2025/06/25
2025/06/20
Fascismo 3D
Sem surpresa, foram desmanteladas duas milícias neonazis nos últimos dias, que integravam agentes das forças de segurança nas suas hostes.
A Comunicação Social refere uma obscura organização que dá pelo nome de Movimento Armilar Lusitano (MAL) que incluía 4 agentes, entre duas dezenas de pessoas sinalizadas pela polícia. "O MAL é descrito como sendo uma milícia armada, com suspeitas de actividades terroristas, discriminação e incitamento ao ódio e à violência. Na operação da Unidade Nacional de Contra-Terrorismo (UNCT) foram apreendidos explosivos, armas brancas e armas de fogo, Foram ainda encontradas armas desenhadas em impressoras 3D com capacidade para disparar, algo inédito em Portugal" (in "Público" d.d. 19 de Junho). Dos planos apreendidos, constava um assalto ao parlamento, ao palácio presidencial e ataques a diversas personalidades políticas.
O que é que isto nos diz? Provavelmente, que a ideologia e métodos fascistas, não sendo de hoje, existem há muito na sociedade, aguardando uma oportunidade para actuar. A chegada de um partido fascista ao parlamento em 2019, deu-lhes a confiança necessária para se mostrarem e exibirem a violência e o ódio que sempre os caracterizam. A violência é a principal característica do fascismo.
Só que, estas coisas não surgem do vácuo (como diria o outro) tendo causas mais profundas. Uma delas é a herança da ditadura, longa de 50 anos, para além da ignorância que continua a influenciar grandes estratos da população. De acordo com dados recentes, a iliteracia funcional entre os portugueses é de 42% (in "Observador" d.d.18/12/24). Ou seja, cerca de metade da população, não entende o que lê. Este dado vale o que vale, mas não deve ser menosprezado.
Como explicar o nível de abstenção crescente (um dos mais altos da Europa) nas eleições em Portugal? Ou a pouca participação cívica dos portugueses em assuntos nacionais e internacionais? Não há cidadania, e este é um problema cultural que influencia todo o resto.
Durante muito tempo, as forças democráticas, que emergiram após o 25 de Abril, dominaram a arena política e pensou-se que bastava votar de quatro em quatro anos e descer anualmente a Avenida da Liberdade, para garantir a Democracia. Os fundos europeus de coesão alimentaram essa ideia e as gerações, que fizeram o "25 de Abril", reformaram-se, passando a "participar" na política através da televisão. O "sofá" substituiu a democracia participativa. A posterior liberalização de costumes e a cultura do consumismo, criou a ideia, numa certa classe média, de que já éramos europeus, porque já podíamos comprar tudo como na Europa. Ter ou não ter "roupa de marca", substituiu a "luta de classes". Naomi Klein, socióloga e activista canadiana, escreveu um livro seminal sobre esta questão (No Logo).
Só que...os tempos e os contextos mudam. A crise do "crédito fácil" (subprime) em 2008, foi o primeiro sinal de alarme a afectar todo Mundo Ocidental. Seguiu-se a crise das "dívidas soberanas", das quais Portugal é um caso paradigmático (com a intervenção da Troika em 2011) e, mais tarde, a crise pandémica, terminada em 2021. Ainda mal refeitos do vírus, e quando tudo parecia acalmado, começou uma guerra que criou mais inflação, o que hoje afecta toda a população. Se é assim em países mais desenvolvidos, porque seria diferente em Portugal, um dos elos fracos desta corrente?
É neste contexto, que os portugueses mais desfavorecidos, com ou sem razão, procuram uma alternativa ao pântano actual. Esta é, certamente, uma das explicações para os votos no partido populista, cuja única actividade conhecida é a denúncia de um "sistema" que corrói a República.
Só que, esta constatação, não explica tudo. Concorreram às últimas eleições cerca de 20 partidos. Porque é que podendo votar num partido fora do "arco da governação", 1,5 milhões de portugueses optaram pelo pior deles todos? Hoje, 40% dos jovens, entre 18 e 34 anos, dizem apoiar o "Chega". Alguma coisa está mal na sociedade e não são apenas as questões sócio-económicas que as explicam.
Não partilho da opinião que são todos "coitadinhos" e devemos tentar entender as razões deste voto de protesto, contra o "sistema". Mas, qual sistema, se a "seita", que dá pelo nome de Chega, outra coisa não deseja do que pertencer ao sistema que tanto criticam? Penso que existe um certo "paternalismo" de esquerda nesta observação: procura-se justificar a ignorância, argumentando com uma entidade (o povo) que terá sempre razão (!?). Não é verdade. Quando os nazis cometeram os crimes que conhecemos, a maioria da população alemã apoiou-os. Mais tarde, quando interrogados, diziam que não sabiam...
É por isso que o aparecimento de milícias neonazis, apoiantes da ideologia do partido fascista no parlamento, não deve constituir uma surpresa. Constitui um aviso para o que aí vem. Não aprender com a História, pode revelar-se fatal. Quem adormece em democracia, pode acordar em ditadura.
2025/06/14
Seis dias que não mudaram o mundo
ataque aéreo de Israel perto do Hospital Augusta Victoria
Em Junho de 1967, teve lugar a chamada "guerra dos seis dias".
Socorro-me da Wikipédia:
No final [desta] guerra, o Estado de Israel controlava toda a área que a ONU havia proposto para um estado judeu, bem como quase 60% da área proposta para um estado árabe, incluindo as áreas de Jaffa, Lida e Ramle, a Alta Galileia, algumas partes do Neguev, a costa oeste até a Cidade de Gaza e uma ampla faixa ao longo da estrada Tel Aviv-Jerusalém. Israel também assumiu o controlo de Jerusalém Ocidental, que deveria fazer parte de uma zona internacional para Jerusalém e seus arredores. A Transjordânia assumiu o controlo de Jerusalém Oriental e do que ficou conhecido como Cisjordânia, anexando-a no ano seguinte. O território conhecido hoje como Faixa de Gaza foi ocupado pelo Egipto.
As expulsões de palestinos, que haviam começado durante a guerra civil, continuaram durante a guerra árabe-israelita. Centenas de palestinos foram mortos em múltiplos massacres, como os ocorridos nas expulsões de Lida e Ramle. Esses eventos são conhecidos hoje como Nakba (em árabe, "a catástrofe") e foram o início do problema dos refugiados palestinos. Um número semelhante de judeus mudou-se para Israel durante os três anos seguintes à guerra, incluindo 260 000 que migraram, fugiram ou foram expulsos dos estados árabes vizinhos. (https://en.wikipedia.org/wiki/Six-Day_War#)
Eu tinha acabado de fazer 18 anos e lembro-me bem da reacção de alguns (poucos) amigos e conhecidos da altura, uns quantos, inclusive, que tinham continuado a « estudar », portanto, já na faculdade. Em vésperas, pois, do Maio de 68, da crise académica de 69, do II Congresso de Aveiro, etc., exultavam com a golpada dos israelitas e ficaram em puro êxtase com o "brilho" da operação militar. Tudo isto enquanto se preparavam, caninos, para se irem bater pelo império. Pormenor não menos importante: a imprensa oficial da altura (de um modo geral), em especial a RTP, que já tinha um enorme ascendente sobre a comunicação no país, seguiu este tom laudatório.
Quase 60 anos depois, 51 anos depois do 25A e de, suposta, Democracia, continuamos na mesma.
Convenhamos: algo falhou redondamente.
2025/06/13
Eixos do Mal...
Pela segunda vez, no espaço de um ano, Israel voltou a atacar o Irão, argumentando tratar-se de um ataque "preventivo" (!?) para impedir aquele país de fabricar bombas nucleares no futuro.
Obviamente que, este ataque (à revelia de todas as leis internacionais), foi concertado previamente entre o Netanyahu e Trump, o qual, esta semana, tivera conversações com o governo iraniano para conseguir uma solução diplomática para o conflito. Tanto quanto se sabe, as conversações entre os EUA e o Irão não tinham ainda terminado, pelo que é lícito supor que Trump jogou em dois tabuleiros, prometendo uma coisa e o seu contrário aos inimigos da região. Ou seja, o presidente americano fez o papel de "polícia bom", enquanto Netanyahu, o de "polícia mau". A táctica do pau e da cenoura.
Se dúvidas houvesse sobre o verdadeiro "eixo do mal" (não confundir com o conhecido programa televisivo) ele está bem patente na aliança entre os governos (para-fascistas) dos EUA e de Israel, que continuam, impunemente, a pôr o Mundo a ferro e fogo.
Já a Europa, sem liderança, limita-se a emitir comunicados inócuos, que mais não representam do que a sua total incapacidade de influir o que seja, no Mundo actual.
Não é para admirar: com políticos medíocres como Von der Leyen, Kallas ou Costa (o cavaleiro de triste figura) a União está entregue a negociantes de armas, que justificam o aumento da contribuição para a NATO, como forma de "prevenir" uma guerra, para a qual não haverá "kits" de sobrevivência que cheguem...
2025/06/12
10 de Junho: o dia da "raça" está de volta...
Dois acontecimentos dominam as discussões e opiniões escritas esta semana.
