2011/07/15

Badajoz à vista...

Realiza-se por estes dias a 4ª edição do festival transfronteiriço "Badasom", um acrónimo de "som de Badajoz", que tem como tema central o Flamenco e o Fado. Trata-se de uma iniciativa da Junta Extremena e do Ayuntamento de Badajoz, patrocinada pelos cafés Delta, do português Nabeiro. O festival tem um orçamento global de 350.000euros sendo o custo das entradas de 6euros para o teatro e 10euros para o auditório.
Lá estivemos, este ano, para rever Esther Merino, uma "cantaora" extremena, que tem a particularidade de cantar José Afonso em...português. Descobrimos esta intérprete espanhola no Palácio Foz de Lisboa, onde se deslocou recentemente a convite de Amilcar Vasques Dias, compositor e pianista, de quem já conheciamos o reportório e que é, normalmente, acompanhado pelo violinista Luís Cunha.
Quando o desafio surgiu, nem hesitámos. Badajoz está a duas horas de caminho e poder rever, ao vivo, este trio de luxo, era um privilégio.
O Festival desenrola-se em dois espaços distintos da cidade, o teatro López de Ayala e o auditório Ricardo Carapeto para os grandes concertos. Um programa de luxo, o do "Badasom", onde em edições anteriores passaram nomes como Mariza, Camané e Cristina Branco, do lado português e Carmen Linares, Miguel Poveda, El Cigala, Vicente Amigo e Enrique Morente do lado espanhol.
Este ano, o Festival tem como tema a figura de "Porrina de Badajoz", um "cantaor" extremeno que mereceu as honras da primeira noite, a cargo de Ramón, "El Português". Seguiu-se uma noite no terraço do Teatro Ayala onde, a par de um jantar volante, pudemos desfrutar de uma noite de "cante" (ao luar), na qual participava Esther Merino que interpretou LLorca, Afonso (Cantar Alentejano) e diversos "palos" flamencos. Uma força da natureza, a Esther, que acaba de ganhar o prémio da melhor "cantaora" revelação do ano. Canta bem todos os estilos e a "seguiriya" com que nos brindou permaneceria um dos pontos altos da noite. O outro seria "Cantar Alentejano", acompanhado ao piano e violino, onde a técnica, aliada à expressividade e dramatismo que só uma grande intérprete pode ter, foi notável. Merino acaba de ser anunciada para actuar no Festival Flamenco de Lisboa, com data marcada para 16 de Setembro, no Coliseu. A todos aqueles que pensam que de Espanha "nem bom vento, nem bom casamento", posso desde já garantir que uma coisa boa vem de certeza: o flamenco!
O programa do "Badasom" continua hoje, com Estrella Morente e Joana Amendoeira, terminando amanhã com "Tomatito" e "El Guadiana". Já não podem dizer que não sabiam...

2011/07/11

O SNS é nosso!

