2013/09/08

Foi você quem pediu uma guerra?

Barack Obama, certamente o mais prematuro Nobel da história da Academia Sueca, prepara-se para um ataque punitivo e cirúrgico à Síria, como retaliação pelas vítimas das armas químicas, causadoras de milhares de mortos entre a população civil. Não sabemos se as armas, proibidas pelas convenções internacionais, terão sido usadas pelo regime de Assad ou pelos rebeldes que o combatem, uma vez que os peritos da ONU, enviados para o terreno, ainda não divulgaram as conclusões da investigação em curso.
Também não parece haver grande apoio da parte da população americana, que é maioritariamente contra e, muito menos da Europa, que continua dividida sobre esta questão. O governo inglês, tradicionalmente o maior aliado das aventuras americanas no Médio-Oriente, viu a sua proposta ser chumbada pelo parlamento daquele país e, na Alemanha,  Merkel, certamente mais preocupada com as eleições, adiou a decisão para quando houver um mandato claro das Nações Unidas. Só Hollande parece, neste momento, apoiar inequivocamente Obama, mas também tem a população francesa contra.
Na recente cimeira do G20 em S. Petersburgo, o presidente americano tentou mais um “tour de force” junto de Putin, mas a Rússia, tradicional aliada da Síria, não lhe fez a vontade e pediu provas inequívocas sobre o uso das armas pelo governo de Assad, coisa que os EUA não têm...Vem agora a Sra. Ashford, uma espécie de ministra dos negócios-estrangeiros da UE, declarar que há um acordo de princípio assinado por 11 países europeus, no sentido de  apoiar a decisão de Obama em bombardear a Síria.
Entretanto, em Washington, o Nobel da Paz não desiste da sua ideia pacificadora e reiterou a vontade de ir para a guerra, mesmo que de forma unilateral, agora apoiado numa decisão positiva (que carece de ser rectificada) do Congresso.
Ou seja: queira a ONU ou não, queiram os principais aliados dos EUA ou não, queiram a maioria dos países da UE ou não, queiram as próprias populações da região ou não, nada parece demover o governo americano de levar por diante esta ideia fixa: punir o governo sírio  de forma exemplar. Não será uma guerra convencional, no sentido em que não haverá soldados americanos no terreno, mas haverá bombardeamentos cirúrgicos durante um tempo limitado, que pode ir de 2 a 3 meses. Acho sempre fantásticas estas previsões dos altos militares do Pentágono, que sabem como as guerras devem começar, mas nunca pensaram como estas podem acabar. Logo se verá, deve ser o espírito da coisa...
Pensava que os americanos tinham aprendido algo com as recentes fiascos no Iraque e no Afeganistão, mas, pelos vistos, “the smell of napalm in the morning” é mais forte do que a realidade. Como dizia alguém por estes dias, em Damasco, “o presidente Obama subiu a uma árvore e não sabe como descer dela”. É uma boa imagem.
De lamentar apenas que estas almas, sempre tão caridosas e pacíficas, não se tenham lembrado das armas químicas que foram usadas pelos mais diferentes regimes, a começar pelos americanos no Vietnam, por Sadam Hussein (então apoiado pelos EUA) na guerra contra o Irão ou, mais recentemente, na faixa de Gaza, por Israel, num ataque com bombas de fósforo. Onde estava o Nobel da Paz, nessas ocasiões? 

2013/09/04

Cinema Bioscoop: 5 a 8 de Setembro em Lisboa




Decorre esta semana, em Lisboa, a 2ª edição do Festival Cinema Bioscoop, uma pequena Mostra do que melhor e mais actual se produz em matéria cinematográfica em países de língua neerlandesa.
Depois do sucesso da primeira edição, onde foram exibidos filmes da Holanda, Bélgica e Suriname, o Festival volta a animar as tardes e noites lisboetas, com sessões diárias no cinema S. Jorge e na Cinemateca de Lisboa.
Destaque para o ciclo da “água”, tema central do festival deste ano, com obras dos conceituados documentaristas Joris Ivens e Bert Haanstra, dos quais veremos alguns dos seus mais celebrados filmes.
Na secção de longas-metragens, serão exibidos entre outros, “De Hel van ‘63” de Steven de Jong, “Taartman” de Annemarie van de Mond  e “Confituur” de Lieven DeBrauwer  (presente em 2012 com “Pauline en Paulette”).
Confirmado, está igualmente o filme “ De tweeling” (As gémeas), de Ben Sonbogaert, baseado no romance do mesmo título, da autoria da escritora holandesa Tessa de Loo, que estará presente no debate após o filme.
O Festival terá início esta quinta-feira, dia 5, no cinema S. Jorge, com a exibição do filme “Iedereen Beroemd!” (Todos famosos!) do belga Dominique Deruddere.
Para mais informações sobre locais, horários e bilhetes das sessões, deve ser consultado o “site” do festival em: www.cinemabioscoop.com. 