O primeiro, cronologicamente o mais badalado, foi o discurso de Lídia Jorge em Lagos. Já toda a gente teve tempo de o ler e comentar, sendo o seu elogio quase unânime. Através de Camões (et pour cause) a escritora utilizou a obra do poeta, para enaltecer as nossas virtudes e defeitos, através da História. Houve quem visse, naquele texto, uma apologia do colonialismo de miscigenação (!?) e, até, um pedido de desculpa aos povos escravizados. (!?). Nada disso. Tratou-se, e bem, de desconstruir a ideia da "raça pura" construída pela ideologia do Estado Novo e, mais recentemente, recuperada pelo partido fascista no parlamento. Não perceberam nada do que foi dito ou, o que é pior, não quiseram perceber. Burros velhos não aprendem línguas.
Porque o tempo não pára, no mesmo dia em Lisboa, um grupo de energúmenos agrediu diversos actores da companhia de teatro A Barraca, tendo um dos actores sido esfaqueado e recebido tratamento hospitalar. Resta acrescentar que, o bando de criminosos responsável por tal acto, é conhecido da polícia como pertencente ao movimento neonazi "Blood and Honour", com ramificações internacionais. Estes dados são conhecidos da polícia.
Não há surpresas aqui. A extrema-direita (fascista) está em crescendo em toda a Europa e era uma questão de tempo até chegar a Portugal. Todas as "modas" chegam sempre mais tarde. Se em países mais desenvolvidos (e supostamente mais cultos) os movimentos fascistas chegaram ao poder (Itália, Países-Baixos, Áustria, Suécia...) porque é que não podiam cá chegar?
Somos um país semi-analfabeto (42% de iliteracia funcional); pindérico (2 milhões de pessoas a viver abaixo da fasquia de pobreza, calculada em €672/mês); com níveis de corrupção generalizados (a começar pelo primeiro-ministro actual); "crente" (o Chega é uma "igreja" e Ventura o tele-evangelista de serviço); logo, estavam reunidas todas as condições para a chamada "tempestade perfeita". Foi agora e vai, provavelmente, piorar.
Como se explica que a polícia conheça as imagens dos agressores dos actores de "A Barraca" (eu vi-as na TV) tenha identificado o agressor (que esfaqueou Adérito Lopes) e o tenha deixado sair em liberdade? E onde estão os protestos dos partidos dito democráticos, a começar pelo PS? A única explicação é a polícia estar infiltrada pelos fascistas do Chega (o sindicato "zero" é afecto aquele partido) e o restante corpo policial não ser respeitado, como sublinhou um especialista em segurança nacional...
Ora, como sabemos, a criminalidade é maior num estado que seja fraco. Quanto mais desordem, melhor. O caos, é o "caldo" ideal para repressão. É nele, que germinam os "salvadores da pátria" e os demagogos como Ventura. Está em todos os livros sobre a matéria. Só não sabe quem não quer.
2025/05/31
In Memoriam: Fernando Venâncio (1944-2025)
Ontem perdi um amigo. Dos grandes. O Fernando Venâncio. Faleceu em Beja, onde estava internado há alguns anos.
Do Fernando Venâncio, estão hoje a lembrar-se os seus mais próximos, aqueles que tiveram o privilégio de o conhecer pessoalmente. Não podia ficar atrás. Junto o meu depoimento.
Morreu um homem bom. Bom na ciência, à qual dedicaria a maior parte da vida; na vida académica terminada com brilho; nas muitas publicações, editadas em livro e dispersas por jornais e revistas onde colaborou; na amizade, que nunca negou.
Conheci-o em 1971, poucos meses após a sua chegada à Holanda (hoje, Países-Baixos), numa das muitas assembleias de exilados políticos, vulgo "refugiados", que à época demandavam Amsterdão. Éramos centenas, mas faltava-nos o mais importante: uma organização representativa. Daí, os inúmeros encontros entre os mais antigos e aqueles que iam chegando e necessitavam de informações que os ajudasse numa integração mais rápida.
Era a fase da entreajuda possível, partilhas da habitação em colchões improvisados e acompanhamento durante o processo de legalização, o que implicava a passagem por uma das organizações sociais existentes, encontrar um advogado "pro-deum" e a ida à polícia de estrangeiros. Cumprido este ritual, que podia demorar meses, a polícia de estrangeiros fazia a triagem possível e atribuía, a cada um de nós, um estatuto. Aos desertores, como o Fernando, era aceite o pedido de asilo, que implicava uma habitação condigna e uma bolsa de estudo, para aprender a língua e prosseguir a formação académica. No caso do Fernando, não necessitou sequer de passar pela escola onde era leccionado o neerlandês, para falar fluentemente a língua, da mesma forma que lhe deram a equivalência ao bacharelato, para reiniciar os estudos na Universidade de Amsterdão.
Perdi-o de vista, entre 1971 e 1972, mas viria a reencontrá-lo, no início do ano académico de 1972-1973, na biblioteca universitária que ambos frequentávamos. A amizade continuou e, ainda que em faculdades diferentes, os encontros eram frequentes. Falava-se de tudo e havia sempre tempo para uma conversa no "coffeshop" ao lado da biblioteca. Tempos febris, mas de esperança, já que ninguém acreditava ficar muito tempo no exílio.
Com o 25 de Abril, a maior parte dos refugiados portugueses voltou à pátria. Ficaram os mais antigos e integrados na sociedade holandesa, os que constituíram família ou estavam a estudar com bolsas do estado. O Fernando pertencia ao segundo grupo. Uma vez terminado o curso, em 1976, candidatou-se a um lugar vago no departamento de português da Universidade de Nijmegen, onde leccionou durante anos e onde o visitei por diversas vezes.
Em inícios da década de oitenta (passados os "anos loucos da revolução"), um grupo de ex-exilados criou, em Amsterdão, o "Círculo de Cultura Portuguesa na Holanda", uma fundação que se propunha dinamizar e divulgar a cultura portuguesa nos Países-Baixos. Éramos subsidiados, o que permitia ter uma local de encontro, organizar exposições, eventos musicais e literários e publicar uma revista semestral cujo nome (Vertical) foi sugerido pelo Fernando. Desnecessário acrescentar que o Fernando se tornou um orador frequente, seja falando da sua amada língua, seja declamando, seja colaborando activamente na revista, onde era escritor residente.
A revista terminaria em finais da década, mas a colaboração do Fernando com o "Círculo" continuou, agora mais próxima, uma vez que ele passou a leccionar em Utrecht, o que facilitava a deslocação. Em caso de necessidade, pernoitava em minha casa, para não ter de regressar no último comboio.
Posteriormente, o Fernando seria convidado a leccionar na Faculdade de Letras de Amsterdão (onde substituiria o escritor Rentes de Carvalho, entretanto reformado), o que possibilitaria novos e enriquecedores encontros. Aproveitei para convidá-lo a participar num documentário para a televisão holandesa, por mim escrito e coordenado, sobre "ex-exilados na Holanda". Aceitou de imediato. Uma semana de convívio inesquecível, onde pudemos mostrar as suas diversas facetas: familiares, académicas e de escritor.
Em meados da década de noventa, regressei a Portugal. Os encontros começaram a rarear, ainda que nas minhas visitas anuais a Amsterdão, ou na Feira do Livro de Lisboa, houvesse sempre tempo para trocar dois dedos de conversa.
Quando o convidei para apresentar um livro sobre "exílios" onde colaborei, nem hesitou. Seria em Outubro de 2016, em Amsterdão e ele foi um dos "mestres de cerimónia". No ano seguinte, repetimos a "dose". De novo na capital holandesa, agora numa sessão organizada pela Q'art sobre música e literatura portuguesa. O Fernando, seria o principal orador e falaria sobre a "inveja" e a "competição" no meio literário português. Tudo, em neerlandês, com o ar mais sério deste Mundo. O que eu me ri...
Em 2017, telefonou-me: "Olha, afinal, sempre vou regressar a Portugal! Vendi a casa de Amsterdão e vou para Mértola. Tenho lá uma casa e vive lá uma das minhas filhas, com o meu neto". Óptimo, pensei.
Em Mértola, visitei-o por duas vezes: em 2019 e em 2021. Achei-o bastante fatigado, mas ocupado e entusiasmado como sempre. O seu livro "Assim nasceu uma língua" já ia na terceira edição e tornara-se um "best-seller". Não entendia como é que os linguistas portugueses não tinham ainda chegado às mesmas conclusões. Bastava ter estudado mais um pouco, concluía...
Soube pela família do seu internamento, numa residência sénior em Beja, vai para três anos. Visitei-o em 2023 e em 2024. Nessa altura, planeavam homenageá-lo em Utrecht e pediram-lhe um depoimento gravado. Escrevi um texto, a pedido, que ele aprovou. A última conversa, seria telefónica, em Agosto de 2024. Passava por Beja, e desejava vê-lo. Preferiu não receber-nos, por considerar não estar a passar um bom momento...
Ontem telefonou-me um jornalista do "Público", também amigo de longa data: "se eu sabia alguma coisa do Venâncio? Não, porquê? Consta que morreu". Pus-me em campo e confirmei a notícia.
Agora é tarde. Resta a "despedida" em Mértola, a terra que o viu nascer. Mais do que um intelectual de craveira, perdi um amigo de excepção. Afinal, foram mais de cinquenta anos de convívio fraternal e solidário. Inesquecível, o Fernando Venâncio. Não me conformo.