Só quem não tem, não teve ou finge ignorar ter problemas de saúde, só quem não os experimentou directa ou indirectamente, por doença sua ou de alguém chegado, só alguém assim pode tratar o SNS com leviandade e distância. Nem mesmo o facto de ter muito dinheiro e de poder ir ao estrangeiro quando dói a barriga exime as pessoas de encarar um serviço de cuidados de saúde competente e universal como uma necessidade tão básica como o ar e a água, de o exigir e de lutar para que tenha as melhores condições de funcionamento.
Os pobres porque se encontram duplamente desprotegidos na doença devem ter direito, sem restrições, aos melhores cuidados de saúde. Mas, também os ricos. A doença não vai ver, primeiro, o saldo bancário para atacar. Os seus efeitos também atingem a classe A... Na doença qualquer ser humano está totalmente desprotegido e dependente. Na doença qualquer ser humano está, literalmente, de calças na mão.
Só quem não passou por isso, repito, pensará de outro modo. Na hora da verdade todos (todos!) queremos um especialista competente diante de nós, alguém em quem possamos confiar totalmente, que nos cure ou minimize os efeitos do inevitável. Nesses momentos em que nos sentimos, e estamos de facto, tão vulneráveis e desprotegidos, queremos conforto. Na doença, toda a gente, ricos e pobres, teóricos e práticos, corre a arranjar solução para o seu problema. A história da humanidade, arrisco-me a dizer, tem sido um percurso no sentido de proporcionar uma solução universal e justa para este problema que é universal e injusto: a falta de saúde. Na instituição das Misericórdias no século XV, na criação do SNS no século XX, até na "guerra" de Obama pelo plano universal de cuidados de saúde, lemos continuamente apenas um propósito: o da criação de mecanismos de protecção de todos, sem distinção, no momento em que estão mais frágeis e desprotegidos, o da doença.
Depois de criados esses mecanismos qualquer retrocesso é inadmissível. Ficar desprotegido face à doença depois de ter podido beneficiar da máxima protecção possível é tão absurdo como voltar a fazer fogo esfregando dois pauzinhos. Não se trata de algo fugaz, ditado pela conjuntura política. É um objectivo da humanidade, em marcha desde sempre, explícito ou implícito, cumprido com maior ou menor dose de sucesso, mas imparável.
Se há meta a atingir, inequívoca e indiscutível, se há "projecto" que pode unir todos os portugueses, a saúde para todos é um deles. Nem todos sabem disso, nem todos precisam ou precisaram do SNS, mas aos que não sabem é preciso explicar.
Não é pois possível calar o repúdio pelas "sugestões" de Cavaco Silva. Para além de constituirem, como foi já muito justamente apontado, um grosseiro atropelo à Lei Fundamental que jurou respeitar e que diz ser o seu desígnio enquanto Presidente da República, esperar-se-ia de uma pessoa com as suas funções a defesa e a pedagogia do SNS, não a sua deturpação canhestra. Os portugueses precisam do SNS, precisam de perceber o que o SNS significa para eles e o que representa, numa perspectiva civilizacional, dispôr de um sistema destes. Os portugueses precisam de saber que se trata de um sistema básico, elementar. Os portugueses precisam também de saber, claramente, que este sistema básico custa dinheiro e que, para o assegurar, esse dinheiro tem de ser obtido pelas receitas fiscais de todos. Os portugueses precisam de saber que se o sistema custa mais do que o que as receitas fiscais proporcionam, terão de trabalhar mais e descontar mais para o assegurar sem o deturpar. É isto que é preciso explicar, é esta pedagogia que é preciso fazer e não sugerir a oferta do sistema a privados para garantir o seu funcionamento.
Trata-se de responsabilizar os portugueses por garantir um sistema que é seu e, mais do que isso, constitui um marco civilizacional, não uma frivolidade adquirível a crédito numa qualquer campanha de promoção. O SNS não pode andar para trás. Esta ideia que paulatinamente vai aterrando de entregar o SNS a privados, mesmo que de modo supletivo, é uma aberração, um crime! A saúde, como a morte, não podem, em qualquer circunstância, ser negócio. Não podemos deixar que isso aconteça e não podemos deixar que o governo vá por essa via.
O professor Cavaco Silva tem de corrigir a tremenda argolada que cometeu.
Garantir um SNS efectivo e viável, contribuir com empenho e trabalho colectivo para isso, é a ideia mais forte que qualquer líder político poderia encontrar para mobilizar os portugueses para o futuro. Se já este  facto de ter de trabalhar para pagar os buracos financeiros criados pela irresponsabilidade dos sucessivos governos que temos tido parece absurdo, afigura-se totalmente inaceitável que, no caso da saúde, se transforme um buraco financeiro numa oportunidade de negócio para uns quantos espertalhões. Se há alguém que deva lucrar com a saúde são os portugueses. O dinheiro que os portugueses pagariam para garantir a mais-valia dos privados deve servir para melhorar o sistema, não para os privados se encherem. A resposta aos problemas do SNS pertence aos portugueses, exclusivamente.
Espera-nos a todos a doença e a morte. Até Cavaco Silva vai ter de se colocar um dia nas mãos de um qualquer clínico que lhe trate da saúde. Na hora da verdade confortá-lo-á certamente ter alguém competente, em quem confie. A mim e ao leitor também...

2011/07/07

Quem com ferro mata...