2013/08/30

Um país a ferro e fogo

Foto DR
No Verão de 1979 passei três meses numa aldeia do concelho de Montalegre (Trás-os-Montes), local escolhido para “trabalho de campo” no âmbito de uma licenciatura em Antropologia.
O objecto de estudo (baldios e práticas comunitárias na região do Barroso) tinha sido definido em função da tradição enraizada entre as populações locais e que, à época, já se encontrava em vias de extinção: a utilização comunitária das terras de pastorícia, prática essencial para a manutenção dos rebanhos e para a economia de sobrevivência dos habitantes da região. 
Foi uma experiência enriquecedora, tanto do ponto de vista humano, como do conhecimento geográfico da região e do Portugal profundo, numa altura em que o refluxo dos anos loucos do PREC ainda se fazia sentir e as “vendettas” eram prática comum nas zonas rurais do pais.
Lembro-me de ter sido apresentado ao responsável dos serviços florestais do distrito, um engenheiro agrónomo, cujo local de trabalho era numa ampla vivenda, onde também residia. Disse-lhe ao que vinha, mostrei-lhe a carta (escrita em inglês) onde o orientador de tese pedia apoio para a minha investigação e o homem, depois de a ler, logo ali pôs os arquivos do centro à minha disposição. Durante dias a fio, passei largas horas naquele arquivo, lendo relatórios  e comparando dados sobre as terras incultas e o uso comum dos baldios e da floresta à guarda do estado, sobre os quais os últimos dados existentes eram do censo de 1970. Todas as semanas havia fumo no horizonte e eu sabia que algures, nas serras circundantes, a floresta estava a arder. Falávamos muito de fogos e, um dia, após ter recebido uma mensagem de alerta, virou-se para mim e perguntou-me: “Quer ver um fogo de perto? Venha comigo, pois vai assistir a um”.
Lá fomos no jipe da guarda florestal e após largos minutos por montes e vales chegámos a uma distância relativamente perto da ocorrência. Aguardava-nos um cenário dantesco: labaredas gigantes que ora avançavam, ora recuavam, mudando de direcção, fagulhas lançadas pelo vento que alimentavam a combustão, uma cortina de fumo negro que impedia a visão a uma dezena de metros e um calor abrasador que não nos permitia respirar. Fiquei, literalmente, siderado. Rapidamente, demos meia-volta, deixando para trás uma corporação de bombeiros que procuravam limitar os estragos. Perguntei-lhe se pensava que os fogos podiam ter uma origem criminosa... ”Nunca vi nenhum fogo espontâneo. Você já viu?”, foi a sua resposta.
Continuei o trabalho e, nas fichas consultadas, confirmei a opinião do técnico. Mais de metade das ocorrências estava marcada com a menção “fogo posto” ou “negligência”; enquanto os restantes casos apontavam como “origem desconhecida” a causa improvável dos incêndios.
Passados alguns dias, estava eu em Montalegre, ouviu-se uma explosão que fez estremecer toda a vila. Uma coluna de fumo negro elevava-se por cima da residência do técnico florestal. A notícia rapidamente se espalhou: uma bomba artesanal tinha deflagrado na casa do homem e este tinha morrido. No funeral, dizia-se à boca calada que ele tinha posto fim à vida. Várias versões sobre a sua morte, correram naquele Verão, entre as quais a de que ele teria dados comprometedores nos seus arquivos.  O caso caiu no esquecimento e provavelmente nunca se saberá a verdadeira razão de tão estranho acidente. Nunca me esqueci deste episódio e lembro-me sempre dele quando chega o Verão e vejo Portugal a arder.
Passaram mais de 30 anos e, ciclicamente, todos os Verões, os fogos em Portugal regressam, se possível com maior violência e mais vítimas humanas a lamentar. Se durante a ditadura os fogos eram, normalmente, associados a agricultores ou pastores, a quem eram atribuídas as “queimadas” para limparem o mato circundante; depois de 1974, as razões invocadas tem sido as mais díspares: desde pirómanos, a motivos políticos, motivos pessoais (vendettas), lobby da celulose, interesses mobiliários, empresas de material de combate aos fogos, falta de limpeza das matas e, claro, a inevitável imprevidência. Todas razões plausíveis, mas que não podem servir de argumento para continuar esta situação insustentável. 
Uma coisa é certa: nenhuma razão poderá ser invocada sem haver uma mudança radical de mentalidades (dos governantes, dos responsáveis e das populações interessadas), única forma de parar este verdadeiro flagelo nacional, contra o qual parece não haver antídoto.
É tempo de haver uma mobilização nacional à volta de uma riqueza tão importante como a floresta, para não falar das vidas humanas (de bombeiros e não só) que todos os anos são notícia nos telejornais. O diagnóstico, sobre as razões dos fogos, está feito e não são necessários mais programas “Prós e Contras” para um debate sobre o tema.
Mais do que os meios – que toda a gente diz serem suficientes – é necessário mais e melhor prevenção e não se percebe porque todos os anos falhamos. Haja vergonha!

2013/08/23

A Cinemateca não pode fechar!



Nem no tempo da ditadura, a Cinemateca fechou. É verdade que o seu director à época (Luís de Pina), assim como parte significativa dos seus colaboradores (António Lopes Ribeiro, por exemplo) eram declarados apoiantes do Estado Novo, para não dizer fascistas assumidos, o que facilitava a colaboração.
No entanto, isso não impediu que a Cinemateca Portuguesa fosse uma instituição considerada e respeitada no estrangeiro, com um espólio onde já havia clássicos como “Potemkin”, “A Mãe”, “Outubro” (e tantos outros filmes vedados ao espectador comum), que podíamos ver nas suas salas. Após o 25 de Abril, a “casa” passou por várias remodelações e direcções, das quais, a mais longa e significativa, seria a de Bénard da Costa. Com todas as suas vicissitudes e constrangimentos (nomeadamente orçamentais) a Cinemateca sempre cumpriu os pressupostos de qualquer cinemateca: guardar e mostrar o espólio dos filmes à sua guarda.
Com a passagem da Cinemateca a Museu de Cinema, e implícita inclusão da instituição na rede dos museus nacionais tutelados pelo estado, maior se tornou a responsabilidade deste em relação à missão principal de um Museu.
Não se percebe, por exemplo, que as receitas da Cinemateca dependam de uma percentagem de 4% de publicidade nos cinemas (ver entrevista da directora no “Público” de quarta-feira), quando se sabe à partida que os cinemas tendem a fechar e as receitas a diminuir. Logo, o Estado, através do respectivo orçamento, deve providenciar no sentido de criar um subsídio estrutural que garanta o seu funcionamento. É assim em todos os países desenvolvidos e deve ser assim em Portugal.
Um pais que não cuida da sua memória (seja ela cinematográfica ou outra) não tem futuro.

