2025/04/12

Debates Eleitorais

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Frank Kunert - Live Broadcast (Live Übertragung), Small Worlds Project

Uma perda de tempo, a maior parte dos debates de 30 minutos, onde se fala de dois ou três "items", sem que nenhum deles seja aprofundado. 

Por exemplo: nunca se fala de política internacional e, quando se fala, é sempre na perspectiva de nós (os "bons") contra os outros (os "maus"). Todos, moderadores e líderes partidários, formatados na cultura norte-americana dos "westerns", onde a civilização era "branca" e os selvagens eram "peles-vermelhas". Raramente se fala da guerra europeia e, muito menos, do genocídio em Gaza, ainda que as vítimas sejam civis em qualquer delas. 

Uns tristes, estes políticos medíocres, que preferem refugiar-se em eufemismos e "engolir sapos", a perfilarem-se de acordo com as suas convicções, com medo de perder votos.

O mesmo relativamente aos entrevistadores, que repetem à exaustão lugares comuns sobre os assuntos em discussão, para não falar dos comentadores em estúdio que, à posteriori, classificam os debatentes de 0 a 10. A parcimónia com que fazem os comentários (há excepções), é bem ilustrativa do receio em serem dispensados pelos canais de televisão onde auferem chorudas avenças. 

O panorama geral é, francamente, desmotivador, pelo que as opiniões tornam-se cada vez mais previsíveis.  Os resultados de 18 de Maio, irão comprovar isso mesmo o que, em última análise, confirmará a eficácia do "brainwash" (lavagem cerebral) a que os eleitores foram submetidos neste mês pré-eleitoral. 

Se os resultados, como é previsível, não forem significativamente diferentes do ano transacto, não será de admirar. Depois, não se queixem...

2025/04/10

Trump ou a Máfia no poder


Se dúvidas houvesse, as recentes medidas do narciso psicopata (que governa os EUA) mostram até que ponto a insanidade do "homem" é perigosa para a Humanidade.

Diz e desdiz-se diariamente, conforme os ventos são de feição para as suas práticas mafiosas, que mais não pretendem do que controlar a economia (leia-se, dívida) com vista a salvaguardar o défice norte-americano que atingiu triliões de dólares na última década. 

No fundo, a mensagem subliminar, implícita neste "bullying" permanente, resume-se à icónica frase de Corleone: "I'll make you an offer you can´t refuse". Por outras palavras: "ou aceitam as minhas condições ou não vos garanto protecção". 

Um fdp da pior espécie que, no médio prazo, espera obter algumas vantagens (desvalorização do dólar e diminuição da dívida externa), mas que, no médio-prazo, irá perder. Por alguma razão, suspendeu as medidas (tarifas) anunciadas, por 90 dias, na esperança de (re)negociar os valores, entretanto perdidos em bolsa. A China foi o primeiro aviso, mas outros países e espaços económicos (UE) se seguirão. 

A questão central é saber até que ponto a reacção interna dos consumidores norte-americanos vai contribuir para a sua queda. Elon Musk (que não é propriamente um democrata) parece ter percebido o desastre e prepara-se para ser o primeiro rato a abandonar o navio. 

Tudo isto, porém, poderá demorar demasiado tempo e o tempo corre contra os democratas e os mercados (internos e externos) que se opõem a este regime (tecno)fascista. 

Os tempos mudaram e, a partir daqui, nada será como dantes. Esta é, para já, a única certeza. 

2025/04/03

As sondagens valem o que valem...

A sete semanas das eleições legislativas, antecipadas para 18 de Maio devido à moção de confiança do governo, rejeitada pela oposição, começaram a surgir as primeiras sondagens dos mais variados quadrantes. Há para todos os gostos e nem todas são uniformes, mas as tendências começam a definir-se, o que não será de estranhar, conhecendo os pormenores que antecederam a dissolução do parlamento. 

Porque umas são mais fiáveis que outras (há um histórico que valida os resultados publicados ao longo dos anos), vale a pena realçar a mais recente, da responsabilidade da CESOP- Universidade Católica Portuguesa para a RTP, Antena 1 e Público, feita entre os dias 17 e 26 de Março último. 

"O universo-alvo é composto por eleitores residentes em Portugal, sendo que os inquiridos foram seleccionados aleatoriamente, a partir de uma lista de números de telemóvel, também ela gerada aleatoriamente. Foram obtidos 1206 inquéritos válidos, sendo 43% dos inquiridos mulheres. A taxa de resposta foi de 29%. A margem de erro máximo associada a uma amostra aleatória de 1206 inquiridos é de 2,8%, com um nível de confiança de 95%" (da ficha técnica).

E o que nos diz a sondagem da CESOP?

Que o PSD/CDS (AD) e PS estão em empate técnico, em relação à ultima sondagem da CESOP (Outubro 2024). Que o CHEGA, mantém a terceira posição, com uma ligeira quebra. Que todos os restantes, (IL, BE, Livre, CDU, PAN) sobem ligeiramente ou igualam as intenções de voto de há seis meses atrás. Os indecisos/não votantes, totalizam 23%.

Extrapolando (incluindo os indecisos) temos: 

AD-29%, PS-27%, Chega-17%, IL-8%, BE-5%, Livre-5%, CDU-3%, PAN-2%, Brancos/Nulos-4%

Ou seja, descem os três maiores partidos e sobem/igualam os restantes. A confirmarem-se estes resultados, não haverá maioria absoluta de nenhum partido. Isso pressupõe um governo minoritário (da AD ou do PS) já que coligações à esquerda e à direita não parecem muito prováveis. Uma coligação à esquerda, se bem que desejada pelas forças partidárias, dificilmente obterá os 42% ou 43% necessários para formar governo; enquanto à direita (que detém uma maioria confortável), o "cordão sanitário", imposto ao Chega, elimina a possibilidade de um governo de coligação. A menos que...

A menos que os dois principais partidos se entendam e, independentemente de quem vencer, o maior partido da oposição se comprometa a viabilizar os orçamentos e principais decisões do partido que governar. Uma espécie de "bloco central", que toda a gente diz não querer, mas que na prática pode funcionar. 

Caso não haja acordos, o mais provável será entrarmos num novo mini-ciclo, que pode terminar seis meses após a eleição do novo presidente da república que, em Julho de 2026, já poderá dissolver o parlamento e convocar novas eleições. Será isto que queremos?    

