2025/03/29

Taxi Driver (39)

Para onde vamos? 

- Para a Buraca, sff. 

Buraca? A Buraca é muito grande...

- Nem por isso. Em rigor, já nem devia chamar-se Buraca. A Buraca, há anos que faz parte da freguesia das Águas Livres, que inclui também Alfragide. As duas localidades formam a freguesia de Águas Livres. 

Ah, sim, não sabia...

- Pois, mas já é assim, há uns bons anos. Eu, quando voto, faço-o onde estou recenseado. Na freguesia de Águas Livres.

Olhe, quem não vota sou eu! Nunca mais voto! 

- Faz muito bem, ou melhor, penso que faz mal, mas as pessoas são livres de votar (ou não). 

Eu não voto. São todos uns aldrabões, os políticos...

- É uma opinião. Também penso que há muitos aldrabões na política, mas nem todos são maus...

Eu não conheço nenhum bom. Há 50 anos que ando a votar e nada muda...

- Podia estar melhor, é verdade. Mas, nós somos uma democracia jovem e só há 48 anos é que podemos votar...

Só 48 anos? Não são cinquenta?

-  Temos democracia há cinquenta, mas só começámos a votar em 1975 para a Constituição e só votamos em partidos desde 1976...

Pode ser, mas já ninguém acredita nisto. A abstenção é cada vez maior...

- Infelizmente, é verdade. As últimas sondagens dizem-nos que a abstenção pode chegar aos 40%. Quase metade dos eleitores não votam ou não sabem em quem vão votar. Depois, não se queixem...

Fartei-me de votar e não mudou nada.

- Eu também votei sempre, mas os partidos em que votei nunca chegaram ao poder e, por isso, nunca governaram. Não me posso queixar. São sempre os mesmos partidos que ganham: o PS e o PSD. Portugal é governado por dois partidos há 48 anos...assim, é difícil haver grandes mudanças...

Olhe, o meu pai, que já cá não anda, quando via um político, dizia-me sempre: vai ali um político, se fosse bom, caía-lhe um braço... 

- Essa, não conhecia. Mas, sim, a maioria dos políticos actuais não se recomendam...

Não têm palavra, senhor...isto é tudo uma cambada de vigaristas. Nunca cumprem o que prometem. Até o primeiro-ministro mente...

- Pois, a palavra de honra (como se dizia antigamente) não existe. A verdade é que hoje podemos saber mais coisas e mais depressa do que na ditadura. Eu vivi em ditadura 20 anos e não tenho saudades. Prefiro a democracia, com todos os seus defeitos. 

Sim, eu também vivi em ditadura. Tenho 75 anos. Lá em casa ninguém falava de política. Lembro-me que uma vez ouvi falar de comunismo na escola e perguntei ao meu pai, o que era isso de comunismo? Ele respondeu: cá em casa ninguém fala disso. A palavra comunismo era proibida. O meu pai não era político e não percebia nada de política.

- Está a ver? Está a dar-me razão, sempre é preferível vivermos em democracia. Podemos escolher. O senhor pode votar (ou não). Uma grande diferença com antigamente. Para a próxima, vote noutro partido. Pode ser que mude...

Não, a mim não me apanham mais. Já chega. 

- Pronto, parece que chegámos. Quanto lhe devo? 

São seis euros certos. Nem de propósito.  

- Boa tarde e saúde.     

2025/03/12

(Des)Confiança

Terminou, sem glória, mais uma legislatura governamental, inaugurada há precisamente um ano e um dia. Como era de esperar, a Moção de Confiança, apresentada pelo primeiro-ministro, foi chumbada pela maioria do Parlamento e, de acordo com a Constituição, o governo caiu. 

Não foi bonita de ver, a sessão parlamentar de ontem, uma das mais longas dos últimos anos, que alguns comentadores já apelidaram de histórica. Cinco horas de debate, nem sempre transparente.

Como chegámos aqui, é provavelmente a pergunta que muito boa gente estará a fazer neste momento, ainda que os sinais da crise fossem por demais evidentes nas últimas semanas. 

Enredado numa situação de incompatibilidades entre o cargo político que desempenhava e os negócios privados de que beneficiava, o primeiro-ministro demorou a reconhecer o óbvio e, quando o fez, foi de tal modo evasivo, que pouco mais restava do que a demissão. 

Escolheu não fazê-lo, argumentando nada ter a esconder, enquanto apresentava provas que foram sendo progressivamente desmontadas por diversos orgãos de comunicação social (Correio da Manhã e Expresso), afinal os detonadores desta crise. Quando os argumentos começaram a escassear, surgiram as as primeiras moções de censura (Chega e PCP) que não obtiveram o consenso da Assembleia da República. 

É neste contexto, de desconfiança geral, que o PS avança com um requerimento para a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), que permitiria ao governo continuar em funções até ao apuramento dos factos. No fundo, uma forma hábil de manter o governo, enquanto o primeiro-ministro seria "cozido em lume brando" e dando tempo à oposição para se reorganizar.

Percebendo o perigo, Montenegro tentou uma última cartada, ao propor uma Moção de Confiança, que atiraria o ónus da prova para a oposição. Em si, uma forma hábil de culpar o PS, pelo eventual derrube do governo, o que viria a confirmar-se.

Resta saber quem tirará mais dividendos desta crise institucional,  que obrigará o país a ir a eleições pela terceira vez em três anos (uma solução que a maioria da população não vê com bons olhos), mas que acabou por tornar-se inevitável.

E agora? 

Segue-se o ritual previsto em situações similares: o Presidente da República auscultará os partidos com representação parlamentar, seguir-se-á o Conselho de Estado e, finalmente, a marcação de uma data definitiva para as Eleições Legislativas, que não devem acontecer antes de 11 de Maio. 

Conclusões provisórias: ainda que seja cedo para avaliar os "estragos" causados por uma crise que ninguém pediu, a verdade é que tudo pode ficar na mesma e esse será, certamente, um mau resultado. A acreditar nas sondagens (publicadas antes da crise), não haveria grandes alterações de voto nas principais formações políticas (AD, PS e Chega) que manteriam, sensivelmente, as percentagens do ano passado. Já o lugar dos principais líderes partidários (respectivamente, Luís Montenegro e Pedro Nuno Santos) estará em perigo, pois não é provável que o derrotado se mantenha no cargo. Quem perder, sai. Esta é a lógica implacável dos partidos democráticos. Apenas o Chega, partido autocrático de um homem só, não terá esse problema. Também nestas eleições, a escolha será entre democracia e autoritarismo. 

Venham as eleições!

2025/03/06

Abanar a cauda...


Ainda nem uma semana passou sobre o polémico episódio da Sala Oval (em que Trump e Vance, "humilharam" Zelensky) e já as peças do dominó estratégico ocidental começaram a cair. As coisas nem sempre são o que parecem e, aparentemente, a realidade começa a impôr-se no continente europeu. 

Entretanto, Zelensky (que acaba de entregar o ouro ao bandido) está a prazo, mas toda a gente diz querer defendê-lo, mesmo quando a Ucrânia já perdeu a guerra. 

Percebe-se: é cada vez mais difícil à "troika" europeia (Van der Leyen, Costa e Kallas) defender o indefensável, depois de três anos de juras de fidelidade à "causa ocidental", sem que tenham conseguido progressos na frente de combate. Tudo isto era expectável, a partir do momento em que Biden anunciou, logo nos primeiros dias do conflito, que os EUA não queriam uma guerra com a Rússia, mas "apenas enfraquecê-la". Ou seja, sem um envolvimento dos "aliados" no terreno, a Ucrânia teria poucas possibilidades de suster a ofensiva russa. Está à vista.

E agora? Sem exército, com a economia dos seus principais membros (Alemanha, França e Itália) em crise e sem possibilidades de reconverter o modelo económico actual numa economia de guerra a curto prazo, os líderes da UE vieram pedir 800 mil milhões de euros aos cidadãos para comprar armas aos americanos! Grande negócio. 

Ou seja: Trump impôs a sua vontade a Zelensky e à Europa (que não conta para nada, a não ser para fazer negócios) enquanto assegura a exploração dos minerais ucranianos. Do outro lado, Putin ficará com o Donbass e com a Crimeia, ganhando o território ocupado. 

E a Europa? À Europa, resta obedecer e abanar a cauda...

2025/02/24

Taxi Driver (38)


Então, vamos para onde? 

- Para a Buraca. Pela Avenida do Uruguai, s.f.f.

O senhor é que manda...

- Era bom, era...Posso abrir a janela? 

Abra, abra. Já está calor...

- Nem por isso, mas sempre é melhor com a janela aberta.

Está muito calor para Fevereiro. Falta chuva, para os campos. 

-  Sim, é preciso mais água, mas só estão 17º. É normal para a época do ano...

Aqui no táxi, marca 20º. Isto anda tudo trocado. Com o Trump vai ser pior. Ele não quer saber do clima para nada...

- O Trump só quer saber dos negócios dele. Se derem dinheiro... 

E, agora, também quer ficar com as terras da Ucrânia. Logo, as terras mais ricas em minerais. Já viu isto? 

- Claro. Os americanos fazem sempre isso. Dão ajuda em troca de reconstrução das zonas destruídas pelas guerras. Esta guerra não é diferente. Podia ter sido parada há 3 anos atrás, quando houve propostas nesse sentido, primeiro em Minsk e, depois, em Istambul. Claro que o Zelensky deve estar nas conversações. Sem a Ucrânia, não podem negociar.

Mas, olhe que a maior parte da população quer continuar a combater. Os ucranianos não querem parar.

- É natural, é o país deles. O pior são as perdas humanas e materiais. São centenas de milhares de mortos.

Já morreram centenas de milhares de ucranianos...

- É bem possível, sim. Fora os feridos e os mortos do lado russo, que também devem ser outros tantos.

Já andam nisto há 3 anos. Não vai terminar tão cedo.

- Depende, se interessar aos americanos e aos russos, talvez termine rapidamente. Até agora, os únicos a ganhar com a guerra, foram os americanos. Venderam armamento à Ucrânia e cereais e energia à Europa, sem terem soldados a combater no terreno. Um negócio leonino. Ainda por cima, uma parte da ajuda à Ucrânia foi em armamento que os ucranianos tiveram de comprar aos Estados Unidos. Ou seja, o dinheiro não chegou, sequer, a sair da América...

Pois, os europeus deram mais dinheiro. As armas são mais americanas.

- O pior é que, esta guerra, ainda vai "sobrar" para nós, pois as despesas militares vão aumentar e o dinheiro não chega para tudo. Já falam em aumentar a contribuição para a Nato em 3% e mais por cento.

Ah, pois não chega, não! Agora é que os subsídios e os rendimentos mínimos vão diminuir...

- Não só. Os ordenados e as pensões, também serão afectados. No fundo, quem desconta mais, pagará mais. É sempre assim. Não se pode tirar dinheiro a quem não tem. Seria o fim do chamado "estado social"...

A Europa está a dormir. Não se percebe porque é que aceitam tudo o que o Trump quer.

- Pode ser que a Europa "acorde". Ainda vamos a tempo, mas com os actuais políticos europeus, não tenho grande esperança.                               

Pronto, já chegámos. São sete euros. Veja se tem trocado, que eu não tenho mais moedas. 

- Não há problema. Pode ficar com o troco. Adeus e até à próxima. 