O coro indignado que se manifestou contra o "downgrading" de Portugal por parte da agência Moody's desafina. Só falta vê-los acampados no Rossio...
Não são estas mesmas vozes que vêm há anos insistindo nas virtudes do "mercado" e no carácter sagrado da "iniciativa privada"? Não foram estas vozes que conseguiram contrariar, com inegável sucesso, qualquer outra solução fora desses "mercados"? Pois bem, o "mercado", esse boxeur, manifestou-se, a "iniciativa privada", essa terrorista, tomou o território que para ela foi preparado por estes mesmos que agora manifestam a sua indignação... Fosse genuina a indignação e não fosse dar-se o caso de termos de ser nós a pagar tudo isto, só lhes poderia dizer: é bem feita!
A agência Moody's, por seu lado, exclui Portugal, como já tinha feito com a Grécia, do clube do consumo. O que é bom, porque foi o consumo que justamente levou o país ao estado em que está. Se calhar, a atitude da Moody's é, nesta perspectiva, boa. E se os critérios usados nas classificações da Moody's e das outras agências são objectivos, ao restringir o consumo dos países-lixo, estão a contribuir para  restringir inexoravelmente o mercado dos países por ela bem classificados e a lançá-los num futuro incerto, o que ainda é melhor. Os caminhos da Moody's são insondáveis, mas promissores...
A nós portugueses, contudo, o que verdadeiramente interessa esclarecer é uma outra dúvida. Se, como a Moody's afirmou hoje, e ao contrário do que sugeriu o novo ministro das finanças, o novo imposto já foi tido em linha de conta na atribuição desta classificação, se mesmo assim esta medida não consegue contrariar o score, e essa agência continua a considerar que Portugal não tem capacidade para cumprir os seus compromissos financeiros, o buraco deve ser afinal maior do que se imagina. E, se assim é, que outro sinal se pode dar aos mercados que não seja o do empenhamento total numa profunda reforma da nossa capacidade produtiva?
Onde estão as medidas para proceder a essa reforma? Digam-me uma, para além daquelas declarações pífias sobre o valor do mar ou dos "produtos de valor acrescentado" que ninguém ainda percebeu o que é! Que outro desígnio, que valor mais forte do que o exercício da capacidade de trabalho e da criatividade poderia aliás contar com um empenhamento verdadeiro dos portugueses? Quem é que deseja pagar mais impostos ou ver o seus rendimentos cortados, sem critério e com a certeza de que todo o seu sacrifício não servirá para nada?
Os "mercados", pelos vistos, não acreditam que simples medidas de contenção da despesa sejam suficientes. É isto: os portugueses preparam-se para deitar para o lixo 800 milhões de euros.  A Igreja Católica acha bem, mas eu deixo a pergunta: para que vai, de facto, servir então este corte no subsídio do Natal?
Mais importante ainda: independentemente de podermos considerar as agências de rating grupos mais ou menos criminosos, envolvidos em jogos de interesses mais ou menos sujos, a verdade é que, tudo o leva a crer, a situação em que estamos metidos é ainda mais negra do que aquilo que se suspeita. Precisamos de conhecer a dimensão rigorosa do estrago das nossas contas, independentemente da correcção que vier a ser feita e do apuramento das responsabilidades na sua génese, e precisamos de sabê-lo directa e claramente da boca dos nossos dirigentes eleitos, com um programa de acção pronto, para inverter este estado de coisas. Não precisamos de ficar a saber tudo isto como resultado da acção indirecta de organismos que não elegemos.
O coro dos indignados soa-me neste contexto como uma coisa altamente suspeita...

2011/06/30

A indignação da esquerda mole

O novo governo foi hoje ao Parlamento apresentar o seu programa. Para que não haja dúvidas, entrou logo a matar: uma redução extra de 50% em todos os subsídios de Natal (vulgo 13º mês) acima dos 485 euros. A justificação para este corte, que não estava previsto no programa governamental, deve-se alegadamente à "derrapagem" das contas públicas, que revelam uma diferença de 2% entre as projecções do anterior governo e os números actuais.
Nada que surpreenda, habituados como estamos à mentira compulsiva dos governantes portugueses. Interessante mesmo, foi ver a "indignação" na bancada do PS, o partido do governo que, supostamente, teria as contas em dia. A indignação dos candidatos à presidência do partido, não deixou dúvidas: o PS não apoiará medidas para além daquelas anunciadas no Memorando. Uns "castiços", estes oposicionistas indignados. Mas, então ninguém sabia que havia mais gastos (ou menos receitas) do que o previsto?
Como perguntava um deputado esta tarde no hemiciclo: para onde foi o dinheiro, sr. primeiro-ministro? Confesso que também gostava de saber...

2011/06/28

Inside job II

O lobby "Inside Job"  continua a insistir: Christine Lagarde acaba de ser nomeada directora-geral do FMI. Vamos ver o que o futuro lhe reserva. Um conselho: evitar hotéis em NYC...

2011/06/26

Uma oposição sem ética

António José Seguro, candidato à presidência do PS, veio esta semana declarar que defende um capitalismo com ética. Ou seja, o candidato à presidência do partido (que se diz socialista) quer o capitalismo. Com ética. Ficamos sem perceber quem é que, nesta história, não tem ética: o socialismo ou o José Seguro.