Nota- A foto foi retirada do blogue 7Margens. Familiares e amigos de Nuno Teotónio Pereira em 1970, em Marvão, antes de Fernando Venâncio e Joel Pinto (segundo e terceiro à direita) saírem clandestinamente para Espanha, para desertar da guerra colonial. A foto foi captada pelo próprio Teotónio Pereira. Esta fotografia tem outro elemento de destaque: o sexto à direita é o "nosso" Raul Henriques.
2025/05/29
O Voto dos Emigrantes (a ignorância é tramada)
Como era previsível, ganharam os partidos de "direita": 2 deputados da AD no círculo das Américas/Resto do Mundo e 2 deputados do Chega no círculo da Europa. O PS deixou de ter deputados pela Emigração.
O voto tradicional da emigração sempre foi (mais ou menos) conservador. Na Europa, mais PS; nas Américas/Resto do Mundo, mais PSD. Com o regresso dos emigrantes da primeira geração, as gerações posteriores (2ª e 3ª gerações) não alteraram substancialmente a sua tendência de voto.
Só depois do surgimento do Chega (2019), o voto "emigrante" se alterou. O partido mais penalizado foi o PS, seguindo a tendência de Portugal.
Duvido que a geração emigrante pós-Troika (2011-2015) vote mais. Pelo contrário, a maioria não pensará sequer voltar a Portugal, nos tempos mais próximos. Porquê, então votar Chega?
Provavelmente, terá a ver com um certo mimetismo, derivado da situação encontrada nos países onde vivem e trabalham: não querem ser identificados com as comunidades muçulmanas e outras comunidades marginalizadas nessas sociedades. Conheço alguns assim, em ambos os lados do Atlântico. Saíram de Portugal com "uma mão à frente e outra atrás" (alguns, eram exilados do regime fascista de Salazar e Caetano) e julgam-se privilegiados em relação a outros migrantes.
Ou seja, obtiveram um estatuto social diferente (a antiguidade é um "posto") e consideram-se especiais porque mais "integrados" nessas sociedades, procurando comportar-se como as populações de países onde o voto anti-imigração é elevado (França, Suíça, Luxemburgo, Alemanha, Países-Baixos...).
Outra questão, terá a ver com a má organização dos serviços consulares e/ou deficiente distribuição dos votos por correspondência, já que muitos cadernos eleitorais no estrangeiro não estão actualizados e grande parte dos boletins de voto não chegaram aos destinatários em tempo útil. É o caso do Reino Unido, onde cerca de 60.000 portugueses poderão ter sido impossibilitados de votar (!?). Como se explicam tais números? Um reflexo do Brexit e das medidas nacionalistas do Reino Unido, ou da incompetência dos serviços?
Depois, há outra variável que não pode ser menosprezada: a ignorância generalizada. Se, em Portugal, 42% da população ainda é analfabeta funcional (in "Observador" d.d. 18/12/24), porque é que na emigração havia de ser diferente?
Ou seja: o aumento de votação do Chega, nas comunidades emigradas da Europa, não terá a ver com as condições sócio-económicas dos emigrados (que, à partida, serão melhores do que em Portugal) mas com o desconhecimento e ignorância, existentes nessas comunidades, em relação à realidade portuguesa. Sempre foi assim. A ignorância, é tramada.
2025/05/26
A parolice no poder
A publicação Página Um chama a atenção, na sua edição de 23/5, para um caso grave de incompatibilidade com a Língua Portuguesa. Algo que se passa lá longe, no Japão, a uma distância suficientemente confortável, para que a generalidade dos portugueses dela não tenha conhecimento.
Conta Pedro Almeida Vieira, o autor da revelação, que « na Exposição Universal de Osaka, em pleno 2025, (…) fiquei estupefacto com uma constatação: o pavilhão de Portugal optou por apresentar-se ao mundo sem uma única mensagem em português. Nas projecções que “recebem” os visitantes, apenas se lêem mensagens em japonês e inglês. Presumo que a palavra Portugal apareça como Portugal porque assim se escreve em inglês. »
O feito é da responsabilidade da AICEP, que coordena a presença do país neste evento.
O artigo pode ser lido, na totalidade, aqui.
No auge das nossas relações com o Japão, o japonês incorporava cerca de 4000 palavras de origem portuguesa. Hoje ainda são umas largas dezenas. A maior parte dos japoneses não o saberá, mas usa-as. Quem sabe, nas tais legendas que agora podem ser lidas, haverá alguma palavra japonesa com origem no português. Os portugueses, esses, desprezam a sua língua.
É a isto que estamos condenados: ter um bando de ignorantes (chamemos-lhes assim…) a gerir o país como se fosse um centro comercial, daqueles que proliferaram por aí, em determinado período fatídico da nossa história, mal iluminados, em que metade das lojas está fechada e a outra é constituída por uma padaria, um canto onde uma costureira arranja bainhas, um balcão vende cafés e salgados oleosos, outro vende tabaco e raspadinhas, ainda outro vende capas e cartões para telemóveis e mais coisas do género. Piroso, pretencioso, mesquinho, inútil, ignorante.
Este lindo serviço custou 26 milhões de euros, pagos pelo tuga, mas de onde o português foi banido. Com o beneplácito de um organismo que devia promover a presença do país no estrangeiro. Está nos estatutos. Estes dizem que a AICEP "tem por objeto o desenvolvimento e a execução de políticas estruturantes e de apoio à internacionalização da economia portuguesa." Obviamente que o deveria fazer través de todas as ferramentas essenciais, a começar pela língua. Ignorá-lo, silenciá-la deste processo, é isso mesmo: é ser ignorante. Onde fica Portugal em tudo isto?
Um nojo.
2025/05/20
Reflexões pós-eleitorais (2)
Os resultados eleitorais de domingo continuam a dominar a discussão pública.
Não chega apontar o dedo aos fascistas, passe a redundância.
A esquerda (seja o que isso for) tem de fazer uma introspecção séria sobre os modelos que defende, se quer sair do atoleiro em que está metida. A responsabilidade é geral, mas há uns mais culpados que outros, como o PS (que governou Portugal 21 dos últimos 30 anos).
É o que acontece aos partidos da chamada "3º via" que, de tantas concessões à direita, acabaram engolidos por esta: Blair, Schorder, Hollande, Guterres, Pasok grego, PSI italiano, PvDA holandês. Tornaram-se irreconhecíveis, definharam e estão à beira da extinção.
Porque tudo se tornou mais parecido e os principais problemas das pessoas continuam por resolver (3 em cada 5 portugueses não conseguem pagar as suas contas) os mais desesperados (e iletrados) votam no populismo fascista. É dos livros e está a acontecer um pouco por toda a Europa.
Se, como se prevê, o próximo secretário-geral do PS, vier a ser José Luís Carneiro, a aproximação ao centro-direita continuará e, com esta, a continuação do "bloco central de interesses". Ou seja, a oposição do PS tenderá a desaparecer e será entregue ao Chega que, com os votos da emigração, será o 2º partido mais votado.
É isto que querem?
Uns tristes, estes políticos pequeninos, sem qualquer visão de estado ou sequer a coragem de Sanchez (PSOE) que ousou condenar a política genocida de Israel e reconhecer o estado palestiniano.
Se alguma coisa, os resultados eleitorais mostraram, é a falta de visão geral, onde os eleitores votaram num primeiro-ministro sem ética e num partido liderado por um populista facho.
Têm o que escolheram.
2025/05/19
Resultados Eleitorais: E agora?
Como era expectável, a direita foi de novo a grande vencedora destas eleições, agora de forma ainda mais significativa.
Terminou um ciclo governativo, dominado pelo PS durante oito anos, que os socialistas (por erros próprios e por intervenções externas) acabariam por perder.
Mas não foi só o PS que perdeu (ainda que aumentando a sua votação). Toda a esquerda, à excepção do LIVRE, perdeu e, desta vez, de forma significativa. Uma catástrofe.
Já à direita, apesar da vitória da AD, o grande vencedor da noite seria o CHEGA, que capitalizou a insatisfação de largos extratos da população, nomeadamente dos jovens, estes mais deslumbrados com a linguagem populista do candidato. Quanto à IL, manteve-se dentro das percentagens previstas, dessa forma contribuindo para o reforço do bloco de direita, que continua maioritário na AR.
Perante os resultados de ontem, começaram a "rolar cabeças" à esquerda, a primeira das quais foi a do secretário-geral do PS, o grande derrotado de noite. Seguir-se-ão outras (Mariana Mortágua?) agora que o BE ficou reduzido à sua expressão mais ínfima (1 deputado) e onde se percebe que são necessárias caras e soluções novas.
Resta a contagem de votos da emigração (4 deputados) que poderá não alterar significativamente a composição governamental, mas poderá alterar a composição da Assembleia de República, onde 2/3 dos votos são suficientes para alterar a própria constituição.
Entretanto, hoje, o PR iniciará as habituais audições com os partidos, com vista à nomeação do próximo governo, uma tarefa que não se afigura fácil. Desde logo, porque a AD não tem uma maioria para governar e, depois, porque uma aliança à direita (CHEGA) não parece viável a acreditar no "não é não" de Montenegro. Com a IL, essa aliança poderia acontecer, mas Rui Rocha recusou liminarmente ir para um governo minoritário.