2025/03/29

Taxi Driver (39)



Para onde vamos? 

- Para a Buraca, sff. 

Buraca? A Buraca é muito grande...

- Nem por isso. Em rigor, já nem devia chamar-se Buraca. Há anos que faz parte da freguesia das Águas Livres, que inclui também Alfragide. As duas localidades formam a freguesia de Águas Livres. 

Não sabia...

- Pois, mas já é assim há uns bons anos. Eu estou recenseado na freguesia de Águas Livres e é lá que voto.

Olhe, quem não vota sou eu. Nunca mais voto! 

- Faz muito bem. Ou melhor, penso que faz mal, mas as pessoas são livres de votar (ou não). 

Eu não voto. São todos uns aldrabões, os políticos...

- É uma opinião. Também penso que há muitos aldrabões na política, mas nem todos são maus...

Eu não conheço nenhum bom. Há 50 anos que ando a votar e nada muda...

- Podia estar melhor, é verdade. Mas, nós somos uma democracia jovem e só há 48 anos é que podemos votar...

Só 48 anos? Não são cinquenta?

-  Temos democracia há cinquenta, mas só começámos a votar em 1975 para a Constituição e só votamos em partidos desde 1976...

Pode ser, mas já ninguém acredita nisto. A abstenção é cada vez maior...

- Infelizmente, é verdade. As últimas sondagens dizem-nos que a abstenção pode chegar aos 40%. Quase metade dos eleitores não votam ou não sabem em quem vão votar. Depois, não se queixem...

Fartei-me de votar e não mudou nada.

- Eu também votei sempre, mas os partidos em que votei nunca chegaram ao poder e, por isso, nunca governaram. Não me posso queixar. São sempre os mesmos partidos que ganham: o PS e o PSD. Portugal é governado por dois partidos há 48 anos...assim, é difícil haver grandes mudanças...

Olhe, o meu pai, que já cá não anda, quando via um político, dizia-me sempre: vai ali um político. Se fosse bom, caía-lhe um braço... 

- Essa, não conhecia. Mas, sim, a maioria dos políticos actuais não se recomendam...

Não têm palavra, senhor...isto é tudo uma cambada de vigaristas. Nunca cumprem o que prometem. Até o primeiro-ministro mente...

- Pois, a palavra de honra (como se dizia antigamente) não existe. A verdade é que hoje podemos saber mais coisas e mais depressa do que na ditadura. Eu vivi em ditadura 20 anos e não tenho saudades. Prefiro a democracia, com todos os seus defeitos. 

Sim, eu também vivi em ditadura. Tenho 75 anos. Lá em casa ninguém falava de política. Lembro-me que uma vez ouvi falar de comunismo na escola e perguntei ao meu pai, o que era isso de comunismo? Ele respondeu: cá em casa ninguém fala disso. A palavra comunismo era proibida. O meu pai não era político e não percebia nada de política.

- Está a ver? Está a dar-me razão, sempre é preferível vivermos em democracia. Podemos escolher. O senhor pode votar (ou não). Uma grande diferença. Para a próxima, vote noutro partido. Pode ser que mude...

Não, a mim não me apanham mais. Já chega. 

- Pronto, parece que chegámos. Quanto lhe devo? 

São seis euros certos. Nem de propósito.  

- Boa tarde e saúde, já agora.      

2025/03/12

(Des)Confiança

Terminou, sem glória, mais uma legislatura governamental, inaugurada há precisamente um ano e um dia. Como era de esperar, a Moção de Confiança, apresentada pelo primeiro-ministro, foi chumbada pela maioria do Parlamento e, de acordo com a Constituição, o governo caiu. 

Não foi bonita de ver, a sessão parlamentar de ontem, uma das mais longas dos últimos anos, que alguns comentadores já apelidaram de histórica. Cinco horas de debate, nem sempre transparente.

Como chegámos aqui, é provavelmente a pergunta que muito boa gente estará a fazer neste momento, ainda que os sinais da crise fossem por demais evidentes nas últimas semanas. 

Enredado numa situação de incompatibilidades entre o cargo político que desempenhava e os negócios privados de que beneficiava, o primeiro-ministro demorou a reconhecer o óbvio e, quando o fez, foi de tal modo evasivo, que pouco mais restava do que a demissão. 

Escolheu não fazê-lo, argumentando nada ter a esconder, enquanto apresentava provas que foram sendo progressivamente desmontadas por diversos orgãos de comunicação social (Correio da Manhã e Expresso), afinal os detonadores desta crise. Quando os argumentos começaram a escassear, surgiram as as primeiras moções de censura (Chega e PCP) que não obtiveram o consenso da Assembleia da República. 

É neste contexto, de desconfiança geral, que o PS avança com um requerimento para a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), que permitiria ao governo continuar em funções até ao apuramento dos factos. No fundo, uma forma hábil de manter o governo, enquanto o primeiro-ministro seria "cozido em lume brando" e dando tempo à oposição para se reorganizar.

Percebendo o perigo, Montenegro tentou uma última cartada, ao propor uma Moção de Confiança, que atiraria o ónus da prova para a oposição. Em si, uma forma hábil de culpar o PS, pelo eventual derrube do governo, o que viria a confirmar-se.

Resta saber quem tirará mais dividendos desta crise institucional,  que obrigará o país a ir a eleições pela terceira vez em três anos (uma solução que a maioria da população não vê com bons olhos), mas que acabou por tornar-se inevitável.

E agora? 

Segue-se o ritual previsto em situações similares: o Presidente da República auscultará os partidos com representação parlamentar, seguir-se-á o Conselho de Estado e, finalmente, a marcação de uma data definitiva para as Eleições Legislativas, que não devem acontecer antes de 11 de Maio. 

Conclusões provisórias: ainda que seja cedo para avaliar os "estragos" causados por uma crise que ninguém pediu, a verdade é que tudo pode ficar na mesma e esse será, certamente, um mau resultado. A acreditar nas sondagens (publicadas antes da crise), não haveria grandes alterações de voto nas principais formações políticas (AD, PS e Chega) que manteriam, sensivelmente, as percentagens do ano passado. Já o lugar dos principais líderes partidários (respectivamente, Luís Montenegro e Pedro Nuno Santos) estará em perigo, pois não é provável que o derrotado se mantenha no cargo. Quem perder, sai. Esta é a lógica implacável dos partidos democráticos. Apenas o Chega, partido autocrático de um homem só, não terá esse problema. Também nestas eleições, a escolha será entre democracia e autoritarismo. 

