2013/01/15

De derrota em derrota até à vitória final...

No mesmo dia em que o Banco de Portugal publica o seu “Boletim de Inverno” com as previsões económicas para 2013, o governo lança uma “Conferência para a Reforma do Estado”.
E o que diz o Boletim do BdP?
Entre outras coisas importantes, que haverá uma contracção em 2013, de 1,9% do PIB (o dobro do previsto pelo governo para o mesmo período); o consumo privado irá diminuir 3.6%; o investimento cairá 8,5% e as exportações diminuirão 2,4%. Haverá ainda uma diminuição do emprego (perca real de 88.000 postos de trabalho) e a economia não deve descolar antes de 2014, a uma taxa que não deve ultrapassar 1%.
Ou seja, tudo a correr mal e com fortes possibilidades de vir a correr pior, como de resto qualquer observador, minimamente informado da realidade, podia prever. A “espiral recessiva” veio para ficar e ninguém sabe quando sairemos dela.
Por coincidência, ou talvez não, o governo anuncia com pompa e circunstância, uma conferência sobre a “Reforma do Estado”, a decorrer por estes dias no Palácio Foz, onde falarão diversos especialistas.
E o que dizem os convidados nessa ilustre conferência? Não sabemos. Para além da comunicação de abertura, lida pelo secretário de estado Carlos Moedas e transmitida por todos os canais televisivos, a comunicação social está impedida de transmitir o que vai passar-se nas salas do extinto SNI, à excepção da comunicação final, reservada a Passos Coelho que, obviamente, terá honras de “prime-time”.
Entretanto, o governo pela voz dos seus representantes, chama a atenção para a importância desta reforma e apela a todos os cidadãos para participarem e discutirem, pois dela depende o futuro do pais (!?). Mas, como, se nem sequer as propostas dos especialistas podem ser transmitidas?
Ouve-se, vê-se e não se acredita.
Contrariado por uma realidade que não se compadece com as previsões de Victor Gaspar e os elogios de instituições internacionais, apenas interessadas no pagamento dos juros aos credores, o governo lança mão de todos os estratagemas e mentiras para prolongar esta agonia que só pode conduzir o pais a um ponto de não retorno, com um inevitável pedido de um “segundo resgate”.
Provavelmente, é esta a sua real intenção: destruir as funções sociais do estado para liberalizar depois as suas principais funções e deixar ao glorioso “mercado” impor as suas leis.
Estamos pois, a aproximar-nos perigosamente da situação grega, onde os cidadãos sem possibilidade de pagar a electricidade, abatem árvores para fazerem fogueiras e, dessa forma, poderem aquecer-se. Talvez por isso, o gabinete do primeiro-ministro grego foi ontem alvo de um atentado a tiro, o segundo em poucos dias. Se a moda pega...

2013/01/13

Um euro

Está no ar há já algum tempo uma campanha do BES para atrair os mais novos à poupança. Para o efeito, os miúdos são convidados a abrir uma conta com 100 €. Cem euros. Em troca o pequeno aforrador recebe um mealheiro —concebido por uma estilista de nome sonante, de cujo significativo e diversificado empório comercial faz parte uma linha de vestuário para criança— e, contente, canta  "Tostão a tostão vou juntar um dinheirão!" Por sua vez, o BES oferece, por cada conta aberta, 1 € à Cáritas "para ajudar os meninos que mais precisam."
Cristiano Ronaldo dá crédito à alforria perguntando, em jeito de remate, ao tenro aforrador potencial qualquer coisa como "E tu? Já tens o teu novo mealheiro...?"
O anúncio está, como disse, há tempo no ar sem ter provocado, que eu saiba, uma palavra de indignação a qualquer alma dessas pias e sensíveis que por aí pulula, uma dessas que seja mais dada a contas.
Na aritmética publicitária do BES, criança + tostão + dinheirão + porquinhos de la Prada = um euro para a Cáritas... E depois perguntam-me por que razão resmungo tanto.

2013/01/11

Portugal em 3D

Conta-se que, quando tiveram lugar as primeiras projecções públicas de cinema, os espectadores fugiam quando viam a imagem de um comboio aproximar-se no ecrã, em "direcção" à plateia. A pouco e pouco a habituação apagou o efeito de surpresa. Com o 3D dos anos 50 procurou-se de novo chocar o espectador. Hoje esta tecnologia, muito mais apurada, permite um efeito ainda mais realista.
Apesar das reacções, as imagens produzidas com a velha tecnologia não passavam de ilusão, mas também o era o 3D dos anos 50 e o poderoso 3D de hoje também não é a realidade. Em qualquer dos casos ilusão é o efeito que se pretende criar. Os Na'vi, de facto, não existem...
Com uma simples câmara movida a corda ou com um sofisticado sistema de objectivas duplas, digital, a filmar em alta resolução, o objectivo é sempre o mesmo: produzir um universo virtual que leve o espectador a criar a ilusão de que está mesmo lá dentro e lhe permite povoá-lo com as ficções que o autor induz.
Em Portugal vivemos neste momento em plena era 3D. O governo e os restantes agentes do poder (todos os agentes das diversas formas de poder!) não precisaram sequer de distribuir óculos especiais à população. Tenta-se fazer os Portugueses comer por bom um universo totalmente artificial, criado com perícia e eficácia é certo, mas que não deixa por isso de ser o que é: uma enorme, uma monumental pantominice.
Repare-se, por exemplo, nisto. Aqui há dias foi dito (e não foi desmentido por ninguém!) que o "negócio do resgate" a Portugal permitiu um rendimento de 57% aos investidores. Uma personalidade qualquer alemã (já não me lembro se do governo ou do BCE) chegou mesmo a confessar que a própria Alemanha tinha lucrado bastante com o tal "resgate". As notícias correram os blogs, as páginas do Facebook e foram "tweetadas" até à exaustão. Quando digo "negócio do resgate" refiro-me àquilo que Passos Coelho e o ministro Gaspar classificaram como uma inevitabilidade, o tal "custe o que custar" que obrigou Portugal inteiro a vergar-se à sua lógica e à sua tirania, provocando uma das maiores catástrofes sociais de que há memória em Portugal.
O negócio foi correndo de vento em popa, mas agora, a malta agita-se... As mentiras destes vigaristas, comissionistas locais da finança agiota que tenta tomar conta dos nossos destinos, são cada vez mais evidentes para o comum dos cidadãos, mesmo daqueles para quem a "política" é tabu. A leviandade e a má fé são cada vez mais evidentes e o cataclismo social está cada vez mais iminente. Passos Coelho perde manifestamente o pé. As comadres zangam-se, as fissuras começam a ver-se. O esquema liberal, neoliberal ou como lhe queiram chamar estala por todo o lado, apesaar dos retoques. O arranjinho está em perigo.
Os "mercados" decidem então desapertar a tarraxa e baixar a taxa de juro das "maturidades" (este jargão é impagável!) a 5 e 10 anos para valores semelhantes aos que tínhamos "no final de 2010". São as novidades de hoje.
Em breve (querem uma aposta?), Coelho virá à televisão ou aproveitará um momento em que lhe estendam pressurosamente os microfones e as câmaras para anunciar, sem contradita, que está mau mas estamos no caminho certo e que os "mercados" reconhecem o esforço de Portugal. E irá dizer que vamos finalmente poder reentrar nos "mercados", graças ao esforço feito. Serão estes "mercados" —onde não estamos, mas onde vamos poder reentrar— os mesmos que acham que estamos no bom caminho e que provocam a baixa do juro do mercado secundário? Ou serão os que lucraram 57% com o resgate português? Mistérios...
Este tipo de contradições multiplica-se ad nauseum. Não parece contraditório, por exemplo, o destino que está a ser dado a este resgate se tivermos em conta as razões que motivaram o seu pedido? Não parecem contraditórias as opções estratégicas tomadas face aos problemas estruturais de que o país padece, tão repetidamente apontados? Não parece contraditório apontar esses problemas, não tomar uma única medida para os solucionar e usar o "resgate" para continuar a promover as causas que levaram ao seu aparecimento?
Os deuses não sorriem a Passos Coelho e parece claro que são cada vez mais os que topam a mentira. O negócio parece pois estar em perigo. Há que, pensarão os mercados, dar alguma folga para não o perder. O governo esclarece-nos que é tudo consequência do nosso bom comportamento. Mas, a verdade é que tudo isto não passa de um escandaloso acto de prestidigitação, ao lado do qual aquele truque do desaparecimento do Boeing parece brincadeira de amadores.
Os portugueses olham atónitos e horrorizados para tudo isto. E muitos vêem um ministro exibir o bronze de Copacabana enquanto procuram a marmita há muito esquecida no fundo da despensa e recolhem cartão para fazer a cama.
Portugal. Em 3D. Sem óculos e sem vaselina.