2013/08/14

O meu querido mês de Agosto

Nada como a tradição em Portugal, um valor que se mantém firme, apesar de tudo.
Entre todas as tradições, as da “silly season” são especiais, ou não fossem sempre tão previsíveis e, por isso, aguardadas com emoção o ano inteiro.
Comecemos pelos “fogos”, esse ritual pagão que anualmente é celebrado de norte a sul do pais, com milhares de fogueiras a arder, numa celebração digna do solstício escandinavo. E não só os “fogos” que, mal apagados numa serra, logo reacendem noutra. Também as estações televisivas, representadas nos locais de acção por jornalistas “todo-o-terreno” que, vestidas a rigor e desgrenhadas que baste, vão repetindo as  perguntas que outro efeito não têm do que responder ao desejo mórbido das redacções, insistindo na receita do “choque e pavor”, sem a qual parece não haver notícias para dar. Sim, é verdade, o vento mudou, o que deu origem à morte de mais um bombeiro, mas, se as pessoas limpassem as matas, nada disto acontecia, porque meios há suficientes...
Depois, as praias. Sempre notáveis, as acções pedagógicas sazonais da protecção solar e do perigo da derrocada das falésias, que ninguém respeita, como ninguém respeita a cor das bandeiras, razão pela qual o número de mortes, dentro e fora de água nas praias portuguesas, atinje níveis impensáveis em qualquer outro pais europeu. Para que nem tudo seja previsível, as praias algarvias introduziram, este ano, algumas novidades: uma praga de mosquitos que dura há mais de um mês em Armação de Pêra (recorde de duração absoluto!) e uma descarga de esgotos “à maneira”, na praia de Quarteira, que impediu os veraneantes de irem ao banho durante dias. Entrevistado por mais uma repórter de cabelos ao vento e pés desnudos (que a maré estava a subir), um babado avô, com a neta ao colo, respondia: “eu não queria ir à água, mas sabe como são as crianças”...  
Há ainda os festivais do marisco. e da sardinha. São tantos como as localidades costeiras e estão sempre cheios, porque isto da crise é para todos, mas dias não são dias e sobra sempre dinheiro para a santola...
Finalmente, a chegada dos emigrantes e das suas festas e idas a Fátima. Uma fila deles. devotos e de joelhos no chão, para pagar a promessa, como manda a tradição. Isto, durante o dia. À noite, haverá bailarico ao som do Tony Carreira da vila e mais umas bojecas, que a vida são dois dias e daqui a duas semanas têm de regressar a Paris.
A temporada futebolística ainda não começou, mas os programas televisivos são diários e duram horas. Porque não há jogos a sério para comentar, comentam-se os jogos a feijões e as contratações para a nova época. Este ano é que é: com “plantéis” que custam milhões só podemos ganhar. Alguém deve ganhar alguma coisa, porque isto não dá para todos.
Espertos, mas igualmente previsíveis, são os nossos governantes. Conhecedores das fraquezas dos portugueses, aproveitam a “silly season” para anunciar as medidas mais tontas. Esta, por exemplo: todas as reformas acima dos 600 euros vão ser penalizadas em 10%, menos as dos deputados, políticos aposentados e funcionários da Caixa Geral de Depósitos. É ou não genial?
Considero-me rendido: a tradição ainda é o que era...

2013/08/09

Pergunta de fim de semana...

Deixo a pergunta no ar: qual é a linha que une os swaps, o Rossio, a Rua da Betesga, o OE 2014, o BPN, Cavaco Silva, Passos Coelho, Paulo Portas, Gaspares, Albuquercas, Jorges e as minhocas?


2013/08/03

A crise é uma oportunidade...

Quem o disse foi o PM. E da reciclagem do indigente Relvas resultou um "Alto Comissário da Casa Olímpica da Língua Portuguesa," como revelou nesta quinta-feira o jornal i.
Pela boca morre o peixe, mas pela língua ressuscita o Relvas.
Qual será exactamente a função do ex-ministro? Agente do Linguado? Embaixador Linguareiro? Facilitador de Línguas? Director do Linguajar? Língua estufada? Capo Linguista, Emérito & Jubilado? Destorcedor de línguas bífidas? 
E o novo organismo, em construção? Irá chamar-se Relvas, Promoção da Língua Portuguesa, Unipessoal? Relvas Rent-a-Línguas? Relvas, Indústrias Criativas?
A palavra ao senhor Primeiro Ministro.

2013/07/24

O Monge

O novo ministro dos negócios estranhogeiros diz que as críticas que lhe foram dirigidas reflectem "a podridão dos hábitos políticos".
O hábito faz o monge, diz-se. E quem não quer ser monge não lhe veste o hábito.