Venham as eleições!

2025/03/06

Abanar a cauda...


Ainda nem uma semana passou sobre o polémico episódio da Sala Oval (em que Trump e Vance, "humilharam" Zelensky) e já as peças do dominó estratégico ocidental começaram a cair. As coisas nem sempre são o que parecem e, aparentemente, a realidade começa a impôr-se no continente europeu. 

Entretanto, Zelensky (que acaba de entregar o ouro ao bandido) está a prazo, mas toda a gente diz querer defendê-lo, mesmo quando a Ucrânia já perdeu a guerra. 

Percebe-se: é cada vez mais difícil à "troika" europeia (Van der Leyen, Costa e Kallas) defender o indefensável, depois de três anos de juras de fidelidade à "causa ocidental", sem que tenham conseguido progressos na frente de combate. Tudo isto era expectável, a partir do momento em que Biden anunciou, logo nos primeiros dias do conflito, que os EUA não queriam uma guerra com a Rússia, mas "apenas enfraquecê-la". Ou seja, sem um envolvimento dos "aliados" no terreno, a Ucrânia teria poucas possibilidades de suster a ofensiva russa. Está à vista.

E agora? Sem exército, com a economia dos seus principais membros (Alemanha, França e Itália) em crise e sem possibilidades de reconverter o modelo económico actual numa economia de guerra a curto prazo, os líderes da UE vieram pedir 800 mil milhões de euros aos cidadãos para comprar armas aos americanos! Grande negócio. 

Ou seja: Trump impôs a sua vontade a Zelensky e à Europa (que não conta para nada, a não ser para fazer negócios) enquanto assegura a exploração dos minerais ucranianos. Do outro lado, Putin ficará com o Donbass e com a Crimeia, ganhando o território ocupado. 

E a Europa? À Europa, resta obedecer e abanar a cauda...

2025/02/24

Taxi Driver (38)


Então, vamos para onde? 

- Para a Buraca. Pela Avenida do Uruguai, s.f.f.

O senhor é que manda...

- Era bom, era...Posso abrir a janela? 

Abra, abra. Já está calor...

- Nem por isso, mas sempre é melhor com a janela aberta.

Está muito calor para Fevereiro. Falta chuva, para os campos. 

-  Sim, é preciso mais água, mas só estão 17º. É normal para a época do ano...

Aqui no táxi, marca 20º. Isto anda tudo trocado. Com o Trump vai ser pior. Ele não quer saber do clima para nada...

- O Trump só quer saber dos negócios dele. Se derem dinheiro... 

E, agora, também quer ficar com as terras da Ucrânia. Logo, as terras mais ricas em minerais. Já viu isto? 

- Claro. Os americanos fazem sempre isso. Dão ajuda em troca de reconstrução das zonas destruídas pelas guerras. Esta guerra não é diferente. Podia ter sido parada há 3 anos atrás, quando houve propostas nesse sentido, primeiro em Minsk e, depois, em Istambul. Claro que o Zelensky deve estar nas conversações. Sem a Ucrânia, não podem negociar.

Mas, olhe que a maior parte da população quer continuar a combater. Os ucranianos não querem parar.

- É natural, é o país deles. O pior são as perdas humanas e materiais. São centenas de milhares de mortos.

Já morreram centenas de milhares de ucranianos...

- É bem possível, sim. Fora os feridos e os mortos do lado russo, que também devem ser outros tantos.

Já andam nisto há 3 anos. Não vai terminar tão cedo.

- Depende, se interessar aos americanos e aos russos, talvez termine rapidamente. Até agora, os únicos a ganhar com a guerra, foram os americanos. Venderam armamento à Ucrânia e cereais e energia à Europa, sem terem soldados a combater no terreno. Um negócio leonino. Ainda por cima, uma parte da ajuda à Ucrânia foi em armamento que os ucranianos tiveram de comprar aos Estados Unidos. Ou seja, o dinheiro não chegou, sequer, a sair da América...

Pois, os europeus deram mais dinheiro. As armas são mais americanas.

- O pior é que, esta guerra, ainda vai "sobrar" para nós, pois as despesas militares vão aumentar e o dinheiro não chega para tudo. Já falam em aumentar a contribuição para a Nato em 3% e mais por cento.

Ah, pois não chega, não! Agora é que os subsídios e os rendimentos mínimos vão diminuir...

- Não só. Os ordenados e as pensões, também serão afectados. No fundo, quem desconta mais, pagará mais. É sempre assim. Não se pode tirar dinheiro a quem não tem. Seria o fim do chamado "estado social"...

A Europa está a dormir. Não se percebe porque é que aceitam tudo o que o Trump quer.

- Pode ser que a Europa "acorde". Ainda vamos a tempo, mas com os actuais políticos europeus, não tenho grande esperança.                               

Pronto, já chegámos. São sete euros. Veja se tem trocado, que eu não tenho mais moedas. 

- Não há problema. Pode ficar com o troco. Adeus e até à próxima. 

 

2025/02/15

O "Chega" é um partido fascista (qual a dúvida?)

Agora que "caiu o Carmo e a Trindade" no parlamento (e fora dele), devido às ofensas dos deputados do "Chega" a uma deputada invisual (algo inédito na sua virulência verbal e discriminatória, contra um deputado no exercício das suas funções) ouvem-se as vozes da indignação. Ainda bem que é assim.

Nada que nos deva surpreender, já que a estratégia de Ventura e seus pares foi, desde o início, mimetizar as práticas de partidos homólogos por esse Mundo fora: de Trump a Bolsonaro, de Milei a Meloni, de Le Pen a Abascal, todos eles se regem pelo mesmo comportamento-padrão: idolatram um líder, atacam o "sistema", discriminam minorias (ciganos, imigrantes, refugiados, negros, mulheres, LGTB, invisuais...) e instigam ao ódio e à violência, sempre contra os mais fracos da sociedade, a quem culpam pelos males de que eles (fascistas) dizem padecer...Não se lhes conhece um programa de governação (para além de um nacionalismo bacoco e da prisão ou expulsão de imigrantes) e, muito menos, uma crítica aos interesses instalados que governam os respectivos países. No fundo, "são fortes com os fracos e fracos com os fortes". Uns tristes.