2013/01/10

Here we go again...

Desenganem-se aqueles que pensam que a economia portuguesa vai voltar a crescer nos tempos mais próximos ou que haverá aumento de emprego por via de investimento feito no nosso pais, única forma de criar riqueza para sair da recessão actual.
Como se não bastassem as medidas de austeridade aplicadas no último ano e meio, que deixaram o cidadão comum a “pão e laranja”, veio ontem o governo anunciar mais um “pacote” de medidas de “ajustamento” (gosto desta palavra) sugeridas pela Troika. As sugestões são de tal modo gravosas que, a serem aplicadas, nos conduzirão à idade das trevas. Provavelmente, é esse o desejo do governo, ainda que não seja de descartar a hipótese de tudo isto não passar de um balão de ensaio para avaliar a reacção da população. Outra hipótese, é a coligação governamental estar a fazer um “tour de force” preparando desta forma uma “demissão honrosa”, caso o Tribunal Constitucional venha a chumbar o OE para 2013. A probabilidade de que, em seu lugar, surja um governo de inspiração presidencial (tecnocrático ou partidário), para prosseguir esta politica suicida, como foi tentado na Grécia (com Papademos) ou em Itália (com Monti), não deve tão pouco ser descartada, quando conhecemos o histórico do FMI em situações semelhantes.
Obviamente que, eleições antecipadas, poderiam, teoricamente, dar a possibilidade aos eleitores de se pronunciarem sobre a justeza e a lógica da actual austeridade. Poderia, inclusive, dar a vitória ao maior partido da oposição, o que não significa que este possa obter uma maioria confortável para governar e, eventualmente, renegociar as condições da “dívida soberana”. Essa força só poderia surgir de um governo de coligação que estivesse verdadeiramente interessado em defender os interesses de Portugal, sem se vergar ao “diktat” da Alemanha e do FMI, coisas que o actual PS não parece estar em condições de fazer, muito menos se não fizer uma aliança à esquerda. 
Estamos pois, perante um dilema, para o qual não se vislumbram soluções fáceis ou de curto prazo, agora que a população foi de tal forma aterrorizada que parece aceitar todas as medidas impostas por este governo. Quando terminar o “ajustamento”, o pais não estará melhor, mas pior, como todos os índices o provam. Ora um pais pior, será um pais mais vulnerável e sujeito a pressões inaceitáveis por parte daqueles de quem dependemos: os credores e as instituições bancárias que nos financiam para pagarmos as dívidas aos primeiros. Um ciclo vicioso que, conduzirá a mais recessão e a um eventual segundo resgate para pôr as contas em dia...Mas, alguém acredita ser esta é a receita para sair desta crise?  Obviamente que não e, mesmo dentro da coligação, as primeiras fissuras são já visíveis. Provavelmente, vamos assistir a mais vozes discordantes, vindas agora de notáveis de ambos os partidos, o que pode originar uma nova realidade: a da implosão do governo, provocada pela insatisfação dos seus próprios membros. Que seja amanhã!

2013/01/04

As boas almas comovem-me

Curioso ver as boas almas da política portuguesa virem agora lançar apelos angustiados sobre o perigo de o TC ser transformado num órgão "político". Chega a ser comovedor ouvi-los!
Esquecem-se que o TC "fez" política quando infelizmente produziu o meio acórdão de Junho do ano passado. Nessa altura estas almas emudeceram. 
Se no ano passado o TC tivesse obrigado o governo a cumprir totalmente a Lei nº 1 tínhamos evitado estes meses de massacre coelheiro e a Constituição não tinha sido desrespeitda... 
Isso sim, foi um mau serviço, é um mau princípio, um péssimo exemplo e um perigosíssimo precendente.
Em democracia não há nada a temer da judicialização da política, mas sim da politização da justiça!

2012/12/31

Entre Belém e Copacabana, venha o diabo e escolha

No final de mais um ano, há sinais que não enganam.
O primeiro e mais significativo é, sem dúvida, a aprovação do Orçamento de Estado por essa figura que ainda dá pelo nome de presidente da república. Não que se esperasse outra coisa, mas determinados actos dizem mais dos seus autores de que tudo que sobre eles se possa escrever. Com o pífio argumento de que “mais vale um orçamento mau do que não ter orçamento” (não vão os “mercados” desconfiar...), o inquilino de Belém manteve o pais num patético “suspense”, para acabar por fazer o que sempre desejou: o frete ao governo que legitima, apesar de todos os sinais nos dizerem que esta politica é profundamente errada e este orçamento impraticável.
O segundo sinal, não menos simbólico, foi a ida em bando (os “good fellas” nunca andam sozinhos) de Miguel Relvas, Dias Loureiro e José Luís Arnaud, para o Rio de Janeiro onde, alojados no Copacabana Palace, vão assistir à passagem do ano. Certamente de consciência tranquila, após as lucrativas operações comerciais em que estiveram envolvidos (ANA, BPN e REN), os “rapazes bons” não deixarão de beber o merecido “champagne” na cidade maravilhosa.
É esta a “família” que nos governa e se governa. Foi assim durante o ano que hoje acaba e é assim há muitos anos. Provavelmente, continuará por muito mais tempo, pois, a acreditar na profecia, “a tradição ainda é o que era”. Ou não?

2012/12/27

“Olhar a lua e não o dedo que a ela aponta”