 

2025/02/15

O "Chega" é um partido fascista (qual a dúvida?)

Agora que "caiu o Carmo e a Trindade" no parlamento (e fora dele), devido às ofensas dos deputados do "Chega" a uma deputada invisual (algo inédito na sua virulência verbal e discriminatória, contra um deputado no exercício das suas funções) ouvem-se as vozes da indignação. Ainda bem que é assim.

Nada que nos deva surpreender, já que a estratégia de Ventura e seus pares foi, desde o início, mimetizar as práticas de partidos homólogos por esse Mundo fora: de Trump a Bolsonaro, de Milei a Meloni, de Le Pen a Abascal, todos eles se regem pelo mesmo comportamento-padrão: idolatram um líder, atacam o "sistema", discriminam minorias (ciganos, imigrantes, refugiados, negros, mulheres, LGTB, invisuais...) e instigam ao ódio e à violência, sempre contra os mais fracos da sociedade, a quem culpam pelos males de que eles (fascistas) dizem padecer...Não se lhes conhece um programa de governação (para além de um nacionalismo bacoco e da prisão ou expulsão de imigrantes) e, muito menos, uma crítica aos interesses instalados que governam os respectivos países. No fundo, "são fortes com os fracos e fracos com os fortes". Uns tristes.

Ao partido e ao seu líder, muitos já chamaram "populistas", "infantis" e mesmo "arruaceiros" ou "criminosos". Poucos os apelidam de fascistas, ainda que haja excepções (Raquel Varela, Fernando Rosa, Rui Bebiano...). Por alguma razão, são os historiadores a detectarem o óbvio. 

Independentemente das "infantilidades" de Ventura e seus sequazes, há uma estratégia por detrás deste comportamento de "bullying" permanente, dentro e fora do Parlamento. Começou na periferia (quem não se lembra da discriminação contra os ciganos em Loures?), passou para os imigrantes de origem asiática e já vai nos imigrantes ilegais, que o "Chega" associa à criminalidade (!?). 

Acontece que (o partido) foi tolerado quando não devia (depois da primeira tentativa de legalização do "Basta!", que se transformaria em "Chega!" após os primeiros estatutos terem sido chumbados pelo Tribunal Constitucional) ainda que continuem as mesmas práticas depois da reformulação estatutária. O que na gíria se apelida de "um lobo com pele de cordeiro". 

Se (o partido) já era criticável com 1 deputado "infantil", com 50 "arruaceiros" ganhou maior peso e visibilidade, tornando-se incontornável e insuportável. Mas, piorou, a menos que os democratas na AR, que formam a maioria, obriguem o (frouxo) presidente da Assembleia a tomar uma posição inequívoca, uma vez que é ele quem dirige os trabalhos e, portanto, é o responsável último pela ordem e disciplina no hemiciclo.  

Já toda a gente percebeu que este comportamento nada tem a ver com o debate político, mas com ataques soezes e "ad hominem", que mais não pretendem de que instigar o ódio e a divisão entre os pares. Estas práticas são conhecidas do passado (Mussolini, Hitler, etc) e voltaram a estar activas no presente (Trump, Bolsonaro, Milei, Wilders...). Chama-se Fascismo ou (novo)fascismo. Um fascismo de tipo novo. Não perceber estas coisas simples, pode ser fatal.

Umberto Eco, num ensaio clássico ("Como reconhecer o fascismo", Ed. Relógio de Água, 2017), referindo-se ao "Ur Fascismo" (o "fascismo eterno"), definia 14 características existentes na ideologia e prática fascistas. Escreveu Eco: "Não é necessário possuí-las todas, mas basta que esteja presente uma delas para fazer coagular uma "nebulosa fascista" (ibidem). Na prática do "Chega", são manifestas algumas dessas características: idolatração do líder, a procura de "um "bode expiatório" (judeus no passado, imigrantes no presente), discriminação de minorias, racismo, xenofobia, instigação ao ódio, violência verbal e física, etc...

No fundo, é como o "teste do pato": se parece um pato, nada como um pato e grasna como um pato, então, provavelmente, é um pato. 

2025/02/12

Índice de Transparência: a pior classificação de sempre



Foi ontem divulgado o ranking da "Transparência Internacional" (TI), sobre corrupção a nível mundial.  Um índice, criado em 1995 pela TI, que classifica anualmente 180 países membros daquela ONG, de acordo com a (percepção de) corrupção existente em cada um dos países analisados. Trata-se de uma percepção da corrupção e não da corrupção em si.

Sem surpresa, a classificação de Portugal no ranking 2024, quedou-se pela 43a posição, uma queda de nove lugares relativamente a 2023. Esta é a pior classificação de sempre, desde que uma nova metodologia foi introduzida em 2012. Portugal somou 57 pontos (numa escala de 0 a 100) em que países onde existe mais transparência somam mais pontos e países com menos transparência, somam menos pontos. 

De acordo com este critério, os dez países considerados "mais transparentes" (menos corruptos), são: 

Dinamarca (90 pontos), Finlândia (88), Singapura (84), Nova-Zelândia (83), Luxemburgo (81), Noruega (81), Suíça (81),  Suécia (80), Países-Baixos (78), Austrália (77). No fim da lista, estão os três piores países: Venezuela (10 pontos), Somália (9) e Sudão do Sul (8). 

Ainda que Portugal esteja à frente de países como a Espanha e a França, a reputação do nosso país está ao nível do Ruanda e do Botswana e abaixo da média da Europa Ocidental e da União Europeia (64 pontos). Não se pode dizer que seja um bom indicador e muito menos um bom "cartão de visita"...

Há várias explicações para a queda de Portugal no ranking. Duas das justificações, avançadas pela TI, são a "percepção de abuso de cargos públicos para benefícios privados" e "as fragilidades nos mecanismos de integridade pública para evitar abusos". Lendo as conclusões da relatório, não custa pensar em casos mediáticos como a "Operação influencer" (que levaria à demissão de António Costa e posterior queda do governo), o caso "Tutti Frutti" (com 60 implicados, dos dois maiores partidos, a nível nacional), para além da crise na Madeira (onde o presidente da região autónoma está acusado de crimes de corrupção e peculato), entre outros casos menos mediáticos. 

Posto isto, fácil é concluir que é nos países mais desenvolvidos da Europa do Norte - onde os regimes democráticos têm maior tradição e as sociedades são mais inclusivas ("open societies") - que os índices de corrupção são menores; ou seja, onde o "estado social" está mais desenvolvido, há menos desigualdade, maior distribuição da riqueza e, por conseguinte, menos corrupção. Contrariamente, é nos países onde o estado é mais fraco e onde existe mais pobreza e desigualdade, que os índices de corrupção são maiores. Já as ditaduras, por não fornecerem dados fiáveis, estão por definição excluídas deste ranking, o que explica a sua não-classificação. 

Perante estas conclusões, logo se apressaram alguns notáveis (Presidente da República, Juiz Conselheiro do Tribunal de Contas, Partidos da Governação...) a desvalorizar os dados apresentados: que Portugal, apesar de ter descido no ranking, não era um país de corruptos (!?), ainda que a classificação não fosse boa para a nossa "imagem", nomeadamente entre potenciais investidores estrangeiros, que pensariam duas vezes antes de pôr cá o seu capital. Trata-se, portanto (e mais uma vez) da "imagem". Ou seja, não interessa se há corrupção ou não, mas da "percepção" da coisa. O que pensam os "outros" de nós, é a filosofia subjacente.       

Para quem não sabe, uma última nota relacionada com a corrupção e possíveis interpretações do acto em si. Fala-se de corrupção, "quando uma pessoa que ocupa uma posição dominante, aceite receber uma vantagem indevida em troca de prestações ou serviços". Ou seja, qualquer acto de corrupção, exige sempre dois actores, o corruptor e o corrompido, tanto no sector público, como no privado. Da mesma forma que, para além das compensações meramente pecuniárias, podemos distinguir diversos níveis de corrupção. Basta lembrar os "favores" de reciprocidade, como sejam as famosas "portas giratórias", prática em que Portugal se tornou exímio nas últimas décadas, ou não fossemos um país onde o "compadrio" e o "patrocinato", são inerentes à cultura mediterrânica. No fundo, tudo se resume à frase que celebrizou Don Corleone na famosa saga: "I'll make you an offer that you can't refuse" (faço-te uma oferta que não podes recusar). É assim tão difícil de perceber? 

 

2025/02/09

Taxi Driver (37)



Boa tarde, para onde vamos?

- Para perto, hoje é para Benfica. 

Já estou aqui na praça, há mais de uma hora. Estava a ver que não aparecia ninguém... 

- Esta praça não é muito frequentada. À noite, então, é impossível apanhar táxis.

Pois não, os meus colegas têm medo de estacionar aqui. Mas eu vivo no bairro e conheço bem a zona. Já ando nisto há 54 anos...

- 54 anos? Isso é muito tempo. Já podia reformar-se, ou não?

Poder, podia, mas vivia de quê? Tenho 80 anos e uma reforma pequena. Há dias, que nem 10 euros faço. E a família, comia o quê? A minha reforma é miserável e tenho de trabalhar para levar algum para casa. Na noite passada, deitei-me às 6h da manhã e já estou aqui outra vez...

- Porque é que trabalha de noite? De dia, não é melhor?

Sim, mas o táxi não é meu e de noite ganha-se mais. As tarifas são mais altas. Como eu ganho à percentagem, quanto mais serviços fizer, mais ganho. Olhe, o mês passado até tive de empenhar a alianças (mostra-me a mão, sem anéis...). 

- E não tem outro ordenado?

A reforma de taxista, que são à volta de 500 euros, mais uma reforma de combatente. São 120 euros por ano. 

 - Por ano? Mas isso não dá para nada. Onde é combateu? Nas colónias em África?

Sim, era comando. Fui comando durante 4 anos. Estive em Angola e em Moçambique.

- Imagino. Quatro anos de guerra é muito tempo. Um horror.

A quem o diz. Um dos meus melhores amigos, aqui da Amadora, foi meu camarada nos comandos e morreu-me nas mãos. Estava a carregar um lançador de granadas, deitou a granada sem cavilha para dentro do tubo e aquilo rebentou-lhe na cara! Uma desgraça. Ficou todo queimado. Limpei-lhe as feridas como pude, mas não consegui salva-lo. Quando morreu, era deste tamanho (faz um gesto curto com as mãos). Embrulhei o cadáver numa manta, meti-o numa caixa de madeira e despachei-o para a metrópole. 

- As guerras são sempre uma desgraça. Para além dos traumas que deixam...

O meu amigo, já estava meio "apanhado". Saía de noite do acampamento e ia para o meio do mato apregoar jornais: "Olha o Diário Popular! Olha o Notícias!", aos gritos... Tínhamos de ir buscá-lo, pois ainda apanhava um tiro. Conheço mais como ele...

- Sim, há muitas histórias dessas. Eu tive três primos que passaram por África e nenhum deles falava sobre a guerra onde estiveram. Nunca me contaram nada. 

Pois, não. Nunca falam. Isso, não me espanta. A guerra atinge a todos.  

- Bom, parece que estamos a chegar. Pode ficar por aqui. Quanto é que lhe devo?

São €7,80. Se tiver trocado, melhor. Hoje, ainda não fiz nenhum serviço. O senhor é o primeiro cliente...

