2009/09/04

A "Cacha"

As especulações sobre as razões da "eliminação" do Jornal das sextas-feiras na TVI, apontam para uma de três possibilidades:o motivo político, o motivo comercial e o motivo editorial.
Para a oposição (da esquerda à direita) o "ideal" seria o PS estar por detrás da manobra. Não constituia o jornal, apresentado por Moura Guedes, o maior ataque semanal ao primeiro-ministro em toda a comunicação social portuguesa?
Para o governo, tal tese só pode prejudicá-lo e não parece que os "spin-doctors" do PS fossem assim tão estúpidos.
Restam os "espanhóis". Estes, da sede da Prisa, algures em Madrid, teriam dado as ordens pelo telefone.
Confrontadas as "partes" com os diversos cenários, ninguém parece ter uma resposta clara sobre o assunto:
O PS vem a terreiro pedir explicações à Alta Autoridade para a Comunicação Social, demarcando-se do acto. A oposição não acredita e continua a querer ver o dedo do governo na manobra. Os "espanhóis" desmentem qualquer implicação no caso e passam a responsabilidade para a Média Capital em Lisboa. Esta delega na administração da TVI a decisão e a administração, por sua vez, emite um comunicado a falar na "harmonização" dos blocos informativos da estação, como razão última para a "homogeneização" em curso. No meio destes jogos florentinos, falta a verdade. Ou, na falta dela, a notícia principal. Aquilo, a que, em jargão jornalístico, se chama a "Cacha". Mas, agora, sem a Manuela, como é que vamos saber quem é o culpado?

2009/08/28

De uma lado chove, do outro troveja

Depois de um período de expectativa cuidadosamente montado, o programa eleitoral do PSD foi ontem finalmente conhecido. Seguiu-se-lhe uma dissecação, quase até à exaustão, por parte de analistas e responsáveis políticos. Faltou-lhes a todos referir um pormenor: não se trata um programa eleitoral, mas de um produto de simples marketing político.
De forma simplificada pode-se dizer que à posição, por parte do governo PS, de eleger o investimento público como motor da recuperação, o PSD propõe que esse papel seja assumido pela iniciativa privada. É isto em termos simples. Estamos perante uma manobra que visa criar no eleitorado a ideia de que o PSD tem uma "alternativa" à política do PS. Com isto o PSD aparece como um partido diferente do PS e aparece... com uma alternativa!
Ora, em primeiro lugar, PS e PSD são face de uma mesma moeda. Má moeda, para usar uma expressão cara ao PR, o joker deste jogo. Podem ser alternativa um ao outro, mas não são alternativa relativamente ao que verdadeiramente importa à Nação. Talvez por serem faces da mesma moeda se fale de forma tão despudorada de "bloco central"...
Em segundo lugar, a "alternativa" do investimento privado só nos pode dar vontade de rir. Nem os privados estão em posição de cumprir o papel de que o estado actual da economia carece, nem a sua folha de serviços nos revela nada de bom. O que se trama no silêncio dos gabinetes dos privados tresanda a sinistro. Os portugueses não podem esperar nada do sector privado.
Em suma, não poderíamos esperar nada de bom debaixo do primado da iniciativa privada.
O mesmo, porém, se pode dizer infelizmente da "alternativa" contrária. Da iniciativa pública também nada podemos esperar de bom. Os programas são medíocres e os executantes são pateticamente maus. O oportunismo e a corrupção são males maiores para a erradicação dos quais não vemos nem vontade, nem mecanismos adequados. Do poder público só podemos esperar o pior. O que se trama nos gabinetes públicos a sinistro tresanda. Os portugueses não podem esperar nada do sector público.
De resto, uma solução séria para os problemas do país neste momento tem de incluir um pouco de tudo. Apresentar programas ao eleitorado na base do "either, or" é uma completa mistificação só compreensível no contexto da mesquinha luta partidária que se trava em Portugal. Ninguém minimamente sério pode dizer que a solução passa exclusivamente pelo investimento público ou pelo privado. Qualquer proposta deste tipo (e é nessa lógica que tanto o PS como o PSD embarcaram!) é um insulto à inteligência de todos nós.
Neste contexto, a "luta" entre PSD e PS só nos pode causar uma de duas reacções: nojo ou vontade de rir.
Resta-nos a possibilidade de fortalecer significativamente os partidos de fora da área do poder e forçar a criação de outras alternativas para a governação do país que os incluam forçosamente, mas isso será objecto de futuras reflexões quando for possível.

2009/08/27

O Homem do Golf

Exactamente, de hoje a um mês, haverá eleições. A acreditar nas pitonisas que, diariamente, povoam os principais orgãos informativos e cuja única notícia parece ser manter a "silly season" actual, o país corre o risco de ficar "ingovernável" a 27 de Setembro. Este prognóstico é baseado em projecções que mostram os principais partidos do poder em queda, enquanto os partidos à sua esquerda mantêm um crescimento sustentado. Se as sondagens não falharem desta vez, teremos o PS e o PSD com votações bem abaixo dos 40% e o PCP e o BE com votações à volta dos 10%, o que inviabilizará qualquer governo de maioria absoluta. A alternativa, poderá ser um governo minoritário que, dificilmente, tem hipóteses de chegar ao fim da legislatura. Que fazer, pois, perante tal "catástrofe"?
A solução vem hoje escarrapachada no semanário "I", pela boca de João de Deus Pinheiro: "tem de se fazer uma coligação um bocadinho como fazem os holandeses. Os holandeses demoram normalmente um mês a fazer um governo de coligação. Porque negoceiam as medidas mais contenciosas. Em Portugal temos pouco essa tradição".
É verdade. Eu próprio vivi trinta anos na Holanda e não me lembro de ter visto um governo maioritário de um só partido. Mais, as coligações demoram longos meses a constituir-se. Um verdadeiro ritual que passa pelo convite da rainha a um "informador" para convidar o partido mais votado e conseguir consensos. Quando se atinge esta fase, o informador retira-se e entra em cena um "formador" que reune os partidos (podem ser dois, três ou mais) os quais discutem exaustivamente todos os pontos de um programa comum. Quando chegam a acordo, o "formador" volta à rainha com a proposta e esta nomeia o governo na base de um programa consensual. Por exemplo, actualmente, a coligação governamental holandesa é composta pelo partido cristão-democrata (CDA) pelo partido trabalhista (PvDA) e por uma pequeno partido cristão-reformador (PR). É possível, sim, mas é bom perceber que estamos a falar de um país de longa tradição democrática, com mais de um século de parlamentarismo e onde a monarquia tem um função institucional simbólica. Um país, onde a ética não é uma palavra vã e a política não é atravessada pela promiscuidade entre a política e outros poderes, como em Portugal.
O que Deus Pinheiro propõe mais não é do que a reedição do famigerado "bloco central" ao qual ele próprio pertenceu. Percebe-se, o homem já não está em idade de chatisses e nada melhor para o "sistema" do que manter os interesses em família, neste caso as "familias" do PS e do PSD que governam e se governam há mais de trinta anos em alternância. Bem diferente do modelo holandês, como se percebe, pois na Holanda não são sempre os mesmos partidos a formar governo. Um homem distraído, o Pinheiro. Se bem me lembro, não é a primeira vez. Ficou famosa a sua "gaffe", no dia em que rebentou a 1ª guerra do Golfo e ele foi o único comissário europeu a faltar à reunião de emergência em Bruxelas, por estar a jogar "golf". O incidente valeu-lhe um fabuloso "cartoon" na imprensa internacional, onde se via um funcionário entrar no "green" para alertá-lo da guerra em curso: "Golf War! Golf War!", gritava o rapaz. Ao que Pinheiro, impassível enquanto dava uma tacada, perguntava, "Golf, what golf?".