2011/06/22

O medo de falhar

Ouvimos este apelo insistente e patético em todos os discursos da tomada de posse do governo: "Portugal não pode falhar". O glamour destas cerimónias cai: estes gajos estão à rasca.
Mas, que raio de "Portugal" é este? Quem é que não pode falhar?
De quem estão a falar quando falam em "falhar"? Quererão dizer que reconhecem que as vítimas das falhas anteriores sabem hoje claramente quem foram os seus agentes? Quererão os autores da expressão dizer que reconhecem que se falharem irão ser irremediavelmente apeados?
Quem é que pode ter a última chance? É este regime que está em causa. É este regime que tem a última chance.
"Portugal não pode falhar" poderia parecer uma expressão saudavelmente mobilizadora. Eu leio-a antes como um recado para dentro do regime, como um sério aviso dos agentes em risco aos seus pares. No precaver é que está o ganho. O medo de falhar significa a certeza de que o regime está, mais do que nunca, consciente das suas malfeitorias.
"Ninguém está imune à crise," disse, dramático, Cavaco (nesta altura eu ouvi os contrabaixos, graves, e três golpes fulminantes de tímpanos...), sublinhando o ninguém, qual Frei Luís de Sousa. Resta saber quem é quem neste ninguém, e com que graus de imunidade se faz este dégradé...
Não, Portugal não vai seguramente "falhar". Quem pode falhar, quem pode estar com medo de falhar, são aqueles que falharam até agora, aqueles que dominaram, continuam a dominar o regime e que dele abusam. Hoje sabe-se quem falhou e é claro para todos que, a continuarem a ocorrer "falhas", desta vez, não haverá brandura para com este regime e os seus beneficiários. Sabemos quem é que tem a última chance.
Tem o primeiro ministro toda a razão: Portugal não falhará.

2011/06/21

A incógnita



No céu surgiu hoje, subitamente, à hora da tomada de posse do governo, o X, a incógnita que a foto documenta.
O X da incógnita Cavaco Silva. Depois do discurso absolutamente desastroso e despropositado de hoje, não sabemos nós, nem Passos, o coelho que Cavaco vai tirar da cartola. Fiquei com a dúvida se Cavaco teria assinado na tomada de posse como presidente ou já como primeiro ministro. Uma lástima.
X representa também a incógnita Passos Coelho. A troika, já se sabe, viciou a equação e a margem de manobra é estreita, para não dizer nula. Não contente com isto, Cavaco decidiu dificultar tudo ainda mais com o seu discurso. Confesso que não espero grande coisa de Passos Coelho. Mas não é que o jovem tenor (ainda lhe falta muito para chegar a barítono...) conseguiu, pelo menos em palavras, dar uma resposta que, a mim, causou alguma surpresa. Surpresa logo ampliada com a escolha para a presidência da AR, um remendo mais que airoso para o desastre Nobre.
Cavaco não terá ficado muito agradado com o catarro do Coelho e a troika ficou certamente mais atenta.
Um X no céu de Lisboa...

2011/06/20

Passos perdido...

Quem tinha medo de ficar sem motivo de conversa, agora que Sócrates se prepara para experimentar a cicuta, pode ficar descansado. Passos Coelho sofreu uma clara derrota com este processo da candidatura Nobre a presidente da AR. Derrotada foi a sua ideia e toda a sua estratégia. Derrotada foi a sua argumentação centrada na coerência e na obediência a princípios. Derrotado foi o seu PSD no desenlace deste episódio triste. Uma derrota interna e uma clara derrota também no plano externo, num momento que devia ser de celebração de vitória.
Nada mau para a estreia. Se a condução do país for semelhante à condução deste processo, podemos estar descansados. Estamos bem entregues...
À velocidade a que as coisas correm no momento, em que a vida política vai frenética, mas não segura, e com esta malta em derrapagem ainda antes da posse, há uma coisa certa: não nos vão faltar momentos de excelente entretenimento.

2011/06/18

Um ano sem Saramago

"Privatize-se tudo, privatize-se o mar e o céu, privatize-se a água e o ar, privatize-se a justiça e a lei, privatize-se a núvem que passa, privatize-se o sonho, sobretudo se for diurno e de olhos abertos. E, finalmente, para florão e remate de tanto privatizar, privatizem-se os Estados, entregue-se por uma vez a exploração deles a empresas, mediante concurso internacional. Aí se encontra a salvação do mundo...e, já agora, privatize-se a puta que os pariu a todos."