2025/01/25

Imigrantes: os "bodes-expiatórios" de más políticas

Emigrantes portugueses já a bordo de navio, dirigindo-se para o Brasil... |  Download Scientific Diagram

Os recentes acontecimentos no Martim Moniz relançaram o debate sobre a imigração. Não há cara nem careto, que não se pronuncie sobre o tema, ainda que as opiniões expressas pouco ajudem à clarificação do problema, que data de longe e continua sem ser solucionado.  

Que a direita conservadora e tradicional faça suas as bandeiras da extrema-direita, já é grave e acontece um pouco por toda a Europa. Que os sociais-democratas (vulgo socialistas) entrem neste jogo perigoso, é deplorável. O relativismo começa a tomar conta destas mentes paternalistas, de tal forma que, às tantas, já nem se percebe bem o que defendem. Afinal, a Lei existe, para quê?   

Obviamente que os partidos do poder (PS, PSD, CDS) sempre ignoraram um problema latente há décadas e que nunca foi resolvido: o acolhimento de imigrantes e a sua integração na sociedade portuguesa. Esta situação é (parcialmente) explicável pelo facto de sermos tradicionalmente um país de emigrantes e só há pouco tempo sermos (também) um país de imigrantes. Ou seja, não há um histórico recente de acolhimento e integração de imigrantes pobres, pela simples razão de Portugal ser um país pobre e pouca gente querer imigrar para cá. As pessoas pobres emigram para países ricos.

De resto, muitos destes recentes imigrantes são asiáticos (oriundos de ex-colónias britânicas) e, até há pouco tempo, utilizavam Portugal como "escala" para o Reino Unido. Isto quando os britânicos faziam parte da União Europeia. Com o Brexit, esse estatuto privilegiado terminou e muitos deles ficaram por aqui. 

É verdade que existe um "boom" de imigração, o que dificulta a sua integração, mas pouco foi feito para minorar o problema. Na origem, está a crónica má organização dos portugueses (somos bons a criar, péssimos a gerir) e nesta, como em outras áreas, o caos é gritante (veja-se a saúde, a educação ou a habitação, para citar três exemplos). Dito de outro modo: se os governos (todos, sem excepção) não conseguem resolver os principais problemas nacionais, como esperar que resolvam os problemas dos imigrantes pobres? Neste campo, e após oito anos de governação, o PS não tem desculpa, pelo que a auto-crítica de Pedro Nuno Santos (relativa aos anos de Costa), faz algum sentido. Algum, porque PNS esteve lá todo aquele tempo e é, no mínimo, cúmplice da "bagunça" instalada no SEF.  

Mas, não chega, claro. Há que demarcar-se da direita-extrema. Nesse sentido, a sua entrevista ao "Expresso", não ajuda a clarificar as ideias. Já chega de tantas cautelas. Assuma-se, pois não vai ter muito tempo para isso. O tempo urge e os imigrantes não podem (nem devem) ser moeda de troca.

foto - Emigrantes portugueses já a bordo de navio, dirigindo-se para o Brasil (início do século XX). Carla Mary S. Oliveira

2025/01/21

Trump ou o regresso do Fascismo

Agora que Trump foi empossado e disse ao que vinha, anda meio-Mundo a vociferar contra o programa (i)liberal, que alguns comentadores, "bem-comportados", teimam em apelidar de "populista". Na realidade, não há nada de novo aqui, dadas as intenções manifestadas pelo mesmo presidente americano, na campanha de 2016. 

Ou seja, liberalizar ao máximo a economia, na esperança de que o "mercado" regularize a lei da oferta e da procura (para que todos possam ganhar com isso...), diminuir os impostos, aumentar as taxas de importação e regressar a um modelo de industrialização, abandonado no século XX, que permitiu à China tornar-se a segunda potência económica mundial e o principal competidor comercial dos EUA. De preferência "sem guerras", já que Trump, um homem de negócios, prefere o lucro ao sangue, bastando vender armas às ditaduras mais abjectas do planeta, para que a América seja grande de novo (!?).  Dado que não tem escrúpulos, nunca se interrogará sobre a natureza dos regimes com quem faz negócios, segundo o conhecido provérbio "olha para o que digo, não olhes para o que faço". Um biltre.

Uma vez que o poder imperial americano assenta na força económica e militar, pensa que bastará ameaçar o Canadá, o Panamá ou a Groenlândia, para que estes países se curvem e aceitem as propostas ridículas que fez, pois sabe que, numa negociação, pode sempre obter vantagens. Resta acrescentar, que tais declarações, não só foram completamente recusadas pelos países visados, como ainda existem leis e tribunais  internacionais, onde estas questões são, normalmente, derimidas. Mas, que importância tem isto, para um narcisista patológico, cujo ego é maior que o país que dirige?

Ao mesmo tempo, arranjam-se bodes expiatórios internamente, para sossegar os apoiantes em caso de fracasso, como os imigrantes ilegais, as mulheres, os muçulmanos ou os asiáticos que, ao que consta, "comem cães e gatos, em Springfield". Um tarado, não diria melhor. É esta egocêntrica figura, vencedor das eleições norte-americanas, que irá governar metade do Mundo nos próximos quatro anos. Mas, não está sozinho desta vez. Com ele, os oligarcas mais poderosos do país que, de tão ricos, já têm direito a um lugar na Casa Branca. Lá estavam também alguns (poucos) convidados europeus, como a reciclada fascista Meloni e o envergonhado Ventura. De fora, ficou o palhaço Bolsonaro, a quem confiscaram o passaporte. Pior, era impossível. 

Estamos, pois, a assistir ao regresso do fascismo, agora apoiado por corporações e oligarcas das novas tecnologias (Bezos, Musk, Zuckerberg), já que as "botas cardadas" caíram em desuso. No fundo, o fascismo não é mais do que uma das faces do capitalismo. Quando o lucro do capital não chega (nunca chega!) começa-se por destruir as conquistas sociais dos trabalhadores ou emprega-se a força (a violência é uma das componentes do fascismo) para obter dividendos. 

Ditadores, sempre existiram. O que parece não existir é uma "esquerda" digna desse nome que, de há décadas a esta parte, se demitiu do seu papel transformador, para passar a gerir o chamado "capitalismo de rosto humano" (a chamada "3ª via" de Blair, Schoder, Hollande, Zapatero, Kok, Sócrates...), com os resultados conhecidos. Quando o neoliberalismo actual (iniciado com Reagan e Thatcher) deixou de precisar destes "socialistas de salão", descartou-os ou, na melhor das hipóteses, comprou-os com sinecuras que garantem uma reforma dourada. Veja-se a triste figura que Costa anda a fazer na Europa, ao lado da prussiana que dirige a UE.

Sim, Musk fez ontem a saudação nazi, reproduzida em todas as pantalhas do planeta. Como já tinha elogiado Hitler, interferido na política alemã (ao apoiar o partido neo-nazi do AfD) e criticado a política actual do governo britânico. O mesmo fez Steve Bannon, que fez a saudação nazi ao receber o filho de Bolsonaro e que também faz, frequentemente, Ventura, ainda que de modo mais "envergonhado"... São todos populistas. Mas, também são fascistas e já sabemos como estas coisas acabam: primeiro levam os imigrantes, depois os sindicalistas, mais tarde os comunistas e, quando já não há quem nos defenda...


2025/01/09

Taxi Driver (36)

Edifício J: O Novo Campus de Justiça da Cidade, Descubra o emocionante  universo de site de apostas jogos futebol - vitis.sk

Boa tarde, para onde vamos? 

- Para o Campus da Justiça, sabe onde é? 

No Parque Expo, certo?

- Sim, é para renovar o passaporte.

Ah, já sei. Foi lá que renovei a minha carta de condução. Penso que é no edifício J. 

- Isso mesmo, é uma Loja do Cidadão. Podia ir à Loja das Laranjeiras, que é mais perto, mas está sempre cheia e funciona por senhas. Na Campus da Justiça, já tenho marcação para hoje. 

Não se meta nas Laranjeiras. Aquilo está sempre cheio de "monhés", carregados com papéis, a tratar de licenças de estadia e contratos de casas. Depois, quando têm os papéis, vão viver aos 10 e aos 20, para uma casa, onde pagam 100 euros por uma cama, mas eles não se importam porque estão habituados a viver à "molhada". Muitos nem trabalham...

- Vivem ao "monte", porque ninguém lhes aluga casa e as rendas são caríssimas. Nem os portugueses conseguem arrendar casa em Lisboa, quanto mais os imigrantes pobres! Que culpa têm os imigrantes, que o estado português, que necessita deles, seja mal organizado e mande vir estrangeiros sem lhes dar apoios mínimos? Eu também fui emigrado na Holanda e ninguém vivia debaixo de pontes e tendas nos parques. Porque é que os responsáveis políticos e a polícia, permitem isto? Alguém ganha com este negócio. São as máfias dos empregadores e dos senhorios, para não falar dos advogados, que traficam tudo, a troco de dinheiro.  Os governos sabem e "fecham os olhos"...

Pois, é. Neste país, não se pode viver. Até a minha filha teve de emigrar.

- Tem uma filha emigrada? 

Tenho. É enfermeira. Cá, não se governava, foi-se embora. Agora estamos separados, mas ela está melhor. Aqui ganhava 1200 euros e lá pagam-lhe 4000 libras. Trabalha num hospital ao Norte de Londres, alojamento incluído. Tem um apartamento de 60 m2, com um quarto e uma cozinha aberta. Para uma pessoa, dá. Fui lá visitá-la. Está bem e vai a pé para o trabalho. Os preços no Lidl, do bairro onde mora, são os mesmos de cá. O senhor acredita? 

- Acredito. Falta organização aos portugueses. Não se conseguem organizar cá dentro, quanto mais os que vêm de fora. Já é assim há muito tempo. Com o aumento do turismo e o crescimento da economia, são necessárias pessoas para trabalhar em sectores onde os portugueses não querem trabalhar. 

Se pagarem melhor aos portugueses, eles ficam cá e não precisam de contratar imigrantes.

- Sempre houve migrantes em todo o Mundo. É um fenómeno mundial. O facto de virem pessoas para cá trabalhar é sinal de que a economia portuguesa está a crescer e necessita deles. Em si não é mau.

Pois não. Saiu um estudo há pouco tempo, onde dizem que 60% dos portugueses concordam com a imigração. Não podem é ser tantos e muitos não são de confiar. Eu não concordo com o Ventura, mas ele diz umas verdades. 

- O Ventura? É um fascista. Discrimina as minorias e diz que os ciganos não trabalham e vivem à custa do RSI. Toda a gente diz verdades. Até eu digo. É como os relógios parados. Duas vezes por dia, estão certos. O que é que isso prova?