Restam, aparentemente, duas soluções para governar: o prolongamento de um governo da AD minoritário, sujeito a moções de rejeição que, a médio termo, conduziria ao derrube do governo e novas eleições, que ninguém deseja; um governo da AD (apoiado tacticamente pelo PS), de forma a assegurar uma legislatura completa e uma maior estabilidade. No entanto e para que esta segunda hipótese se concretize, é necessário o PS eleger um novo secretário-geral mais reformista (José Luís Carneiro?) que possa fazer a "ponte" com a AD. Já o Chega, não entrando nesta equação, poderá ser a "chave" do futuro governo, na medida em que o número de deputados (58), é suficiente para apoiar ou derrubar o governo. Conhecendo Ventura, um "cata-vento" sem princípios, é de esperar tudo e o seu contrário.
Uma última palavra sobre a abstenção (36%) que parece não ter afectado a votação na direita, como era esperado. Já na emigração, o caos seria total, seja por impossibilidade de votar nos consulados, seja por entrega tardia dos boletins de voto por correspondência (Londres). Mais de 60 000 portugueses foram impedidos de votar na capital inglesa! Como é possível tal "bagunça"? Dolo ou incompetência?
Finalmente: falou-se pouco ou nada da política externa de Portugal durante a campanha. Um silêncio ensurdecedor. Não será por isso que os problemas desaparecerão. O crescimento económico já diminuiu no primeiro trimestre, a inflação continua acima dos 2%, a dívida pública aumentou e vêm aí mais despesas. A maior despesa será no sector da defesa, com um aumento previsto de 2% para 5%, caso a proposta de Mark Rutte seja aprovada na próxima cimeira da NATO em Junho. A confirmar-se tal percentagem, isso representará para Portugal algo como 15 000 milhões de euros/ano para despesas militares. Porque o dinheiro não nasce das árvores, esta verba terá de sair de algum lado: ou de um empréstimo europeu (que terá sempre de ser pago) ou do dinheiro dos contribuintes (através de impostos). Em qualquer dos casos, não é preciso ser vidente para saber onde serão feitos os próximos "cortes" orçamentais: obviamente no "estado social" (saúde, educação, habitação), que tenderão a ser privatizados, como desejam todos os neoliberais da nossa praça.
Prognóstico (necessariamente pessimista): a vida para a maior parte dos portugueses vai piorar, mas as escolhas foram dos votantes. Agora, é tarde para mudar.
2025/05/17
Reflexões Necessárias
Pedem-nos para reflectir, antes de depositar o voto na urna.
É assim, de todas as vezes que há eleições em Portugal, ainda que nem todos os países observem este ritual. Penso, aliás, que a esmagadora maioria dos eleitores portugueses sabe perfeitamente em quem não votará.
Confesso que nunca necessitei de um dia de intervalo para saber em quem não voto. Já nos partidos em quem poderei votar, é cada vez mais difícil. Dito de outro modo - posso não saber em quem vou votar desta vez, mas, uma coisa eu sei: em que não votarei.
Dizem-nos as últimas sondagens que o nível de abstenção andará pelos 15%. É possível. Sendo assim, qualquer dos grandes partidos (AD ou PS) poderá, teoricamente, ganhar as eleições, uma vez que a diferença estimada, entre ambos, é de 8 pontos percentuais.
Porque um deles, voltará a ganhar amanhã, será esse o indigitado pelo presidente da república a formar governo. A grande questão é saber se teremos de novo um governo minoritário ou uma maioria parlamentar, constituída por mais de um partido, pois disso dependerá a duração da legislatura.
Caso vença de novo a AD, como a maioria das sondagens prevê, dificilmente terá maioria absoluta. Nesse caso, necessitará sempre do apoio de um partido à direita (IL) ou à esquerda (PS), para poder governar por mais quatro anos.
Fora desta equação parece estar o CHEGA que (a acreditar no primeiro-ministro em funções) será alvo de um "cerco sanitário", por razões ideológicas. Isto não significa que o partido fascista não tenha influência na governação, uma vez que poderá apoiar uma maioria parlamentar para chumbar o orçamento.
Todas estas contas estão a ser feitas pelos partidos e pelo presidente da república, que veio apelar ao "bom senso" (ele que ajudou a derrubar dois governos!) e avisar para a impossibilidade de convocar eleições nos próximos três meses, a partir dos quais a constituição impede o presidente em exercício de convocar um novo acto eleitoral.
Felizmente, que estive ausente durante a chamada "campanha de rua" (vulgo arruadas), que pouco ou nada acrescentaram ao panorama conhecido, salvo os habituais "banhos de multidão", que os "caudillos" nacionais tanto apreciam. Um modelo ultrapassado, onde a repetição das promessas e dos "clichés" apregoados pelos mesmos actores de há um ano, poderá revelar-se fatal. Deste cansaço eleitoral (3 eleições legislativas em 4 anos) se falou e continuará a falar nos próximos tempos, mas nada parece afastar os decisores políticos da única coisa que parecem saber fazer: promessas que raramente cumprem.
Pior do que o modelo, foi a falta de ideias para o país já que ninguém parece ter uma estratégia para 10 ou 15 anos. Como resolver o problema da saúde, que se arrasta há décadas? Como resolver o problema da habitação, para o qual ninguém parece ter um plano? Como resolver os problemas da educação, que os aumentos salariais dos professores apenas adiaram? Como resolver o problema da imigração, que veio para ficar e foi um tema central nos debates? Onde ir buscar o dinheiro, pedido pela UE e pela NATO, para reforçar a defesa e a indústria de armamento? Porque é que um tema como o de Gaza e a política de genocídio levada a cabo por Israel, esteve sistematicamente ausente nos comícios, entretanto realizados? Como nos posicionamos em temas internacionais fundamentais, como a política tarifária dos EUA, a dependência de fontes de energia ou as alterações climáticas?
Nada disto foi aprofundado na campanha que, na prática, durou três meses (desde que o governo caiu devido à moção de confiança) e onde os principais temas foram o caso "Spinumviva" de Montenegro e os "refluxos gástricos" de Ventura. Junte-se a estes "items", a luta pelo título do campeonato nacional de futebol e temos, "grosso modo", uma ideia do que realmente preocupa a generalidade dos portugueses.
Sendo assim, pouco ou nada há a esperar de muito diferente na noite de domingo. Ganhe quem ganhar estas eleições, as políticas de fundo continuarão adiadas e, por conseguinte, os problemas manter-se-ão. Com a ilusão de que alguma coisa está a acontecer. Depois, não se queixem...
2025/05/04
Taxi Driver (40)
Então, é para onde?
- Para a Buraca, sff.
Vamos lá ver se conseguimos. Isto, hoje, está um caos. Não se pode passar em lado nenhum. Na Avenida da Liberdade estava tudo impedido. Não percebo esta gente: andam sempre a queixar-se que não têm dinheiro e vêm de carro para a cidade...
- Se calhar é bom sinal...
Sei lá...Não querem é fazer nada! Esta gente nova, só pensa em duas coisas: no carro e no computador. Passam o dia sentados e não têm outros interesses. Não sabem fazer nada.
- Também pode ter a ver com os pais. Foram educados no conforto e não sabem fazer outra coisa...
Eu dizia-lhes...pois olhe, eu já trabalho desde os 13 anos. Sempre trabalhei...
- Sim, mas há 50 anos atrás, a maioria das pessoas também começava a trabalhar mais cedo. O meu pai começou aos 14 anos.
Parvo fui eu. Hoje estou bem, mas podia estar muito melhor. Quando fiz 13 anos, disse à minha mãe que não queria estudar mais. Nem me respondeu, pegou em mim e foi pedir trabalho a um restaurante, onde eu comecei a lavar pratos. Depois, ao fim de uns tempos, passei a ajudar na copa e, mais tarde, comecei a servir à mesa. Estive lá uns anos, sempre a aprender e os patrões pagaram-me os estudos. De empregado de mesa, passei a subchefe de sala e, finalmente, a chefe de sala. Nessa altura, já percebia umas coisas do assunto e convidaram-me para ir dirigir o restaurante "O jardim do marisco", ali ao pé de Santa Apolónia, onde hoje existe o Terminal dos Cruzeiros, lembra-se?
- Vagamente, pelo menos de nome...
Pois, hoje, já não existe. Foi desmantelado, para construirem o Terminal. Estive lá 22 anos. Um dia, o patrão veio falar connosco e disse-nos que podíamos escolher: ou procurar um emprego, ou receber uma indemnização, porque ele também tinha recebido uma e ninguém ficaria "descalço". Eu já tinha mais de 50 anos e percebi logo que tinha poucas hipóteses de arranjar emprego no "ramo". Pedi a indemnização, que foi o que me safou a mim e à minha mulher que, entretanto, contraiu um cancro e teve de ser operada três vezes. O meu filho terminou o secundário e continuava a viver lá em casa. Eu falei com ele, pois já se estava a habituar e disse-lhe que ele já tinha idade para trabalhar ou estudar, que eu fazia o sacrifício. Ele resolveu emigrar e esteve na Bélgica uns anos.
- Bom, pelo menos, saiu de casa. E o que é que ele foi fazer?
Fez de tudo. O senhor já sabe como é. Na emigração, a gente faz o que aparece...
- Por acaso, até sei. Também estive emigrado muitos anos.
O meu filho, agora, está cá outra vez. Juntou-se com um amigo e montaram uma empresa de barcos turísticos. Reparam barcos e levam os turistas a passear. Parece que se safam. Comprou uma casa que já pagou (eu fui fiador) e não me deve nada.
- Ora vê, um empreendedor, o seu filho!
