendo "jurisprudência".
No meu entender, a situação do país —de há muito, não só de hoje— exige discussão e esclarecimento dos portugueses. Exige consenso, mas entre os portugueses. Que os partidos depois reflectirão, claro, mas que tem de emanar dos cidadãos. Uma das, senão mesmo a questão central da nossa democracia é este cheque em branco que os cidadãos concedem aos partidos. Que deu no que deu, como sabemos. A democracia não se esgota, como é sucessiva e inutilmente repetido por alguns, nas eleições, nem o nosso papel enquanto cidadãos acaba no momento em que conseguimos que alguém assuma o papel de nos representar politicamente. Este é um debate que urge fazer na sociedade portuguesa e que, naturalmente, não vai ser nunca promovido pelos partidos.
Há poucos dias o secretário-geral da CGTP defendeu a necessidade de aproveitar a eleição presidencial que se aproxima para um debate profundo sobre a situação do país, que inclui a perspectiva —correcta, no meu entender— da crítica do exercício do poder presidencial. Não posso concordar mais. Habituámo-nos a criticar o Governo, e em particular o Primeiro Ministro, pelos pecados da governação, mas esquecemo-nos frequentemente que o Presidente da República tem grossa percentagem de culpa no cartório e é co-responsável pelo estado a que as coisas chegaram. Não como sócio gerente, mas como silent partner. Negligenciámos avaliar o papel que esta figura tem nos acontecimentos nacionais.
O PR tem, mesmo numa interpretação light dos seus poderes constitucionais, muito mais poder de intervenção do que faz crer a interpretação oportunista que da Constituição fazem alguns parasitas da nossa vida política e, seguramente, muito mais do que aquele que o actual detentor do cargo evidencia. Por outro lado, o exercício deste cargo implica uma margem de assertividade que não tem sido de todo a tónica do mandato deste Presidente. O exercício da Presidência da República feito por Cavaco Silva faz-me lembrar um personagem do Jô Soares de há uns largos anos, conhecido pelo "não me comprometa"! E falo na versão light porque se formos para a versão com todos, o mandato deste Presidente é um fracasso total, na perspectiva do interesse nacional.
Na minha opinião, o desastre da governação do consulado Sócrates ocorre nesta matriz e nela tem também de ser enquadrado.
Ora, o que o comentário de Carvalho da Silva parece vir justamente pôr em destaque é a necessidade de não "arrumar" a questão das eleições presidenciais na secção dos "resolvidos" —aquela em que parece que a generalidade dos doutos comentadores e fazedores de opinião já encafuou a questão— e exigir mais! Partindo do princípio que as expressões "presidente de todos os portugueses" e "equidistânca dos partidos" não são vãs, é fácil concluir que há um terreno imenso onde a acção e a iniciativa do Presidente da República podem ter lugar e que estas não se esgotam no jogo de atirar pinos abaixo no bowling dos partidos. Devíamos ambicionar mais e o PR deveria ser um agente particularmente activo nesse desígnio.
Não vamos eleger o "monarca", figura decorativa, passiva e passada, como alguns desejam. Estamos noutra!
Falando de dificuldades de fazer uma comunicação decente do que está em jogo na presente situação política, teria sido mais últil que, em vez de chamar os partidos, como fez ultimamente, Cavaco Silva tivesse promovido uma discussão muito ampla e aprofundada sobre o que está verdadeiramente em causa. Há mil maneiras de o levar a cabo e não lhe faltariam decerto meios para o fazer. Falta-lhe, manifestamente, é o talento, a criatividade e a visão correcta de um verdadeiro estadista. Deve estar esgotado com as duas mil assinaturas que teve de apor nos diplomas todos que promulgou. Cãibra de escrivão, portanto.
E em resultado de tricas mesquinhas, ódios pessoais e interesses partidários inomináveis preparam-se todos para entregar de mão beijada, de novo, o cargo de Presidente da República a este homem.