Eu não voto no Ventura. Eu voto no PSD,  sempre votei. Não sou da extrema-direita. Mas, o que o Ventura diz dos ciganos é verdade. Vou-lhe contar uma história que se passou comigo: quando a minha filha foi para Inglaterra, disse-me para vender o carro dela, pois já era antigo e ela não ia usá-lo. Pus o carro à venda, até que um dia apareceu um cigano todo bem vestido e bem falante, interessado no carro. Mostrei-lhe o carro, ele deu umas voltas, voltou e disse-me que queria comprá-lo. Pedi 1500 euros e ele pagou em dinheiro. Dei baixa do carro, trocámos de documentos e ele foi-se embora. Passadas duas semanas, telefonou-me (com pronúncia de cigano) a dizer que o carro não estava em condições e que queria o dinheiro de volta. Eu recusei e ele ameaçou-me. Se não devolvesse o dinheiro, eu arranjava problemas. Durante uns dias, andei assustado, pois não sabia o que podia acontecer. Passado uns dias, telefonou outro cigano, amigo dele, a ameaçar-me de novo. Ou eu devolvia o dinheiro ou ia arrepender-me. Nessa altura, resolvi contactar um advogado conhecido e contei-lhe o caso. Ele aconselhou-me a tirar uma fotografia do seu escritório e mostrá-la ao cigano. Se ele me tornasse a ameaçar, ia para a prisão. Nunca mais me telefonou!

- Acredito, mas isso não prova que todos os ciganos sejam assim. O mesmo podia passar-se com outra etnia qualquer. Os criminosos não têm nacionalidade. É a mesma coisa que dizer, como o Ventura, que os ciganos vivem todos do Rendimento Mínimo. É mentira. 

É mentira? Têm filhos às carradas e vivem dos abonos de família, sem fazer nada. Muitos não pagam renda e até Mercedes à porta, têm. Do que é que vivem?        

- Isso é um mito, no qual as pessoas acreditam. Sabe quantos ciganos vivem em Portugal? Cerca de 40.000, segundo os dados de 2023. Representam 0,35% da população portuguesa! Sabe quantos recebem RSI? Cerca de 2000 ciganos, ou seja 3,7% da população cigana. Uma treta, que o Ventura conta aos portugueses e na qual só os ignorantes acreditam. Por isso, teve os votos que teve. Ninguém sabe nada. 

Não acredito, que sejam só 40.000. Eles fazem tantos filhos e a população está a diminuir? Esses números são falsificados. Não é permitido indicar a raça nos estudos que fazem, como é que o senhor sabe que são só 40.000? É como os indianos e os paquistaneses, que andam aí nos "ubers". Quantos são? Já ninguém sabe. Nem as autoridades sabem. Muitos nem sequer carta de condução têm.

- Isso é fácil de controlar. As licenças para conduzir um "uber" ou um táxi, devem ser iguais. A carta é um requisito. É como pagar renda de casa. Se têm casas sociais e não pagam renda, os serviços da câmara, podem expulsá-los. Eu, se não pagar renda durante dois meses, também tenho de abandonar a casa. Voltamos sempre ao mesmo. Os estrangeiros são convidados a vir para cá trabalhar e eles é que têm a culpa de que o estado português funcione mal? Sabe donde vêm os ciganos? 

Sei, vêm da Índia. Foram expulsos, por andarem lá a roubar. Ninguém gosta deles. Até os indianos da "uber", correm com eles, quando vêem algum na praça do aeroporto. Não admira, eles conhecem-nos bem...

- Nunca ouvi falar disso, mas pode ser verdade. Dou-me com alguns asiáticos e tenho a melhor impressão deles. Faço as minhas compras em estabelecimentos de bengalis e paquistaneses. Sempre amáveis e simpáticos.

Não se fie. Isso é porque o senhor é homem. Não respeitam as mulheres e abusam delas quando as transportam nos carros. As queixas são diárias. 

- Já ouvi falar disso, também. Não há evidência estatística de que isso é verdade. Quantos casos, quantas queixas? Penso que sabe que a maioria dos criminosos em Portugal são portugueses de origem. O número de criminosos estrangeiros presos é minoritário, por comparação com os nacionais. 

Isso é porque escondem a nacionalidade dos presos. Para a justiça, os ciganos são todos portugueses...

- Pois são. Chegaram a Portugal no século XV e ficaram por cá. Até os expulsaram em 1562, durante a Inquisição, mas acabaram por ficar. Como os judeus, os africanos e outras etnias. Somos um povo com muitas origens. 

Olhe, estamos a chegar. Se quiser levo-o lá dentro, mas pode atravessar aqui, que é mais perto. O edifício J, é o último à direita. São 13,20 euros. Treze euros está bem, que eu não tenho troco. 

Muito bem. Boa tarde e bom trabalho. 

2025/01/03

Ano Novo, Vida Velha

Começou o ano. Como habitual, previsões não faltam. Um ritual, a que nenhum profissional do comentário se furta. Se as previsões não baterem certo, nunca será um problema. Afinal, os prognósticos mais acertados, sempre foram aqueles do fim do jogo.

Pior que as previsões, são as promessas. Poucas são cumpridas e, no caso de promessas políticas, menos ainda. Uma constante de todos os países em diferentes latitudes. "É o que temos", dirão os mais conformistas. Neste campo, Portugal, é paradigmático. Não passa um ano sem balanços do que (não) foi feito, apesar de sabermos de antemão o que falta (sempre) fazer. Dito de outro modo: os diagnósticos são conhecidos, só falta a obra! 

Se perguntarem a um português médio que problemas mais gostaria de ver resolvidos, a maior parte enunciará os habituais: saúde, educação, habitação e salários. Haverá outros (justiça, transportes, mobilidade, corrupção, imigração...), mas, as queixas, são semelhantes. A razão é simples: estes são os problemas básicos de qualquer sociedade e Portugal não é excepção. A diferença está na execução das medidas propostas que teimam em concretizar-se. Porque será?

Quando, há 50 anos, a democracia foi fundada, o programa do MFA assentava em três pressupostos claros e simples, os chamados "3 Ds": Democracia, Descolonização e Desenvolvimento.  Só os dois primeiros se concretizaram. O terceiro "D" continua por realizar, ainda que nalgumas áreas fossem obtidos sucessos inquestionáveis. Podemos dizer que o país está hoje melhor, mas também podemos afirmar que podia estar muito melhor, dados os meios postos à nossa disposição, nomeadamente através dos programas de coesão europeus, verdadeira cornucópia de subsídios dos mais variados tipos para diversas áreas, para não falar no turismo, uma industria que representa hoje mais de 10% do PIB. 

Veja-se o caso da saúde, certamente a maior preocupação dos portugueses. Apesar da criação do elogiado SNS, como explicar as lacunas existentes e a crónica falta de meios humanos e materiais, assinalados por tanta gente, dos utentes aos profissionais da saúde? Nunca, como nos últimos dez anos, se investiu tanto nesta área e, no entanto, as queixas são diárias. Como explicar que uma simples consulta possa demorar meses, quando não anos? Ou as inúmeras filas e horas de espera, nas urgências hospitalares? Para não falar da crónica falta de pessoal médico e dos serviços encerrados? Mais de 1,7 milhões de portugueses sem médico de família? Todos parecem saber as causas, mas os problemas persistem. Falta de dinheiro, falta de pessoal, salários baixos, má gestão?

Ou, o caso da educação. Cada vez que um governo toma posse, é grande a tentação de inovar. Desde  programas e métodos, aos livros utilizados, tudo tem de ser alterado. No entanto, não faltam alunos sem professores e professores desmotivados e em fim da carreira. Os resultados escolares ressentem-se desta caótica gestão e os índices internacionais (Pisa), não mentem. Continuamos mal em níveis de literacia e o abandono escolar é dos maiores da Europa. Uma questão salarial? Também, mas não explicará tudo.

Que dizer da habitação, provavelmente a questão mais premente nos dias que correm? Faltam casas e não se constrói o suficiente para as necessidades. O mercado de arrendamento é praticamente inexistente e o mercado de venda atingiu valores impagáveis. Um ciclo vicioso, agravado pela gentrificação dos centros históricos, convertidos em hotéis e alojamentos locais, o que torna a oferta ainda mais reduzida. Todos os governos sabem disto, todos prometem melhorar a situação, mas não se vê soluções. Há décadas.

A montante destas necessidades básicas, continuam os salários baixos, afinal uma das causas do nosso (sub)desenvolvimento. Durante anos, o patronato apostou num modelo competitivo de baixos salários, que há muito deixou de funcionar. Há duas décadas, que o crescimento económico não ultrapassa os 2%. Sem crescimento, não há distribuição. O país produz pouco valor acrescentado e os melhores quadros emigram para países onde lhes pagam de acordo com as competências obtidas. Emigram os mais qualificados e contratam-se imigrantes para fazer trabalhos que os portugueses não fazem, entre outras razões devido aos baixos salários praticados. 

Também nos investimentos, continuamos aquém das necessidades e dos projectos prometidos e ciclicamente adiados: novo aeroporto, linha TGV, ligações a Espanha, modernização da ferrovia, a lista é extensa. Obras intermináveis que começaram e foram interrompidas, ou que nunca se iniciaram. Qual a razão de tamanha incompetência?       

Enquanto a solução, para todos estes problemas, continua adiada, amontam-se os "estudos" e "pareceres" produzidos por comissões de notáveis, criadas pelos gestores da coisa pública, com o fim de agilizar processos e decisões que nunca mais chegam...

Foi assim no passado e, tudo leva a crer, continuará assim em 2025. Para o ano, cá estaremos, para  avaliar o que, entretanto, foi feito. Resta-nos a esperança, coisa que (dizem) nunca morre. Cinquenta anos depois, o 25 de Abril que nos prometeram, continua por concretizar. Provavelmente, tem tudo a ver com uma questão existencial. Aquela coisa que José Gil tão bem retratou no seu livro: "Portugal, hoje: o medo de existir". Será isso? 

2024/12/20

Percepções (o "novo" fascismo)

New research puts names and faces to victims of February 1941 razzias -  DutchNews.nl

Agora que Portugal passou a ser um país de imigrantes, não faltam estudos e sondagens sobre a matéria.  

Esta semana, a Fundação Francisco Manuel dos Santos publicou os resultados de um inquérito sobre imigração. Há quem lhe chame "percepção". Uma percepção da realidade.

Dados significativos da amostragem feita pela Fundação:

67% dos entrevistados pensam que há mais criminalidade devido aos imigrantes. Não é verdade. É precisamente o contrário: os imigrantes são vítimas da criminalidade.

52% dos entrevistados pensam que os imigrantes recebem mais benefícios do que a riqueza gerada. Não é verdade. Os imigrantes contribuem com 2.200 milhões de euros/ano para o equilíbrio da Segurança Social. Num país envelhecido, como Portugal, os imigrantes são importantes para o equilíbrio demográfico.

43% dos entrevistados pensam que há muitos imigrantes em Portugal e que a sua percentagem é 20%. Não é verdade. A percentagem de imigrantes em Portugal é 10% (a média europeia é 15%).

68% dos entrevistados pensam que os imigrantes podem ajudar a economia, em sectores como o turismo, a agricultura, a construção civil e serviços (hospitais, lares, limpezas, transportes, etc.). Sem imigrantes, a economia colapsava.

77% dos entrevistados pensam que os imigrantes têm direito à reunificação familiar.

De acordo com Bruno Pereira, presidente do sindicato nacional da polícia (portanto, insuspeito na matéria) os resultados da amostragem, são contraditórios e mostram uma falsa percepção da realidade. De facto, não houve um aumento significativo da criminalidade em Portugal, considerado o 7° país mais seguro do Mundo. A percentagem de reclusos, de origem estrangeira, também é inferior à dos nacionais presos. Um dos mais famosos presos, é português e trabalhava para o PCC (Primeiro Comando da Capital), um cartel de droga brasileiro.