O gajo é esperto. Sai ao pai. Se ele quiser continuar os estudos, estou disposto a pagar. O problema é a habitação. Estive a fazer as contas e, no mínimo, necessito de 700 euros só para as propinas. Se ele for para fora de Lisboa, ainda falta a casa e a alimentação. Não posso pagar tudo. Já pensei, vou matriculá-lo em Lisboa. Vem dormir e comer a casa, sempre sai mais barato.
- Parece-me uma boa solução. O problema da habitação é que não há casas para ninguém. Nem para os estudantes, nem para as famílias, que não podem alugar casas a estes preços. Comprar, então...
Não há casas para ninguém, não! Se tirarem os ciganos e os mafiosos do rendimento mínimo, das casas onde não pagam renda, sobram muitas casas vazias.
- Mas, as casas de que está a falar, são casas em bairros sociais, para pessoas sem rendimentos. A verdade é que não há casas suficientes, mesmo para quem quer pagar. Um problema nacional.
Sem rendimentos, o tanas! Recebem mais do que eu. Veja aqui (mostra-me o telemóvel com uma notícia sobre a morte do Manu em Braga). Sabe quanto é que este "manfio", um brasileiro do PCC condenado por homícidio, recebia? 950euros da Segurança Social! Qual era a profissão dele? O crime! E sabe porque é que os empreiteiros não querem construir casas baratas? Porque não ganham dinheiro com as casas sociais, porque ninguém paga a renda! A culpa é dessas "manas" do Bloco, que andam a dizer às pessoas para ocupar casas. Ali na Ajuda, perto da minha casa, até a antiga Pousada da Juventude foi ocupada pelos ciganos. Não pagam nada e não saem de lá.
- Se não saem de lá, é porque as autoridades não querem. O estado não consegue resolver este problema, por isso "fecha os olhos" e deixa-os lá ficar. Tem tudo a ver com a falta de dinheiro e falta de organização.
Mas, então diga lá? Acha bem ocupar as casas e não pagar renda?
- Não acho bem, mas as pessoas têm de viver nalgum lado. Se as casas estão vazias, porque é que não as alugam? Provavelmente, querem especular com elas. Há cerca de um milhão de casas vazias, em Portugal...
Mas, isto qualquer dia acaba. Em Barcelona, já existe uma organização para expulsar as pessoas das casas. Não saem a bem, saem a mal. Qualquer dia vêm para cá...
- Bem, parece que já chegámos. Pode parar por aqui. Boa tarde.
Boa tarde e desculpe lá a conversa...
2025/05/03
Debates, Deportações, Eleições...
Deste vez, não houve "25 de Abril" em São Bento, mas um "arraial em família", na residência do primeiro-ministro. Para abrilhantar o evento, agendado para o 1º de Maio (!?), convidaram o Tony dos plágios, personagem incontornável do "pimba" nacional. Dois em um, portanto.
Passam, este ano, 50 aniversários sobre o "25 de Novembro" e o poder já está em "ensaios gerais" para comemorar a efeméride. Para já, um "arraial", depois se verá... Talvez um desfile militar na Avenida da Liberdade, para lembrar que esta (a Liberdade) está "vigiada". Nas ditaduras, seria assim. Como nós somos um povo de brandos costumes, "embrulhamos" o 25 de Abril no 1º de Maio (há que poupar nas despesas...) e, com esse dinheiro, pagamos um "cachet" substancial ao "pimba".
Sobre os debates, propriamente ditos, pouco há a acrescentar. Vimos alguns e continuamos a duvidar da sua eficácia. A maioria dos votantes já decidiu o seu voto e dificilmente mudará de opinião. Restam cerca de 15% sem opinião formada (que não sabem ou decidiram em quem votar). Pode residir, neste grupo, a decisão final. A acreditar nas sondagens, realizadas nas vésperas do debate Luís Montenegro versus Pedro Nuno Santos, a AD estaria a afastar-se do PS, cerca de 7%... Resta saber se essa vantagem se mantém ou é suficiente para uma maioria absoluta. A confirmar-se esta tendência, só com os votos da IL (possibilidade avançada pela maioria dos analistas) isso seria possível, ainda que improvável.
Continua a falar-se muito do Spinumiva e duas ou três questões (salários, saúde, habitação...), mas não se fala de outras, tão ou mais importantes, como a educação, a cultura, a imigração ou a mobilidade. A nível internacional, então, os debates foram de uma pobreza absoluta. Nem mesmo no principal debate, entre os líderes dos maiores partidos, ouvimos qualquer menção à guerra na Ucrânia, ao genocídio em Gaza, ao aumento orçamental proposto pela NATO, à guerra das tarifas de Trump ou às implicações de todas estas coisas, para Portugal! Como é possível? Continuamos provincianos e a viver numa "bolha" completamente desfasada da realidade.
Acabados os debates e o "arraial", recomeçaram as acções de propaganda. A primeira, hoje noticiada, tem a ver com as inaugurações do governo demissionário: 24 no total! Ainda agora a "procissão vai no adro". Daqui até dia 18, outras se seguirão. O que não faltam são rotundas e jardins para descerrar lápides...
Finalmente, o ministro António Leitão Amaro veio à televisão mostrar o trabalho da AIMA (Agência para a Integração Migrações e Asilo). Disse o ministro (com um ar circunspecto) que, dos 400 000 processos pendentes há um ano, falta analisar 120 000. Dos analisados, foram invalidados 18 000 (por não cumprirem os requisitos). A AIMA está a notificar estes imigrantes, para informá-los que terão de abandonar o país no prazo de 20 dias. Deportados, portanto. Resta saber o que lhes sucederá, caso não cumpram a ordem. Ficam ilegais no país, vão para um país vizinho, ficam no espaço Schengen? Não sabemos.
É extraordinário como esta gente que nos governa não tem a mais pequena ideia de como funciona a imigração. Limitam-se a seguir a "cartilha" de Trump e, dessa forma, tentar agradar à extrema-direita (que deseja a expulsão de imigrantes). Não se lhes ocorre, que vão necessitar dessa mão-de-obra mais à frente, pois, sem imigrantes, a economia colapsa. Só a Confederação dos Patrões, pediu ao governo celeridade nos processos, para contratar 120 000 trabalhadores para o sector da construção civil! Não falaram sequer do turismo, da agricultura ou dos serviços hospitalares e domésticos. Nesses sectores, a falta de mão-de--obra é tão ou mais premente. Uma tristeza, estes governantes criados nas "jotas", que andam em carros pretos de vidros fumados, conduzidos por "chauffeurs" do estado, sem a mais pequena ideia da realidade. Da realidade da imigração e não só.
Continuamos a caminhar para um abismo e a orquestra a tocar. Como somos pobres (de espírito), nem sequer dinheiro para a orquestra temos. Contentamos-nos com um plagiador. Sempre é mais barato.
2025/04/27
2025/04/24
Os "zelotas" de serviço (51 anos depois)
Maria Helena Vieira da Silva, Liberdade, 1984
Faz hoje 50 anos viajei de Amsterdão para Lisboa, para poder presenciar "in loco" as primeiras eleições livres em Portugal. Vivia, então, na Holanda, onde (ironia do destino) já podia votar como estrangeiro nas eleições autárquicas locais.
Lembro-me perfeitamente desse dia. Ao entrar no avião, a hospedeira da KLM (uma amiga minha), perguntou-me se eu ia votar em Portugal (?). Que não, eu não podia votar, apesar da revolução de Abril ter sido um ano antes. A razão prendia-se com o novo regime, o que implicava criar partidos, programas e uma nova constituição. Aos residentes no estrangeiro, estava vedado esse direito, que só seria adquirido nas eleições legislativas de 1976.
Durante a viagem, sentou-se ao meu lado e continuámos a falar sobre o processo democrático português que, à época, fazia capas diárias na imprensa. A opinião pública, na Holanda, seguia com atenção o desenrolar do chamado "processo revolucionário em curso" (vulgo PREC) e Portugal estava na "moda". Porque a situação era difícil de acompanhar, tentei explicar-lhe as vicissitudes de uma jovem democracia, após quase meio-século de ditadura. Não era fácil, nem para ela, nem para mim, perceber o que se passava a mais de 2000km de distância. Havia, no entanto, uma história comum: eu tinha vivido 20 anos sob um regime fascista e o pai dela tinha participado na resistência holandesa contra a ocupação nazi. Para mim, a democracia em Portugal era uma novidade. Para ela, a democracia neerlandesa era um dado adquirido. Despedimo-nos à chegada a Lisboa, com os votos de boas eleições. Foram as mais participadas de sempre (92% de votantes!). Um recorde absoluto.
Recordo a emoção da data. Acordei cedo e, quando me preparava para assistir às primeiras votações em liberdade, já os meus pais estavam de volta. Tinham-se levantado de madrugada (tal era a excitação) e às 8h. da manhã foram votar! "Não custou nada", disse a minha mãe, quando perguntei como tinha corrido. Já o meu pai, sorridente, comentava que "estava tudo muito bem organizado"...
De volta à Holanda, ainda teria de esperar meses até o consulado de Roterdão abrir as inscrições para quem desejasse recensear-se. Dessa forma, poderia votar nas eleições legislativas, as únicas nas quais os portugueses residentes no estrangeiro participavam. Posteriormente, esse direito foi alargado às eleições presidenciais, durante anos impeditivas para os emigrantes portugueses. Vá lá saber-se porquê...