No meu entender, a situação do país —de há muito, não só de hoje— exige discussão e esclarecimento dos portugueses. Exige consenso, mas entre os portugueses. Que os partidos depois reflectirão, claro, mas que tem de emanar dos cidadãos. Uma das, senão mesmo a questão central da nossa democracia é este cheque em branco que os cidadãos concedem aos partidos. Que deu no que deu, como sabemos. A democracia não se esgota, como é sucessiva e inutilmente repetido por alguns, nas eleições, nem o nosso papel enquanto cidadãos acaba no momento em que conseguimos que alguém assuma o papel de nos representar politicamente. Este é um debate que urge fazer na sociedade portuguesa e que, naturalmente, não vai ser nunca promovido pelos partidos.
Há poucos dias o secretário-geral da CGTP defendeu a necessidade de aproveitar a eleição presidencial que se aproxima para um debate profundo sobre a situação do país, que inclui a perspectiva —correcta, no meu entender— da crítica do exercício do poder presidencial. Não posso concordar mais. Habituámo-nos a criticar o Governo, e em particular o Primeiro Ministro, pelos pecados da governação, mas esquecemo-nos frequentemente que o Presidente da República tem grossa percentagem de culpa no cartório e é co-responsável pelo estado a que as coisas chegaram. Não como sócio gerente, mas como silent partner. Negligenciámos avaliar o papel que esta figura tem nos acontecimentos nacionais.
O PR tem, mesmo numa interpretação light dos seus poderes constitucionais, muito mais poder de intervenção do que faz crer a interpretação oportunista que da Constituição fazem alguns parasitas da nossa vida política e, seguramente, muito mais do que aquele que o actual detentor do cargo evidencia. Por outro lado, o exercício deste cargo implica uma margem de assertividade que não tem sido de todo a tónica do mandato deste Presidente. O exercício da Presidência da República feito por Cavaco Silva faz-me lembrar um personagem do Jô Soares de há uns largos anos, conhecido pelo "não me comprometa"! E falo na versão light porque se formos para a versão com todos, o mandato deste Presidente é um fracasso total, na perspectiva do interesse nacional.
Na minha opinião, o desastre da governação do consulado Sócrates ocorre nesta matriz e nela tem também de ser enquadrado.
Ora, o que o comentário de Carvalho da Silva parece vir justamente pôr em destaque é a necessidade de não "arrumar" a questão das eleições presidenciais na secção dos "resolvidos" —aquela em que parece que a generalidade dos doutos comentadores e fazedores de opinião já encafuou a questão— e exigir mais! Partindo do princípio que as expressões "presidente de todos os portugueses" e "equidistânca dos partidos" não são vãs, é fácil concluir que há um terreno imenso onde a acção e a iniciativa do Presidente da República podem ter lugar e que estas não se esgotam no jogo de atirar pinos abaixo no bowling dos partidos. Devíamos ambicionar mais e o PR deveria ser um agente particularmente activo nesse desígnio.
Não vamos eleger o "monarca", figura decorativa, passiva e passada, como alguns desejam. Estamos noutra!
Falando de dificuldades de fazer uma comunicação decente do que está em jogo na presente situação política, teria sido mais últil que, em vez de chamar os partidos, como fez ultimamente, Cavaco Silva tivesse promovido uma discussão muito ampla e aprofundada sobre o que está verdadeiramente em causa. Há mil maneiras de o levar a cabo e não lhe faltariam decerto meios para o fazer. Falta-lhe, manifestamente, é o talento, a criatividade e a visão correcta de um verdadeiro estadista. Deve estar esgotado com as duas mil assinaturas que teve de apor nos diplomas todos que promulgou. Cãibra de escrivão, portanto.
E em resultado de tricas mesquinhas, ódios pessoais e interesses partidários inomináveis preparam-se todos para entregar de mão beijada, de novo, o cargo de Presidente da República a este homem.
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