2013/07/23

Kama-Sutra


De acordo com as declarações do primeiro-ministro, Paulo Portas será vice-primeiro no novo governo, mas não ficará acima da ministra das finanças. Será que fica por baixo?

2013/07/21

E agora, Cavaco?

Enquanto o Presidente da República prepara mais uma comunicação ao país, vale a pena relembrar as alternativas existentes, para sair do impasse politico em que nos encontramos desde que Gaspar bateu com a porta e deixou o governo a braços com a maior crise dos últimos anos.
Desde logo, as descartáveis:
1) Não haverá eleições, porque o presidente não as quer e a direita receia perder o poder.
2) Não haverá governo de iniciativa presidencial, porque a constituição não o permite desde 1982.
Depois, as mais prováveis:
3) Poderá haver a recondução da actual coligação, mas não se percebe muito bem com que ministros e ministérios.
4) Poderá haver a recondução da actual coligação, de acordo com a proposta de Passos Coelho (na qual Paulo Portas passará a supervisionar os ministérios mais importantes do governo, entre os quais o das Finanças).
Estas são as alternativas e nenhuma é boa, como já se percebeu. Nem Cavaco parece muito inclinado a aceitar a proposta de Passos, nem acredita nesta coligação a dois e, por isso, sugeriu um entendimento entre os três maiores partidos, que falhou esta semana.
Voltámos pois à “estaca zero” e, a menos que o governo se demita (por iniciativa própria ou por sugestão do Presidente) não vislumbramos nenhuma solução fora deste quadro.
É pouco e não augura nada de bom.
Quanto mais tempo esta situação durar, maiores serão as pressões internas e externas, pelo que não será de descartar uma solução grega à “la Papademos” ou à italiana à “la Monti”, ambas impostas de fora, pela Comissão Europeia, com a conivência da Alemanha e, claro está, dos seus homens de mão nos respectivos países.
É difícil acreditar que Cavaco tenha alguma solução milagrosa na manga. Preparemo-nos para o pior. Ou seja, mais do mesmo...

2013/07/11

Coulrofobia

Dificilmente alguém pode admitir que a solução proposta ontem pelo presidente de república seja fruto de alguém que se tem por tão reflexivo, tão atento, tão dialogante, tão experiente, como ele pretende ser lido pelos portugueses. Por mais tolerância que possa ainda encontrar escondida no meu alforge político, por mais que tente encontrar explicações para o novelo em que Cavaco nos colocou só me sobra uma enorme fobia por este personagem de ópera bufa.
Cavaco gasta mais tempo e recursos a polir a imagem do que a exercer, de facto, o seu cargo. Se trabalhasse mais, se interviesse a tempo, se exercesse com rigor humilde a função clara que os seus compatriotas o incumbiram de executar, teria sido outro o desfecho deste triste espectáculo a que assistimos nestes tempos mais recentes. Assim,  o arauto da estabilidade aumenta a instabilidade, o defensor da Constituição desrespeita-a, o paladino do bom senso propõe soluções inexequíveis, o defensor dos mercados provoca-lhes reviravoltas incómodas.
Ninguém sai ileso desta fogueira para onde Cavaco Silva nos lançou. Nem ele. 
Que ele vá para o inferno da política portuguesa quando morrer é coisa que não pode deixar de ser considerada positiva e que não poderei nunca deixar de saudar. Que nos arraste a todos, na sua insanidade política, para esse inferno é algo que nunca lhe poderei, nunca lhe poderemos, perdoar. Como primeiro responsável por tudo isto, não lhe podemos perdoar.

2013/07/10

Cavaco não vê televisão


De acordo com as notícias que vão correndo nos principais canais televisivos, o Presidente da República anunciará hoje ao país a sua decisão sobre a actual crise politica. Após três dias preenchidos com audiências em Belém, onde recebeu os representantes das chamadas forças sociais, desde partidos a sindicatos, passando pelas confederações de patrões, banqueiros e “tuti quanti”, Cavaco parece ter encerrado esta fase de auscultações sobre tão importante decisão.
Compreende-se. Depois de o terem deixado com a “criança nos braços”, após o inacreditável episódio da tomada de posse de uma ministra sem governantes e na eminência da queda do governo (o que afastaria a direita do poder por muitos e bons anos), Cavaco tinha de encontrar uma saída airosa para a crise.
Perante os cenários possíveis (manutenção do actual governo, um governo de inspiração presidencial ou convocação de eleições) o Presidente, que sempre vendeu a “mantra” da estabilidade e nunca escondeu a sua aversão a eleições, viu-se na necessidade de ensaiar uma farsa democrática, pedindo a todas as forças vivas da nação que passassem pelo palácio, a fim de escutar uma segunda opinião.
Entretanto, o governo, feito em cacos, fazia de conta que existia e (noblesse oblige) enviava a recém-empossada ministra das finanças a Bruxelas, para dar ar de que tudo corria de acordo com a normalidade. E não é que a presença de Maria Luís Albuquerque, na reunião do Ecofin, foi saudada por todos os colegas europeus presentes, como a solução acertada para um problema sem conserto?
Tivesse Cavaco perdido menos tempo a ouvir os parceiros sociais portugueses e ligado a televisão na segunda-feira de manhã e teria ouvido o ministro Schauble a declarar em Bruxelas que a Europa (leia-se Alemanha) aprovava a continuação do actual governo e a escolha de Albuquerque para continuar a aplicação do programa da Troika em Portugal.
Moral da história: se o presidente ouvisse as notícias, teria poupado tempo e dinheiro à nação, pois muito antes da decisão que irá anunciar ao país, já os Alemães sabiam que não ia haver eleições em Portugal e que o actual governo era para continuar.