Ao partido e ao seu líder, muitos já chamaram "populistas", "infantis" e mesmo "arruaceiros" ou "criminosos". Poucos os apelidam de fascistas, ainda que haja excepções (Raquel Varela, Fernando Rosa, Rui Bebiano...). Por alguma razão, são os historiadores a detectarem o óbvio. 

Independentemente das "infantilidades" de Ventura e seus sequazes, há uma estratégia por detrás deste comportamento de "bullying" permanente, dentro e fora do Parlamento. Começou na periferia (quem não se lembra da discriminação contra os ciganos em Loures?), passou para os imigrantes de origem asiática e já vai nos imigrantes ilegais, que o "Chega" associa à criminalidade (!?). 

Acontece que (o partido) foi tolerado quando não devia (depois da primeira tentativa de legalização do "Basta!", que se transformaria em "Chega!" após os primeiros estatutos terem sido chumbados pelo Tribunal Constitucional) ainda que continuem as mesmas práticas depois da reformulação estatutária. O que na gíria se apelida de "um lobo com pele de cordeiro". 

Se (o partido) já era criticável com 1 deputado "infantil", com 50 "arruaceiros" ganhou maior peso e visibilidade, tornando-se incontornável e insuportável. Mas, piorou, a menos que os democratas na AR, que formam a maioria, obriguem o (frouxo) presidente da Assembleia a tomar uma posição inequívoca, uma vez que é ele quem dirige os trabalhos e, portanto, é o responsável último pela ordem e disciplina no hemiciclo.  

Já toda a gente percebeu que este comportamento nada tem a ver com o debate político, mas com ataques soezes e "ad hominem", que mais não pretendem de que instigar o ódio e a divisão entre os pares. Estas práticas são conhecidas do passado (Mussolini, Hitler, etc) e voltaram a estar activas no presente (Trump, Bolsonaro, Milei, Wilders...). Chama-se Fascismo ou (novo)fascismo. Um fascismo de tipo novo. Não perceber estas coisas simples, pode ser fatal.

Umberto Eco, num ensaio clássico ("Como reconhecer o fascismo", Ed. Relógio de Água, 2017), referindo-se ao "Ur Fascismo" (o "fascismo eterno"), definia 14 características existentes na ideologia e prática fascistas. Escreveu Eco: "Não é necessário possuí-las todas, mas basta que esteja presente uma delas para fazer coagular uma "nebulosa fascista" (ibidem). Na prática do "Chega", são manifestas algumas dessas características: idolatração do líder, a procura de "um "bode expiatório" (judeus no passado, imigrantes no presente), discriminação de minorias, racismo, xenofobia, instigação ao ódio, violência verbal e física, etc...

No fundo, é como o "teste do pato": se parece um pato, nada como um pato e grasna como um pato, então, provavelmente, é um pato. 

2025/02/12

Índice de Transparência: a pior classificação de sempre



Foi ontem divulgado o ranking da "Transparência Internacional" (TI), sobre corrupção a nível mundial.  Um índice, criado em 1995 pela TI, que classifica anualmente 180 países membros daquela ONG, de acordo com a (percepção de) corrupção existente em cada um dos países analisados. Trata-se de uma percepção da corrupção e não da corrupção em si.

Sem surpresa, a classificação de Portugal no ranking 2024, quedou-se pela 43a posição, uma queda de nove lugares relativamente a 2023. Esta é a pior classificação de sempre, desde que uma nova metodologia foi introduzida em 2012. Portugal somou 57 pontos (numa escala de 0 a 100) em que países onde existe mais transparência somam mais pontos e países com menos transparência, somam menos pontos. 

De acordo com este critério, os dez países considerados "mais transparentes" (menos corruptos), são: 

Dinamarca (90 pontos), Finlândia (88), Singapura (84), Nova-Zelândia (83), Luxemburgo (81), Noruega (81), Suíça (81),  Suécia (80), Países-Baixos (78), Austrália (77). No fim da lista, estão os três piores países: Venezuela (10 pontos), Somália (9) e Sudão do Sul (8). 

Ainda que Portugal esteja à frente de países como a Espanha e a França, a reputação do nosso país está ao nível do Ruanda e do Botswana e abaixo da média da Europa Ocidental e da União Europeia (64 pontos). Não se pode dizer que seja um bom indicador e muito menos um bom "cartão de visita"...

Há várias explicações para a queda de Portugal no ranking. Duas das justificações, avançadas pela TI, são a "percepção de abuso de cargos públicos para benefícios privados" e "as fragilidades nos mecanismos de integridade pública para evitar abusos". Lendo as conclusões da relatório, não custa pensar em casos mediáticos como a "Operação influencer" (que levaria à demissão de António Costa e posterior queda do governo), o caso "Tutti Frutti" (com 60 implicados, dos dois maiores partidos, a nível nacional), para além da crise na Madeira (onde o presidente da região autónoma está acusado de crimes de corrupção e peculato), entre outros casos menos mediáticos. 

Posto isto, fácil é concluir que é nos países mais desenvolvidos da Europa do Norte - onde os regimes democráticos têm maior tradição e as sociedades são mais inclusivas ("open societies") - que os índices de corrupção são menores; ou seja, onde o "estado social" está mais desenvolvido, há menos desigualdade, maior distribuição da riqueza e, por conseguinte, menos corrupção. Contrariamente, é nos países onde o estado é mais fraco e onde existe mais pobreza e desigualdade, que os índices de corrupção são maiores. Já as ditaduras, por não fornecerem dados fiáveis, estão por definição excluídas deste ranking, o que explica a sua não-classificação. 

Perante estas conclusões, logo se apressaram alguns notáveis (Presidente da República, Juiz Conselheiro do Tribunal de Contas, Partidos da Governação...) a desvalorizar os dados apresentados: que Portugal, apesar de ter descido no ranking, não era um país de corruptos (!?), ainda que a classificação não fosse boa para a nossa "imagem", nomeadamente entre potenciais investidores estrangeiros, que pensariam duas vezes antes de pôr cá o seu capital. Trata-se, portanto (e mais uma vez) da "imagem". Ou seja, não interessa se há corrupção ou não, mas da "percepção" da coisa. O que pensam os "outros" de nós, é a filosofia subjacente.       