2009/08/19

O que é isto?

Na noite de ontem, em zonas diferentes da grande Lisboa, duas jovens foram violadas. Como é normal, em casos semelhantes, as vítimas dirigiram-se aos hospitais das suas áreas habitacionais, respectivamente o Santa Maria e o Fernando Fonseca, vulgo Amadora-Sintra. Em ambos os casos, não puderam ser feitos os exames forenses, por ausência de especialistas de medicina legal, aparentemente os únicos a poderem avaliar este tipo de agressões. A razão, explica o director de Medicina Legal, prende-se com o mês de Agosto, quando há apenas 3 (três!) médicos escalados para o serviço nocturno de urgência. Porque a humilhação ainda não era suficiente, as jovens foram aconselhadas a não se lavarem, não escovarem os dentes ou mudar de roupa, para que, esta manhã, ainda houvesse provas da "alegada" violação. Ambas as histórias foram contadas pelos familiares das vítimas à televisão e o Instituto de Medicina Legal confirmou a falta de médicos no turno da noite em Agosto.
Ouve-se e não se acredita! Mas que merda de estado é este que permite serviços nocturnos de urgências sem pessoal qualificado e ainda por cima exige das vítimas que abdiquem dos seus sentimentos mais profundos, em completo desrespeito para com os seus direitos de cidadãos? O que é isto?

2009/08/14

Não tenho ídolos...

... Mas se os tivesse, Les Paul (1918-2009) tinha todas as características para ser o mais forte candidato a este lugar. Uma mente brilhante, o eterno e vivaz sorriso, o guitarrista excepcional, o artista extraordinariamente arrojado e interessante e, sobretudo, o pai de uma série de invenções cruciais para a produção musical tal como a conhecemos hoje.
Do símbolo da cultura rock, a guitarra eléctrica (embora nesse campo não estivesse só e o nome de Leo Fender não possa de todo ser esquecido), até ao gravador magnético multipista, do conceito de auto-acompanhamento musical, ao humilde suporte de harmónica que artistas como Bob Dylan ou Neil Young popularizaram, o génio criativo de Les Paul tudo foi capaz de conceber e em tudo é possível descobrir o seu toque e influência. Um designer e um inventor na linha de Tesla ou de Edison!
Sem Les Paul, eu e muita gente ligada hoje à música, da mais erudita à mais popular, da mais "internacional" à mais tradicional, continuaríamos na idade da pedra da produção musical.
São poucos os indivíduos que conseguem produzir com as suas próprias mãos mudanças tão profundas na história e impôr conceitos tão radicais, tornando-os quase banais. Acabou de desaparecer um deles.

PS- Um documentário sobre ele, para quem estiver interessado, pode ser visto aqui.

A carreria de Medina

O que vou dizer a seguir será polémico, e a polémica começa, se calhar, aqui mesmo dentro do Face. Mas, aqui vai.
Ouço Medina Carreira, vejo a sua presença cada vez mais assídua na televisão, observo a sua transformação em comentador da moda, e tudo isto me causa uma sensação crescente de náusea.
Não porque muito do que ele diz não seja verdadeiro, não porque a forma como o faz não seja contundente qb, assim como uma espécie de special efx de televisão. Mas, sobretudo, porque ao nível a que ele se coloca, e ao nível a que coloca a discussão, só lhe restaria a alternativa de arregaçar as mangas e dar o exemplo compromentendo-se. O doutor Carreira não está contra o regime que parece denunciar. O doutor Carreira está a fazer o papel do bobo do regime. E é o regime que está mal, não os governantes. Estes servem-se dele como podem e como os deixam. O resto é conversa.
Sublinho e repito: ao nível a que ele se coloca e ao nível a que coloca a discussão, só lhe restaria a alternativa de arregaçar as mangas e dar o exemplo compromentendo-se.
Confortavelmente instalado no estúdio de televisão vai lançando os seus ataques de dentro mesmo de um dos principais sustentáculos e beneficiários da situação que aparentemente pretende denunciar. Carreira luta no maquis da tv. Imagine-se o Cristiano Ronaldo a fazer, no Real Madrid, o jogo do Barcelona. É tão absurdo como ver o doutor Medina Carreira a dizer mal da actual situação e dos actuais situacionistas, seus companheiros de equipa, entre câmaras e projectores, coberto de maquilhagem no meio de um cenário a fingir que há horizonte em tudo aquilo.
Depois há duas outras coisas que não recomendam o dr. Carreira e as suas teses. Primeiro, acusa os políticos de falta de sensibilidade social, de não “ouvirem” o que diz a rua... Mas, de seguida, afirma, peremptório e sem se atrapalhar com o ridículo, que a “solução” para o “problema” do país... é económica!
Ora, ó doutor Carreira, ouça bem o que lhe digo: o problema do país NÃO é económico! O problema é cultural. Haverá uma componente económica no “problema” português, haverá certamente uma dimensão "económica" na sua solução, mas não é a economia que explica o que se está a passar e não serão os economistas, nunca, a encontrar soluções. Quando está a chover, os economistas gostam de dizer "Está a chover!" Já sabíamos.
As provas dadas pelos economistas até agora foram abaixo de cão. A presente crise internacional é em boa medida uma crise forjada nas teorias ensinadas nas faculdades de economia. As receitas, as previsões e as análises dos economistas são pura merda! A lista de “economistas” e de praticantes de “economologia”, consigo incluído, que fizeram as coisas chegar ao ponto em que estão, é longa e sonante. E tilinta! Quanto a mim preferiria mil vezes ter a astróloga Maya a dirigir o país. De certeza que os resultados não eram piores.
Quando se conseguir pôr cobro neste país ao regime de castas, à indigência intelectual, à irresponsabilidade, à imoralidade, à exploração do tempo dos outros, então sim, podemos criar empresas viradas para a exportação, atrair investimento externo ou outra qualquer solução “económica” para regular o modo como nos relacionamos uns com os outros no plano material e procedemos à satisfação das nossas necessidades materiais colectivas e individuais. Até lá, tudo aquilo que o senhor diz não passa de um grande e inconsequente vazio.
Ou terá o senhor a veleidade de pensar que se aquilo que diz fosse verdadeiramente revolucionário, fosse gritado no foro adequado, brandindo as armas justas e os colocasse de facto em causa, esta corja de franganotes que o senhor tanto verbera não lhe tinha já mandado calar o bico?
Isto não vai lá com palavreado dr. Medina. Vai, e tem de ir, de outra forma. Daí eu pensar que a sua carreira já merece reforma...