Artur Baptista da Silva é, por este dias, o homem mais célebre de Portugal. Não é caso para menos. Depois de uma conferência no Grémio Literário, que lhe valeu um convite de Nicolau Santos para participar no programa “Expresso da Meia-Noite”, apareceu e “arrasou” a concorrência. As suas opiniões, sobre as consequências do modelo de intervenção internacional na crise dos países da Europa do Sul, nomeadamente em Portugal, assim como a sua critica ao papel da Alemanha, só pode surpreender quem não ande atento e informado. Afinal, o que disse de substancial Baptista da Silva, que não se soubesse?
Disse que o “resgate”, a que Portugal está sujeito, é de 78 mil milhões de euros, dos quais 34 mil milhões são juros a pagar às três identidades da Troika (FMI, Banco Central Europeia e Comissão Europeia) a taxas que chegam a atingir 5% a 10 anos e mais de 4% em média.
Que a dívida actual (120% do PIB) começou muito antes da crise internacional de 2008, pois, quando entrámos no Euro, já a dívida pública era de 60%. do PIB.
Que parte substancial, dessa dívida original, foi criada ao longo dos diversos programas europeus, que obrigavam Portugal a endividar-se para poder receber apoios da UE. Sem dinheiro para participar, Portugal não podia concorrer aos subsídios, por isso tinha de pedir emprestado para se modernizar.
Que os juros exigidos aos países intervencionados são imorais, pois enquanto a países, como a Grécia e Portugal, são cobradas taxas de juro de 4%, os bancos dos países credores obtém esses mesmos empréstimos, do BCE, a 1%. e emprestam-no a taxas agiotas. Deu, inclusive, o exemplo do Hypo Bank, em Munique, (o segundo maior banco alemão de empréstimos) que, ameaçado de falência, foi resgatado pelo Deutsche Bank em Outubro de 2008 e, posteriormente, nacionalizado em 2009. De acordo com a informação de Baptista da Silva, o Hypo teria pedido um empréstimo de 175 mil milhões de euros ao BCE, para colmatar o “buraco” existente. Dado que a intervenção só custou 120 mil milhões, teriam sobrado 55 mil milhões. Para onde foi este dinheiro? Como não podia voltar ao BCE, ficou no Banco. Ou seja, o Hypo Bank ganhou 55 mil milhões de euros que pôde utilizar em novos empréstimos a taxas valorizadas! Um escândalo, segundo Baptista da Silva, de que ninguém fala. Dessa forma, os bancos alemães enriquecem, enquanto os países do Sul da Europa estão cada vez mais pobres. Mas, Baptista da Silva disse mais: disse por exemplo, que o Memorando com a Troika deve ser renegociado, pois as condições impostas a Portugal e a outros países com programas de intervenção semelhantes, só podem dar maus resultados: mais impostos, menos salários, reformas e subsídios, mais desemprego e mais recessão, aumentando assim o ciclo da pobreza e a dependência cada vez maior dos bancos agiotas. É este o modelo seguido para a Europa do Sul e está a falhar.
Bom, depois disto, não é de admirar que o homem tivesse sido citado em tudo o que era sitio. Não pelo que disse, mas pela exposição e frontalidade com que o fez, ainda por cima perante audiências especializadas que não conseguiram contradizê-lo. Ou seja, o “aldrabão Silva” limitou-se a dizer que o “rei vai nu” e ninguém o criticou por isso, mas pela sua audácia em fazê-lo, especialmente não sendo reconhecido pelos pares.
Está por provar que a acusação ao Deutsche Bank é falsa (fomos verificar e a Wikipedia confirma a operação de 2009, na qual o governo alemão suportou a intervenção com 102 mil milhões de euros). Ninguém o desmentiu. Quanto às restantes opiniões estão dispersas por dezenas de artigos de opinião e trabalhos de reputados cientistas sociais, que dizem exactamente o mesmo que Silva.
Como nos lembra o provérbio japonês: “Devemos olhar a lua e não o dedo que para ela aponta”.

2012/12/23

O Mundo, tal como o conhecemos, está a acabar

Lisboa, quatro e meia da tarde. À saída da estação do Rossio cruzo-me com uma mulher de idade, bem vestida, que me interpela. “Se eu disponho de um momento?”, pergunta-me... Respondo-lhe afirmativamente e ela, puxando-me para o lado, mostra-me um saco de plástico com duas ou três camisas: “Se eu quero comprar uma?”... Não sei que responder e digo-lhe que não necessito de camisas. Puxa-me pelo braço e desfaz-se em lágrimas. Não tem dinheiro, tem uma pequena reforma e o marido está num lar que ela tem de pagar. Não sabe como há-de sobreviver e tem de pagar todas as despesas. Insiste que eu lhe compre a camisa. Após segunda recusa, confessa que nunca pensou ter de fazer tal coisa e está desesperada. “Onde é que vamos parar? O que é que nos está a acontecer?”
Tento consolá-la e digo algumas palavras de circunstância, sem estar muito certo do que se estava a passar. Estabelece-se um curto dialogo. Enquanto falamos, noto-lhe o desespero estampado na cara. Chora convulsivamente. Consigo acalmá-la e ela, já mais conformada, tenta vender-me a camisa pela última vez. Há dignidade na sua pobreza e sinto-me culpado de algo para que não contribui. Despedimo-nos e ela agradece-me, desejando-me boa sorte. À distancia, olho uma última vez para trás e vejo-a entrar na estação à procura de alguém a quem consiga vender a peça de roupa. Provavelmente do seu marido, que não a pode usar...
Não posso deixar de pensar na profecia Maya. O Mundo não acabou ontem, é verdade, mas, para demasiados portugueses, o mundo a que estavam habituados deixou de existir.
A avaliar pelas previsões mais optimistas, tudo será pior em 2013.
Recentemente, o líder do partido grego Syriza, a propósito da situação de intervenção a que estão sujeitos os dois países, dizia que “o Portugal de amanhã, será a Grécia de hoje”. Referia-se à situação de extrema pobreza para a qual foram atirados milhares de gregos nos últimos anos. Uma miséria extrema, que atingiu a classe média, hoje obrigada a procurar comida nos contendores de lixo em Atenas. A degradação humana, na Europa que construiu o estado social.
Algo de terrível nos está a acontecer e a paralisia é má conselheira. Quando se perde a dignidade, não há camisa que cubra a nossa vergonha. É essa a maior miséria.

2012/12/19

Ignomínia!

Vale a pena ver este video publicado no 5 Dias por Raquel Varela. Vejam, vejam e digam lá se ainda é preciso promover debates sobre o que cabe ou não ao Estado fazer, quem paga o quê, e onde se vão buscar os fundos. Vejam, vejam e digam se haverá dúvidas sobre o futuro que esta quadrilha, que nos levou até aqui, nos preparou. Vamos deixar continuar o massacre, em nome desta "estabilidade política" e desta "imagem para o exterior" para "apaziguar mercados" com que o tentam mascarar...?
Aviso prévio: antes de ver tome uma daquelas pílulas para revestir o estômago...


2012/12/14

Bullying: você defendê-lo-ia?


É uma prática que parece merecer reprovação generalizada. Até os meninos da JSD colocaram um cartaz, aqui à porta da escola da minha terra, a condenar o bullying.
Reproduzo da Wikipédia: "bullying: termo utilizado para descrever atos de violência física ou psicológica, intencionais e repetidos, praticados por um indivíduo (do inglês bully, tiranete ou valentão) ou grupo de indivíduos causando dor e angústia, sendo executadas dentro de uma relação desigual de poder."
O bullying é uma prática abjecta que saiu dos seus locais habituais, das escolas e dos locais de trabalho. Agora é prática política. Nem mais nem menos: o governo pratica bullying contra o povo português.
Se o leitor procurar entender o que é o fenómeno do bullying, se estudar as suas características, tal como são definidas pelos peritos que estudam este assunto, se analisar as justificações para a sua punição exemplar vai perceber a razão pela qual digo isto, está lá tudo.
O governo instituiu o povo português como vítima para os seus insultos; acusa a vítima de ter pouco préstimo; ataca-a fisicamente; ataca e interfere com a sua propriedade; espalha rumores negativos a seu respeito; deprecia a vítima sem motivo; obriga a que esta faça o que ela não quer, ameaçando-a para que siga as suas ordens; coloca a vítima em situação problemática com alguém (normalmente uma autoridade), forçando uma acção disciplinar contra a vítima por algo que não cometeu ou foi por si exagerado; faz comentários depreciativos sobre a vítima, sobre as suas características e carácter; isola a vítima socialmente; exerce chantagem; profere sobre ela afirmações depreciativas; faz com que a vítima passe vergonhas em frente dos outros, etc..
Em suma, institui um clima agressivo e de medo permanente, forçando a vítima (nós todos!) a seguir os seus pérfidos desígnios, numa relação desigual de poder.
Não se fique apenas pela leitura das minhas palavras, procure informar-se a fundo sobre o assunto. Se está a ler este texto, tem acesso aos meios para saber mais sobre o tema.
Tendo o comportamento deste governo como pano de fundo, faça a comparação. Recorde-se do discurso do governo, passe em revista os meios e expedientes usados para instituir este discurso e tire as suas conclusões.
Lembre-se de que o bullying é objecto de legislação que criminaliza o acto. Diga lá então se haverá ou não motivo para julgar este governo por esse crime?
O governo Passos Coelho não passa de um bando de bullies a exigir correctivo urgente.