Para quem não sabe, uma última nota relacionada com a corrupção e possíveis interpretações do acto em si. Fala-se de corrupção, "quando uma pessoa que ocupa uma posição dominante, aceite receber uma vantagem indevida em troca de prestações ou serviços". Ou seja, qualquer acto de corrupção, exige sempre dois actores, o corruptor e o corrompido, tanto no sector público, como no privado. Da mesma forma que, para além das compensações meramente pecuniárias, podemos distinguir diversos níveis de corrupção. Basta lembrar os "favores" de reciprocidade, como sejam as famosas "portas giratórias", prática em que Portugal se tornou exímio nas últimas décadas, ou não fossemos um país onde o "compadrio" e o "patrocinato", são inerentes à cultura mediterrânica. No fundo, tudo se resume à frase que celebrizou Don Corleone na famosa saga: "I'll make you an offer that you can't refuse" (faço-te uma oferta que não podes recusar). É assim tão difícil de perceber? 

 

2025/02/09

Taxi Driver (37)



Boa tarde, para onde vamos?

- Para perto, hoje é para Benfica. 

Já estou aqui na praça, há mais de uma hora. Estava a ver que não aparecia ninguém... 

- Esta praça não é muito frequentada. À noite, então, é impossível apanhar táxis.

Pois não, os meus colegas têm medo de estacionar aqui. Mas eu vivo no bairro e conheço bem a zona. Já ando nisto há 54 anos...

- 54 anos? Isso é muito tempo. Já podia reformar-se, ou não?

Poder, podia, mas vivia de quê? Tenho 80 anos e uma reforma pequena. Há dias, que nem 10 euros faço. E a família, comia o quê? A minha reforma é miserável e tenho de trabalhar para levar algum para casa. Na noite passada, deitei-me às 6h da manhã e já estou aqui outra vez...

- Porque é que trabalha de noite? De dia, não é melhor?

Sim, mas o táxi não é meu e de noite ganha-se mais. As tarifas são mais altas. Como eu ganho à percentagem, quanto mais serviços fizer, mais ganho. Olhe, o mês passado até tive de empenhar a alianças (mostra-me a mão, sem anéis...). 

- E não tem outro ordenado?

A reforma de taxista, que são à volta de 500 euros, mais uma reforma de combatente. São 120 euros por ano. 

 - Por ano? Mas isso não dá para nada. Onde é combateu? Nas colónias em África?

Sim, era comando. Fui comando durante 4 anos. Estive em Angola e em Moçambique.

- Imagino. Quatro anos de guerra é muito tempo. Um horror.

A quem o diz. Um dos meus melhores amigos, aqui da Amadora, foi meu camarada nos comandos e morreu-me nas mãos. Estava a carregar um lançador de granadas, deitou a granada sem cavilha para dentro do tubo e aquilo rebentou-lhe na cara! Uma desgraça. Ficou todo queimado. Limpei-lhe as feridas como pude, mas não consegui salva-lo. Quando morreu, era deste tamanho (faz um gesto curto com as mãos). Embrulhei o cadáver numa manta, meti-o numa caixa de madeira e despachei-o para a metrópole. 

- As guerras são sempre uma desgraça. Para além dos traumas que deixam...

O meu amigo, já estava meio "apanhado". Saía de noite do acampamento e ia para o meio do mato apregoar jornais: "Olha o Diário Popular! Olha o Notícias!", aos gritos... Tínhamos de ir buscá-lo, pois ainda apanhava um tiro. Conheço mais como ele...

- Sim, há muitas histórias dessas. Eu tive três primos que passaram por África e nenhum deles falava sobre a guerra onde estiveram. Nunca me contaram nada. 

Pois, não. Nunca falam. Isso, não me espanta. A guerra atinge a todos.  

- Bom, parece que estamos a chegar. Pode ficar por aqui. Quanto é que lhe devo?

São €7,80. Se tiver trocado, melhor. Hoje, ainda não fiz nenhum serviço. O senhor é o primeiro cliente...

2025/01/25

Imigrantes: os "bodes-expiatórios" de más políticas

Emigrantes portugueses já a bordo de navio, dirigindo-se para o Brasil... |  Download Scientific Diagram

Os recentes acontecimentos no Martim Moniz relançaram o debate sobre a imigração. Não há cara nem careto, que não se pronuncie sobre o tema, ainda que as opiniões expressas pouco ajudem à clarificação do problema, que data de longe e continua sem ser solucionado.  

Que a direita conservadora e tradicional faça suas as bandeiras da extrema-direita, já é grave e acontece um pouco por toda a Europa. Que os sociais-democratas (vulgo socialistas) entrem neste jogo perigoso, é deplorável. O relativismo começa a tomar conta destas mentes paternalistas, de tal forma que, às tantas, já nem se percebe bem o que defendem. Afinal, a Lei existe, para quê?   

Obviamente que os partidos do poder (PS, PSD, CDS) sempre ignoraram um problema latente há décadas e que nunca foi resolvido: o acolhimento de imigrantes e a sua integração na sociedade portuguesa. Esta situação é (parcialmente) explicável pelo facto de sermos tradicionalmente um país de emigrantes e só há pouco tempo sermos (também) um país de imigrantes. Ou seja, não há um histórico recente de acolhimento e integração de imigrantes pobres, pela simples razão de Portugal ser um país pobre e pouca gente querer imigrar para cá. As pessoas pobres emigram para países ricos.

De resto, muitos destes recentes imigrantes são asiáticos (oriundos de ex-colónias britânicas) e, até há pouco tempo, utilizavam Portugal como "escala" para o Reino Unido. Isto quando os britânicos faziam parte da União Europeia. Com o Brexit, esse estatuto privilegiado terminou e muitos deles ficaram por aqui. 