ETIQUETAS: Alemanha, Cavaco, Europa, Farsa, Governo, RM    
   

2013/07/07

O dia em que Paulo Portas chegou a 1º ministro

Caso o Presidente da República aceite a solução de governo proposta por Passos Coelho – e tudo indica que o faça – teremos esta semana a continuação da coligação governamental actual, com uma pequena, mas importante alteração: Paulo Portas, o ministro cuja demissão era irrevogável há dias atrás, tornar-se-á, de facto, o governante com mais poder no actual governo. De acordo com o organigrama ontem apresentado por Passos, Portas acumulará o actual pasta dos Negócios Estrangeiros, com a coordenação da Economia, do QREN, das Finanças e das relações com a TROIKA, tendo ainda conseguido o almejado ministério da Economia, que será entregue a Pires de Lima, do seu partido. Ou seja, o CDS, um partido com 12% de votos, terá 4 ministros no novo governo, entre os quais um super-ministro que acumula os dossiers mais importantes da governação. É obra!
Como é isto possível? Bom, de Portas já não nos admiramos de nada e acreditamos que seja capaz de vender a sua própria mãe (de resto, a única pessoa que ainda deve acreditar nele). Do Presidente, há muito que deixámos de acreditar e ficaríamos espantados se, depois de tudo o que se passou, tivesse a coragem (coisa que não lhe conhecemos) para demitir esta cambada de vira-casacas e vende pátrias que nos governam. Finalmente, Passos, um líder fraco e sem ideias, que tendo chegado ao poder em condições excepcionais, só sobreviveu à custa de muletas (Relvas, primeiro e Gaspar, depois) os verdadeiros ideólogos nestes dois anos que já leva a coligação. Restava, pois, Portas, um politico desleal, mas suficientemente hábil para levar o programa de austeridade a bom porto, mesmo que este programa tenha falhado redondamente como a própria carta de Gaspar o denunciava.
“Last but not least”, perante a eventualidade de eleições antecipadas (a única saída verdadeiramente democrática para este drama shakespeariano) os mercados deram sinal de nervosismo (aumento de juros a médio e longo prazo) e a Troika logo avisou que novas eleições dariam origem a um segundo “resgate” e um regresso mais tardio aos mercados. Chantagem pura, pois.
Resta a oposição, ou o que dela resta: Do PS, e para além dos formais discursos de discordância, nada podemos esperar o que faz algum sentido, pois não é de admitir que Seguro queira ir para o governo já, agora que a crise está no seu auge. Provavelmente, a sua estratégia será a de aguardar até 2015, altura em que, espera ele, o governo estará tão desgastado que o poder lhe cairá nas mãos. Do PCP, Bloco e Verdes, a exigência de eleições antecipadas, ainda que correcta, é insuficiente para mudar a situação criada.
Estamos nisto e isto é mau demais para acreditar. O que faltará ainda acontecer?

2013/07/04

Tintim no país dos sovietes


Edward Snowden, até há pouco tempo um anónimo analista informático da Agência de Informação Americana, saltou para as primeiras páginas da imprensa internacional quando resolveu “pôr a boca no trombone” e denunciar aquilo que muita boa gente desconfiava, mas que poucos ousavam revelar. E que revelou Snowden?
Que a NSA (Agência Nacional de Segurança) controlava milhões de telefones e endereços electrónicos de cidadãos americanos e do Mundo, através de um programa (PRISM) numa clara violação da privacidade, sem que existisse qualquer autorização oficial para tal. A revelação caiu como uma bomba e pôs em causa, não só o direito inalienável à privacidade em qualquer estado de direito, como abalou a confiança dos cidadãos de todo o Mundo no governo americano e em empresas como a Google e a Microsoft, que já vieram confirmar terem cedido informações de mais de 20.000 contas dos seus clientes à NSA. Logo, não só era verdade, como é muito grave.
Snowden fez esta declaração em finais de Maio, a partir de um quarto de hotel em Hong-Kong, onde se tinha refugiado, em trânsito para um pais que lhe concedesse asilo politico. Desde então, os acontecimentos precipitaram-se e, como era previsível, os EUA lançaram a maior operação de caça ao homem desde Assange, o fundador da agência de informação WikiLeaks, igualmente acusado da divulgação de documentos classificados e que, por essa razão, se encontra refugiado há mais de um ano numa embaixada em Londres.
O que se tem passado nestas últimas semanas, relativamente a Snowden e ao seu paradeiro, é conhecido e tem sido abertura diária nos telejornais, sempre mais interessados na “fuga” do espião, do que na notícia que este revelou e que nos devia preocupar a todos. Mais: já em Moscovo, onde se encontra algures na zona do aeroporto para passageiros em trânsito, aguardando a concessão de um eventual asilo politico, Snowden continua a revelar segredos escaldantes, entre os quais a escuta em embaixadas de países aliados dos EUA, como a França, a Itália ou a Alemanha.
É aqui que Putin, nitidamente incomodado com a presença do americano no seu pais, decide jogar a sua cartada: oferecer asilo politico a Snowden (provocando dessa forma o governo dos EUA), com a condição deste se calar (para não ferir as relações bilaterais que lhe interessa manter). Uma jogada inteligente, que Snowden recusa, forçando o seu papel de mártir, agora cada vez mais isolado.
Nesta história, digna de Le Carré, não podia faltar o elemento de “suspense”, bem representado no caricato episódio do avião presidencial de Morales, retido em Viena sob o pretenso argumento de falta de condições técnicas para sobrevoar o espaço aéreo europeu. Diligente como sempre, o demissionário ministro Portas não resistiu a prestar vassalagem ao “amigo americano” e deu, provavelmente, a sua última ordem como MNE, proibindo a aterragem do avião boliviano em Lisboa. Como era previsível, Snowden não se encontrava a bordo do jacto de Morales. Onde está o americano?
Enquanto esperamos pelos próximos capítulos desta história inacreditável, lemos algures que uma famosa ex-espia russa teria oferecido casamento a Snowden, como forma de legalizá-lo no pais. Esta é, verdadeiramente, digna de Hergé.