2012/12/10

O melhor filme do ano?



Chama-se “Amor” (Amour) e foi realizado pelo austríaco Michael Haneke. Já ganhou, só este ano,  a Palma de Ouro de Cannes e, na semana passada, o prémio do melhor filme europeu, o da melhor realização e o dos melhores actores (Jean-Louis Trintignant e Emannuelle Riva). É candidato ao Óscar para o melhor filme estrangeiro em Hollywood e...está em exibição num cinema perto de si.
Por isso, e não é pouco, se viu, já percebeu do que se trata; senão, corra a vê-lo, pois este é um filme que não pode mesmo perder. Mais, se tiver de ver apenas um filme este ano, “Amor” é a escolha certa.
Porque é que eu escrevo isto?
Bom, se calhar, porque gostei tanto do filme, que o recomendo a todos que leiam este texto. Depois, porque entre os cineastas europeus, Haneke, há muito que ocupa um lugar especial na minha galeria de cineastas-autores, aqueles que fazem o “seu” cinema, sem aderirem às modas “mainstream”.
È difícil não gostar dos filmes de Michael Haneke. Eu não me lembro de nenhum. Desde  “Benny’s vídeo”, um dos seus primeiros trabalhos, passando por “71 Fragmentos de uma Cronologia do Acaso”, “Funny Games”, “Código Desconhecido”, “A Pianista”, “Tempo do Lobo”, “Caché” (por muitos considerado a sua obra-prima) e “Laço Branco”, que venho acompanhando o seu percurso e, em todos os seus filmes, sem excepção, a redescoberta de uma faceta diferente, numa superação constante daquela que é tida como a sua visão critica e implacável das relações nas sociedades modernas. Por isso, é difícil ficar-lhe indiferente. Em todos os seus filmes, sentimos a mesma sensação de desconforto e, ao mesmo tempo, o fascínio de querer ver tudo até ao fim, pois sabemos que, no fim, sairemos recompensados. Não pelas explicações (os filmes de Haneke não são simples e muito menos apresentam soluções), mas pelo que eles nos dão a ver e de que não ousamos falar. E portanto, tudo que ele nos dá a ver, existe e está em cada um de nós.
“Amor” reconta, na sua simplicidade, a relação de um casal de idosos que se amam, na vida e na morte. Assistimos, durante mais de duas horas, à degeneração física e psíquica da personagem feminina (fabulosa Emmanuele Riva) que sofre um AVC do qual nunca mais recupera, até ao fim previsível, no qual é assistida pelo marido (comovente Trintignant). Não há uma palavra a mais num diálogo, por vezes cómico, por vezes austero, em “coupages” cirúrgicas, dentro de um apartamento em Paris, transformado pelo realizador de acordo com a sua casa paterna de Viena. Uma lição sobre o fim da vida, num filme maior que a vida. Como escrevia um critico esta semana: “É que daquela casa - e daquele filme - ninguém sai vivo”. Eu saí, também porque vos queria contar esta experiência.

2012/12/07

NOTAS DE VIAGEM: no meio da “crise” holandesa (2)

Ons aller ziel
PS Theater
Pesem as restrições económicas, anunciadas na passada semana pelo governo holandês, é difícil descortinar sinais visíveis de austeridade, neste país que passa por ser um dos mais ricos da Europa.
Os cafés e restaurantes continuam cheios, assim como as esplanadas, aquecidas nesta época do ano, enquanto as lojas fervilham de consumidores nacionais e estrangeiros, carregados de sacos das mais famosas marcas. O mesmo podemos dizer dos eventos (exposições e museus) que pudemos visitar. Nem mesmo os preços médios praticados (muito acima do que estamos habituados) parecem assustar os frequentadores da cultura citadina. Um pequeno resumo do que conseguimos ver:
Na galeria FOAM,  especializada em fotografia contemporânea, uma excelente retrospectiva de norte-americana Diane Arbus (1923-1971), constituída por  200 fotos, a preto e branco, dos temas que marcaram a sua obra: pares de namorados de todas as idades, gémeos, idosos em lares de acolhimento, jovens com o síndrome de Down, ruas e parques de Nova-Iorque. A solidão, a tristeza e a alegria, numa fotografia antropológica com a “patine” das décadas de cinquenta e sessenta. Entrada: €10.
No Museu Histórico Judeu, renovado em 2005,  para além da colecção permanente que relata a diáspora, as zonas habitacionais, a ocupação alemã e o holocausto, uma excelente exposição do artista plástico William Kentridge e as pinturas naíves de Sal Meijer, um cidadão que amava a sua cidade. Tempo ainda para ver um excelente documentário holandês, sobre as origens da música Klezmer (da Roménia ao Canadá). Porque o bilhete incluía a Sinagoga Portuguesa, vizinha ao Museu, lá voltámos, agora com a curiosidade de visitar a cave, recentemente aberta, onde podem ser admirados os tesouros deste templo sefardita, construído em 1675 e que alberga a mais antiga biblioteca judaica do Mundo. Entrada: €12.
Igualmente renovado, após um polémico concurso ao qual concorreu Siza Vieira, está o Stedelijk Museum, um dos mais populares da cidade, famoso pela sua colecção de arte moderna e contemporânea dos séculos XIX e XX.  O “Stedelijk”  modernizado, alargado e desfigurado, numa intervenção a todos os títulos criticável pelo mau gosto e desproporção de formas, estava apinhado no dia em que o visitámos. Se já era popular, agora toda a gente quer ver o novo anexo (conhecida pela “banheira”) que alberga uma colecção de “design”, a todos os títulos notável. Entrada: €15.
Já desesperávamos de  ver algo gratuito, quando fomos alertados para a nova “coqueluche” da cidade, o edifício futurista  (a lembrar o avião “Concorde”), que alberga a nova  cinemateca da cidade. Verdadeiramente espantoso, como espantosa é a sua localização, na margem norte do IJ, atrás da estação principal de comboios. 
Chama-se “Eye” (um trocadilho entre o nome do  canal que liga a cidade ao mar do Norte e o “olho” cinematográfico) e reconciliou-nos com a arquitectura. Com uma colecção com mais de 40.000 títulos,  a cinemateca tem 4 salas de projecção, 1 sala de exposições temporárias,  uma sala infantil (onde se podem aprender todos os passos necessários para fazer um filme), uma sala escura, onde é possível visionar excertos de filmes clássicos, bastando, para isso, premir uma das quatro “slot-machines” existentes, para além de uma loja e 2 cafés e restaurantes, com vista para a cidade. Um espanto. À excepção das exposições e dos filmes, tudo o mais é gratuito. Os “amigos da cinemateca” pagam 30 euros por ano e têm redução nos bilhetes que custam entre 8 e 10 euros. Por comparação, na Cinemateca de Lisboa, os “amigos” pagam os mesmos 30 euros anuais, mas apenas €1,35 por sessão...
Num pais onde a Cultura vai sofrer um corte de 50% no próximo orçamento, o teatro não é excepção. O grupo PS-Theater, de Leiden, encenou a peça “Ons aller Ziel” (A Alma de todos nós), uma metáfora sobre a miséria, onde a personagem principal (uma jovem rica e fútil da alta sociedade) convida os amigos para uma festa de caridade, onde estes devem apresentar-se vestidos de mendigos, sem-abrigo e vestimentas árabes. Durante a festa, a bebida servida é o “champagne”. Durante a peça, é confeccionada uma sopa de beterraba e lentilhas, que no fim é oferecida aos espectadores. No átrio de entrada do teatro, estava colocado um carro, onde também podiam ser depositados contributos para o Banco Alimentar. Sim, na Holanda,  um dos países mais ricos da Europa, o Banco Alimentar é cada vez mais popular...
Uma última nota para a digressão “Daisy Correia canta José Afonso”, a decorrer até Maio do próximo ano, com mais de 20 concertos agendados para toda a Holanda. Criado e interpretado por uma jovem cantora holandesa de ascendência portuguesa (Daisy Correia), este é o tributo ao Zeca que faltava. O ciclo está encerrado.