É verdade que existe um "boom" de imigração, o que dificulta a sua integração, mas pouco foi feito para minorar o problema. Na origem, está a crónica má organização dos portugueses (somos bons a criar, péssimos a gerir) e nesta, como em outras áreas, o caos é gritante (veja-se a saúde, a educação ou a habitação, para citar três exemplos). Dito de outro modo: se os governos (todos, sem excepção) não conseguem resolver os principais problemas nacionais, como esperar que resolvam os problemas dos imigrantes pobres? Neste campo, e após oito anos de governação, o PS não tem desculpa, pelo que a auto-crítica de Pedro Nuno Santos (relativa aos anos de Costa), faz algum sentido. Algum, porque PNS esteve lá todo aquele tempo e é, no mínimo, cúmplice da "bagunça" instalada no SEF.  

Mas, não chega, claro. Há que demarcar-se da direita-extrema. Nesse sentido, a sua entrevista ao "Expresso", não ajuda a clarificar as ideias. Já chega de tantas cautelas. Assuma-se, pois não vai ter muito tempo para isso. O tempo urge e os imigrantes não podem (nem devem) ser moeda de troca.

foto - Emigrantes portugueses já a bordo de navio, dirigindo-se para o Brasil (início do século XX). Carla Mary S. Oliveira

2025/01/21

Trump ou o regresso do Fascismo

Agora que Trump foi empossado e disse ao que vinha, anda meio-Mundo a vociferar contra o programa (i)liberal, que alguns comentadores, "bem-comportados", teimam em apelidar de "populista". Na realidade, não há nada de novo aqui, dadas as intenções manifestadas pelo mesmo presidente americano, na campanha de 2016. 

Ou seja, liberalizar ao máximo a economia, na esperança de que o "mercado" regularize a lei da oferta e da procura (para que todos possam ganhar com isso...), diminuir os impostos, aumentar as taxas de importação e regressar a um modelo de industrialização, abandonado no século XX, que permitiu à China tornar-se a segunda potência económica mundial e o principal competidor comercial dos EUA. De preferência "sem guerras", já que Trump, um homem de negócios, prefere o lucro ao sangue, bastando vender armas às ditaduras mais abjectas do planeta, para que a América seja grande de novo (!?).  Dado que não tem escrúpulos, nunca se interrogará sobre a natureza dos regimes com quem faz negócios, segundo o conhecido provérbio "olha para o que digo, não olhes para o que faço". Um biltre.

Uma vez que o poder imperial americano assenta na força económica e militar, pensa que bastará ameaçar o Canadá, o Panamá ou a Groenlândia, para que estes países se curvem e aceitem as propostas ridículas que fez, pois sabe que, numa negociação, pode sempre obter vantagens. Resta acrescentar, que tais declarações, não só foram completamente recusadas pelos países visados, como ainda existem leis e tribunais  internacionais, onde estas questões são, normalmente, derimidas. Mas, que importância tem isto, para um narcisista patológico, cujo ego é maior que o país que dirige?

Ao mesmo tempo, arranjam-se bodes expiatórios internamente, para sossegar os apoiantes em caso de fracasso, como os imigrantes ilegais, as mulheres, os muçulmanos ou os asiáticos que, ao que consta, "comem cães e gatos, em Springfield". Um tarado, não diria melhor. É esta egocêntrica figura, vencedor das eleições norte-americanas, que irá governar metade do Mundo nos próximos quatro anos. Mas, não está sozinho desta vez. Com ele, os oligarcas mais poderosos do país que, de tão ricos, já têm direito a um lugar na Casa Branca. Lá estavam também alguns (poucos) convidados europeus, como a reciclada fascista Meloni e o envergonhado Ventura. De fora, ficou o palhaço Bolsonaro, a quem confiscaram o passaporte. Pior, era impossível. 

Estamos, pois, a assistir ao regresso do fascismo, agora apoiado por corporações e oligarcas das novas tecnologias (Bezos, Musk, Zuckerberg), já que as "botas cardadas" caíram em desuso. No fundo, o fascismo não é mais do que uma das faces do capitalismo. Quando o lucro do capital não chega (nunca chega!) começa-se por destruir as conquistas sociais dos trabalhadores ou emprega-se a força (a violência é uma das componentes do fascismo) para obter dividendos. 

Ditadores, sempre existiram. O que parece não existir é uma "esquerda" digna desse nome que, de há décadas a esta parte, se demitiu do seu papel transformador, para passar a gerir o chamado "capitalismo de rosto humano" (a chamada "3ª via" de Blair, Schoder, Hollande, Zapatero, Kok, Sócrates...), com os resultados conhecidos. Quando o neoliberalismo actual (iniciado com Reagan e Thatcher) deixou de precisar destes "socialistas de salão", descartou-os ou, na melhor das hipóteses, comprou-os com sinecuras que garantem uma reforma dourada. Veja-se a triste figura que Costa anda a fazer na Europa, ao lado da prussiana que dirige a UE.

Sim, Musk fez ontem a saudação nazi, reproduzida em todas as pantalhas do planeta. Como já tinha elogiado Hitler, interferido na política alemã (ao apoiar o partido neo-nazi do AfD) e criticado a política actual do governo britânico. O mesmo fez Steve Bannon, que fez a saudação nazi ao receber o filho de Bolsonaro e que também faz, frequentemente, Ventura, ainda que de modo mais "envergonhado"... São todos populistas. Mas, também são fascistas e já sabemos como estas coisas acabam: primeiro levam os imigrantes, depois os sindicalistas, mais tarde os comunistas e, quando já não há quem nos defenda...


2025/01/09

Taxi Driver (36)

Edifício J: O Novo Campus de Justiça da Cidade, Descubra o emocionante  universo de site de apostas jogos futebol - vitis.sk

Boa tarde, para onde vamos? 

- Para o Campus da Justiça, sabe onde é? 

No Parque Expo, certo?

- Sim, é para renovar o passaporte.

Ah, já sei. Foi lá que renovei a minha carta de condução. Penso que é no edifício J. 

- Isso mesmo, é uma Loja do Cidadão. Podia ir à Loja das Laranjeiras, que é mais perto, mas está sempre cheia e funciona por senhas. Na Campus da Justiça, já tenho marcação para hoje. 

Não se meta nas Laranjeiras. Aquilo está sempre cheio de "monhés", carregados com papéis, a tratar de licenças de estadia e contratos de casas. Depois, quando têm os papéis, vão viver aos 10 e aos 20, para uma casa, onde pagam 100 euros por uma cama, mas eles não se importam porque estão habituados a viver à "molhada". Muitos nem trabalham...