Vira casacas, traidor, oportunista ou "all of the above"? E os seus apoiantes?

Os espectaculares flic-flacs de Portas são conhecidos desde há muito tempo. Depois de todo aquele recente espalhafato, parece agora que vai ser promovido.
A luta vai obviamente agudizar-se, é uma questão de tempo.
Há contudo uma questão que me parece pertinente e que diz respeito à acção das oposições.
O que é que pensarão disto os que votaram nesta coligação, se sentiram defraudados, exultaram com o pedido de demissão do Portas e agora vêem tudo andar para trás? Será que se juntam a nós para derrubar estes canalhas ou vão-se afundar mais uma vez...? O que vão fazer os partidos da oposição para os cativar para a inevitável luta? O que é preciso fazer?
Somos agora mais ou os mesmos?

2013/07/03

(Muitas) dúvidas

Os acontecimentos das últimas horas trouxeram-nos um coro de pequenos cantores –moralistas de ocasião, uns, apoiantes e promotores até das políticas do láparo, outros, amnésicos, outros ainda– a gritar contra o "mal" que a coligação está agora a fazer ao país. É um coro já com os naipes todos de vozes preenchidos. Exibem um ar compungido como se não tivessem nada a ver com isto.
A pergunta que tenho inevitavelmente de fazer é a seguinte: que credibilidade tinha afinal a política que estes animais, que não hesitam em provocar nesta altura este triste espectáculo, decidiram seguir, da forma obstinada, traiçoeira, fria, incompetente, canhestra, criminosa até, que todos pudemos e podemos sentir? Será que quem é capaz de lançar o caos que agora presenciamos, será que quem é capaz de suscitar a angústia que muitos hoje sentem ao verem as "inevitabilidades" do Coelho transformarem-se nisto, poderia jamais ter um programa credível para o País? Em suma: é possível aceitar que quem tem este comportamento pudesse alguma vez ter ideias virtuosas para o País?
Será que, por outro lado, quem faz isto agora poderia, logo à partida, estar à altura das responsabilidades que se propôs assumir?
E, já agora, permitam-me deixá-los com mais duas perguntas e outras tantas dúvidas. O que vai acontecer às reformas necessárias a partir deste momento? E quem estará disposto a fazê-las? Quem terá o talento para as fazer e limpar, ao mesmo tempo, os estragos entretanto provocados, depois dos resultados vergonhosos que o governo de Passos Coelho, com o beneplácito do presidente Cavaco Silva, obteve?
Não terá a prestação vergonhosa de Passos Coelho, com o beneplácito de Cavaco Silva, comprometido definitivamente quaisquer alterações necessárias no futuro? Como pedir-lhes contas?

Obviamente, eleições!

Enquanto Passos Coelho voa para Berlim, tentando ganhar tempo para enfrentar um “imbróglio” do qual ele é um dos principais culpados (o outro é, obviamente, o Presidente da República), o país real comenta estupefacto a sucessão de acontecimentos das últimas 48 horas.
Parece cada vez mais claro que Gaspar, não só há muito desejava sair do governo (leia-se a sua carta de demissão), como já chegara à conclusão que a receita de austeridade imposta pela troika e que ele “alegremente” ia pondo em prática, não estava a dar resultados. Ou seja, apesar de todos os sacrifícios impostos aos portugueses e das promessas de um futuro melhor, esse futuro apresentava-se cada vez mais longínquo, qual “linha do horizonte” que se afasta à medida que dela nos aproximamos. Um problema insolúvel, como toda a gente - da esquerda à direita - previa e que ele, teimosamente, procurava contrariar com os seus modelos explicados em “powerpoint”. Perante uma situação de impasse, agravada pela recente “greve dos professores”, que o impediu de conseguir um corte nas despesas de 4.500 milhões de euros, imposto pela Troika, só lhe restava mesmo deitar a “toalha ao chão”.
Outro caso, completamente diferente, é o de Paulo Portas, o escorpião da fábula que, depois de ter sido levado para o governo, picou a rã (Passos Coelho) que lhe deu a mão. Contrariamente ao que algumas manchetes dos jornais escrevem, não foi Passos que amarrou Portas ao recusar a sua demissão, mas Portas quem tirou o tapete a Passos, tornando-o refém da sua estratégia de aranha. Um verdadeiro Maquiavel, o Paulinho, que nunca enganou ninguém, pois, como dizia o escorpião da fábula, a traição faz parte da sua natureza. Ele é mesmo assim e percebeu (a jogada é arriscada) que saindo agora, poderá tirar dividendos de uma provável vitória do PS em futuras eleições.
Uma coisa parece certa: o pais, os portugueses, não podem suportar mais esta gente calculista e impreparada que nos governa e devem exigir uma clarificação desta crise aos órgãos de soberania que os representam. Haja alguém que explique a Passos Coelho e a Cavaco Silva que este governo está morto e acabado, Acabou ontem e deve demitir-se ou ser demitido, para poderem ser convocadas novas eleições.