José Saramago in "Cadernos de Lanzarote", Diário III, Pág. 148

2011/06/17

A grande pepineira

A Avenida da Liberdade foi ocupada por uma cadeia de hipermercados com o apoio da municipalidade lisboeta, numa mega manifestação onde também haverá canções pelo ídolo das donas de casa, o incontornável Tony. O fim último deste mega evento, anunciado em "outdoors" espalhados por toda a cidade, é a promoção dos produtos agrícolas nacionais, sendo o remanescente doado a instituições de ajuda social. Os promotores - cadeia de hipermercados e município de Lisboa - anunciam este mega "pic-nic" como um evento de apoio à produção nacional que, em tempo de crise, deve merecer a nossa solidariedade.
Vamos lá ver se eu entendi: Belmiro de Azevedo, dono do "Continente" e apoiante do PSD, promove uma acção de publicidade conjuntamente com o presidente da Câmara de Lisboa, António Costa do PS, para apoiar os agricultores. Mas, então, não foram estes partidos os responsáveis pelos acordos do PAC de 1992, que estão na origem na destruição da nossa agricultura, obrigando-nos a importar 60% daquilo que consumimos? Devem estar a brincar connosco...

2011/06/15

A Chapelada

José Lello, personagem por quem não nutro qualquer simpatia, pronunciou-se negativamente sobre a validação dos votos dos emigrantes recolhidos por um jornal do Rio de Janeiro. Os votos foram colectados por um jornal que fazia propaganda aberta pela candidatura do PSD e, posteriormente, enviados num contentor para Portugal a expensas do jornal em causa.
Na opinião do deputado do PS pela emigração, o Presidente da República devia impugnar a validação destes votos. Não posso estar mais de acordo. Para chapeladas já bastam as do antigo regime. Se estes votos forem validados, o descrédito de Cavaco só aumentará. Ele, que no dia das eleições, veio pronunciar-se sobre os eleitores fantasmas das listas eleitorais. Haja vergonha!

Liberdades

Enquanto na Grécia o fogo alastra (veja aqui, aqui, aqui e aqui) e em Espanha alastra o fogo —com os Indignados e agora com a "Plataforma de Afectados por la Hipoteca"— (veja aqui, aqui, aqui, aqui e aqui), em Portugal sua Excelência o PR acaba de indigitar o dr. Passos Coelho para Primeiro Ministro da  República, enquanto Nuno Gomes termina contrato com o Benfica e anuncia, em comunicado, que é um jogador livre.

2011/06/07

Jorge Semprún (1923-2011)

"Este hacinamiento de cuerpos en el vagón, este punzante dolor en la rodilla derecha. Dias, noches. Hago un esfuerzo e intento contar los dias, contar las noches. Tal vez esto me ayude a ver claro. Cuatro dias, cinco noches. Pero habré contado mal, o es que hay dias que se han convertido en noches. Me sobran noches; noches de saldo. Una mañana, claro está, fue una mañana cuando comenzó este viaje"

El Largo Viaje (1963)

2011/06/06

O dia seguinte

Não constituiram propriamente uma surpresa os resultados das eleições. A direita, no seu conjunto, ganhou; a esquerda, no seu conjunto, perdeu. Nada que as sondagens não tivessem previsto. Também a abstenção foi, mais uma vez, alta. Mas, ao contrário dos números avançados (41%) a verdadeira abstenção deve ter sido bem mais baixa. É fácil fazer as contas: Portugal tem 10.6 milhões de habitantes e mais de 9 milhões eleitores inscritos. Ora cerca de 2.5 milhões têm menos de 18 anos (não votaram) e calcula-se que haverá 750.000 eleitores "fantasmas" nas listas, que também não podiam votar. Logo, o número real de votantes deve andar à volta dos 8 milhões, pelo que a verdadeira abstenção deve ter sido abaixo dos 30%, uma percentagem bastante aceitável em termos europeus. Ninguém fala nisto.
A vitória da direita é, antes demais, uma derrota da esquerda. Desde logo, porque o PS ao seguir uma política pragmática (desideologização do partido) se afastou dos seus ideais programáticos, coisa que Sócrates nunca teve; depois, porque o BE, com tantos zigue-zagues (apoio a Alegre, moção de censura fora de tempo e recusa em encontrar-se com a delegação do FMI) acabou por hipotecar a confiança que os eleitores lhe tinham dado em 2009. Resta saber para onde foram os votos da esquerda. Provavelmente, os votos do BE foram para o PS (voto útil) e os votos do PS foram para o PSD (contra Sócrates). Outra hipótese é os votantes do BE e do PS terem optado pela abstenção.
De qualquer das formas, foram os erros da esquerda que ditaram a vitória da direita. Será a direita a governar agora, mas (independentemente do governo que se segue) as políticas seguidas serão sempre as do Memorando da "troika". É este o verdadeiro programa de governo.