2009/08/13

Um Grande BPN

Medina Carreira, no tom truculento que o caracteriza, deu ontem mais uma entrevista na televisão. Uma hora de crítica impediosa a uma classe que ele caracteriza como oportunista e que está na política para tratar da vidinha. Nada que não tenha dito em entrevistas anteriores ou que não saibamos por observação empírica. Sobre Medina Carreira há, normalmente, duas opiniões diametralmente opostas: ama-se ou odeia-se.
De uma coisa, no entanto, não podemos acusá-lo: é de ser incoerente na forma como - com números - explica o aumento da dívida externa e as suas consequências para o futuro da economia portuguesa. As contas são fáceis de fazer: ao ritmo de endividamento actual, o país estará ingovernável no prazo de dez anos. Produzimos pouco e mal, não criamos riqueza suficiente, importamos mais do que exportamos, necessitamos de empréstimos para manter o consumo interno e estamos, por isso, cada vez mais endividados, logo mais pobres. À crise interna e estrutural juntou-se a crise externa internacional e os indicadores económicos são péssimos. Mas, diz mais: as eleições que aí vêm não trarão qualquer alteração substancial (na melhor das hipóteses um governo minoritário que cairá ao fim de uns meses) e os programas partidários não passam de intenções que o seu "amigo Banana" subscreveria. Os partidos actuais estão enfeudados aos interesses económicos que vêem no poder uma forma de fazer negócios e empregar familiares e, por isso, com maioria absoluta ou maioria relativa, o sistema não mudará substancialmente. Portugal está transformado num "grande BPN".
À pergunta do entrevistador sobre o que proporia para mudar o estado do país, exemplifica: mais do que promessas, é necessário um diagnóstico sério (bastam três meses para fazê-lo) sobre as causas do nosso atraso e um governo que, com um programa mínimo, elimine os obstáculos que impedem o desenvolvimento português. Pessoas capazes (não necessariamente enfeudadas aos partidos) e coragem para executar um programa reformista sob a égide do PR, parece ser a saída preconizada por Medina. Não sabemos se esta fórmula resultaria, mas que a situação não pode continuar assim por muito mais tempo, parece-nos evidente. Para BPN já basta o Banco...

2009/08/09

Histórias de Guerra

As minhas primeiras recordações de Solnado datam dos anos cinquenta, era eu ainda um jovem adolescente.
Lembro-me vagamente do seu nome nos cartazes do Parque Mayer e, já em finais da década, da sua interpretação no filme "O Tarzan do 5º esquerdo", exibido no antigo cinema Condes. O filme foi um êxito de bilheteira e a crítica viu nele um dos primeiros exemplos do cinema "neo-realista" português. Mais do que a história, lembro-me da personagem principal, interpretada pelo Raul, que "levava" o filme aos ombros.
Anos mais tarde, através da "Guerra de 1908", que viria a tornar-se um clássico da rádio, o seu nome tornou-se indissociável de uma época atravessada por uma guerra - essa sim, real - que o regime impunha em África.
Lisboa era, à época, uma cidade taciturna e cinzenta, onde os homens vestiam fatos às riscas e usavam chapéus de feltro e as mulheres sózinhas não eram bem vistas nos cafés. Nas tertúlias do Martinho e do Monte Carlo, discutiam-se as escolhas de uma geração: fazer a guerra ou desertar, o que implicava na maior parte dos casos um exílio incerto. Dado que optei pela segunda alternativa, vi-me impedido de regressar ao país durante oito largos anos. O Portugal Salazarista tornou-se uma recordação cada vez mais distante, que gravações como as de Solnado contribuiam para amenizar. No fundo, as "guerras", a dele e a do regime, eram um absurdo.
Dos seus êxitos, em programas como o "Zip-Zip" ou, mais tarde, "A Cornélia", só soube por relatos indirectos e, no cinema, lembro-me da sua interpretação no filme "Balada da Praia dos Cães", que vi em finais da década de oitenta no Festival de Cinema de Roterdão.
Num dia atravessado por memórias, eu, que nunca o conheci, relembro um tempo de angústia e frustação, onde uma das poucas coisas que o regime não podia proibir, era rir. Graças ao Solnado, ri-me a bandeiras despregadas. Antes e depois da liberdade. Sem o saber, ele foi dos que mais contribuiu para a minha sanidade mental. Não é coisa pouca.

2009/08/03

Como se fora seu filho

Se fosse vivo, José Afonso teria feito ontem oitenta anos.
Uma afeméride, que a Câmara de Grândola vem assinalando de há dois anos a esta parte através de um programa subordinado ao título "Como se fora seu filho".
Do programa deste ano, composto por um colóquio, uma exposição e um concerto, destaque para este último que ontem se realizou no auditório Cine Granadeiro, recentemente reaberto, após renovação.
Lá estivemos, para escutar Cristina Branco e um quarteto de jazz, que apresentou o projecto "Abril" dedicado à obra do Zeca.
Canções e refrões de sempre que os "grandolenses" conhecem de cor e que um dia o poeta, sem imaginar o futuro, lhes dedicou com gratidão. Chegou a vez da "vila morena" retribuir. Como se fora a um filho seu.