Mais dados: com uma baixa taxa de desemprego (6%), o país vê-se obrigado a contratar mão-de-obra estrangeira. De acordo com o Turismo de Portugal, o sector precisa de 100.000 imigrantes/ano para responder à procura actual. O próprio governo reconhece o problema e já anunciou a abertura de cursos para imigrantes, nas áreas da restauração e do alojamento, que incluem ordenado fixo e um mês de estágio após o curso. Se dúvidas houvesse...

Outra "percepção" muito popular, é haver estrangeiros (ilegais) que se aproveitam das facilidades do SNS para serem tratados em Portugal. Qualquer cidadão em Portugal pode ser tratado no SNS, desde que legal, utilize um cartão europeu de saúde ou esteja abrangido por protocolos especiais (ex: cidadãos dos PALOP, Brasil, etc...). A percentagem de imigrantes ilegais, tratados em estabelecimentos de saúde portugueses, é inferior a 2%. Outra inverdade, portanto.

Apesar destes factos indesmentíveis, o governo - para agradar à extrema-direita - desencadeou uma série de operações policiais, com o argumento de criar um "clima de segurança" entre as populações. Depois dos atribulados incidentes em Outubro, que resultaram na morte de um cabo-verdiano, na Cova da Moura, as forças da ordem não têm tido mãos a medir. Todos os meses, os portugueses podem assistir em directo a operações (vulgo "razias") em zonas consideradas problemáticas. Uma das preferidas é a zona do Martim Moniz, centro multicultural por excelência onde, há décadas, coexistem diversas nacionalidades e estabelecimentos africanos, asiáticos e europeus. Não sabemos se aquela zona é mais violenta do que outras, mas segundo a "percepção" dos residentes, a criminalidade está a aumentar. Por isso, "a percepção de insegurança é maior" (Moedas dixit). Mas, então, não havia criminalidade em Lisboa, antes da chegada de imigrantes? E entre os portugueses, nascidos e criados no país, não existem criminosos? As prisões estão cheias. 

Ontem, a cena repetiu-se. Um cordão policial, armado até aos dentes, isolou a Rua do Benformoso, artéria central da Mouraria, onde existe uma grande concentração de estabelecimentos estrangeiros. Durante mais de duas horas, a polícia deteve e revistou os transeuntes, obrigando-os a permanecer de mãos levantadas e com a cara virada para a parede. Pequeno detalhe: só foram detidos estrangeiros, a maior parte deles asiáticos. Uma cena digna do ghetto de Varsóvia! Não é a primeira vez e, de acordo com o primeiro-ministro, outras "razias" se seguirão. Segundo ele, estas operações são importantes para devolver o sentimento de segurança aos residentes da zona. Balanço desta "espectacular" operação policial: duas pessoas detidas, uma arma branca e artigos de contrafação no valor de quatro mil euros (!?).

Lembramos que, há um mês, na mesma zona, foram detidas mais de cem pessoas, numa operação destinada a detectar imigrantes ilegais. Resultado: foi encontrado um ilegal! Perante resultados tão pífios, resta saber se a "percepção", sobre a criminalidade em Portugal, é real ou fabricada. Para a extrema-direita, racista e xenófoba, para quem os imigrantes são o principal "bode expiatório" de todos os males da sociedade, nada como uma boa "razia" para assustar e habituar a população a um estado policial. Que o Chega apoie um estado autoritário, não nos deve surpreender. Que o governo faça suas as bandeiras da extrema-direita, é mais preocupante. Desta forma, o partido de Ventura, não necessita de governar para que os seus métodos vinguem. O PSD toma conta da "ordem". 

Estamos avisados. Resta-nos a esperança que os portugueses, vacinados por 48 anos de ditadura, não se deixem intimidar. A minha "percepção" é que estamos a caminho de um (novo) fascismo. 

2024/12/05

Tempos Sombrios


O Mundo é um lugar perigoso. Sabe-se há muito. Que os conflitos, nos tempos que correm, parecem mais eminentes que nunca, só pode ser coincidência. E, no entanto, eles existem e não devem ser menosprezados. 

Uma pequena listagem, feita ao correr da pena, a partir de notícias diárias: 

Ucrânia - Continua a guerra, iniciada pela Rússia em 22 de Fevereiro de 2022, já lá vão quase três anos. Anunciada como "uma manobra militar, destinada a combater o nazismo e a desmilitarizar a Ucrânia", o conflito internacionalizou-se: primeiro com o apoio da UE, dos EUA e da NATO, à Ucrânia; depois, com o apoio à Rússia, por parte do Irão, da Coreia e da China. Dois blocos antagónicos, que disputam o mesmo território, numa guerra por procuração (proxy war) que está longe de terminar. O que, pensava-se, iria durar uns dias (dada a desproporção de forças em presença) revelou-se uma catástrofe humana e material não-quantificável que, todos nós, estamos a pagar, desde então. As sanções impostas à Rússia, não resultaram e tudo indica que as partes em conflito terão de chegar a um compromisso. Uma trégua imposta pelos mesmos que, durante três anos, continuam a dizer que devemos apoiar a Ucrânia sem limites. Ainda esta semana, numa entrevista à televisão americana, o inefável Blinken (esse arauto da paz!), dizia que a Ucrânia tinha falta de homens para combater e que os jovens entre os 16 e 25 anos também deviam ser incorporados (!?). Ouve-se e não se acredita! Acresce que a Europa continua dividida nesta questão, pois não quer perder o petróleo e o gás russo e, provavelmente, será o "amigo americano" (leia-se, Trump) a ter de "desempatar" a contenda. Um fiasco total para a União Europeia, a braços com uma nova crise financeira e sem meios económicos e militares para financiar uma guerra de longa duração.

Palestina - Iniciada por Israel, como resposta aos ataques do Hamas de 7 de Outubro de 2023, a actual guerra entre israelitas e palestinianos está para durar, pesem as declarações vitoriosas de Netanyahu que, ao fim  de 14 meses, não conseguiu atingir os dois objectivos principais: recuperar os reféns israelitas e derrotar o Hamas. É difícil entender, como é que um dos "melhores" exércitos do Mundo, ainda não conseguiu eliminar um grupo de "terroristas", acantonados num território de 360km2, sem qualquer possibilidade de fuga. Por explicar, há ainda a "inoperância" da Mossad (portanto, um dos serviços de informação mais sofisticados do Mundo) ao permitir o ataque do Hamas de 7 de Outubro (!?). Catorze meses e 45.000 vítimas depois (a maior parte, civis), a comunidade internacional tem já poucas dúvidas. O Tribunal Internacional de Justiça (TIJ), a Amnistia Internacional, a Cruz Vermelha e a ACNUR, vieram confirmar o óbvio: o que as tropas israelitas fazem em Gaza, indicia crimes de guerra e um genocídio étnico contra a população palestiniana, executado com mesma frieza e sanha de vingança nazi, que perseguiu os judeus na segunda guerra mundial. No seguimento das acusações feitas em Haia, o TIJ já decretou um mandato de captura contra os responsáveis palestinianos e israelitas (entre os quais, Netanyahu) pelos crimes cometidos. Será desta que o "carniceiro de Telaviv" é detido e julgado?

Moçambique - A contestação popular tomou conta das ruas de Maputo, após ser conhecido o resultado provisório das eleições nacionais de 9 de Outubro, que indicam Daniel Chapo (Frelimo) como provável vencedor. A oposição, liderada por Venâncio Mondlane (Podemos) já contestou os resultados e apelou à insurreição geral, acusando o partido governamental de manipular as eleições. Uma segunda guerra civil em embrião, que já causou centenas de mortos e pode vir a alterar a ordem vigente no país, governado pelo mesmo partido, desde a independência, já lá vão mais de 40 anos. Mais ao norte, em Cabo Delgado, o exército, apoiado pelas forças da Tanzânia, luta contra o movimento Daesh, infiltrado no país.

Síria - Após anos de relativa acalmia, estalou no país uma nova guerra contra o regime de Assad, agora liderada pelos islamitas radicais do Hayat Tahrir al Sham (HTS), que anunciaram um estado islâmico na região. Em semanas, o movimento conquistou Aleppo e Hama, duas das principais cidades do país e continua a avançar em direcção a Homs e Damasco. Entretanto, a Rússia, secundada pelo Irão, entrou nos confrontos ao lado de Assad, enquanto a Turquia aproveitou a guerra para combater os curdos, os seus principais inimigos internos e externos. Um conflito "adormecido" desde 2016, que pode incendiar o Médio-Oriente, já confrontado com as guerras de Gaza e do Líbano.

Geórgia - Há sete dias consecutivos que milhares de manifestantes protestam nas ruas da capital (Tbilisi), contra o primeiro-ministro, por este ter suspendido as negociações de adesão à União Europeia. Entretanto, o líder do principal partido da oposição foi preso, enquanto a repressão já causou dezenas de vítimas. Curiosa é a posição da presidente do país, que diz apoiar os manifestantes e recusa abandonar o cargo.     

Coreia do Sul - Um golpe de estado improvável, parece ter sido a "lei marcial" proclamada pelo presidente do país, Yoon Suk-Yeol, alegando distúrbios e ameaças comunistas no país. Após seis horas do "estado de sítio", durante as quais o Parlamento foi cercado por uma multidão que protestava contra a medida, o presidente da Assembleia Nacional convocou uma reunião onde garantiu a maioria de deputados (188) que aprovaram uma moção que bloqueou a decisão do governo. Aguarda-se um inquérito e a destituição do presidente do país, agora que os ânimos parecem ter acalmado. Resta saber, até quando.

Alemanha e França - Se, noutras latitudes, a situação não é brilhante, na Europa não parece melhor. Na Alemanha e em França, os principais motores económicos europeus, duas crises governamentais distintas conduziram à queda dos respectivos governos. Na Alemanha, após a demissão do ministro das finanças, provocada pela crise financeira que assola o país, Scholz anunciou eleições antecipadas para Fevereiro; em França, caiu o governo do primeiro-ministro Barnier, depois de este ter aprovado uma lei de Segurança Nacional (sem votação) com base no artigo 49.3 da Constituição. Os principais partidos da oposição ("União Nacional", de extrema-direita e "Nova Frente Popular", de esquerda) opuseram-se à decisão e uniram-se na votação parlamentar que derrubou o governo. O presidente Macron, já aceitou o pedido de demissão do primeiro-ministro e recusa-se a abandonar o governo, ainda que tudo indique poder haver eleições antecipadas que, de acordo com a constituição, não deverão acontecer antes de Maio do próximo ano. Resta saber quais serão as consequências políticas e económicas para ambos os países, confrontados com o avanço da extrema-direita internamente e, no caso de França, com uma dívida pública de 112% e um défice de 6% do PIB (por comparação, Portugal tem uma dívida pública de 97,4% e um défice de 0,4% do PIB). Para os restantes países da União Europeia, as expectativas não são melhores, pois, como sabemos, "quando a economia alemã espirra, a Europa fica constipada"...  

Muitos outros conflitos em África (Líbia, Sudão, Mali...) haveria a assinalar. Falta contabilizar o "efeito Trump", ainda que o governo norte-americano só tome posse em Janeiro. A avaliar pela nomeação dos ministros, teme-se o pior. Na realidade, o pior mesmo é o Mundo continuar "suspenso", enquanto espera por Trump... 