2011/06/04

Sobre a estupidez e os espasmos da máquina alemã

Dois artigos que se cruzaram, por acaso, na edição de hoje do Público. Afinal acabam a cumprimentar-se (1). Paulo Varela Gomes reflecte sobre a estupidez. Na ciência, opina, é preciso ser-se, ou fazer-se um bocado estúpido, e explica porquê. "É evidente que a estupidez científica", diz, " é útil para impedir que se tirem conclusões precipitadas ou se generalize abusivamente (...) Para o bem ou para o mal, sem estupidez não há ciência."
A "estupidez" de que fala, em tom crítico, mas certeiro, Paulo Varela Gomes é uma outra forma de colocar a velha questão da pergunta científica (2).
Fernando Mora Ramos, noutro ponto do Público fala dos pepinos. "Uma bactéria no interior de pepinos espanhóis lança a morte entre os alemães", mas, argumenta, "é antiga a facilidade com que se encontra um bode expiatório a sul."
A verdade é que os austeros alemães, trabalhadores organizados, sólidos, dedicados, precisos, enganaram-se.
Pode-se argumentar: esta generalização é, como todas, abusiva. Mas, pode-se também especular: será que os alemães não foram sequer suficientemente estúpidos? Pode-se argumentar: ter-se-ão mostrado incapazes de formular a pergunta? Estranho, quando se observa a sua tradição e o seu progresso científico.
Ou terão os alemães afinal sido suficientemente estúpidos, mas, como bem diz o Paulo Varela Gomes, com aquela "estupidez científica [que] vem servir de suporte à estupidez (ou conveniência) política e social de quem não deseja outro futuro que não o da imbecilidade colectiva?"
Doravante podemos perguntar: serão ou não os alemães suficientemente estúpidos para podermos neles confiar? A dúvida está instalada e a suspeita de que a máquina alemã não é tão fiável como nos querem fazer supor é perfeitamente legítima. Só um estúpido é que não vê.


(1) Não tenho links; quem quiser ler terá de comprar o periódico.
(2) Sobre isto aproveito para aconselhar a audição desta entrevista de António Coutinho no programa "Quinta Essência" de ontem na Antena 2. Vale mesmo a pena ouvir toda a entrevista, sobretudo no que se refere a esta questão da tal pergunta. A incapacidade colectiva de a formular, a falta de uma cultura de formulação da pergunta (a falta de uma certa cultura de estupidez, por assim dizer...)  é, quanto a mim, a causa de todos os nossos males.

Reflexão

O voto útil só é útil para quem o recebe. A reflexão não é minha, mas (diz-se) do catedrático jubilado Adriano Moreira. Esse mesmo, o ex-ministro do Ultramar de Salazar. Ele sabe do que fala. Estou de acordo. E mais não digo.

2011/06/02

Um coelho com chinelo, mas sem cartola

Estas eleições trouxeram uma novidade: assistimos ao lançamento do jovem tenor Coelho na ribalta política. Com aquela fogosidade e ingenuidade que têm os jovens tenores, Coelho vai repetindo que não irá mandar no Estado, não irá controlar a política, os políticos, os partidos, servir clientelas. Decerto... Barões e baronesas olham para ele, embevecidos, enquanto o ouvem. "Nem sabes quão verdade é tudo isso que dizes", pensarão, enquanto mostram o sorriso de circunstância e anuem suavemente com a cabeça.
O que vai então fazer Coelho? Se, com o PS, o país está debaixo da lógica da mãozinha, ao serviço das suas clientelas e dos seus (muitos) bonzos, com o PSD estará debaixo da lógica da setinha, das suas clientelas, dos seus (muitos) bonzos, mas também das suas contínuas cólicas. Concessa venia troikis, que eles não podem sair daqui sem o seu.
Passos Coelho trouxe para o PSD a mais valia de se prestar a fazer o papel de bostik, juntando,  temporariamente, os cacos de um partido que estava em risco real de total extinção. E lá vai ele colando, colando até que a voz lhe doa. Passos Coelho parece-me não passar de um testa de ferro de umas quantas figuras que devem ter feito um derradeiro e monumental esforço para que o PSD não fosse empurrado para o Parque Jurássico da política portuguesa, deixando com isso uma data de gente aflita e de malas aviadas para se mudar para o PS ou para o CDS.
A Passos Coelho não se lhe conhece uma ideia, um pensamento doutrinário, uma visão estratégica. Não se lhe adivinha dimensão escondida, sentido de orientação, arcaboiço intercostal. Apenas aquela disponibilidade naive e aquela atitude voluntariosa, tipo escuteiro, para levar, cantando e rindo, a tarefa de que os seus maiores o incumbiram adiante. Tintin em Massamá.