2009/07/29

Um Falso Debate

Se alguma surpresa houve no "debate", entre os principais candidatos à presidência da Câmara de Lisboa, essa foi a (relativa) vitória de Pedro Santana Lopes. Mesmo eu que, não votando em Lisboa, pensava que Costa ia meter o "menino guerreiro" no bolso, fiquei espantado com a vitalidade deste último. O homem é de borracha. Um verdadeiro "sempre em pé". O pior é que é capaz de ganhar e a culpa nem é dele. Como é possível apostar num candidato que apoia o negócio leonino dos contentores no porto de Lisboa, a terceira travessia no Tejo (que vai trazer mais 40.000 carros diários para a cidade), defende a saída do aeroporto da Portela e diz que diminuiu a dívida, quando esta apenas passou dos credores para a Banca? Pior, na maior parte dos temas, Santana mostrou muito mais conhecimento dos "dossiers" e da cidade que o seu opositor.
Como bem notou um dos comentadores, após o debate, a discussão não teve a ver com dívidas e túneis, mas com o futuro de ambos os políticos: para Santana, uma derrota pode significar mais uma travessia do deserto. Para Costa, as contas são outras. Ele sabe que pode substituir Sócrates, caso este perca as eleições legislativas que se realizam duas semanas antes.
Uma entrevistadora mais acutilante, teria feito a ambos uma pergunta muito simples: os senhores que "gostam" tanto de Lisboa, se perderem as eleições o que fazem? Ficam como vereadores ou vão-se embora?
Essa era a pergunta que eu, se votasse em Lisboa, gostaria de ver respondida.

2009/07/21

A pegada ecológica

No rescaldo das celebrações do 40º aniversário da viagem da Apolo 11 e do olhar (a maior parte das vezes, basbaque!) sobre a Lua e a "aventura" espacial", será tempo para deitar alguma água na fervura e de dizer: não se iludam! A aventura só continua se a humanidade reformular a sua maneira de pensar, aqui na Terra, e alterar radicalmente a forma de nos encararmos uns aos outros e de encarar este planeta em que vivemos.
O esforço para viajar no espaço, que me parece também a mim, inevitável e meritório, só terá sucesso em verdadeira cooperação e num quadro de partilha generalizada dos nossos comuns desígnios mais sagrados. A prova é que em resultado de estarem cada uma para seu lado, as antigas potências do espaço cederam protagonismo e margem de manobra, e a "conquista do espaço" foi empreendimento que perdeu gás. Por outro lado, se forem só as nações que são vítimas da maior pressão demográfica a procurar resolver o seu problema particular, o resultado será igualmente a derrota e a frustração. Espaço significa, em primeiro lugar, dar as mãos na Terra.
E dar as mãos na Terra significa também que se a corrida ao espaço é promovida para fugir à responsabilidade de resolver os graves problemas aqui na Terra, será de temer que a pegada futura da Humanidade na Lua venha a ser tão dramática quanto a que vamos deixando por cá. De símbolo do Amor a bidé da Terra, eis um destino possível para a Lua.
A corrida espacial voltou a povoar os sonhos de muitos. Fala-se em Marte, fala-se mesmo nas fronteiras da galáxia. O telescópio espacial Kepler da NASA pesquisa até, de forma científica, a possibilidade de existência de vida na lonjura do espaço. As maiores fantasias parecem-nos todas verosímeis. Mas, se partirmos para tudo isto com a mesma mentalidade que vamos mantendo na Terra, belicosa, egoista, e transportarmos para o espaço os vírus que nos devoram aqui, mais cedo ou mais tarde, de uma forma ou de outra, esse espaço transformar-se-á em mais uma arena de desigualdades e de injustiça social.
É esta a minha visão romântica da "aventura espacial"...

2009/07/18

A cultura TGV

"Na apresentação oficial da Capital Europeia da Cultura 2012 em Guimarães, o primeiro-ministro, José Sócrates, sublinhou a importância da Cultura para o sucesso económico do país." Lê-se e não se acredita...
A cultura foi, como é do conhecimento público, a área de actuação do governo onde o primeiro ministro admitiu ter errado. As reacções ao estado a que chegou esta área "importante para o sucesso económico do país" são múltiplas e sucedem-se à medida que se sucedem os ataques contra ela. Já perdi a conta às petições, abaixo assinados e outras manifestações contra o estado a que chegou a cultura produzidos durante esta legislatura.
O mais recente e veemente sinal de desagrado chega através do Manifesto - Uma Cultura para o Século XXI , de que sou subscritor. Nele se diz, sem tergiversações: "Do programa de governo publicado há quatro anos destacam-se excelentes propostas que nunca foram cumpridas; da acção do governo nesta área destaca-se o episódico anúncio de iniciativas nunca antes propostas. A decepção é geral."
Ficamos então agora a saber que este é um sector importante para o sucesso económico... Como se trata de um sector que, como o próprio primeiro ministro reconhece, está carente, assaltam-me diversas dúvidas. Então e os "sucessos económicos" que têm sido anunciados, foram afinal fruto de quê? Foram alcançados sem o "importante contributo" da cultura, contrariando assim as palavras do PM em Guimarães? Ou afinal a ausência de uma contributo da cultura teve mesmo consequências no desempenho da economia que não está tão fresca como se apregoa?
Ficámos a saber também que o governo vai investir um pouco mais de 100 milhões de euros em Guimarães, para a realização do evento Capital Euopeia da Cultura 2012. Dá assim seguimento a este estilo espasmódico (neste caso, chamemos-lhe antes TGV) que tem caracterizado, em larga medida, a actuação dos governos da nação na área da cultura.
Periodicamente, lá surge um destes espasmos e aí vão uns milhões para uma evento cultural, daqueles de carácter bem mundano, que tem retorno mediático assegurado.
O estado de auto comprazimento era portanto grande ontem, durante a apresentação oficial da Capital Europeia da Cultura 2012 em Guimarães. E a cultura teve direito a um efémero momento com os holofotes acesos sobre ela.
Ficámos também ontem a saber que o governo francês vai gastar uma verba idêntica --cerca de 100 milhões de euros-- na mediaticamente discreta e bem menos imediatista operação de recuperação de cerca de 50 palácios e 75 catedrais. O governo conservador francês entende que a recuperação do património é um importante estímulo para a economia. O governo de um país rico como é a França, não hesita em aplicar neste programa uma verba semelhante àquela que o governo português se prepara para derrreter num projecto efémero, que a fazer fé no exemplo de iniciativas semelhantes anteriores, nem por milagre conseguiria assegurar a Guimarães esse estatuto de "capital da cultura permanente" que o actual ministro da cultura preconiza e que a cidade e o País merecem...
Ah como é diferente a cultura em Portugal...!