Há quem pense que estas coisas são uma consequência do "ar dos tempos". Os tempos sombrios. 

2024/12/04

Costa Desgosta

Na abertura do Circo da UE, em Kiev, Costa faz um flic flac à rectaguarda, com mortal encarpado à direita. Bravo!...
Ver aqui a reacção do público.

Costa fala em dia “duplamente simbólico” com instituições europeias juntas  em Kiev

2024/11/27

Taxi Driver (35)

Iluminação da Árvore de Natal em Lisboa 2023 - Eventos em Lisboa

Boa noite. Para o Rossio, sff.

- Que caminho prefere? 

É-me indiferente. A esta hora, talvez já não haja muito trânsito... 

- Isso é o que o senhor diz. Vim de lá agora e não se pode andar na "baixa". São milhares de pessoas para ver as iluminações do Natal. Eu até saí de lá para evitar o trânsito...

Bom, se estiver muito mau, posso ficar nos Restauradores e vou a pé...

- Passei esta tarde pela Almirante Reis e lá ainda é pior. Quase não se pode andar, são as iluminações, o lixo nas ruas e os imigrantes a dormirem em tendas. Não é de admirar que a criminalidade esteja a aumentar...

Ah, sim? Não me diga...como é que sabe essas coisas?

- Então, não sabe? Todos os dias há assaltos e não é só em Lisboa...

Deve estar mal informada. Não é isso que eu leio. Ainda esta semana foi publicado uma lista dos países mais seguros do Mundo e Portugal é o 7º país mais seguro, atrás da Islândia, Irlanda, Dinamarca, Áustria...tudo países civilizados. Essa é uma das razões pelas quais os turistas preferem Portugal...

- Talvez, mas estava a referir-me aos bairros antigos, como a Mouraria e o Martim Moniz, onde as pessoas vivem em casas sem condições e dormem dez em cada andar. Principalmente, asiáticos. Até fogos lá há. Não se lembra daquelas pessoas que morreram carbonizadas, numa casa habitada por mais de 20 pessoas?

Lembro-me muito bem. Foi o ano passado. Resta saber porquê. A questão de fundo é que Portugal necessita de imigrantes, convida-os a vir, mas não proporciona as condições mínimas para a sua integração. Estou a falar de emprego, habitação e documentos para se legalizarem. Isto é o mínimo. No entanto, a maioria deles está a trabalhar (ilegalmente), mas desconta para a segurança social! Só processos de legalização pendentes, que a polícia de estrangeiros não consegue processar, são 400.000! Que culpa têm os estrangeiros por esta desorganização? Nenhuma, como é óbvio. Se não conseguem aceitar todos estes imigrantes, estabeleçam quotas por profissões, como fazem muitos países que contratam imigrantes. É fácil de organizar. Desta forma, podem controlar os fluxos migratórios. Eu também estive emigrado na Holanda e sei como se faz.

- Ah, sim? O meu marido também está emigrado na Holanda. Vive em Amsterdão. Para o mês que vem, vou lá passar o Natal. Ele gosta muito de lá estar.

Ainda bem, apesar da Holanda já não ser o mesmo país de há 20 ou trinta anos atrás, quando eu lá vivia...

- Bom, nem todos os imigrantes que cá estão, vivem mal. Tenho amigos na comunidade hindu e eles são muito organizados. Têm escolas, associações, templos, tudo...

Sim, é verdade. Também têm uma educação média superior e recebem muito dinheiro de organismos como a Fundação Aga Khan, entre outras. Tudo isso ajuda à integração.

- O pior são os trabalhadores na agricultura. Conheço bem a situação. O meu cunhado é supervisor numa exploração do Ribatejo e conta-me histórias horríveis. A última foi de uma família venezuelana, um casal com uma filha de 5 anos, que fugiu para cá há uns anos. Só o marido trabalha. A mulher está em casa a tomar conta da filha, que é muito nova para ir à escola. O pai ganha o ordenado mínimo, mas eles têm de pagar 5000 euros a uma organização que os trouxe para cá. Com este ordenado e as despesas para alimentar 3 pessoas, como é possível? Eu até já fiz um peditório na família, para me darem roupa e brinquedos para a menina, pois tenho muita pena deles. A criança está sempre assustada e não fala com ninguém. Coitadinha. Deve estar muito traumatizada.

Sim, há muitas histórias dessas. Se for para o Sudoeste alentejano, ainda é pior. Ali a maior parte dos imigrantes são asiáticos, que trabalham em estufas, na apanha de frutos vermelhos, onde ganham 2,5 euros por hora e vivem em contendores sem condições habitacionais. Basta ir a Beja, Odemira ou Vila Nova de Mil Fontes, para se cruzar com centenas de homens, que todos os dias vão a pé ou de bicicleta para as quintas onde trabalham de sol a sol. Não falam a língua, são pagos miseravelmente e têm de pagar aos passadores, que ficam com os passaportes como garantia, para não poderem fugir. Uma máfia internacional, entre os quais há alguns portugueses, que transportam os trabalhadores sazonais através da Turquia e outros países da região. Isto para não falar dos empregadores portugueses que se aproveitam da situação. 

- Lá nisso, o meu cunhado é diferente. Claro que ele ganha mais (3000euros ou assim), mas também tem mais responsabilidades. Dirige uma quinta de criação de porcos e aquilo é uma trabalheira dos diabos.  Paga a todos os trabalhadores e dá-lhes uma habitação na quinta, perto dali.

Se é assim, já não é mau. Mas, o seu cunhado deve ser dos poucos, a avaliar pelas histórias que vamos lendo e ouvindo. Um país sem rei nem roque, onde os imigrantes (de que necessitamos) são tratados abaixo de cão. Uma vergonha, tudo isto. 

- Estamos a chegar. Afinal, posso descer até ao Rossio. Quer ficar aqui? 

Sim, posso ficar por aqui. Quanto é?

- São 9,20 euros. Boa noite e obrigado.

2024/11/13

O governo X

undefined

Soube-se hoje que Elon Musk e Vivek Ramaswamy, um antigo candidato presidencial republicano, foram nomeados por Donald Trump para liderar um "Departamento de Eficiência Governamental", uma entidade que, como Trump fez questão de precisar, irá operar "fora dos limites do governo,"  abrindo “o caminho para que o meu governo desmantele a burocracia governamental, reduza o excesso de regulamentações, corte gastos desnecessários e reestruture as agências federais”.

A Forbes, essa Variety do mundo da multimilionaridade, diz que, ao dia de hoje, Musk é o homem mais rico do mundo, com uma fortuna avaliada em 308,1 mil milhões de dólares. Vai fazer parte desta entidade que irá operar fora dos limites do governo, para cortar excessos. Esperemos que se entusiasme e corte o excesso obsceno que constitui a sua fortuna pessoal. 

Os outros multimilionários (só as fortunas dos 10 primeiros totalizam 1817,2 mil milhões de dólares), que fazem parte da lista da Forbes, de acordo com os critérios que norteiam a sua elaboração, não deixarão, certamente, de estar atentos e vão querer intensificar a sua legítima luta por um corte equitativo de excessos, fora dos limites dos respectivos governos. Dispõem agora deste modelo dos "Departamentos de Eficiência Governamental", que se vai, certamente, revelar muito útil. Não se percebe por que razão ninguém se lembrou disto antes e esta gente teve de sofrer tanto tempo, tantos vexames e injustiças, sendo obrigada a conviver com tantos excessos e sendo, por vezes até, vítima de alguns governos, que, para sua desgraça, procuraram operar dentro das margens.

E para que não se diga que não há democracia e falta de oportunidades neste mundo da multimilionaridade, o mutimilionário nº1, Musk, vai ser chefiado pelo multimilionário nº 587, Trump. Cuja fortuna, refira-se, por curiosidade, até está abaixo daquela da muito nossa família Amorim, nº 582, que, esperamos, não deixe de participar também na cruzada. 

Para Marte, em força!

Os acontecimentos de Amsterdão (ou o "mantra" do anti-semitismo)

r/Amsterdam - The Portuguese Synagogue in Amsterdam, illuminated with 1000 candles for the Museum Nacht 🤩
Sinagoga Portuguesa de Amesterdão

Muito se tem falado, por estes dias, sobre os recentes motins em Amesterdão, por ocasião do jogo de futebol entre o clube local (Ajax) e o clube israelita (Maccabi Telaviv), a contar para a Champions League.

Após a indignação geral, causada pela violência inusitada entre adeptos dos dois clubes (onde a acusação de antissemitismo foi a mais citada) começaram a ouvir-se declarações e a dispôr de imagens, que permitem ajuizar com alguma distância o que realmente se passou. E o que se passou, não abona em favor das manifestações dos adeptos israelitas, conhecidos internacionalmente pela violência verbal e física em situações análogas, com está amplamente documentado. No entanto, as primeiras reacções aos acontecimentos nos Países-Baixos (e nos media internacionais) foi a de condenação imediata de uma das partes, no caso a perseguição aos adeptos israelitas após o jogo.

Convém lembrar que o "complexo de culpa" de muitos holandeses, pelo colaboracionismo com a ocupação nazi durante a 2ª guerra mundial, explica muito do apoio governamental à comunidade judaica da cidade (implícito no pedido de desculpas do rei ao governo israelita, logo após os motins da passada semana, ao declarar que os holandeses tinham "falhado o apoio aos judeus, pelas segunda vez"...),

Acontece que a prática dos sucessivos governos israelitas (desde 1967) não deixa margem para dúvidas, no que à estratégia sionista diz respeito: a ocupação permanente de territórios palestinianos, após a "guerra dos seis dias". O aumento constante dos colonatos na Cisjordânia, nos Montes Golã e na própria cidade de Jerusalém, é disso o mais claro exemplo. 

No entanto, e após anos de informação unilateral, a opinião pública neerlandesa parece estar a mudar. Basta consultar a imprensa de referência dos Países-Baixos e os inúmeros vídeos que circulam pelas redes sociais, para constatar que há duas versões distintas dos acontecimentos em Amesterdão: foram os adeptos do Maccabi Telaviv, ainda antes do jogo, que começaram com as provocações (nas palavras do comissário da polícia Holla, em conferência de imprensa) seja através de palavras de ódio contra a população árabe, seja pelo derrube de bandeiras palestinas no centro da cidade ou por ataques a taxistas que recusaram transportá-los.

Que, após o jogo, tenha havido uma contra contra-manifestação e perseguições aos adeptos israelitas, por parte dos apoiantes do Ajax, não desculpa de modo nenhum o anti-semitismo implícito nessas acções. Ambos os actos devem ser condenados, os dos adeptos israelitas e os dos contra-manifestantes. Para que fique claro. 

Só que, o "mantra" do anti-semitismo, começa a ser uma desculpa curta para o estado (sionista) de Israel, agora que a recente guerra em Gaza não desculpa a limpeza étnica levada a cabo contra a população palestina. Até porque, os árabes, também são semitas. Não perceber isto e querer confundir tudo, é não perceber nada do que se está a passar.               