2012/12/04

NOTAS DE VIAGEM: no meio da “crise” holandesa

Nada como sairmos da pátria para ver as coisas em perspectiva. Os dias passados entre Paris e Amsterdão, deram-nos uma imagem, necessariamente impressionista, que ajuda a relativizar lugares-comuns. Parece ser oficial: a crise chegou aos Países-Baixos, bastião de austeridade e rigor orçamental, onde a frugalidade e a poupança, mais do que conceitos, são um “modo de vida”. O que, até há pouco era um problema exclusivo de países periféricos, como Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha (vulgo PIIGS), parece ter-se alastrado ao núcleo duro do “marco” de que fazem parte a Alemanha, a Holanda, a Áustria ou a Finlândia.
Depois de longos meses de formação, o novo governo holandês – uma coligação de liberais de direita e sociais-democratas – tomou posse no passado mês de Outubro. Confrontada com a crise da “zona euro” e a relativa estagnação do crescimento económico (causa do aumento do desemprego e dos subsídios sociais daí inerentes), a coligação governamental anunciou na passada semana um novo pacote de medidas de austeridade: corte de 16 mil milhões de euros no orçamento para 2013, com especial incidência nos rendimentos mais baixos, nas prestações sociais (com excepção das reformas), na educação, na saúde e na cultura. Simultaneamente, foi anunciada uma nova grelha fiscal (5 escalões) e aumentada a percentagem do IRS e do seguro de saúde obrigatório.  Onde é que já vimos este filme?
De acordo com  o “De Volkskrant” do passado dia 29,  a desigualdade de rendimentos será maior em 2013. Os grupos de rendimentos mais baixos (entre €500 e €1200 brutos) verão os seus rendimentos descer cerca de 2%, enquanto um trabalhador que ganhe uma vez e meia o ordenado médio nacional (€3.819,45 brutos) verá o seu vencimento aumentar em 2%.  Simultaneamente, o ordenado mínimo nacional (€1.456,20 brutos) será aumentado em 0,13% (€1,62 mensais em termos líquidos).
Ao contrário da classe média portuguesa, a classe média holandesa é a mais beneficiada deste novo escalonamento fiscal, o que não deixa de ser surpreendente. A razão desta medida, é explicada pela violenta reacção deste grupo, após o anúncio do acordo governamental de Outubro, que previa um aumento substancial do imposto do seguro de saúde (obrigatório na Holanda) para os maiores rendimentos. Essa receita extra reverteria para os mais desfavorecidos que, dessa forma, não veriam os seus seguros de saúde aumentados. Com a nova grelha fiscal, os mais desfavorecidos, não só verão o seu seguro de saúde (€150 mensais em média) aumentado, como verão os seus vencimentos diminuídos.
Outro dos ministérios mais afectados será o da Ajuda ao Desenvolvimento, onde estão previstos cortes no valor de mil milhões de euros até 2017. Será uma diminuição progressiva (cerca de 200 milhões anuais), mas representativa da tendência actual na sociedade holandesa, agora mais sensível aos discursos da direita que defende cortes nos apoios a estrangeiros dentro e fora do pais.
Aparentemente isentos neste pacote de austeridade, parecem estar os reformados mais pobres que, até ver, mantêm as suas pensões congeladas. Isto, até ao dia 1 de Março. Nessa data, será feita uma avaliação das provisões do Fundo Nacional de Pensões e, caso estas estejam abaixo do previsto, poderão haver cortes até 3% do rendimento.

2012/12/01

NOTAS DE VIAGEM: em Paris, com a música do Zeca

No ano em que passam 25 anos sobre a morte de José Afonso, o Theatre de La Ville, em Paris, levou a cabo uma homenagem ao cantor português que actuou naquela prestigiosa sala em Novembro de 1981. O concerto, que esteve para acontecer em 2011, nos trinta anos da passagem do Zeca pelo teatro, só agora teve lugar, devido à dificuldade em conciliar datas. Lá fomos, aproveitando a proximidade da cidade onde nos encontrávamos (Amsterdão), também movidos pela curiosidade de ver um “naipe” de intérpretes que nunca antes se tinha juntado em palco e de rever Paris, afinal a cidade onde tudo pode acontecer. Porque o tempo escasseava, optámos pelo Thalys, a versão TGV da Benelux, que liga Amsterdão a Paris em menos de 3 horas e meia. À chegada à Gare du Nord, a primeira surpresa: a entrada da estação do metro tinha um cartaz do Zeca, anunciando o espectáculo, situação que se repetiu ao longo dos corredores do metro que fomos atravessando e, mais tarde, quando chegámos a Chatelet, a estação que serve o Theatre de la Ville. No dia do concerto e enquanto atravessávamos a cidade, os cartazes e as menções ao concerto repetiam-se: nas estações de metro, nos jornais (Liberation), na rádio e na Net (MediaPart). A máquina de promoção estava a funcionar e isso era bom sinal. O concerto, que partiu de uma ideia do primeiro director artístico do Theatre de la Ville, Démarcy-Mota, tinha um conceito arrojado: misturar “compagnons de route” do Zeca (Francisco Fanhais e Júlio Pereira) intérpretes da sua obra (João Afonso, o sobrinho) e gente que, do Zeca, só tinha ouvido as gravações (António Zambujo e Mayra Andrade). Como era esperado, o público luso-francês compareceu em massa e, se mais bilhetes houvera mais teriam sido vendidos. Uma sala de 1000 lugares, onde não cabia um alfinete. A primeira batalha estava ganha. Seguiu-se a parte musical propriamente dita, que não chegou a durar hora e meia, tempo médio dos concertos no Theatre de La Ville e que o mestre de cerimónias controlou com “mão de ferro”. Nem os pedidos de “encore”, depois da inevitável “Grândola” (cantada de pé pela assistência), demoveu o director do teatro da sua tarefa. Também por isso, o concerto soube a pouco,. Do que vimos e ouvimos, devemos destacar a presença e a interpretação de António Zambujo, definitivamente uma aposta ganha; o sentido e sentimento de João Afonso, a quem coube as canções mais difíceis (Redondo Vocábulo, por exemplo); o “ensemble” dirigido por Júlio Pereira, que assegurou a direcção e o apoio dos restantes elementos. De Fanhais, que teve a difícil tarefa de abrir o concerto com uma difícil “Utopia” cantado a capella; e de Mayra Andrade, sensual e alegre, mas longe da alma afonsina que se espera de um concerto deste tipo, resta-nos acrescentar que cumpriram, o que não é pouco. Uma bonita homenagem, de que se continuou a falar na recepção oferecida pela direcção do Teatro e pela Embaixada portuguesa, após o concerto, aos artistas envolvidos. Como diria Hemingway, “Paris, é uma festa!”.