2009/07/14

Cidadania (5)

José Magalhães, o Pina Manique do reino socrático, insurgia-se ontem no blogue do MAI contra a manchete do DN - "Entrega de cadernos eleitorais a empresa privada é ilegal" - acusando este matutino de ter uma "visão albanesa que já não se lia em Portugal desde os comícios da velha UDP" (!?), pois o jornal devia saber que existe uma relação contratual entre o governo e a Critical Software que garante total segurança para os ficheiros eleitorais. Porque tais afirmações, para mais vindo de um ex-PCP, pouco significam, fui hoje verificar se o sistema estava operacional. Não estava. Apesar das reclamações periódicas, junto do MAI, da Junta de Freguesia e através de mails e telefonemas diversos nos últimos três meses, o meu endereço de recenseamento não tinha sido alterado. Agora, já está alterado: depois de eu ameaçar o funcionário que iria fazer uma queixa escrita (mais uma) pela morosidade e ineficiência dos serviços de recenseamento que deviam registar automaticamente a morada indicada no Cartão de Cidadão. É por estas e por outras que estão 15 milhões de portugueses recenseados numa população de 10 milhões, que existe um recenseado com 136 anos e pessoas que votaram duas vezes nas últimas eleições europeias! O Intendente do reino que se cuide, ou ainda é alvo de um saneamento, ao bom estilo estalinista do PCP...

Transparência

António Costa anunciou ontem, formalmente, a sua recandidatura à Câmara de Lisboa. Muito bem, está no seu direito. Como António Costa é, simultaneamente, comentador político no programa televisivo "A Quadratura do Círculo", aguarda-se uma explicação sobre esta duplicidade de funções, pois não é expectável que faça propaganda eleitoral num programa onde é suposto comentar a actualidade nacional. A bem da transparência.

2009/07/13

À espera da pedrada

Seria de esperar por uma vez que um responsável (precisamente por isso se chama a uma figura destas responsável), autor de uma falta gravíssima, como a que foi cometida pelo dr. Fernando Ruas, admitisse com humildade que exagerou. Que tivesse o bom senso de aceitar que as palavras assim ditas, por um líder de uma comunidade, não podem nunca ser entendidas, para o bem e para o mal, em "sentido figurado". Mas, não! Nem o mínimo sinal de arrependimento evidenciado pelo responsável máximo dos autarcas portugueses. Nem o mais pequeno gesto de desculpa, depois de uma acção que o devia envergonhar e deixar embaraçados os seus apoiantes, que votaram nele certamente com a ideia de ser um homem capaz e um exemplo para a comunidade que lidera. 
Pior ainda: assistimos mesmo a um concerto caciqueiro, com os acólitos, também eles responsáveis, vereadores e presidentes de junta, a sentenciarem a sentença ("uma injustiça" reclamava um em tom trauliteiro; "por isso é que Portugal está como está", reclamava outro!) e a combinarem uma acção de colecta para pagar a multa ao dr. Ruas.
Só faltou mesmo, para completar o simbolismo de tudo isto, fazerem a ronda das sedes dos partidos de esquerda, para as saquearem e incendiarem.
Esperei, por uma vez, uma pedrada em relação a este caso. Mas no charco. Uma demonstração pública de repúdio pelo acto praticado. A assunção pelo próprio de uma falha grave. A denúncia até do seu carácter totalmente cobarde. É que o dr. Ruas, se queria mesmo apedrejar os vigilantes da natureza, devia, como líder, ter partido à frente do pelotão de execução, e não instigar outros a fazê-lo. Devia assumir as suas responsablidades em sentido literal e não em sentido figurado. Atirar mesmo a primeira pedra!!
Se a Associação Nacional dos Municípios Portugueses não se demarcar totalmente do seu líder, agora condenado, ficamos a saber de que raça são feitos os autarcas portugueses...Saúde-se a conclusão da justiça. Uma decisão que indicia coragem em terra de "viriatos" de fancaria.

2009/07/12

Portugal de outra era (2)

Poucos dias depois de ter escrito o anterior post sobre a atenção dada ao problema do ruído pelos responsáveis, eis que surge um caso reportado nos jornais, como que a dizer-me "Afinal nem tudo está tão mau como parece!"
O Supremo Tribunal de Justiça (STJ) condenou a vizinha barulhenta de um casal, que vivia com os dois filhos num apartamento em Lisboa, a 25 000 euros de indemnização por violação do direito ao descanso. O processo arrastava-se desde 2 002 e a decisão é considerada "pouco comum".
O caso tem todos os ingredientes típicos destas situações de conflito entre vizinhos por causa do ruído. Um morador de um prédio produz ruído que impede a vida normal dos outros vizinhos, estes queixam-se, as queixas motivam retaliações por parte do prevaricador, as acções, avaliações e reclamações sucedem-se, nada se resolve, e a vida torna-se num autêntico inferno.
Normalmente, nestes casos as vítimas recorrem aos organismos que lidam directamente com esta matéria: câmaras municipais, polícias, departamentos do estado ligados ao ambiente, etc., num calvário que resulta de uma continuada pulverização de competências que mata à nascença qualquer desejo de resolver este problema.
Apesar de a lei ser bastante detalhada, a resposta é, na grande maioria dos casos, ineficaz. Esta ineficácia do Estado, o desgaste mental, físico e até financeiro, prolongado de forma insuportável no tempo, que este tipo de situações provoca, o sentimento de impotência que assalta as vítimas e a impunidade de que gozam inexplicavelmente os agresssores, levam a que os conflitos provocados pelo ruído de vizinhança terminem sem sanção dos prevaricadores.
As vítimas, essas, acabam em psicólogos, totalmente destroçadas, e perante o enredo montado decidem muitas vezes ir em busca da vida ambientalmente equilibrada a que têm direito noutras paragens.
Como se fossem eles, no final, os agressores... Na prática, acabam eles por ser condenados.
Neste caso, as vítimas decidiram corajosamente recorrer logo aos tribunais. O processo percorreu todas as instâncias, tendo sido decidido a favor das vítimas em todas elas. As decisões foram sendo objecto de recurso por parte da agressora, até à sentença do Supremo.
Uma das causas principais para a ineficiência do Estado é a dependência absurda de critérios técnicos e "legalistas" para avaliar situações que são muitas vezes do senso comum. O fantasma do decibel paira sobre as reclamações de ruído, como se esta unidade fosse o princípio e o fim de qualquer ambiente sonoro desejavelmente equilibrado e sadio.
Ora, uma das novidades da sentença do STJ é a dispensa de medições. Entenderam os juizes (e bem!) que o descanso é um direito que não se compagina com os ditames do sonómetro.
A qualidade da sentença é inequívoca. A justiça foi reposta. A observação dos juizes de que casos como estes dispensam medições complicadas e muitas vezes infrutíferas é exemplar e devia fazer parte do manual de procedimentos de qualquer entidade com atribuições nestas matérias.
Devia também servir de matriz de actuação aos responsáveis que, como dizia no post anterior, se refugiam em análises de natureza técnica e científica de qualidade e eficácia duvidosas para ir disfarçando a sua completa ignorância sobre estes assuntos e a sua total incompetência para lidar com matéria desta natureza.
Expedientes, infelizmente comuns, como "mapas de ruído" do vereador Sá Fernandes, a que a vereadora Helena Roseta se referiu, são uma forma de ir encanando a perna à rã. Infelizmente, no melhor pano cai a nódoa...
Mas, afinal há gente viva na justiça portuguesa. Viva o STJ!