Passaram 51 anos e, amanhã, lá iremos descer a Avenida da Liberdade. A única manifestação verdadeiramente popular. Também no parlamento há, tradicionalmente, uma cerimónia oficial. A primeira, é da parte da tarde; a segunda, é da parte da manhã. Uma é uma festa, com centenas de milhares de participantes; a outra, é um ritual, ao qual assistem convidados oficiais, representantes dos partidos políticos e altos magistrados da nação. Nada contra. Ambas são representativas e sublinham o dia da Liberdade por definição. É bom que assim seja, pois significa que - de cravos vermelhos ao peito (a esquerda) ou de cravos brancos na mão (a direita) - o 25 de Abril não tem donos.
Onde está a novidade, então?
Acontece que, pela primeira vez na história, as festividades no palácio de São Bento não terão lugar no dia 25 de Abril. A razão invocada é o "luto oficial" decretado por morte do Papa (!?). Ou seja: o estado (laico) português, decretou 3 dias de luto, o que impossibilita "São Bento" de organizar quaisquer cerimónias ou festividades no local. Pior: no dia do funeral do Papa, as três principais figuras da nação - o Presidente da República, o Primeiro-Ministro e o Presidente da Assembleia - estarão todos em Roma. Pior ainda: na ausência destas três figuras, a representação do estado português caberá ao vice-presidente da Assembleia da Republica, o deputado e ideólogo do "Chega" (Diogo Pacheco de Amorim), ex-membro do grupo terrorista MDLP, responsável por inúmeros atentados entre 1975 e 1977, conforme amplamente documentado e provado em tribunal. Nestes dias, o país estará representado por um facho.
Moral desta história triste: há muito que a direita mais reacionária e revanchista desejava "vingar-se" do "25 de Abril" (quando perdeu o poder). Durante 50 anos, não o conseguiram. A democracia sempre foi mais forte. Ainda é, de resto. No entanto, nos últimos anos, a composição do parlamento alterou-se e a maioria sociológica passou a ser de direita. É a partir daqui, que os "saudosistas" do 24 de Abril, viram surgir a sua oportunidade: primeiro, com a chegada ao hemiciclo do partido fascista "Chega"; depois, com a celebração do golpe de "25 de Novembro" (que, este ano, terá lugar pela primeira vez); agora, com a justificação dos 3 dias de luto que (atente-se), são iniciados ainda antes das exéquias terem lugar. O estado do Vaticano só decretará o luto, após o funeral do Papa! É caso para dizer: neste aspecto, o governo português "foi mais papista que o Papa!".
Nota final: dadas as críticas de todos os quadrantes, por este cancelamento - totalmente despropositado num estado laico - o governo lá veio justificar-se com a desculpa esfarrapada que as festividades não tinham sido canceladas, mas apenas adiadas para data posterior, a saber, para o dia 1 de Maio próximo.
Já desconfiávamos, mas agora comprovámos: os portugueses saíram do Fascismo, mas o Fascismo não saiu da cabeça de (muitos) portugueses. Nada a fazer.
Contra isto, amanhã e no futuro, voltaremos para reafirmar o óbvio: "25 de Abril, sempre! Fascismo, nunca mais!".
2025/04/12
Debates Eleitorais
Frank Kunert - Live Broadcast (Live Übertragung), Small Worlds Project
Uma perda de tempo, a maior parte dos debates de 30 minutos, onde se fala de dois ou três "items", sem que nenhum deles seja aprofundado.
Por exemplo: nunca se fala de política internacional e, quando se fala, é sempre na perspectiva de nós (os "bons") contra os outros (os "maus"). Todos, moderadores e líderes partidários, formatados na cultura norte-americana dos "westerns", onde a civilização era "branca" e os selvagens eram "peles-vermelhas". Raramente se fala da guerra europeia e, muito menos, do genocídio em Gaza, ainda que as vítimas sejam civis em qualquer delas.
Uns tristes, estes políticos medíocres, que preferem refugiar-se em eufemismos e "engolir sapos", a perfilarem-se de acordo com as suas convicções, com medo de perder votos.
O mesmo relativamente aos entrevistadores, que repetem à exaustão lugares comuns sobre os assuntos em discussão, para não falar dos comentadores em estúdio que, à posteriori, classificam os debatentes de 0 a 10. A parcimónia com que fazem os comentários (há excepções), é bem ilustrativa do receio em serem dispensados pelos canais de televisão onde auferem chorudas avenças.
O panorama geral é, francamente, desmotivador, pelo que as opiniões tornam-se cada vez mais previsíveis. Os resultados de 18 de Maio, irão comprovar isso mesmo o que, em última análise, confirmará a eficácia do "brainwash" (lavagem cerebral) a que os eleitores foram submetidos neste mês pré-eleitoral.
Se os resultados, como é previsível, não forem significativamente diferentes do ano transacto, não será de admirar. Depois, não se queixem...
2025/04/10
Trump ou a Máfia no poder
Se dúvidas houvesse, as recentes medidas do narciso psicopata (que governa os EUA) mostram até que ponto a insanidade do "homem" é perigosa para a Humanidade.
Diz e desdiz-se diariamente, conforme os ventos são de feição para as suas práticas mafiosas, que mais não pretendem do que controlar a economia (leia-se, dívida) com vista a salvaguardar o défice norte-americano que atingiu triliões de dólares na última década.
No fundo, a mensagem subliminar, implícita neste "bullying" permanente, resume-se à icónica frase de Corleone: "I'll make you an offer you can´t refuse". Por outras palavras: "ou aceitam as minhas condições ou não vos garanto protecção".
Um fdp da pior espécie que, no médio prazo, espera obter algumas vantagens (desvalorização do dólar e diminuição da dívida externa), mas que, no médio-prazo, irá perder. Por alguma razão, suspendeu as medidas (tarifas) anunciadas, por 90 dias, na esperança de (re)negociar os valores, entretanto perdidos em bolsa. A China foi o primeiro aviso, mas outros países e espaços económicos (UE) se seguirão.
A questão central é saber até que ponto a reacção interna dos consumidores norte-americanos vai contribuir para a sua queda. Elon Musk (que não é propriamente um democrata) parece ter percebido o desastre e prepara-se para ser o primeiro rato a abandonar o navio.
Tudo isto, porém, poderá demorar demasiado tempo e o tempo corre contra os democratas e os mercados (internos e externos) que se opõem a este regime (tecno)fascista.
Os tempos mudaram e, a partir daqui, nada será como dantes. Esta é, para já, a única certeza.
2025/04/03
As sondagens valem o que valem...
A sete semanas das eleições legislativas, antecipadas para 18 de Maio devido à moção de confiança do governo, rejeitada pela oposição, começaram a surgir as primeiras sondagens dos mais variados quadrantes. Há para todos os gostos e nem todas são uniformes, mas as tendências começam a definir-se, o que não será de estranhar, conhecendo os pormenores que antecederam a dissolução do parlamento.
Porque umas são mais fiáveis que outras (há um histórico que valida os resultados publicados ao longo dos anos), vale a pena realçar a mais recente, da responsabilidade da CESOP- Universidade Católica Portuguesa para a RTP, Antena 1 e Público, feita entre os dias 17 e 26 de Março último.
"O universo-alvo é composto por eleitores residentes em Portugal, sendo que os inquiridos foram seleccionados aleatoriamente, a partir de uma lista de números de telemóvel, também ela gerada aleatoriamente. Foram obtidos 1206 inquéritos válidos, sendo 43% dos inquiridos mulheres. A taxa de resposta foi de 29%. A margem de erro máximo associada a uma amostra aleatória de 1206 inquiridos é de 2,8%, com um nível de confiança de 95%" (da ficha técnica).
E o que nos diz a sondagem da CESOP?
Que o PSD/CDS (AD) e PS estão em empate técnico, em relação à ultima sondagem da CESOP (Outubro 2024). Que o CHEGA, mantém a terceira posição, com uma ligeira quebra. Que todos os restantes, (IL, BE, Livre, CDU, PAN) sobem ligeiramente ou igualam as intenções de voto de há seis meses atrás. Os indecisos/não votantes, totalizam 23%.
Extrapolando (incluindo os indecisos) temos:
AD-29%, PS-27%, Chega-17%, IL-8%, BE-5%, Livre-5%, CDU-3%, PAN-2%, Brancos/Nulos-4%
Ou seja, descem os três maiores partidos e sobem/igualam os restantes. A confirmarem-se estes resultados, não haverá maioria absoluta de nenhum partido. Isso pressupõe um governo minoritário (da AD ou do PS) já que coligações à esquerda e à direita não parecem muito prováveis. Uma coligação à esquerda, se bem que desejada pelas forças partidárias, dificilmente obterá os 42% ou 43% necessários para formar governo; enquanto à direita (que detém uma maioria confortável), o "cordão sanitário", imposto ao Chega, elimina a possibilidade de um governo de coligação. A menos que...
A menos que os dois principais partidos se entendam e, independentemente de quem vencer, o maior partido da oposição se comprometa a viabilizar os orçamentos e principais decisões do partido que governar. Uma espécie de "bloco central", que toda a gente diz não querer, mas que na prática pode funcionar.