- Vivem ao "monte", porque ninguém lhes aluga casa e as rendas são caríssimas. Nem os portugueses conseguem arrendar casa em Lisboa, quanto mais os imigrantes pobres! Que culpa têm os imigrantes, que o estado português, que necessita deles, seja mal organizado e mande vir estrangeiros sem lhes dar apoios mínimos? Eu também fui emigrado na Holanda e ninguém vivia debaixo de pontes e tendas nos parques. Porque é que os responsáveis políticos e a polícia, permitem isto? Alguém ganha com este negócio. São as máfias dos empregadores e dos senhorios, para não falar dos advogados, que traficam tudo, a troco de dinheiro.  Os governos sabem e "fecham os olhos"...

Pois, é. Neste país, não se pode viver. Até a minha filha teve de emigrar.

- Tem uma filha emigrada? 

Tenho. É enfermeira. Cá, não se governava, foi-se embora. Agora estamos separados, mas ela está melhor. Aqui ganhava 1200 euros e lá pagam-lhe 4000 libras. Trabalha num hospital ao Norte de Londres, alojamento incluído. Tem um apartamento de 60 m2, com um quarto e uma cozinha aberta. Para uma pessoa, dá. Fui lá visitá-la. Está bem e vai a pé para o trabalho. Os preços no Lidl, do bairro onde mora, são os mesmos de cá. O senhor acredita? 

- Acredito. Falta organização aos portugueses. Não se conseguem organizar cá dentro, quanto mais os que vêm de fora. Já é assim há muito tempo. Com o aumento do turismo e o crescimento da economia, são necessárias pessoas para trabalhar em sectores onde os portugueses não querem trabalhar. 

Se pagarem melhor aos portugueses, eles ficam cá e não precisam de contratar imigrantes.

- Sempre houve migrantes em todo o Mundo. É um fenómeno mundial. O facto de virem pessoas para cá trabalhar é sinal de que a economia portuguesa está a crescer e necessita deles. Em si não é mau.

Pois não. Saiu um estudo há pouco tempo, onde dizem que 60% dos portugueses concordam com a imigração. Não podem é ser tantos e muitos não são de confiar. Eu não concordo com o Ventura, mas ele diz umas verdades. 

- O Ventura? É um fascista. Discrimina as minorias e diz que os ciganos não trabalham e vivem à custa do RSI. Toda a gente diz verdades. Até eu digo. É como os relógios parados. Duas vezes por dia, estão certos. O que é que isso prova?

Eu não voto no Ventura. Eu voto no PSD,  sempre votei. Não sou da extrema-direita. Mas, o que o Ventura diz dos ciganos é verdade. Vou-lhe contar uma história que se passou comigo: quando a minha filha foi para Inglaterra, disse-me para vender o carro dela, pois já era antigo e ela não ia usá-lo. Pus o carro à venda, até que um dia apareceu um cigano todo bem vestido e bem falante, interessado no carro. Mostrei-lhe o carro, ele deu umas voltas, voltou e disse-me que queria comprá-lo. Pedi 1500 euros e ele pagou em dinheiro. Dei baixa do carro, trocámos de documentos e ele foi-se embora. Passadas duas semanas, telefonou-me (com pronúncia de cigano) a dizer que o carro não estava em condições e que queria o dinheiro de volta. Eu recusei e ele ameaçou-me. Se não devolvesse o dinheiro, eu arranjava problemas. Durante uns dias, andei assustado, pois não sabia o que podia acontecer. Passado uns dias, telefonou outro cigano, amigo dele, a ameaçar-me de novo. Ou eu devolvia o dinheiro ou ia arrepender-me. Nessa altura, resolvi contactar um advogado conhecido e contei-lhe o caso. Ele aconselhou-me a tirar uma fotografia do seu escritório e mostrá-la ao cigano. Se ele me tornasse a ameaçar, ia para a prisão. Nunca mais me telefonou!

- Acredito, mas isso não prova que todos os ciganos sejam assim. O mesmo podia passar-se com outra etnia qualquer. Os criminosos não têm nacionalidade. É a mesma coisa que dizer, como o Ventura, que os ciganos vivem todos do Rendimento Mínimo. É mentira. 

É mentira? Têm filhos às carradas e vivem dos abonos de família, sem fazer nada. Muitos não pagam renda e até Mercedes à porta, têm. Do que é que vivem?        

- Isso é um mito, no qual as pessoas acreditam. Sabe quantos ciganos vivem em Portugal? Cerca de 40.000, segundo os dados de 2023. Representam 0,35% da população portuguesa! Sabe quantos recebem RSI? Cerca de 2000 ciganos, ou seja 3,7% da população cigana. Uma treta, que o Ventura conta aos portugueses e na qual só os ignorantes acreditam. Por isso, teve os votos que teve. Ninguém sabe nada. 

Não acredito, que sejam só 40.000. Eles fazem tantos filhos e a população está a diminuir? Esses números são falsificados. Não é permitido indicar a raça nos estudos que fazem, como é que o senhor sabe que são só 40.000? É como os indianos e os paquistaneses, que andam aí nos "ubers". Quantos são? Já ninguém sabe. Nem as autoridades sabem. Muitos nem sequer carta de condução têm.

- Isso é fácil de controlar. As licenças para conduzir um "uber" ou um táxi, devem ser iguais. A carta é um requisito. É como pagar renda de casa. Se têm casas sociais e não pagam renda, os serviços da câmara, podem expulsá-los. Eu, se não pagar renda durante dois meses, também tenho de abandonar a casa. Voltamos sempre ao mesmo. Os estrangeiros são convidados a vir para cá trabalhar e eles é que têm a culpa de que o estado português funcione mal? Sabe donde vêm os ciganos? 

Sei, vêm da Índia. Foram expulsos, por andarem lá a roubar. Ninguém gosta deles. Até os indianos da "uber", correm com eles, quando vêem algum na praça do aeroporto. Não admira, eles conhecem-nos bem...

- Nunca ouvi falar disso, mas pode ser verdade. Dou-me com alguns asiáticos e tenho a melhor impressão deles. Faço as minhas compras em estabelecimentos de bengalis e paquistaneses. Sempre amáveis e simpáticos.

Não se fie. Isso é porque o senhor é homem. Não respeitam as mulheres e abusam delas quando as transportam nos carros. As queixas são diárias. 