2009/07/09

Portugal de outra era

A vereadora Helena Roseta da CML criticou anteontem o facto de não haver um plano para combater o ruído na cidade. A crítica saúda-se e a preocupação pelo problema assinala-se.
Afinal ninguém liga nenhuma a este assunto. E, contudo, o problema do ruído continua a ser apontado como a disfunção ambiental número um (não só em Lisboa!). Helena Roseta revelou numa conferência de imprensa, onde apresentava os resultados de um estudo feito sobre o "repovoamento" da cidade com novos habitantes, que “há quem desista de morar na cidade por causa do excesso de barulho.” Roseta critica o vereador do pelouro porque anda a “apresentar o mapa do ruído da cidade há dois meses, mas não tem plano de acção.”
Repito: o alerta saúda-se e a preocupação assinala-se, mas tudo isto é escasso.
Quando, um dia, algum responsável político (seja a que nível for, local, regional ou central) for capaz de se debruçar sobre o problema do ruído, demonstrar sensibilidade e compreensão pelo que está em causa, apresentar um plano efectivo para tratar deste assunto e tiver capacidade para obter resultados, então sim, Portugal terá entrado numa nova era de modernidade, de verdadeira convivência democrática, será uma sociedade desenvolvida, onde prevalece o respeito pelos nossos valores comuns. Não a conversa bacoca dos ancestrais “heróis do mar”, mas algo de mais profundo, capaz de gerar os laços que podem fazer deste grupo de "galáticos" que é Portugal, uma equipa!
A solução do problema do ruído está nos antípodas de tudo o que é a prática política e social neste Portugal contemporâneo. Neste sentido, falar de "combate ao ruído excessivo" é alvejar um problema crucial,  paradigmático, que tem efeitos noutros aspectos da nossa vida colectiva. Tentar resolver o problema do ruído a sério, reflecte um novo olhar sobre o nosso mundo. Não parece, mas é...
O ruído não é um problema efémero. A solução das disfunções do ambiente sonoro não toleram improvisos de conjuntura, implica participação e um verdadeiro exercício democrático. Exige meios técnicos, jurídicos e financeiros, certamente, mas também sentido de responsabilidade, cultura do respeito, sensibilidade, visão abrangente, capacidade de criação de laços de solidariedade colectiva e, por tudo isto, autoridade para eliminar os mitos patetas que povoam a cabeça das pessoas sobre esta matéria. 
Actuar nesta área implica conhecer a fundo a natureza e a complexidade do problema. Implica saber do que se fala. Implica saber o que é ser humano. Não dá para improvisar e atamancar: mal a solução improvisada ou atamancada é implementada o problema volta de novo a surgir, ainda mais assanhado. As soluções levianas, concebidas para calar conjunturalmente as bocas das vítimas, custam caro a quem as tenta e são trágicas para quem lhes tem que sofrer as consequências.
Ao escrever o parágrafo acima parece que estou a descrever um manual da prática política contemporânea...
Ora, um ambiente sonoro desequilibrado é intolerável. E atinge todos. Não é um problema sectorial que só diz respeito a um grupo específico. É como a mosca do poema do António Aleixo. Todos necessitamos de um ambiente sonoro equilibrado. As pessoas sentem-no, sobretudo, quando deixam de o poder disfrutar. 
O reequilíbrio do ambiente sonoro não é matéria (só) do foro da engenharia e da medicina, (só) do foro cultural, (só) do foro afectivo, ou (só) do foro da comunicação. É mais do que isso e exige atributos que os responsáveis políticos não têm.
Será que estão mesmo dispostos a resolver o problema?
Uma plano para reduzir o "excesso de ruído" é muito mais do que meia dúzia de slogans para ganhar mais uns votos. Querem saber uma coisa? O ruído é mesmo um problema e a sua solução é mesmo um desafio. Mas implica uma atitude perante todo o nosso ambiente envolvente totalmente nova. Tão simples quanto isto...

2009/07/08

A Sanfoneira

Um dos meus instrumentos de "culto" sempre foi a sanfona, igualmente conhecida por "hurdy gurdy", "vielle à roue" ou realejo. Grandes "sanfoneiros" da actualidade são, por exemplo, os franceses Valentin Clastrier e Patrick Bouffard, ou Marie Yacoub (Bretanha) e Maurízio Martinotti (Itália), não esquecendo os portugueses Tentúgal (Vai de Roda) Fernando Meireles (Realejo) e Carlos Guerreiro (Gaiteiros de Lisboa), todos instrumentistas que aprecio e cujas carreiras acompanho de há muitos anos a esta parte.
Neste firmamento de notáveis músicos surgiu, recentemente, uma nova estrela: Sónia, a "sanfoneira" de Alpiarça. Não que ela (que se saiba) tenha alguma vez tocado o referido instrumento; mas porque foi capaz de nos "dar música" horas a fio, sobre um assunto investigado até à exaustão durante meses e sobre o qual ninguém naquela Comissão Parlamentar de Inquérito parece ter dúvidas. À excepção da Sónia, encarregada da redacção do relatório final, que conseguiu a fantástica proeza de extrair uma conclusão diferente da opinião da maioria dos partidos representados na Comissão e isso, temos de concordar, é obra!
Acontece que, Sanfona, para além de deputada, é candidata à Câmara de Alpiarça nas próximas autárquicas. Caso não seja eleita, perde igualmente o lugar de deputada, do qual deve abdicar devido à incompatibilidade dos cargos. Uma contrariedade de monta. Logo agora que ela tinha feito um bom "serviço" ao Partido Socialista na tal Comissão de Inquérito. Uns mal-agradecidos, estes "socialistas". É caso para dizer, tanta "música" para nada...