Uma dúvida que me tem assaltado nestes últimos tempos é esta: o que ganham os partidos do "arco" ao quererem ocupar o poder neste momento? Como se poderão rever no papel de comissão liquidatária, de amanuenses da troika? Bom, para além do facto, não despiciendo, de terem, como comissão liquidatária, um ordenado simpático neste país de desemprego, restam razões de natureza privada.
O PS, parece-me lógico, quer tapar o descalabro em que lançou o país e evitar com isso ser castigado e sofrer uma maldição semelhante à que Bella Gutman lançou sobre o clube da rodinha de bicicleta! Num país a sério o PS ia a tribunal de guerra.
O CDS, na sua lógica de partido de aluguer, quer ter sempre, pelo menos, uma nádega nas cadeiras do poder para não obrigar a clientela a ter de abrir mais casas de comida a peso na Avenida de Roma e imediações. Num país a sério o CDS teria um parlor no Intendente, não uma sede no Caldas.
E o PSD? O que raio quer o PSD? O que raio poderá querer o PSD? Quando está no poder desata sempre naquele exercício de auto-mutilação, tão patético e confrangedor que inevitavelmente reconduz o PS. Porquê então esta corrida, agora neste momento, politicamente tão desfavorável?
Só é possível perceber o PSD numa lógica de simples preservação da espécie, em real via de extinção. O comité de barões terá reunido e determinado que era agora ou nunca. Era preservar as tartarugas nas Galápagos ou os laranjas em S. Caetano. Optaram pelos laranjas, está feito. Na falta de um desígnio para o país, na falta de uma ideologia, de um simples projecto, este part-time de entrega das encomendas da troika serve para dar sentido ao PSD, para apontar o rumo que lhe faltava, para reunir as hostes desavindas. Há para aí muita encomenda para entregar, muito selo para colar, muito registo para fazer. E ainda nem chegámos ao Natal!
Metido num chinelo, Coelho, precário a recibo laranja, vai preparando a fardeta de paquete e dando na bostik. É isto que o PSD espera dele e quem somos nós para esperar mais?
A menos que Coelho se tire a si próprio da cartola, o que me parece uma contradição aparentemente insanável, logo, um truque altamente improvável.

Escolhas (a notícia boa e a notícia má)

A acreditar nos barómetros diários das diversas empresas de sondagens, o PSD já "descolou" do PS e só um cataclismo evitará a derrota dos socialistas. É certo que mais de 20% dos inquiridos continua "indeciso" e pode nem sequer votar. O que atiraria a percentagen dos votos nulos para uma fasquia de 40%. Mas, independentemente da contagem final, esta não deve afastar-se muito de um cenário em que a direita no seu conjunto (PSD+CDS) terá a maioria no parlamento. O que quer dizer que será um governo de direita a aplicar o programa da "troika".
Seria diferente se fosse o PS a ganhar as eleições? Não necessariamente. O PS não ganharia com maioria absoluta e nunca se aliaria aos partidos á sua esquerda. Na melhor das hipóteses, se o PS ganhasse as eleições, era obrigado a fazer uma coligação com a direita para poder governar.
Em qualquer dos cenários, o programa aplicado será sempre o do FMI. Resta saber se será a versão do Memorando 1 ou a do Memorando 2. Em caso de dúvida, a tradução portuguesa dos documentos é clara: o texto inglês é o oficial. Aquele que diz que a mudança de fundo é uma "major reduction".
Resumindo: nestas eleições há duas notícias, uma boa e uma má. A boa é que nos vemos livres de Sócrates. A má é que seremos governados por Passos Coelho. Logo, não é escolha votar em qualquer deles.

2011/05/31

O choque fiscal

Ontem foi dia de IRS. Um ritual de Maio, que tento resolver todos os anos, através da NET, sem sucesso. Após várias tentativas frustradas para aceder à página da Declaração, dou-me por vencido e rumo em direcção à Loja do Cidadão mais próxima. Ao tentar apanhar o comboio para o Rossio, percebo que havia uma greve da CP. Tento o táxi e o metro e, meia-hora mais tarde, estou nos Restauradores. Aí esperava-me a terceira surpresa do dia: o sistema estava com falhas técnicas e o tempo de espera podia chegar a duas horas. Há dias em que não devemos sair de casa...
Porque nestas coisas há que ser criativo, depois de tirar uma senha resolvi sair do edifício e ir à estação dos correios no outro lado da praça pôr uma encomenda. Mais uma senha e meia hora de espera. Num balcão de seis "guichets", apenas três funcionários trabalhavam.
Volto à Loja do Cidadão, onde aguardo mais uma hora. Aproveito para terminar "O complexo de Portnoy" de Philip Roth, um livro que recomendo em filas de espera.
Finalmente sou atendido. A funcionária preenche a declaração e entrega-me uma simulação da quantia que devo receber. De mal a menos...
Volto ao Rossio. Milhares de passageiros aguardam nas plataformas por um comboio que não vai chegar. O "segurança" de serviço repete em voz monótona a mesma notícia: não haverá comboios antes das 20.34h da noite. São 19h e opto por apanhar o metro e um táxi para voltar para casa. Perdi cinco horas para entregar uma declaração de impostos que leva 5 minutos a preencher.
Nas notícias desta manhã, ouço os funcionários da DGI pedir alargamento do prazo de entrega, única forma de processar o meio milhão de declarações de IRS e IRC em falta.
Os técnicos do FMI não sabem no que se meteram...