2013/07/02

Eis o responsável!



Se amanhã formos penalizados pelos "mercados" por causa da instabilidade política, se esta ditar um agravamento das condições de vida de todos nós, se tudo isto resultar da sua incapacidade para resolver o problema deste governo e se daí advier um agravamento da crise, quem é o responsável? A AR?!

Até quando?

Ontem o Daniel Oliveira fez aqui uma das mais lúcidas análises que tenho lido sobre a situação da esquerda portuguesa desde há muito tempo.
Não vejo, infelizmente, maneira de ultrapassar os problemas que o D.O. aponta neste artigo.
Hoje o PR avisa que só a AR determina se há ou não há crises políticas, votando ou não moções de censura. Sorridente (de que sorri ele?) e consciente da total impunidade de que goza, goza connosco e sacode a água do capote.
Até quando vamos continuar a ter estes trastes a dominar o país? Até quando vamos estar neste impasse? Até onde vamos deixar chegar isto?!
Quanto tempo mais vai ser preciso para a esquerda compreender que está a dar um tiro fatal no pé e que vai pagar duramente o impasse em que fez colocar a actual situação política portuguesa?

PS- Acabo de saber que Paulo Portas apresentou a demissão. Os acontecimentos correm mais de forma mais veloz que o baudrate da minha ligação à internet... Afinal o PR não pode continuar a sorrir. A esquerda ultrapassada pela direita. O meu post durou pouco mais tempo do que vai durar o mandato da nova ministra das finanças!

2013/07/01

Foi-se embora o mau polícia, ficou a boa polícia


Desenganem-se aqueles que pensam que, com a saída de Victor Gaspar do governo, a austeridade e os ataques ao estado social em Portugal vão diminuir.
Ainda que a saída de Gaspar não tenha sido propriamente uma surpresa, pois já era falada desde Outubro de 2012, a verdade é que daí para cá o ex-ministro nunca se coibiu de aplicar sistematicamente a estratégia previamente delineada com a Troika, de quem ele era o representante oficioso em Portugal.
Nunca, como nos últimos dois anos, a população portuguesa foi submetida a tal provação e, se houve um rosto que personalizava a politica fundamentalista dos neoliberais que governam Portugal, esse rosto era o de Gaspar, ele mesmo um quadro do Banco Central Europeu em comissão de serviço.
A sua substituição pela Secretária do Estado do Tesouro que o acompanhava na teoria e na prática desta politica, ainda que lógica na forma (afinal ela conhece bem os “dossiers” e é conhecida dos seus pares em Bruxelas), encerra em si vários perigos: para o governo o facto de Maria Albuquerque estar comprometida com a mal explicada trapalhada dos “swaps”, que podem custar ao erário público a módica quantia de 1000 milhões de euros: para os portugueses, a ilusão de que esta ministra (que goza de um estatuto de rigor e conseguiu alguns êxitos, como a privatização da ANA) possa inverter a marcha dos acontecimentos e deixe alguma folga nesta austeridade sem resultados.
Nada de essencial vai mudar e, com ou sem Gaspar, a politica da Troika continuará a ser aplicada em Portugal, pois essa é a receita delineada em Bruxelas, Washington e Berlim, as verdadeiras capitais de Portugal.
Saiu o mau policia, para dar lugar a uma policia só aparentemente melhor, segundo a velha máxima de Lampedusa: “é preciso que algo mude, para que tudo fique na mesma”.

Afinal, isto anda tudo ligado...