2009/07/06

Memorial

No passado fim-de-semana, esteve entre nós uma delegação constituida por catorze catalães, membros da Asociacion LiberPress, com sede em Girona. O motivo da visita foi a atribuição do prémio anual com que esta associação "distingue a título póstumo uma personalidade que tenha lutado pela dignidade e os direitos humanos e cujo percurso de vida possa servir de exemplo à sociedade". A LiberPress foi criada em 1999 e o 1º Prémio Memorial, instituido em 2008, foi concedido à fotógrafa, de origem húngara, Gerda Taro (mulher de Frank Capra), falecida em 1937 num acidente perto de Madrid. O segundo Prémio Memorial foi, este ano, outorgado a José Afonso.
A delegação da LiberPress, chefiada pelo seu presidente Carles McCragh e o presidente da Deputation de Girona, Eric Vibert, visitou ainda a campa de José Afonso em Setúbal, onde procedeu à entrega simbólica da placa que assinala o Prémio. Estiveram presentes, para além de amigos do cantor, a filha Helena Afonso, Francisco Fanhais e Adelino Gomes, na qualidade de presidentes da Direcção e da Assembleia-Geral da AJA e Maria das Dores Meira, presidente da Câmara de Setúbal. A notícia detalhada e as fotos da homenagem podem ser vistas no sítio da associação.
Esta foi a primeira vez que visitei a última morada do Zeca, com quem tive o privilégio de conviver durante muitos e bons anos. Enquanto ali estivemos não pude deixar de pensar nas manifestações de pesar que amanhã, por todo o Mundo, acompanharão um grande ídolo da Pop, recentemente falecido e justamente homenageado no seu país. Como bem notou Adelino Gomes, no improviso que fez, nem só de barulho se fazem as homenagens. O silêncio do cemitério de Setúbal convida-nos à reflexão sobre a mais importante mensagem do Zeca. A mensagem da solidariedade. Também por isso, resolvi escrever este pequeno "post" que mais pretensão não tem do que lembrar os artistas portugueses que tão mal tratamos. Em Setúbal, no passado sábado, todos nós nos sentimos um pouco mais espanhóis.

2009/07/04

Sobre diques, ou a dimensão da mesquinhez

Há pouco tempo uma amiga minha regressou de um período de trabalho na maior universidade de uma cidade no Canadá onde ambos vivemos. Em ano sabático, aproveitou para prosseguir um trabalho em que está envolvida, aproveitando os vastos recursos dessa universidade. Quando voltou descrevia-me a "limpeza" com que resolveu os problemas administrativos e burocráticos que envolviam este seu compromisso. Numa ápice tinha um endereço electrónico, autorizações para aceder aos arquivos e bibliotecas, gabinete e respectiva chave e tudo o mais que precisava para o seu trabalho.
Comparámos esta "limpeza" com a burocracia, a morosidade e mesmo a inexistência de recursos semelhantes nos estabelecimentos portugueses que conhecemos. No caso dela a situação chega a ser mesmo caricata pois é professora numa universidade de base "tecnológica", onde até há pouco tempo ainda se comunicava, quase literalmente, por sinais de fumo. Uma instituição onde a simples requisição de uma elementar ligação remota entre dois computadores --que nunca funcionou, mas foi autorizada oficialmente para testar um programa encomendado pela própria universidade e pago a peso de ouro-- percorre um longo calvário de funcionários e chefes de funcionários, sequiosos de mostrar quem manda, e é matéria que exige previsão no futuro PIDDAC, autorização do TC e visto lavrado pelo punho dos ministros da tutela, eles mesmos, sem os quais nada poderá funcionar.
Tudo no seu tempo próprio, sem delongas, que a vida é curta...
Este foi e continua a ser o retrato do país, por mais análises ilumindas com que os 28, os 54 ou os 31 nos querem levar a fazer crer que estão verdadeiramente preocupados com o país. Empanca tudo no homem que abre e fecha os diques!

Vem isto a propósito (ainda) do caso de Maria João Pires (MJP). O assunto já foi por mim tratado recentemente aqui e aqui nas páginas do Face e não me mereceria mais atenção (parecia que já quase tudo tinha sido dito...), não fora ter lido hoje no PÚBLICO, no "Sobe e Desce", uma nota sobre MJP de autoria de JMF, que, presumo, seja o seu director.
Diz a nota, a justificar o “desce” de MJP, que ao trocar a nacionalidade ela “perdeu a razão, senão o respeito”. É uma boa pianista, mas podia ter continuado a lutar, diz JMF, como que a sugerir que, ele sim, está acima dos pianistas e está na luta...!
Infelizmente para nós, os casos de gente que desistiu de lutar por Portugal não se ficam pelos que renunciam à nacionaliade portuguesa. Muita boa gente cá dentro baixou os braços há muito. E os que daqui se foram e trocaram de nacionalidade e desistiram de continuar a lutar em Portugal, não têm conta. Há mesmo uma perturbante reincidência histórica neste processo. Diria mesmo que parece que quem se vai embora o faz porque não quer justamente desistir.
Não se percebe, pois, esta sanha contra MJP, em particular.
As razões da desistência são sempre as mesmas e estão por perceber na íntegra, mas nota-se desde logo uma enorme dose de reaccionarismo atávico e de auto-comprazimento em nivelar tudo pelo NBFC (Nível Básico de Funcionamento das Coisas) a condicionar tudo isto. Em vez de tentar perceber as razões que levam gente de grande valor para fora deste país, JMF prefere atirar-se à pianista.

A universidade canadiana onde a minha amiga se deslocou em missão, não funciona assim só para “guest VIPs”, ou para uma pseudo elite. Funciona assim para todos. Por isso é que depois há “guest VIPs” e elites que juntamente com todos os outros contribuem para a criação de um impressionante acervo de conhecimento que vale a esta universidade um lugar no topo no ranking das mais prestigiadas.
Também por lá há alguns que dão generosamente tudo o que têm e comprometem a sua vida para elevar ainda mais os padrões de uma sociedade que se distingue já neste domínio. Mas, a sua generosidade e valor (que não diferem da generosidade e valor de qualquer português) encontram condições excepcionias para chegarem ao seu desígnio final. As mentalidades e a qualidade das instituições dão-lhes sustentabilidade e a possibilidade de medrar. Em Portugal, MJP é olhada com suspeita. O seu poder de iniciativa, o seu inconformismo e a bitola que aplica nas suas acções chocam com a estreiteza dos comportamentos institucionais, com a leviandade dos grandes e dos pequenos desígnios e com uma manifesta incapacidade para ver para além do ponto de mira. Em Portugal o poder de iniciativa e inconformismo de MJP é razão para abate sumário.