2011/05/30

O Lobo Mau - TSF

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2011/05/26

Os abortos

O país, já se sabe, está como está. Todos o sentimos e todos nos interrogamos como é possível tudo isto acontecer e todos nos angustiamos com isso. Os alertas sobre o que se está a passar são constantes, vêm de dentro e de fora. Os dados são arrasadores. Enquanto isso, fenómeno peculiar, a caravana eleitoral ladra.
Uma artigo de Manuel M. Carrilho faz o elenco dos temas ausentes desta "campanha". São muitos. Um outro artigo de Álvaro S. Pereira desenha as ilustrações da crise. Acompanha bem a leitura do artigo de Carrilho. Mas, vendo a campanha eleitoral, somos levados a concluir que não se passa nada. Os problemas verdadeiros do país estão totalmente ausentes. Há uma angústia generalizada, há um país real que sofre e se interroga, e há um outro, feito desta minoria de imbecis que gere a política do país, que passa ao lado de todo este sofrimento. As instituições políticas vivem de costas totalmente voltadas para o povo. Já nem sequer disfarçam, perderam a vergonha e o pudor. A política faz-se, perigosamente, muito já do lado de fora dessas instituições.
Quem esteja minimamente (minimamente!) atento não pode deixar de se sentir nauseado com tudo o que vê à sua volta.
Como se tudo isto não bastasse, do menu proposto para resolver os problemas em que estamos neste momento envolvidos, constam tão somente dois pratos: um de "peste" e outro de "cólera", para citar uma ideia do dito artigo do M. M. Carrilho. O Rui Tavares colocou o problema que enfrentamos neste momento de uma forma, quanto a mim, notável neste seu artigo de ontem do Público. Estamos de facto perante duas catástrofes.
E, neste clima de tornados e terramotos, vem o tsunami: Passos Coelho volta à carga com mais um daqueles temas de campanha de que só ele e a sua entourage se haviam de lembrar: a lei do aborto! Que, não-sei-quê, temos de rever a lei, que admite um novo referendo, que talvez tenhamos ido longe demais, rebéubéu-treco-lareco... Um tema que vai certamente mobilizar entusiasticamente os mais de 700 000 desempregados, os milhares de velhos que levaram mais uma dentada nas suas pensões já trincadas ou o exército de jovens que, em busca das suas portas do sol, anda a ver como há-de dar o salto daqui para fora. O salto de novo.
O aborto é um tema que mostra bem o que valem os problemas do país para o seu autor e as ideias que tem para os resolver. E é um tema que mostra também, pela resposta mais ou menos séria que mereceu das restantes forças políticas, o que toda esta gente pensa de nós e do papel que julgam caber-lhes na condução da política do país.
Mas, eu também tenho opinião sobre eles. Acho que a lei do aborto peca por defeito ao não prever a eliminação sem apelo nem agravo, gratuita e universal, de uns quantos abortos vivos e satisfeitos com esta sua condição, que por desgraça nos caíram no prato da sopa.

A personificação do mal

A acreditar nas notícias que correm em roda-pé nos principais noticiários televisivos, teria sido detido hoje o sérvio Ratko Mladic. Para quem esqueceu, Mladic foi o chefe do exército sérvio durante a guerra da Bósnia (1992-1995) e o principal responsável pelo massacre de Srebrenica, em Julho de 1995. Na altura, foram mortos cerca de 8000 bósnios muçulmanos, naquele que é considerado o maior genocídio na Europa desde a II Guerra Mundial. Desde os anos noventa que se especulava sobre o seu paradeiro.
Protegido pelo exército e populações sérvias, Mladic era de há muito procurado pela comunidade internacional, que exigia o seu julgamento no Tribunal Penal Internacional de Haia. Ainda recentemente, o programa "Toda a verdade" (BBC) recuperou este tema, num excelente documentário que seguia a pista de Mladic em território sérvio.
Com a prisão de Mladic, encerra-se assim o primeiro capítulo desta saga, que só terminará com o julgamento e condenação daquele que é apelidado do "carniceiro dos balcãs". O Mundo está mais seguro.