Pour José Afonso, revoir le concert live sur... viaMediapart

2012/11/25

Responsabilidade


Por que razão merece a notícia honras de manchete no JN de hoje? É simples: um polícia que comete ilegalidades é o homem que morde o cão.
"A PSP tem por missão assegurar a legalidade democrática, garantir a segurança interna e os direitos dos cidadãos, nos termos da Constituição e da lei," lê-se na declaração de princípios do site da PSP. Bastará dar uma vista de olhos para ver nele inscrito um imenso rol de boas intenções, de imagens gentis, de sorrisos cidadãos.
Diz-se ainda que é função da PSP "garantir as condições de segurança que permitam o exercício dos direitos e liberdades e o respeito pelas garantias dos cidadãos, bem como o pleno funcionamento das instituições democráticas, no respeito pela legalidade e pelos princípios do Estado de direito; garantir a ordem e a tranquilidade públicas e a segurança e a protecção das pessoas e dos bens; prevenir a criminalidade em geral, em coordenação com as demais forças e serviços de segurança; prevenir a prática dos demais actos contrários à lei e aos regulamento."
Inatacáveis são tais princípios, tranquilizantes são tais funcões.
Já todos vimos (para sermos justos) a observância destes princípios e o cumprimento destas funções reflectidos na actuação da Polícia em diversas ocasiões, mas pergunto-me como é que se enquadra tudo isto numa actuação de pura e comprovada provocação, como foi caso no dia 14 e em casos anteriores ocorridos em passado recente? Como?! Que sentido de responsabilidade revelaram nessa sua actuação os comandantes desta autoridade e os agentes que nela intervieram? Que diferença há entre eles e o chefe que o JN noticia?
Que Estado é este que age, ele próprio, ao arrepio das suas próprias normas regulamentares? Que outra possível justificação tem para isso que não seja a da destruição do próprio Estado? Que sentido de responsabilidade revelam os agentes da Lei pelo uso deste poder, exercido nestas condições?
A segurança e os direitos dos cidadãos contituem responsabilidade do Estado. Está na Lei. É só fazê-la cumprir.
Olhemos agora para o Ministério da Educação. Observamos que dela, da Educação, diz o próprio Ministério que "determina o futuro do país e deve gerar igualdade de oportunidades para as gerações futuras."  Diz ainda este organismo estatal que "para obter bons resultados é necessário determinação e rigor." Nota o Minstério que a "cooperação de pais, professores e alunos é fundamental para a criação de um ambiente de trabalho favorável, que privilegie a exigência." Sublinha o Ministério que "defende como princípios o esforço, a disciplina e a autonomia."
Como é possível, pergunto eu, cumprir todos estes desígnios quando há crianças a desmaiar de fome ou a recorrer à caridade estatal porque não têm, reconhecidamente, meios em casa para se alimentarem? Como é possível instigar "determinação" e "rigor" em estado de debilidade física? Como é possível obter um ambiente de trabalho favorável, que privilegie a "exigência", quando se corre para a escola para saciar a fome? Como é possível obter a cooperação entre pais, professores e alunos com os pais a serem lançados no desemprego, os professores a verem o seu papel na sociedade reduzido ao de mero embrulho e os alunos a verem o país transformar-se, pouco a pouco, em zona de guerra, e a verem o futuro dos pais e de si próprias resumir-se a uma quimérica solução migratória?
O futuro do país depende da educação e, assim, o Governo, di-lo e bem, "assume a Educação como serviço público universal." A sua actuação aponta porém num sentido totalmente oposto. Revela-se nesta sua incoerência uma absoluta e deliberada falta de sentido de responsabilidade.
Educação universal, eis uma outra responsabilidade do Estado. Está na Lei. É só fazê-la cumprir.
Podia desfiar aqui uma lista sem fim de casos em que as responsabilidades do Estado não são cumpridas por desleixo ou em resultado de uma atitude que lhes desvirtua, de forma perfeitamente deliberada, o sentido. É assim na Justiça, é assim no Ambiente, é assim na Economia, é assim nas Finanças, é assim na Saúde, é assim em praticamente todos os sectores que o Estado tutela ou administra directamente.
Esta atitude, ora simplesmente badalhoca ora criminosamente deliberada, é a dos fantoches que dominam hoje e que têm dominado a hierarquia do Estado e que partilham o bodo do Orçamento a seu bel-prazer, de forma impune, não cumprindo os preceitos a que estão obrigados, não cumprindo as suas responsabilidades, permanencendo inimputáveis, fazendo até crer que cabe àqueles a quem têm que prestar contas que a irresponsabilidade é afinal deles. Procurando criar-lhes a ideia de que o seu incumprimento tem alguma espécie de justificação divina.  Forçando-os mesmo a pagar a sua própria irresponsabilidade e desmandos. Porque não há alternativa...
Ora, está tudo perfeitamente definido na Lei. Estão lá os princípios que separam as responsabilidades do Estado e dos seus cidadãos, a imputabilidade de uns e os limites precisos da inimputabilidade de outros. Face ao preceituado, não há margem para dúvidas. Estão lá os deveres e direitos. Está lá definido o que é alternativa ao quê. É tudo perfeitamente claro. Está na Lei. É só reclamar o seu cumprimento.

Reclamar o seu cumprimento da Lei é o que faz o Estado, por exemplo, quando pune o assassino ou multa o condutor embriagado. Ou quando vier a punir o chefe que usava matrículas falsas...
Estado é justiça, Estado é exemplo, Estado é bitola a que todos devem recorrer para sanar os seus diferendos, suprir equilbradamente as suas necessidades, precaver os seus direitos, regular e cumprir os seus deveres.
Que Estado é este então que mente e desvirtua as suas funções a toda a hora? O que fazer com este Estado? É este o debate urgente e é por aí que o país sai da crise.
A Lei Geral existe, chama-se Constituição da República.
Aqui está afinal uma exigência simples, mas de enorme alcance, transversal, capaz de unir os Portugueses, independente de credos, ideologias ou interesses particulares; susceptível de proporcionar, de uma modo simples, este desígnio simples de todos nós: viver com Justiça, com Igualdade de oportunidades e de deveres.
A Constituição é Lei, e enquanto o for, é para cumprir.

Em Portugal as responsabilidades e a "accountability" dos cidadãos e do Estado que os representa funcionam apenas num sentido. Por mim, gostava apenas que nos entendessemos simplesmente sobre o modo de tornar o princípio biunívoco.

2012/11/15

Estado de direito ou estado de direita?


Concordo totalmente com o ponto de vista do Daniel Oliveira expresso neste seu artigo. Ter-lhe-á faltado referir (mas faço-o eu aqui), que o Estado tem a absoluta obrigação de proteger os cidadãos que observam a Lei e não de os espancar. 
Ou seja, num país a sério, a PSP e o MAI deveriam ser acusados e sujeitos ao veredicto dos tribunais, se tudo se passou assim, como tudo leva a crer que se passou, de facto...
A PGR tem aqui ampla e clara matéria para actuar, mas os cidadãos que foram vítimas dos maus tratos da polícia e as organizações cívicas que lutam pelos direitos civis deveriam também agir com decisão.
Ou, com o pretexto da austeridade e o beneplácito da troika, já metemos todos o Estado de Direito definitivamente na gaveta??!

2012/11/14

Antes...

... Porque o depois, sabêmo-lo pela dura experiência do dia a dia, a realidade é bem diferente. Senhoras e senhores, sem mais demoras, apresento-vos Pedro Passos Coelho!


2012/11/11

Alguém paga!