2024/11/06

A minha opinião sobre as eleições na América

A Democracia trouxe com ela a possibilidade de exprimir a nossa opinião, dentro de determinados limites, impostos pelos próprios princípios democráticos. Hoje, no rescaldo das eleições americanas, chovem os comentários de todos os lados. Toda a gente pensa que tem, e tem, de facto, direito a largar a sua sentença sobre o tema. Infelizmente, a esmagadora maioria não faz a mais pálida ideia sobre o que está a falar, mas fica toda contente porque tem esta prerrogativa que a Constituição lhe confere. Na melhor das hipóteses, acaba por desservir uma análise correcta dos factos, mas ajuda a aumentar ainda mais o ruído insuportável a que estamos habitualmente sujeitos.

Ora, como vivemos em Democracia, como sublinhei no princípio, também eu tenho direito a contribuir para o barulho. Eis, pois, o que penso sobre a eleição americana.

Lorem ipsum dolor sit amet, consectetur adipiscing elit. Praesent libero nibh, tincidunt ac libero eu, laoreet suscipit justo. Proin convallis pulvinar lorem nec suscipit. Interdum et malesuada fames ac ante ipsum primis in faucibus. Sed feugiat ante lectus, id consequat lacus tincidunt et. Pellentesque ultricies nisi blandit varius eleifend. Proin maximus vitae sem et volutpat. Pellentesque et urna vel dui tincidunt sollicitudin in ac quam. Proin lobortis erat a accumsan interdum. Duis in nibh vel enim ultrices mattis vitae id odio.

Proin dapibus cursus lorem id ornare. Nam tempor felis non urna lacinia, vel tincidunt est tristique. Etiam blandit erat non urna tincidunt, quis dictum mauris lacinia. Aenean a nunc suscipit, condimentum nulla ut, consectetur arcu. Nulla neque dui, dignissim eu volutpat nec, ullamcorper vel ligula. Integer eu nunc id ante rhoncus volutpat vitae at diam. Aenean eget urna nec felis lobortis pulvinar eget et purus. Nam ut nunc dictum, imperdiet magna quis, rutrum turpis. Suspendisse vel pellentesque augue, vel porta lorem. Nulla pulvinar risus vel magna sagittis, eu accumsan tellus euismod. Praesent finibus molestie posuere. In at pretium magna. Vestibulum eu lorem gravida, ullamcorper mi sed, rutrum risus. Nulla facilisi. Cras consectetur diam in ex faucibus, nec faucibus lectus iaculis. Nulla interdum at est ac eleifend.

Sed nec nisi velit. Cras in metus malesuada, tempus tellus vitae, euismod libero. Vestibulum id posuere tortor. Vestibulum ac tortor pulvinar, mollis nisi et, dapibus elit. Vestibulum blandit magna dui, ut sollicitudin turpis fringilla ut. Donec vel vulputate tellus. Fusce a erat justo. Donec risus sem, facilisis quis molestie a, condimentum et mauris. Vestibulum sed efficitur erat, vel finibus eros. Nullam et eleifend ex. Nunc auctor eget enim ac fringilla.

Claro que estou aberto a debate. Vamos ao contraditório...

EUA: o dia seguinte

Imagem REUTERS
Imagem REUTERS

Não há verdadeiramente uma surpresa nos resultados destas eleições. Talvez a vitória esmagadora de um fascista que (et pourtant) apesar do seu discurso xenófobo, racista, misógino e divisionista, conseguiu canalizar as frustrações dos "little men" do Midwest americano. Os votantes do partido republicano não votaram num programa político, mas em Donald Trump, o líder incontestado. Estamos a assistir ao culto do líder, uma constante em todos os partidos autocratas.  

A estratégia (!?) dos democratas foi desastrosa do princípio ao fim: afastamento tardio de Joe Biden, nomeação de uma candidata, sem passar pelo escrutínio das "primárias", pouca preparação de Kamala Harris em assuntos tão importantes como a economia, as relações comerciais com a China e a Europa, a Nato, as guerras da Ucrânia e da Palestina, etc., sobre os quais nunca foi clara e teve sempre um discurso redondo. Um falhanço total que os liberais vão pagar caro. 

Quando apostamos no mal menor, arriscamos levar com o mal maior. É dos livros. Leia-se o Reich da "Psicologia de Massas do Fascismo", escrito em 1933. Está lá (quase) tudo o que devemos saber.

Vem aí o fascismo norte-americano (sempre lá esteve) e, porque tudo o que se passa nos Estados Unidos acaba por influenciar a Europa, também seremos afectados por este resultado. De resto, o fenómeno (do aumento da influência dos partidos de extrema-direita) já acontece um pouco por todo o continente europeu: nalguns países veio de pantufas, noutros de botas cardadas. Por alguma razão, os ditadores de serviço - Putin, Orbán, Le Pen, Erdogan, Netanyhau, Wilders, Abascal ou Ventura - foram os primeiros a regozijarem-se com a vitória do seu homólogo americano.

Será que as forças progressistas, não aprendem?...

2024/11/05

EUA: eleições num país esquizofrénico

How the U.S. election could help shape Canadian politics

Disputam-se hoje as eleições americanas, já consideradas as mais disputadas e, para alguns, as mais importantes da história dos Estados Unidos. 

Não sabemos se assim é, mas uma coisa é certa: um dos concorrentes (Donald Trump) já afirmou não acreditar no resultado eleitoral (!?), enquanto um dos seus principais apoiantes (Stephen Bannon), afirmou que a primeira coisa que Trump deve fazer, é declarar vitória, antes de saber os resultados (!?). Sobre democracia, na primeira democracia do Mundo, estamos conversados.

Nada que surpreenda, num país onde, para além de todas as conquistas e feitos dos últimos oitenta anos (e foram muitas!), o seu lado mais "negro" foi sempre uma constante, dentro e fora das fronteiras. Um política, baseada na doutrina do "pau e da cenoura", onde os aliados são avaliados em função da vassalagem ao modelo liberal (leia-se "mercado livre"), que permite o negócio puro e duro, independentemente de princípios ou ideologias. Há quem lhe chame "Real Politik". Quem a pratica, recebe a recompensa (a cenoura); quem não concorda, é penalizado (com o pau). Uns "democratas", os americanos...

Sobre Bannon, sabemos que é um apoiante do movimento Alt Right e que foi assessor de Trump na Casa Branca, donde sairia após os acidentes racistas de 12 de Agosto de 2017 em Charlotteville (Virgínia), causados pelos movimentos "KKK", "Supremacia Branca" e "Golden Boys", conhecidos pelas suas teorias racistas e de "substituição". O caso provou grande polémica a nível internacional, após o que Bannon se refugiou na Europa, tendo sido acolhido pelo governo italiano de Salvini. onde se dedicou a organizar e a financiar uma internacional europeia de extrema-direita (neo-fascista), com vista a influenciar as eleições europeias de 2019. Este período, está amplamente documentado no filme "The Brink", da realizadora Allison Klayman (2019) exibido no Festival DOCs de Lisboa, em 2020. Pode ser visionado no Youtube, contra o pagamento da módica quantia de $5. Muito educativo. É este mesmo Bannon, entretanto condenado e preso por fraude e peculato, durante a campanha das eleições intercalares americanas de 2018 que, libertado a semana passada, quer declarar à priori a "vitória" de Trump. Para quem tinha dúvidas...

Quer isto dizer que não existem democratas e defensores acérrimos de uma democracia que, justamente, se orgulha dos princípios que defendem a sua Constituição? Existem e representam cerca de metade dos votantes. Para o bem e para o mal, estes votos estão corporizados na candidata do partido democrata, a liberal Kamala Harris, ainda que esta definição seja, para um europeu, algo diferente daquela que defendem os americanos. Difícil? Talvez não. Afinal, Harris, a democrata, defende a pena de morte, a lei das armas que lhe permite ter um revólver em casa (para o caso de ser assaltada...), que afirma defender a solução de dois estados para o problema da Palestina (enquanto aprova o envio de armas para Israel), mas não tem uma palavra de solidariedade para com o povo palestiniano. Sobre a NATO e a guerra comercial com a Europa e a China, não se lhe conhece uma ideia ou visão consistente. Uma liberal, vá...

Para os europeus (que não podem votar nas eleições americanas), a decisão pertence aos cidadãos americanos. Já as consequências desta votação, terão impacto em todo o Mundo, pelo menos no chamado "Mundo Ocidental".  Só amanhã, saberemos. Enquanto esperamos, faço minhas as palavras de Noam Chomsky: "ainda que os europeus pensem que há dois partidos na América, Republicanos e Liberais, isso não é verdade. Só há um partido: o partido do Capital". 

Mais claro, era impossível.

 

2024/11/02

Ao Camilo Mortágua

Partiu ontem, o Camilo. Na despedida, alguns dos muitos amigos que cultivou ao longa da vida. Uma tarde para recordar, neste Outono chuvoso, em pleno Alentejo.

Em 1961, frequentava eu a Escola Secundária Veiga Beirão quando, num dos intervalos, os alunos foram surpreendidos por uma chuva de papéis que caiam do céu em catadupa. Apressei-me a apanhar um, antes que os contínuos os destruíssem na ânsia de "limpar" o pátio. Deve ter sido o primeiro panfleto que vi na vida. Relembro que tinha algo escrito contra o governo de então e exortava os portugueses a revoltarem-se. Guardei-o religiosamente (fruto proibido, é sempre o mais apetecido). Nessa noite mostrei-o ao meu pai que, depois de lê-lo, aconselhou-me a destruí-lo imediatamente, pois era perigoso ter papéis daqueles, em casa... Mais tarde, leria nos jornais que os panfletos tinham sido atirados de um avião da TAP, desviado por um comando armado que, nesse mesmo ano, tinha capturado o "Santa Maria", naquele que foi considerado o primeiro assalto a um navio, em pleno mar alto. Em ambas as operações, o Camilo estava presente. Como estaria presente noutras acções, então já em nome da LUAR, movimento ao qual aderiu em 1967.

Viria o conhecer o Camilo, em meados dos anos setenta, aquando da sua primeira visita a Amsterdão, no âmbito de uma sessão de esclarecimento, sobre a situação portuguesa pós-25 de Abril. A sessão decorreu numa Associação local e lembro-me de ele ter escolhido um canto da mesa, com as costas encostadas à parede. Dessa forma, dizia, sentia-se mais "protegido"...

Os encontros foram-se repetindo, em Portugal e no estrangeiro, em sessões organizadas em colaboração com a cooperativa Era Nova, por ele fundada e com a qual colaborámos diversas vezes na organização de digressões pelos Países-Baixos na década de oitenta.

Voltaria a encontrá-lo em 1992, quando preparava o meu regresso a Portugal e passei uma semana no Alvito para conhecer a cooperativa agrícola que o Camilo dirigia e na qual eu estava interessado. Por pouco não fui para lá trabalhar, apesar desse ser o desejo de ambos.

Reencontrava-o frequentemente, na Associação José Afonso, da qual era fundador e um dos seus animadores permanentes. Lembro-me das suas longas intervenções, não raramente sublinhadas por um sorriso cúmplice que a todos cativava. Um dinamizador nato, que não necessitava de discursos panfletários para expor as suas ideias. 

Deixa um enorme vazio e uma legião de amigos e admiradores que com ele conviveram. Mais do que revolucionário, foi um homem bom e vertical, o Camilo. Partiu ontem.

2024/10/31

Dos bairros periféricos de Lisboa

Earth appears as a flattened disk against the backdrop of space.