Caso não haja acordos, o mais provável será entrarmos num novo mini-ciclo, que pode terminar seis meses após a eleição do novo presidente da república que, em Julho de 2026, já poderá dissolver o parlamento e convocar novas eleições. Será isto que queremos?
2025/03/29
Taxi Driver (39)
Para onde vamos?
- Para a Buraca, sff.
Buraca? A Buraca é muito grande...
- Nem por isso. Em rigor, já nem devia chamar-se Buraca. Há anos que faz parte da freguesia das Águas Livres, que inclui também Alfragide. As duas localidades formam a freguesia de Águas Livres.
Não sabia...
- Pois, mas já é assim há uns bons anos. Eu estou recenseado na freguesia de Águas Livres e é lá que voto.
Olhe, quem não vota sou eu. Nunca mais voto!
- Faz muito bem. Ou melhor, penso que faz mal, mas as pessoas são livres de votar (ou não).
Eu não voto. São todos uns aldrabões, os políticos...
- É uma opinião. Também penso que há muitos aldrabões na política, mas nem todos são maus...
Eu não conheço nenhum bom. Há 50 anos que ando a votar e nada muda...
- Podia estar melhor, é verdade. Mas, nós somos uma democracia jovem e só há 48 anos é que podemos votar...
Só 48 anos? Não são cinquenta?
- Temos democracia há cinquenta, mas só começámos a votar em 1975 para a Constituição e só votamos em partidos desde 1976...
Pode ser, mas já ninguém acredita nisto. A abstenção é cada vez maior...
- Infelizmente, é verdade. As últimas sondagens dizem-nos que a abstenção pode chegar aos 40%. Quase metade dos eleitores não votam ou não sabem em quem vão votar. Depois, não se queixem...
Fartei-me de votar e não mudou nada.
- Eu também votei sempre, mas os partidos em que votei nunca chegaram ao poder e, por isso, nunca governaram. Não me posso queixar. São sempre os mesmos partidos que ganham: o PS e o PSD. Portugal é governado por dois partidos há 48 anos...assim, é difícil haver grandes mudanças...
Olhe, o meu pai, que já cá não anda, quando via um político, dizia-me sempre: vai ali um político. Se fosse bom, caía-lhe um braço...
- Essa, não conhecia. Mas, sim, a maioria dos políticos actuais não se recomenda...
Não têm palavra, senhor...isto é tudo uma cambada de vigaristas. Nunca cumprem o que prometem. Até o primeiro-ministro mente...
- Pois, a palavra de honra (como se dizia antigamente) não existe. A verdade é que hoje podemos saber mais coisas e mais depressa do que na ditadura. Eu vivi em ditadura 20 anos e não tenho saudades. Prefiro a democracia, com todos os seus defeitos.
Sim, eu também vivi em ditadura. Tenho 75 anos. Lá em casa ninguém falava de política. Lembro-me que uma vez ouvi falar de comunismo na escola e perguntei ao meu pai, o que era isso de comunismo? Ele respondeu: cá em casa ninguém fala disso. A palavra comunismo era proibida. O meu pai não era político e não percebia nada de política.
- Está a ver? Está a dar-me razão, sempre é preferível vivermos em democracia. Podemos escolher. O senhor pode votar (ou não). Uma grande diferença. Para a próxima, vote noutro partido. Pode ser que mude...
Não, a mim não me apanham mais. Já chega.
- Pronto, parece que chegámos. Quanto lhe devo?
São seis euros certos. Nem de propósito.
- Boa tarde e saúde, já agora.
2025/03/12
(Des)Confiança
Terminou, sem glória, mais uma legislatura governamental, inaugurada há precisamente um ano e um dia. Como era de esperar, a Moção de Confiança, apresentada pelo primeiro-ministro, foi chumbada pela maioria do Parlamento e, de acordo com a Constituição, o governo caiu.
Não foi bonita de ver, a sessão parlamentar de ontem, uma das mais longas dos últimos anos, que alguns comentadores já apelidaram de histórica. Cinco horas de debate, nem sempre transparente.
Como chegámos aqui, é provavelmente a pergunta que muito boa gente estará a fazer neste momento, ainda que os sinais da crise fossem por demais evidentes nas últimas semanas.
Enredado numa situação de incompatibilidades entre o cargo político que desempenhava e os negócios privados de que beneficiava, o primeiro-ministro demorou a reconhecer o óbvio e, quando o fez, foi de tal modo evasivo, que pouco mais restava do que a demissão.
Escolheu não fazê-lo, argumentando nada ter a esconder, enquanto apresentava provas que foram sendo progressivamente desmontadas por diversos orgãos de comunicação social (Correio da Manhã e Expresso), afinal os detonadores desta crise. Quando os argumentos começaram a escassear, surgiram as as primeiras moções de censura (Chega e PCP) que não obtiveram o consenso da Assembleia da República.
É neste contexto, de desconfiança geral, que o PS avança com um requerimento para a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), que permitiria ao governo continuar em funções até ao apuramento dos factos. No fundo, uma forma hábil de manter o governo, enquanto o primeiro-ministro seria "cozido em lume brando" e dando tempo à oposição para se reorganizar.
Percebendo o perigo, Montenegro tentou uma última cartada, ao propor uma Moção de Confiança, que atiraria o ónus da prova para a oposição. Em si, uma forma hábil de culpar o PS, pelo eventual derrube do governo, o que viria a confirmar-se.
Resta saber quem tirará mais dividendos desta crise institucional, que obrigará o país a ir a eleições pela terceira vez em três anos (uma solução que a maioria da população não vê com bons olhos), mas que acabou por tornar-se inevitável.
E agora?
Segue-se o ritual previsto em situações similares: o Presidente da República auscultará os partidos com representação parlamentar, seguir-se-á o Conselho de Estado e, finalmente, a marcação de uma data definitiva para as Eleições Legislativas, que não devem acontecer antes de 11 de Maio.
Conclusões provisórias: ainda que seja cedo para avaliar os "estragos" causados por uma crise que ninguém pediu, a verdade é que tudo pode ficar na mesma e esse será, certamente, um mau resultado. A acreditar nas sondagens (publicadas antes da crise), não haveria grandes alterações de voto nas principais formações políticas (AD, PS e Chega) que manteriam, sensivelmente, as percentagens do ano passado. Já o lugar dos principais líderes partidários (respectivamente, Luís Montenegro e Pedro Nuno Santos) estará em perigo, pois não é provável que o derrotado se mantenha no cargo. Quem perder, sai. Esta é a lógica implacável dos partidos democráticos. Apenas o Chega, partido autocrático de um homem só, não terá esse problema. Também nestas eleições, a escolha será entre democracia e autoritarismo.
Venham as eleições!
2025/03/06
Abanar a cauda...
Ainda nem uma semana passou sobre o polémico episódio da Sala Oval (em que Trump e Vance, "humilharam" Zelensky) e já as peças do dominó estratégico ocidental começaram a cair. As coisas nem sempre são o que parecem e, aparentemente, a realidade começa a impôr-se no continente europeu.
Entretanto, Zelensky (que acaba de entregar o ouro ao bandido) está a prazo, mas toda a gente diz querer defendê-lo, mesmo quando a Ucrânia já perdeu a guerra.
Percebe-se: é cada vez mais difícil à "troika" europeia (Van der Leyen, Costa e Kallas) defender o indefensável, depois de três anos de juras de fidelidade à "causa ocidental", sem que tenham conseguido progressos na frente de combate. Tudo isto era expectável, a partir do momento em que Biden anunciou, logo nos primeiros dias do conflito, que os EUA não queriam uma guerra com a Rússia, mas "apenas enfraquecê-la". Ou seja, sem um envolvimento dos "aliados" no terreno, a Ucrânia teria poucas possibilidades de suster a ofensiva russa. Está à vista.
E agora? Sem exército, com a economia dos seus principais membros (Alemanha, França e Itália) em crise e sem possibilidades de reconverter o modelo económico actual numa economia de guerra a curto prazo, os líderes da UE vieram pedir 800 mil milhões de euros aos cidadãos para comprar armas aos americanos! Grande negócio.
Ou seja: Trump impôs a sua vontade a Zelensky e à Europa (que não conta para nada, a não ser para fazer negócios) enquanto assegura a exploração dos minerais ucranianos. Do outro lado, Putin ficará com o Donbass e com a Crimeia, ganhando o território ocupado.
E a Europa? À Europa, resta obedecer e abanar a cauda...
2025/02/24
Taxi Driver (38)
Então, vamos para onde?
- Para a Buraca. Pela Avenida do Uruguai, s.f.f.
O senhor é que manda...
- Era bom, era...Posso abrir a janela?
Abra, abra. Já está calor...
- Nem por isso, mas sempre é melhor com a janela aberta.
Está muito calor para Fevereiro. Falta chuva, para os campos.
- Sim, é preciso mais água, mas só estão 17º. É normal para a época do ano...
Aqui no táxi, marca 20º. Isto anda tudo trocado. Com o Trump vai ser pior. Ele não quer saber do clima para nada...
- O Trump só quer saber dos negócios dele. Se derem dinheiro...
E, agora, também quer ficar com as terras da Ucrânia. Logo, as terras mais ricas em minerais. Já viu isto?
- Claro. Os americanos fazem sempre isso. Dão ajuda em troca de reconstrução das zonas destruídas pelas guerras. Esta guerra não é diferente. Podia ter sido parada há 3 anos atrás, quando houve propostas nesse sentido, primeiro em Minsk e, depois, em Istambul. Claro que o Zelensky deve estar nas conversações. Sem a Ucrânia, não podem negociar.