Quando a minha prima Ermelinda ouviu aquela senhora do Banco Alimentar afirmar, contava-me ela, que vivemos acima das possibilidades, estremeceu um pouco. Quando a ouviu dizer, com um tom de censura e aroma a incenso e a estearina a arder na voz, que vivemos acima das possibilidades porque "alguém pagava," voltou a estremecer. Quando a ouviu dizer que temos de deixar de comer bifes todos os dias, ficou incrédula. A ela, que já há tanto tempo que não come bifes todas as semanas sequer, pareceu-lhe, dizia-me ela, que a senhora a estava a ameaçar que teríamos provavelmente de deixar de comer de todo.
Aquilo não lhe parecia tontaria ou brincadeira. A senhora falava a sério. O pensamento fê-la estremecer mais uma vez. Quando, depois da surpresa inicial, começou a pensar na hipótese de toda a gente deixar de comer bifes, ou de os comer apenas uma raríssima vez por outra, concluiu que o matadouro, o talho e o supermercado iam à falência com a quebra do negócio. O pensamento, fê-la estremecer ainda uma vez mais.
Não se surpreendeu, revelou-me, quando ouviu dizer que a venda do Nestum estava em alta e imaginou que a Nestlé se aguenta certamente bem no meio desta crise. Coitados dos pequenos negócios, contudo. Mesmo, os grandes negócios nacionais, pequenos à escala internacional, não têm hipótese. Deve ser impossível gerir uma cadeia de supermercados com base na venda de Nestum.
E estremeceu uma vez mais.
Depois pensou que, quando preconizava o fim do bife, a senhora do Banco Alimentar estava também implicitamente a dizer "alguém paga!" —o mesmo que ela nos acusava de "termos feito" todo este tempo. Isto porque alguém vai então ter de pagar os subsídios que os trabalhadores. aqueles que vão ser despedidos em virtude da quebra de vendas do matadouro, do talho e do supermercado e o consequente e inevitável encerramento do negócio— terão, por lei, de receber.
Se o matadouro, o talho e o supermercado forem à falência, vão à falência os fornecedores das facas com que se cortam as carnes, dos sacos de plástico em que elas são embaladas, dos frigoríficos em que são guardadas, vão à falência os fornecedores das caixas registadoras, dos programas de facturação, os contabilistas que lhes fazem a escrita e por aí fora. E os fornecedores deles! Vai tudo ao ar! Mas alguém paga.
A vida é assim: neste modelo de sociedade, para irmos vivendo, alguém paga. Sempre. Esta sociedade vive do "alguém paga!" Porque alguém vende. E alguém compra.
É assim que está estruturada. Uns produzem o que os outros consomem. Uns procuram e outros oferecem. E, continuava a prima Ermelinda naquele seu solilóquio que nem me atrevia a interromper, se a senhora conhece uma sociedade alternativa, sem produção nem consumo, devia-nos então ter explicado as suas ideias sobre ela. A sua posição exige-o.
Mas, disparava ainda a prima Ermelinda, ao pagarmos todos (nesse caso o alguém somos nós) estes subsídios ao pessoal despedido dos talhos, matadouros, operários das cutelarias, contabilistas, etc., o dinheiro para o bife e para o resto torna-se ainda mais escasso. Se calhar, não vai sobrar dinheiro sequer para pagar os impostos que cobrem as despesas do pequeno almoço das 10 000 crianças famintas (que o próprio governo reconhece existirem) e das cantinas colectivas abertas de emergência para acolher velhos e novos pobres. Tudo isto estará inevitavelmente em risco. O próprio Banco Alimentar acabará por deixar de ter donativos e os voluntários que nele trabalham estarão sem força para prestar a sua colaboração, definitivamente esgotados.
Ou não... interrogava-se subitamente a Ermelinda. Ou será que haverá sempre uma verba do "fundo de resgate", proporcionado por uma entidade qualquer (alguém  paga!), que garantirá o funcionamento mínimo do metabolismo basal de toda esta gente, para evitar o colapso dos Bancos Alimentares e das cantinas colectivas, resultante da exaustão dos seus dirigentes e dos proponentes da solução caritativa?
A prima Ermelinda, sem me deixar sequer comentar as suas perguntas, questionou então se a senhora do Banco Alimentar sabia mesmo do que está a falar e perguntava-me (a prima Ermelinda não é parva...) se ela teria competência para ocupar o cargo de que é titular. É que até a tia Laurinda, mãe da prima Ermelinda, que vive numa casa a cair de podre, num bairro totalmente degradado com 200 euros por mês, e, para se manter dentro das suas possibilidades, é uma velha consumidora de Nestum, a tia Laurinda, notava ela, que vive assim há muito, mas não é parva, tinha já chamado a atenção para tudo isto há já bastante tempo.
O que a minha prima Ermelinda não percebe é como é que uma senhora tão fina, que dirige uma organização tão grande e prestimosa, que agrupa tanta gente e lida com uma diversidade tão grande de problemas e de entidades, não pensou nisto. Como é que ela emite estas opiniões deste jaez e continua a ocupar o lugar que ocupa, depois do que disse?
E, queres ver, perguntava-me ainda a prima Ermelinda, que, seguindo o velho Princípio de Peter, ainda vão dar a esta senhora tarefas mais complexas? E se isto fosse coisa mais profunda, exclamou de repente a Ermelinda, um desígnio europeu, quem sabe? A senhora era ideal para o cargo: transformar a Europa dos grandes valores da Democracia, da Justiça, da Liberdade e dos Direitos Humanos, a Europa toda, de norte a sul, num super asilo de pobres e velhos, sustentados a Nestum.
Embora me fosse confessando ser pouco dada a teorias da conspiração, a Ermelinda rematou a nossa conversa admitindo que se alguém quisesse exterminar a população de modo eficaz, praticar o "crime perfeito," o método era o ideal. Ninguém desconfiaria, nem o Colombo!
Ao ouvir a senhora do Banco Alimentar, dizia ela, ao constatar que as ideias que expressa não poderão ter saído certamente de uma cabeça daquelas, esta pergunta não deixava de lhe apoquentar o espírito: a mando de quem andaria então ela a papaguear tudo isto...?

2012/11/07

Que futuro para Isabel Jonet?


A conversa de Isabel Jonet, ouvida assim a frio e avaliada pelo seu valor facial, é um enorme zero. Não há uma ideia, coerência no discurso, humildade perante o sofrimento, manifestação de virtude, perspectiva histórica, preocupação em extrair uma lição da experiência (que deveria ser rica!), sinal de busca honesta da verdade. A sua argumentação não contém uma só explicação aceitável ou séria para os fenómenos que afligem a nossa sociedade, não há, por parte deste alto quadro dirigente de uma grande instituição social, uma partilha credível da sua experiência, não se ensaia uma avaliação profissional ou uma crítica consequente, numa área onde afinal exerce a sua actividade principal.
Não há nada, é o vazio.
Os profissionais da caridade têm uma responsabilidade dupla. Para além de terem de exercer a sua profissão com competência numa área especialmente frágil, têm a obrigação de sinalizar, sem equívocos, que "abraçaram" uma profissão temporária e não pretendem perpetuar a matriz que a ditou, sob pena de poderem ser considerados instigadores da desgraça alheia. A profissão de agente de caridade devia ser, pela própria natureza da sua substância, precária. O negócio da caridade, a ter de existir, devia ser efémero. Qualquer sinal de permanência ou continuidade deveria fazer imediatamente soar os alarmes e levar o agente da caridade a mudar de ramo, concentrando-se no combate aos factores que sustentam o "negócio", exercendo a crítica da sua natureza, apoiando os "clientes", ajudando-os a encontrar condições para alterar as condições que ditaram o seu infortúnio. A caridade pode ser uma virtude, mas é também sempre um recurso extremo e efémero.
Não parece pensar assim Isabel Jonet. Ela gosta da crise. Se a crise for controlada ela perde o emprego. O que sabe Isabel Jonet fazer fora do Banco Alimentar?
Esta intervenção suscitou, pelo que percebo, reacções de todo o tipo, onde o denomiador comum é a indignação. Tenho ouvido de tudo sobre ela: que é um nojo, que é pateta, pouco articulada, que parece estar sob o efeito de uma qualquer substância ilícita. Não creio. Acho que é mesmo uma perigosa demagoga, populista, com tiques fascistóides.
Portugal merecia ter uma outra  Marianne.
Cometeu um outro pecado: qualquer mérito que o seu B.A. pudesse ter está agora seriamente comprometido depois destas declarações. Já há muito que se levantavam legítimas dúvidas sobre as virtudes da iniciativa. Agora estão dissipadas.
O que me custa perceber, porém, é de onde vem todo o interesse em promover esta criatura e a sua actividade bancária, e de que estranhas razões decorre todo este tempo de antena... Resta ficar a atento ao futuro de Isabel Jonet.