A recente morte de um habitante do bairro do Zambujal, no concelho da Amadora, fez manchetes em toda a Comunicação Social, ainda que não tenha sido esta a primeira vez que um morador (negro), de um bairro (periférico) da capital, tenha sido baleado pela polícia. 

A comoção nacional, desta vez, teve mais a ver com a reacção de alguns moradores destes bairros (que optaram pela violência gratuita, provocando motins na área da Grande Lisboa) do que com a morte de um membro da comunidade africana, num bairro considerado problemático. 

O que se passou, afinal? Aparentemente (e até prova em contrário) o cidadão Odair Moniz, de origem Cabo-Verdiana, dirigia-se para casa na madrugada de segunda-feira, dia 21, quando foi interceptado pela polícia de segurança pública por, alegadamente, ter ultrapassado um risco contínuo. De acordo com a versão policial, teria recusado parar e fugido para um bairro vizinho (Cova da Moura) onde o carro que conduzia embateu em vários carros estacionados, acabando imobilizado. Intimado a sair do carro, recusou deitar-se no chão, para ser algemado e, perante a resistência, a polícia, após dois tiros para o ar, baleou-o com dois tiros mortais. O comunicado oficial da PSP refere ainda, que o suspeito, ameaçou a polícia com uma "arma branca" e conduzia um carro roubado. Esta, a primeira versão dos factos. 

Passada mais de uma semana sobre os acontecimentos, e enquanto decorre o inquérito instaurado pelo MP, vão sendo revelados detalhes importantes. Assim, a versão oficial da polícia revelou-se falsa, já que a vítima não puxou de nenhuma arma branca e o carro não era roubado, mas do próprio (declarações dos policias que o prenderam). Mais, existem vídeos, feitos por testemunhas do acontecimento, que provam os polícias nada terem feito para retirar o corpo baleado do local, quando este ainda apresentava sinais de vida. Uma intervenção rápida, poderia tê-lo salvo. Posteriormente, podiam sempre prendê-lo e iniciar o processo criminal respectivo. Também sabemos que o polícia, que baleou Moniz, era um jovem recruta (22 anos), sem experiência, que patrulhava o bairro há pouco tempo. Está suspenso e foi constituído arguido. 

Como é habitual nestes casos, os habituais detractores, apressaram-se a justificar a morte de Moniz, como um acto de legitima defesa, cometido pela polícia, contra um (ex) traficante de droga. Sim, é verdade que Moniz tinha sido condenado e preso por actividades ilegais. Cumpriu a pena e há oito anos que levava uma vida normal, sendo dono de um estabelecimento comercial e tendo uma actividade de animador social, reconhecida no bairro. 

Que os chamados "bairros problemáticos" existem e a vida neles é tudo menos fácil, é do senso comum. Não só em Lisboa, como em S. Paulo, Luanda, Nairobi, Cairo, ou Bogotá. Mais do que olhar para a árvore, há que olhar para a floresta. Não é isso que fazem os "comentadores de sofá", isolados na suas zonas de conforto, que preferem dividir a sociedade em "bons" e "maus" e colocar a polícia (por defeito) no primeiro grupo. Acontece que existem maus elementos no grupo dos "bons" e vice-versa. Não perceber estas coisas simples, é tramado, mas também há quem negue as alterações climáticas ou afirme que a Terra é plana e não é por isso que o planeta deixa de girar. 

Sim, os bairros são "problemáticos" e vivem neles elementos marginais que não contribuem para a urbanidade desejada e praticada pela maioria dos seus habitantes. Sei do que falo: vivo num bairro, a menos de 500 metros do Zambujal e da Cova da Moura e dou-me com alguns dos seus moradores. Tudo gente normal, que sai diariamente para os seus trabalhos, na construção civil, nas limpezas, nos hospitais, nos lares de terceira-idade, na restauração, etc. São maioritariamente africanos, brasileiros e portugueses, mas também há ucranianos e asiáticos. Nestes, como nos restantes bairros da periferia de Lisboa, a situação é idêntica. Milhares de imigrantes, a maioria com nacionalidade portuguesa, que contribuem com mais de 1600 milhões de euros anuais, para a Segurança Social. Sem eles, a economia portuguesa colapsava. 

Acontece, que a maioria destes bairros foi construída (ilegalmente) após o 25 de Abril, por populações africanas vindas das ex-colónias, em meados dos anos setenta. Privados de tudo, sem conhecerem o país que os acolhia e mal falando português, aceitaram as condições oferecidas e começaram a trabalhar no que surgia, muitas vezes construindo a sua própria habitação aos fins-de-semana, em terrenos camarários e privados. É o caso da Cova da Moura (onde foi baleado Odair Moniz), até há cinquenta anos uma quinta (propriedade da família Canas) de 19 hectares, onde cheguei a jogar futebol quando era adolescente. 

Pergunta: que culpa têm os imigrantes africanos da primeira geração, acolhidos após a descolonização, que as autarquias portuguesas tenham permitido construir casas e bairros inteiros, sem qualquer infraestrutura pré-existente? Alguém imagina, isto ser possível, num país organizado e onde existe um estado forte? Claro que não. Basta comparar as sociedades desenvolvidas do Norte da Europa, com países subdesenvolvidos, como era Portugal em 1974. Hoje, a situação é diferente. As primitivas barracas (quase) desapareceram, mas as populações dos bairros "sociais", construidos nas últimas décadas, ainda continuam à espera de estruturas condignas (escolas, centros de saúde, espaços verdes, associações...) para além de um policiamento de proximidade, que lhes devolva um sentido de comunidade e integração, que não existe e tornou estes bairros verdadeiros guetos. Não é pois, de admirar, que a marginalização produza marginais, aos quais os governantes respondem com mais repressão policial. 

No entanto, há um padrão na actuação da polícia, nos bairros considerados "sensíveis". O cronista do "Público", Manuel Loff, deu-se ao trabalho de inventariar as mortes provocadas pela polícia nestas comunidades: "1987, Fernando Semedo, Queluz;1994, Romão Monteiro, 33 anos, cigano , morto em Matosinhos, enquanto estava detido e algemado; 2001, Ângelo Semedo, 17 anos; 2002, António Pereira 25 anos, operário, membro do Centro Operário Africano de Setúbal, morto no bairro da Bela Vista; 2003, Carlos Reis, 20 anos, morador no Zambujal, baleado na cabeça, por um polícia durante uma operação-stop; 2004, José Carlos Vicente, 16 anos, morador no bairro 6 de Maio, Amadora; 2005, João 17 anos, morador no Bairro Amarelo, Almada, morto pela GNR; 2009, Elson Sanches, 14 anos, Quinta da Laje, Amadora, abatido à queima-roupa; 2010, Mc Snake, rapper, 30 anos, Alcântara, Lisboa, baleado após uma operação-stop; 2013, Diogo Filipe Borges, 15 anos, bairro 6 de Maio, depois de torturado na esquadra de Alfragide; e, agora, Odair Moniz, 43 anos, Zambujal, quatro tiros, dois mortais, à queima-roupa" ("Público", d.d. 30/10/24).

Ora, nada destas coisas, acontece por acaso. Se é verdade que existem criminosos nos bairros  "problemáticos", não é menos verdade que a maioria das suas populações é gente normal e integrada. Também não se percebe, porque é que a polícia dispara quando, na maioria dos casos, não há resistência, muito menos armada. Estamos perante uma cultura existente nas forças de repressão, que não sendo transversal a toda a corporação, existe e deve ser fruto de análise cuidada por parte da tutela, pois os relatórios internacionais sobre a actuação da polícia portuguesa (denúncia de abusos, tortura, etc...) são conhecidos das próprias autoridades. Ninguém imagina, um português branco, na Avenida de Roma, na Lapa, ou em Telheiras, ser algemado em plena via pública e, muito menos, alvejado a tiro em pleno dia.

Se não é discriminação, parece. É bom que seja reconhecida e atalhada enquanto é tempo. Enfiar a cabeça na areia e continuar a afirmar que não há racismo em Portugal, é a pior das respostas.

2024/10/20

Taxi Driver (34)

When Did Humans Start Waging Wars? | HISTORY

Bom dia, como está?

- Bem, obrigado e o senhor?

Estou aqui há mais de uma hora à espera de um cliente...

- Bom, já tem um. Para o Centro Comercial Colombo. Não é muito longe.

Vamos lá, então. Vai às compras?

- É verdade, sábado, dia de compras...

Eu já fiz as minhas. Os filhos e os netos queriam estar com o avô e eu comprei, ontem, tudo. Os preços, estão pela hora da morte. Polvo a 18 euros o quilo! Nem queria acreditar.

- É verdade. Tudo aumentou nos últimos anos e não vai parar...

Também penso que não. Nos últimos anos, tem sido uma desgraça! É crise, atrás de crise.

- Pois é. Tivemos cá a Troika, depois o Covid e, agora, as guerras. Já são duas e estão para durar...

Não há ninguém que pare isto? Esta gente é doida e nós é que pagamos. Já viu?

- Somos sempre nós, os que não queremos a guerra, que pagamos. Já é assim, há muito tempo...

Esta gentalha, que provoca estas desgraças todas, devia ser presa e posta perante um tribunal de juízes e cientistas, que lhes mostrassem o mal que provocam no Mundo, que só causa morte e destruição. Depois eram julgados, como foram na 2a guerra, e pagavam pelos seus crimes. Fuzilados ou presos à vida, sei lá! Uns sem-vergonha.

-  Não há escrúpulos. Enquanto a guerra der lucro (a indústria do armamento é a indústria que mais dinheiro dá) não vai parar! O lucro, é o motor por detrás desta loucura. Uns perdem com a guerra, para os outros ganharem com ela. Já imaginou o que vai acontecer, se a guerra no Médio-Oriente continuar a alastrar e chegar ao Irão, um dos principais produtores de petróleo no Mundo? O preço do petróleo vai disparar e isso vai afectar o comércio a nível internacional. O preço da gasolina aumenta, o transporte das mercadorias também, e por aí fora...Foi assim em 1973, na guerra Árabe-Israel. Lembro-me bem desse ano. Eu vivia na Holanda e os cortes na gasolina foram tão brutais, que o governo proibiu a circulação dos automóveis aos domingos, para poupar combustível! A crise petrolífera, desse ano, mudou tudo. 

Pois foi. Conheceu o "Diário de Lisboa"? Nessa altura, publicou um desenho, onde se viam vários homens através da História: o primeiro levava uma marreta às costas; o segundo, um arco e uma flecha; depois um, com uma espingarda; o seguinte com um canhão; outro com um tanque e, o último, um com um lança-mísseis. A legenda, era: "Será que, agora, a guerra vai acabar?". Pelos vistos, não.

- Claro que não. Faz parte da natureza humana. A ganância e a luta pelo poder vão continuar e, por isso, são "precisas" guerras. Como escreveu alguém, "a guerra, é a economia por outros meios". Isto, está tudo ligado. Neste momento, ninguém sabe (ou quer) parar as guerras em curso. Estamos à beira de uma catástrofe, que ninguém poderá controlar. Andamos há anos nisto e não se vê soluções.

É isso mesmo. Bem, já chegámos. São €6,20. Se não tiver trocado, dá-me só seis euros. Bom dia e obrigado pela conversa. Tenha um bom fim-de-semana.

Bom fim-de-semana.