O que têm as manifestações de Istambul, Ancara, Cairo, Alexandria, S. Paulo ou do Rio de Janeiro, em comum?
Aparentemente, nada.
Na Turquia, o que começou por ser a ocupação pacífica de uma das praças mais emblemáticas de Istambul - contra planos urbanísticos que punham em causa um parque na cidade - tornou-se uma gigantesca onda de protesto nacional contra o governo de Erdogan e as suas politicas de islamização da sociedade turca, um estado formalmente laico desde os anos vinte do século passado. Mais do que os ocupantes da praça Taksim, os cidadãos de dezenas de outras cidades turcas que aderiram ao protesto, lutam agora por uma Turquia moderna e democrática, onde questões como a educação, o emprego e o meio-ambiente, passaram a estar na ordem do dia.
No Egipto, dois anos depois dos protestos da praça Tahir - que estiveram na origem da queda do governo de Mubarak - os habitantes do Cairo voltaram à rua, desta vez para exigirem a demissão do governo do presidente Morsi, acusado de manipulação dos resultados eleitorais que lhe deram a vitória há um ano atrás e da crescente islamização da sociedade egípcia desde que a Irmandade Muçulmana ascendeu ao poder. Também aqui os jovens da praça Tahir exigem democracia, educação e emprego.
Finalmente, o que começou por ser um protesto dos habitantes de S. Paulo - contra o aumento das tarifas dos transportes da cidade – alastrou a dezenas de cidades brasileiras, agora já não apenas contra os preços dos bilhetes, mas por melhores transportes, melhores escolas e melhores hospitais, exigências num pais democrático, onde 1/3 da população continua a não ter acesso a uma vida decente. Isto, ao mesmo tempo que o governo brasileiro gasta centenas de milhões de euros na organização de eventos desportivos para glorificação da suas classes dirigentes.
Alguma coisa está a passar-se em países e sociedades tão diversas, onde, há relativamente pouco tempo, as populações pareciam mergulhadas numa apatia geral, certamente explicadas pelos regimes de “democracia musculada” em que viviam, ou, na alternativa brasileira, numa bolha de crescimento económico, que se revelou artificial.
Se há um denominador comum em todos estes protestos, este deve ser procurado na recusa das novas gerações em aceitar regimes autoritários e corruptos, que mais não fazem do que reproduzir os modelos dos governos que eles próprios derrubaram, com a promessa de que, a partir de agora, tudo seria diferente,. Não foi. Não é. É isso que estes jovens, muitos deles educados, mas desempregados e sem futuro em sociedades onde a população jovem é maioritária, já perceberam. E porque deixaram de acreditar e não têm tempo para construir um futuro diferente, mais não lhes resta do que protestar. Para já, de forma espontânea e, aparentemente, desorganizada, mas com a coragem que exigem os grandes momentos. E este é, ainda que pelas piores razões, um importante momento histórico. O que se está a passar na Turquia, no Egipto ou no Brasil, apesar das suas diferenças, pode afinal estar bem mais perto do que as distancias geográficas fazem crer.

2013/06/26

Trabalho, sim...

Um primeiro ministro que opta por dizer "que o país precisa menos de greves e mais de trabalho" já perdeu definitivamente o tino. É uma observação reles, cruel mesmo, de uma criatura sem dimensão.
Mas, sim, é um facto: o País precisa de mais trabalho. Nisso, está V. Exa. completamente certo.
Por agora contentamo-nos com o muito trabalho que nos está a dar mandá-lo para o lugar que merece. Mas há-de ir!

2013/06/16

“Sugar Man”

Com estreia simultânea em diversas salas da capital, chegou finalmente a Portugal o aclamado documentário “Searching for Sugar Man” (À procura de Sugar Man”) um docudrama filmado pelo sueco Malik Bendjelloul, a partir de uma história relatada pelos sul-africanos Stephen “Sugar” Segerman e Craig Bartholomeu Strydom, editores dos álbuns de Rodriguez, um “sing songwriter” americano, idolatrado na África do Sul.
O filme, que teve a sua premiére no Festival Sundance de 2012, recebeu este ano o Óscar para o melhor documentário em Hollywood, o 66º British Award for the Best Documentary e o Bafta Award for Best Documentary 2012, tendo ainda passado em Lisboa, durante o último “DOCs”, onde teve boa aceitação da audiência e da critica.
Fazendo jus ao velho princípio de Hollywood “a good story, is a good story, is a good story”, Bendjelloul encontrou a história, que necessitava para o seu filme, ao ler um texto de Stephen Segerman (na contracapa de um dos álbuns de Rodriguez), onde este dono de uma loja de discos na cidade do Cabo, exortava os leitores do texto a procurarem o cantor norte-americano, autor de dois álbuns míticos que fizeram furor na África do Sul na década de setenta e que tinha, depois disso, desaparecido sem deixar rasto...
O desafio intrigou o realizador sueco que, juntamente com Segerman, decidiu pôr mãos à obra e iniciar a sua própria investigação. Depois de meses de procura e muitas peripécias (reconstituídas no filme) o acaso levou-os a uma familiar do músico dado como desaparecido, de quem se dizia ter cometido suicídio em pleno palco. Para surpresa dos dois homens, não só Rodriguez estava vivo, como se dispôs a colaborar no filme e a ir cantar à África do Sul, onde é idolatrado devido à popularidade das suas canções, usadas nas décadas de setenta e oitenta durante a resistência ao regime do “Apartheid”.
O documentário relata a procura do homem que toda a gente julgava morto e que, apesar do insucesso nos Estados Unidos (onde os seus álbuns tinham sido um “flop”) continuava a ser um herói na África do Sul, onde vendeu centenas de milhares de “bootlegs” que a juventude sul-africana conhecia e cantava de cor.
Uma história verídica, filmada em supper8mm, que alterna imagens reais e reconstituição dos principais passos da investigação, para retraçar o percurso de “sixto” Rodriguez, o sexto filho de uma família de emigrantes mexicanos, que passou ao lado de uma carreira musical, apesar da qualidade inquestionável da sua música e textos que, alguém no filme, compara aos de Bob Dylan.
Pesem algumas limitações técnicas, dados os constrangimentos orçamentais que obrigaram algumas filmagens a serem feitas com um IPod Camera especial, o documentário vale pela história e o exemplo humilde de um cantor e compositor magnifico que, apesar do seu desaparecimento, nunca foi esquecido e hoje, graças a este documentário, recebe o reconhecimento que lhe é devido.
Nota Final: Rodriguez, que continua a viver, humildemente, na sua casa de sempre nos subúrbios de Detroit, recebeu no passado dia 9 de Maio, um doutoramento “honoris causa” da Wayne State University em Detroit, pela sua contribuição para a música e poesia americana.
Vão ver este filme magnífico, baseado numa extraordinária história de um artista excepcional.