- Já ouvi falar disso, também. Não há evidência estatística de que isso é verdade. Quantos casos, quantas queixas? Penso que sabe que a maioria dos criminosos em Portugal são portugueses de origem. O número de criminosos estrangeiros presos é minoritário, por comparação com os nacionais. 

Isso é porque escondem a nacionalidade dos presos. Para a justiça, os ciganos são todos portugueses...

- Pois são. Chegaram a Portugal no século XV e ficaram por cá. Até os expulsaram em 1562, durante a Inquisição, mas acabaram por ficar. Como os judeus, os africanos e outras etnias. Somos um povo com muitas origens. 

Olhe, estamos a chegar. Se quiser levo-o lá dentro, mas pode atravessar aqui, que é mais perto. O edifício J, é o último à direita. São 13,20 euros. Treze euros está bem, que eu não tenho troco. 

Muito bem. Boa tarde e bom trabalho. 

2025/01/03

Ano Novo, Vida Velha

Começou o ano. Como habitual, previsões não faltam. Um ritual, a que nenhum profissional do comentário se furta. Se as previsões não baterem certo, nunca será um problema. Afinal, os prognósticos mais acertados, sempre foram aqueles do fim do jogo.

Pior que as previsões, são as promessas. Poucas são cumpridas e, no caso de promessas políticas, menos ainda. Uma constante de todos os países em diferentes latitudes. "É o que temos", dirão os mais conformistas. Neste campo, Portugal, é paradigmático. Não passa um ano sem balanços do que (não) foi feito, apesar de sabermos de antemão o que falta (sempre) fazer. Dito de outro modo: os diagnósticos são conhecidos, só falta a obra! 

Se perguntarem a um português médio que problemas mais gostaria de ver resolvidos, a maior parte enunciará os habituais: saúde, educação, habitação e salários. Haverá outros (justiça, transportes, mobilidade, corrupção, imigração...), mas, as queixas, são semelhantes. A razão é simples: estes são os problemas básicos de qualquer sociedade e Portugal não é excepção. A diferença está na execução das medidas propostas que teimam em concretizar-se. Porque será?

Quando, há 50 anos, a democracia foi fundada, o programa do MFA assentava em três pressupostos claros e simples, os chamados "3 Ds": Democracia, Descolonização e Desenvolvimento.  Só os dois primeiros se concretizaram. O terceiro "D" continua por realizar, ainda que nalgumas áreas fossem obtidos sucessos inquestionáveis. Podemos dizer que o país está hoje melhor, mas também podemos afirmar que podia estar muito melhor, dados os meios postos à nossa disposição, nomeadamente através dos programas de coesão europeus, verdadeira cornucópia de subsídios dos mais variados tipos para diversas áreas, para não falar no turismo, uma industria que representa hoje mais de 10% do PIB. 

Veja-se o caso da saúde, certamente a maior preocupação dos portugueses. Apesar da criação do elogiado SNS, como explicar as lacunas existentes e a crónica falta de meios humanos e materiais, assinalados por tanta gente, dos utentes aos profissionais da saúde? Nunca, como nos últimos dez anos, se investiu tanto nesta área e, no entanto, as queixas são diárias. Como explicar que uma simples consulta possa demorar meses, quando não anos? Ou as inúmeras filas e horas de espera, nas urgências hospitalares? Para não falar da crónica falta de pessoal médico e dos serviços encerrados? Mais de 1,7 milhões de portugueses sem médico de família? Todos parecem saber as causas, mas os problemas persistem. Falta de dinheiro, falta de pessoal, salários baixos, má gestão?

Ou, o caso da educação. Cada vez que um governo toma posse, é grande a tentação de inovar. Desde  programas e métodos, aos livros utilizados, tudo tem de ser alterado. No entanto, não faltam alunos sem professores e professores desmotivados e em fim da carreira. Os resultados escolares ressentem-se desta caótica gestão e os índices internacionais (Pisa), não mentem. Continuamos mal em níveis de literacia e o abandono escolar é dos maiores da Europa. Uma questão salarial? Também, mas não explicará tudo.

Que dizer da habitação, provavelmente a questão mais premente nos dias que correm? Faltam casas e não se constrói o suficiente para as necessidades. O mercado de arrendamento é praticamente inexistente e o mercado de venda atingiu valores impagáveis. Um ciclo vicioso, agravado pela gentrificação dos centros históricos, convertidos em hotéis e alojamentos locais, o que torna a oferta ainda mais reduzida. Todos os governos sabem disto, todos prometem melhorar a situação, mas não se vê soluções. Há décadas.

A montante destas necessidades básicas, continuam os salários baixos, afinal uma das causas do nosso (sub)desenvolvimento. Durante anos, o patronato apostou num modelo competitivo de baixos salários, que há muito deixou de funcionar. Há duas décadas, que o crescimento económico não ultrapassa os 2%. Sem crescimento, não há distribuição. O país produz pouco valor acrescentado e os melhores quadros emigram para países onde lhes pagam de acordo com as competências obtidas. Emigram os mais qualificados e contratam-se imigrantes para fazer trabalhos que os portugueses não fazem, entre outras razões devido aos baixos salários praticados. 

Também nos investimentos, continuamos aquém das necessidades e dos projectos prometidos e ciclicamente adiados: novo aeroporto, linha TGV, ligações a Espanha, modernização da ferrovia, a lista é extensa. Obras intermináveis que começaram e foram interrompidas, ou que nunca se iniciaram. Qual a razão de tamanha incompetência?       

Enquanto a solução, para todos estes problemas, continua adiada, amontam-se os "estudos" e "pareceres" produzidos por comissões de notáveis, criadas pelos gestores da coisa pública, com o fim de agilizar processos e decisões que nunca mais chegam...

Foi assim no passado e, tudo leva a crer, continuará assim em 2025. Para o ano, cá estaremos, para  avaliar o que, entretanto, foi feito. Resta-nos a esperança, coisa que (dizem) nunca morre. Cinquenta anos depois, o 25 de Abril que nos prometeram, continua por concretizar. Provavelmente, tem tudo a ver com uma questão existencial. Aquela coisa que José Gil tão bem retratou no seu livro: "Portugal, hoje: o medo de existir". Será isso?