Conheço uma mão cheia de gente de enorme gabarito que fez como MJP e foi para outras paragens para se salvar dos “malefícios” que Portugal lhes estava a causar, dos diques que teimam em não se abrir ou que se fecham conforme a conveniência. Há inúmeros exemplos, alguns até mais ou menos conhecidos do público. Não deixaram de ser portugueses. Só se queriam salvar como seres humanos. Alguns ainda mudaram, também como ela, de nacionalidade. Outros desistiram totalmente: adquiriram a nova nacionalidade e nem sequer se deram ao trabalho de abdicar da nacionalidade portuguesa...
O que está aqui em discussão vai, infelizmente, muito para além do problema de MJP ou do seu projecto de Belgais.

Segundo uma ideia de um personagem actualmente muito na berra, se Paulo Rangel comesse muita Maizena ainda poderia ter esperança de chegar aos calcanhares de Vital Moreira. Levando por diante esta ideia, o JMF nem com muita, muita Maizena chegaria jamais aos calcanhares de MJP. Era bom que se remetesse à sua dimensão.

2009/07/02

Arena Politica

Depois da "investida" do Ministro de Economia na Casa da Democracia, só mesmo um toureiro podia pôr fim a tal faena. Coube a Sócrates, a estocada final. Que mais nos reservarão estes governantes em fim da legislatura? Rabo e orelha?

2009/07/01

A nova ordem mundial


Tenho a certeza que nenhum escritor, daqueles que se dedica ao género do political thriller, chegaria tão longe com a sua imaginação. Não há ficção que chegue aos calcanhares desta realidade. Depois do golpe que o expulsou do país, o presidente Zelaya das Honduras discursou nas Nações Unidas e prepara-se agora para regressar. E é com enorme expectativa que se aguarda o desfecho deste anunciado episódio do regresso do presidente hondurenho, acompanhado dos presidentes da Argentina e do Equador, Cristina Kirchner e Rafael Correa.
Não sei o que vai acontecer --tudo isto é difícil de imaginar--, mas o que está em causa aqui ultrapassa seguramente as fronteiras das Honduras.

2009/06/27

O Auto dos Economistas

Vem Mestre Filipe y diz: "Ora será bom que tomeis cristel d'água de cevada com farelos misturada. E sabeis que comereis? Uma alface esparregada. Fazei o que vos digo, que essa febre é velhaca, procede da cardiaca: atentais no que vos digo? Até vermos se se apraca, faç'ele embora as urinas, e pela manhã eu virei..."
Y vem Mestre Fernando, o sorlogião, que fala: "Pera a febre jogamos a que tem lebre? Ora vos faço a saber que há-de comer cousa leve. Nem a lebre, nem coelho, nem porco, nem cação, congro, lampreia, tubarão, não coma de meu conselho inda qu'estivesse são."
Por fim, vem Mestre Henrique que diz: "Esta febre es sincopal, y la enfermedad tal, cúrase con mucho peso... Havéis mirado? —Qué es mortal! Que cuando la colora adusta... Havéis mirado? —s'enfría, buelvese malenconía... Havéis mirado? — y desgusta la salud de la sangría. Havéis mirado? Y ansí que havemos experiencia que non hay ninguna dolencia que yo quisiesse pera mí en cargo de mi concencia."
Diz o Moço, ay cuitado: "Pardeus, em grande embaraço vejo eu estes doutores!"
Y, por fim, Gil Vicente mandaria sobre los manifestos y contra-manifestos da economia este fino recado: "Quede ansí este misterio suspenso hasta el verano. Que otro de más flores para pascua tenho sembrado."
Laus Deo.

2009/06/26

Para quê uma Lei de Imprensa?

Não se percebe como é que este episódio da intenção da PT de comprar parte da Media Capital não provocou no país um enorme e veemente movimento de indignação. A operação em si era suspeita e levantava de facto legítimas dúvidas. O PR esteve bem ao assinalá-lo. Mas, o recuo e as justificações do governo sobre esta matéria parecem-me bem mais escandalosos. E sobre isso não vejo nenhum comentário...
Então a alteração da formação do capital de uma empresa de comunicação social é susceptível de poder ser intepretada como sinal de que isso pode provocar, sem mais nem menos, alterações na orientação editorial dessa empresa? Ah, é?!
Então a empresa em questão não tem um Estatuto Editorial? E as alterações a esse estatuto não têm de ser sujeitas a uma série de procedimentos legais, nomeadamente, ao parecer do conselho de redacção? Ou seja: podemos ser levados a suspeitar que a PT, por delegação de competências do governo, poderia entrar pela TVI dentro e desatar a escaqueirar tudo aquilo, ultrapassando a Lei como quisesse?
Então isso seria possível, pergunto eu ingenuamente...? Mas, não há uma Lei de Imprensa que regula tudo isto?! E o Primeiro Ministro nem sequer sublinha o facto de que esta matéria se encontra regulamentada pela dita Lei?!!
Será que na RTP, por exemplo, o Estatuto Editorial pode ser alterado, passando por cima das disposições legais em vigor...? E em qualquer outro orgão de comunicação isso também é possível? Porquê a excepção para a TVI? Para quê exigir então a observação de tantos procedimentos legais para a formação de um orgão de comunicação? Para que é que existe tanto rigor em relação à clareza da formação do capital social dessas empresas? Para quê a obrigatoriedade de um Estatuto Editorial? Por que razão se exige que este seja do conhecimento público obrigatório? Qual é afinal o papel e a responsabilidade do director de um orgão de comunicação?
Não era mais fácil que, em vez de leis e outros procedimentos chatos e fastidiosos, fosse tudo à molhada e fé em Deus? Resulta para uma data de coisas... Ou não seria mesmo preferível voltar a ter uns coronéis de lápis azul em punho, como havia antigamente? Ao menos sabia-se de antemão ao que vinham...
Com toda esta fantochada quase que me apetece defender o dr. Jardim da Madeira. Esse ao menos poupa-nos a exercícios de cinismo como este com que agora o governo central nos tenta adormecer.
Será que a proximidade do fim de semana retirou capacidade de discernimento aos portugueses?