2012/11/02

O espirro do operário

A tentação de evocar as semelhanças entre a chamada Restauração da Independência de 1640 e este período triste da história do País é enorme. Há, quando visto pela rama, entre aquela época e os dias que correm, conturbados e desesperantes, alguns pontos de contacto.
O brutal jugo fiscal, o mal estar quase transversal na sociedade e até uma certa "crise dinástica" são argumentos que, aparentemente, podem contribuir para aproximar as épocas. Mas, de facto, os tempos são outros.
Restauração não é refundação. Nem a "dependência," que a acção dos conjurados do século XVII conseguiu contrariar, tem as mesmas características nem a perda de soberania de hoje tem o mesmo significado que a de ontem nem estamos perante os mesmos antecedentes históricos nem, sobretudo, a Merkel é Felipe II.
Um traço inegavelmente comum é a vontade, hoje como ontem, de deitar os traidores pela janela. Acção concretizada em 1640 e com fortíssimas possibilidades de se repetir 372 anos depois. É que quando a reforma do Estado Português é quase literalmente encomendada a uns quaisquer "cámones", como muito bem lembra Alfredo Bruto da Costa, sem que o Estado, que somos todos nós, saiba, chegámos ao ponto em que alguém vai mesmo ter de voar pela janela fora...

Hoje assistia a um interessante documentário sobre a origem da vida na Terra. Falava-se sobre a possibilidade, real, de ela resultar da "visita" de uns quaisquer organismos primários provenientes de Marte. Formas simples de vida como bactérias, poderão ter atravessado o espaço a bordo de meteoritos marcianos e aqui poderão ter evoluido para formas de vida mais complexas.
Um dos astronautas que pisou a Lua durante a missão Apollo 12 contava no documentário, para ilustrar este argumento, que uma das tarefas que teve foi a de resgatar uma câmara de video de uma missão Apollo anterior. O recipiente que continha essa câmara estava revestido de poliestireno extrudido, vulgarmente conhecido por esferovite. Dizia ele que o operário encarregado de montar a câmara naquele recipiente estaria constipado e teria espirrado para cima dele enquanto executava o seu trabalho. O material foi depois observado em Terra e verificou-se que as bactérias lançadas pelo espirro do operário —disfarçadas entre as partículas do polímero e que, portanto, não se conseguiam observar logo após a encomenda apolínea ter sido devolvida ao remetente— voltaram subitamente a desenvolver-se, assim que as condições ambientais o permitiram.
As bactérias teriam permanecido completamente inertes durante os anos que passaram entre estas duas missões Apollo, em condições inimagináveis, viajaram de volta, com dramáticas saídas e entradas na atmosfera, e, assim que surgiram factores ambientais favoráveis, retomaram o seu processo de multiplicação.

A vida ensina-nos que a vida segue sempre o seu curso. Um espirro, uma simples bactéria que teima em resistir, um Miguel de Vasconcelos jogado pela janela fora e voltamos rapidamente à normalidade que isto já começa a chatear, mesmo, muito a sério.

2012/10/29

Essa coisa da Refundação

Desde que ontem, no decorrer das jornadas parlamentares do PSD, o primeiro-ministro lançou o repto ao PS para Refundar o programa do Memorando em curso, que os analistas de todos os quadrantes se desdobram em interpretações sobre o significado da coisa.
Mas, afinal, o que quer “refundar” Passos?
Admitindo que, como aprendemos, “refundir” significa “tornar a fundir; transvasar; transformar profundamente; mudar a forma a; refazer, reunir-se, derreter-se; sumir-se; transformar-se, derramar de novo (Diccionário Porto Editora, 6º edição), temos de concordar que as interpretações abundam.
Avanço três:
1) Passos Coelho  já percebeu que se estampou e que não há saída para o buraco onde estamos metidos. A continuação deste programa de ajustamento vai conduzir o pais para um abismo sem fundo e, neste quadro, o primeiro-ministro lança mão da  última possibilidade de ter aliados nesta estratégia. Com o PS, pode dividir as culpas e manter uma parte da população mais calma.
2) Passos Coelho, aconselhado por outrem (Ângelo Correia, o PR, Gaspar?) lança mão de um aliado que lhe pode dar a almejada maioria parlamentar, única forma  de mudar a Constituição, o último obstáculo à implementação da receita do FMI.
3) Passos Coelho, prevendo a queda do governo - seja por demissão, seja por iniciativa presidencial - tenta uma saída airosa para o programa de ajustamento, ainda que ele já não seja parte da solução.
Seja qual for o cenário, e outros haverá que não passam necessariamente pela patética figura do primeiro-ministro, uma coisa parece certa: ninguém acredita que este programa de ajustamento vai resultar pelo que continuar a aplicá-lo só por insanidade ou má-fé. Já vimos que a insanidade é uma característica de alguns membros deste governo. Mas, para mim, há um perigo maior: as pessoas que estão a aplicar este programa não são todas necessariamente doentes ou incompetentes. Não, eles (Gaspar, Borges, Macedo) são altos quadros qualificados em instituições internacionais, onde se ensina esta cartilha. Uma cartilha que exige a “refundação” da sociedade, única forma de começar de novo, segundo um novo modelo: um modelo onde não exista um estado social e onde os trabalhadores sejam de tal forma subservientes que qualquer ajustamento possa ser aplicado sem resistência da maior parte da população. As minorias contestatárias serão isoladas e castigadas de acordo com a nova democracia musculada.
É esta a “refundação” que nos é proposta. Também lhe podemos chamar outra coisa: “refodação”, de  refodido, um termo que se aplica a quem já foi fodido uma vez.

2012/10/24

A solução final

Segundo as notícias mais recentes, o governo  propõe, entre outros cortes do mesmo teor,  reduzir em 10% os subsídios de desemprego mais baixos.
Ora, eu julgo que o governo pode ir muito mais longe. Eu, por exemplo, defendo outra coisa: um gajo fica desempregado, já não trabalha, não serve para nada, o desemprego vai aumentar (é mais que certo!), vamos ter ainda mais gente desta a chatear, em manifestações e nos centros do IEFP... nááá, é forno crematório com eles!
Fica mais barato ao Estado e ainda se aproveita a gordura para fazer velas para Fátima. 
E, cheira-me, há-de haver um membro do governo, perdão!, dos partidos do arco da governação, que tenha uma empresa de fornos de certeza, a quem se pode adjudicar o jeitinho...
Sejamos destemidos!