Mas, olhe que a maior parte da população quer continuar a combater. Os ucranianos não querem parar.
- É natural, é o país deles. O pior são as perdas humanas e materiais. São centenas de milhares de mortos.
Já morreram centenas de milhares de ucranianos...
- É bem possível, sim. Fora os feridos e os mortos do lado russo, que também devem ser outros tantos.
Já andam nisto há 3 anos. Não vai terminar tão cedo.
- Depende, se interessar aos americanos e aos russos, talvez termine rapidamente. Até agora, os únicos a ganhar com a guerra, foram os americanos. Venderam armamento à Ucrânia e cereais e energia à Europa, sem terem soldados a combater no terreno. Um negócio leonino. Ainda por cima, uma parte da ajuda à Ucrânia foi em armamento que os ucranianos tiveram de comprar aos Estados Unidos. Ou seja, o dinheiro não chegou, sequer, a sair da América...
Pois, os europeus deram mais dinheiro. As armas são mais americanas.
- O pior é que, esta guerra, ainda vai "sobrar" para nós, pois as despesas militares vão aumentar e o dinheiro não chega para tudo. Já falam em aumentar a contribuição para a Nato em 3% e mais por cento.
Ah, pois não chega, não! Agora é que os subsídios e os rendimentos mínimos vão diminuir...
- Não só. Os ordenados e as pensões, também serão afectados. No fundo, quem desconta mais, pagará mais. É sempre assim. Não se pode tirar dinheiro a quem não tem. Seria o fim do chamado "estado social"...
A Europa está a dormir. Não se percebe porque é que aceitam tudo o que o Trump quer.
- Pode ser que a Europa "acorde". Ainda vamos a tempo, mas com os actuais políticos europeus, não tenho grande esperança.
Pronto, já chegámos. São sete euros. Veja se tem trocado, que eu não tenho mais moedas.
- Não há problema. Pode ficar com o troco. Adeus e até à próxima.
2025/02/15
O "Chega" é um partido fascista (qual a dúvida?)
Agora que "caiu o Carmo e a Trindade" no parlamento (e fora dele), devido às ofensas dos deputados do "Chega" a uma deputada invisual (algo inédito na sua virulência verbal e discriminatória, contra um deputado no exercício das suas funções) ouvem-se as vozes da indignação. Ainda bem que é assim.
Nada que nos deva surpreender, já que a estratégia de Ventura e seus pares foi, desde o início, mimetizar as práticas de partidos homólogos por esse Mundo fora: de Trump a Bolsonaro, de Milei a Meloni, de Le Pen a Abascal, todos eles se regem pelo mesmo comportamento-padrão: idolatram um líder, atacam o "sistema", discriminam minorias (ciganos, imigrantes, refugiados, negros, mulheres, LGTB, invisuais...) e instigam ao ódio e à violência, sempre contra os mais fracos da sociedade, a quem culpam pelos males de que eles (fascistas) dizem padecer...Não se lhes conhece um programa de governação (para além de um nacionalismo bacoco e da prisão ou expulsão de imigrantes) e, muito menos, uma crítica aos interesses instalados que governam os respectivos países. No fundo, "são fortes com os fracos e fracos com os fortes". Uns tristes.
Ao partido e ao seu líder, muitos já chamaram "populistas", "infantis" e mesmo "arruaceiros" ou "criminosos". Poucos os apelidam de fascistas, ainda que haja excepções (Raquel Varela, Fernando Rosa, Rui Bebiano...). Por alguma razão, são os historiadores a detectarem o óbvio.
Independentemente das "infantilidades" de Ventura e seus sequazes, há uma estratégia por detrás deste comportamento de "bullying" permanente, dentro e fora do Parlamento. Começou na periferia (quem não se lembra da discriminação contra os ciganos em Loures?), passou para os imigrantes de origem asiática e já vai nos imigrantes ilegais, que o "Chega" associa à criminalidade (!?).
Acontece que (o partido) foi tolerado quando não devia (depois da primeira tentativa de legalização do "Basta!", que se transformaria em "Chega!" após os primeiros estatutos terem sido chumbados pelo Tribunal Constitucional) ainda que continuem as mesmas práticas depois da reformulação estatutária. O que na gíria se apelida de "um lobo com pele de cordeiro".
Se (o partido) já era criticável com 1 deputado "infantil", com 50 "arruaceiros" ganhou maior peso e visibilidade, tornando-se incontornável e insuportável. Mas, piorou, a menos que os democratas na AR, que formam a maioria, obriguem o (frouxo) presidente da Assembleia a tomar uma posição inequívoca, uma vez que é ele quem dirige os trabalhos e, portanto, é o responsável último pela ordem e disciplina no hemiciclo.
Já toda a gente percebeu que este comportamento nada tem a ver com o debate político, mas com ataques soezes e "ad hominem", que mais não pretendem de que instigar o ódio e a divisão entre os pares. Estas práticas são conhecidas do passado (Mussolini, Hitler, etc) e voltaram a estar activas no presente (Trump, Bolsonaro, Milei, Wilders...). Chama-se Fascismo ou (novo)fascismo. Um fascismo de tipo novo. Não perceber estas coisas simples, pode ser fatal.
Umberto Eco, num ensaio clássico ("Como reconhecer o fascismo", Ed. Relógio de Água, 2017), referindo-se ao "Ur Fascismo" (o "fascismo eterno"), definia 14 características existentes na ideologia e prática fascistas. Escreveu Eco: "Não é necessário possuí-las todas, mas basta que esteja presente uma delas para fazer coagular uma "nebulosa fascista" (ibidem). Na prática do "Chega", são manifestas algumas dessas características: idolatração do líder, a procura de "um "bode expiatório" (judeus no passado, imigrantes no presente), discriminação de minorias, racismo, xenofobia, instigação ao ódio, violência verbal e física, etc...
No fundo, é como o "teste do pato": se parece um pato, nada como um pato e grasna como um pato, então, provavelmente, é um pato.
2025/02/12
Índice de Transparência: a pior classificação de sempre
Foi ontem divulgado o ranking da "Transparência Internacional" (TI), sobre corrupção a nível mundial. Um índice, criado em 1995 pela TI, que classifica anualmente 180 países membros daquela ONG, de acordo com a (percepção de) corrupção existente em cada um dos países analisados. Trata-se de uma percepção da corrupção e não da corrupção em si.
Sem surpresa, a classificação de Portugal no ranking 2024, quedou-se pela 43a posição, uma queda de nove lugares relativamente a 2023. Esta é a pior classificação de sempre, desde que uma nova metodologia foi introduzida em 2012. Portugal somou 57 pontos (numa escala de 0 a 100) em que países onde existe mais transparência somam mais pontos e países com menos transparência, somam menos pontos.
De acordo com este critério, os dez países considerados "mais transparentes" (menos corruptos), são:
Dinamarca (90 pontos), Finlândia (88), Singapura (84), Nova-Zelândia (83), Luxemburgo (81), Noruega (81), Suíça (81), Suécia (80), Países-Baixos (78), Austrália (77). No fim da lista, estão os três piores países: Venezuela (10 pontos), Somália (9) e Sudão do Sul (8).
Ainda que Portugal esteja à frente de países como a Espanha e a França, a reputação do nosso país está ao nível do Ruanda e do Botswana e abaixo da média da Europa Ocidental e da União Europeia (64 pontos). Não se pode dizer que seja um bom indicador e muito menos um bom "cartão de visita"...
Há várias explicações para a queda de Portugal no ranking. Duas das justificações, avançadas pela TI, são a "percepção de abuso de cargos públicos para benefícios privados" e "as fragilidades nos mecanismos de integridade pública para evitar abusos". Lendo as conclusões da relatório, não custa pensar em casos mediáticos como a "Operação influencer" (que levaria à demissão de António Costa e posterior queda do governo), o caso "Tutti Frutti" (com 60 implicados, dos dois maiores partidos, a nível nacional), para além da crise na Madeira (onde o presidente da região autónoma está acusado de crimes de corrupção e peculato), entre outros casos menos mediáticos.
Posto isto, fácil é concluir que é nos países mais desenvolvidos da Europa do Norte - onde os regimes democráticos têm maior tradição e as sociedades são mais inclusivas ("open societies") - que os índices de corrupção são menores; ou seja, onde o "estado social" está mais desenvolvido, há menos desigualdade, maior distribuição da riqueza e, por conseguinte, menos corrupção. Contrariamente, é nos países onde o estado é mais fraco e onde existe mais pobreza e desigualdade, que os índices de corrupção são maiores. Já as ditaduras, por não fornecerem dados fiáveis, estão por definição excluídas deste ranking, o que explica a sua não-classificação.
Perante estas conclusões, logo se apressaram alguns notáveis (Presidente da República, Juiz Conselheiro do Tribunal de Contas, Partidos da Governação...) a desvalorizar os dados apresentados: que Portugal, apesar de ter descido no ranking, não era um país de corruptos (!?), ainda que a classificação não fosse boa para a nossa "imagem", nomeadamente entre potenciais investidores estrangeiros, que pensariam duas vezes antes de pôr cá o seu capital. Trata-se, portanto (e mais uma vez) da "imagem". Ou seja, não interessa se há corrupção ou não, mas da "percepção" da coisa. O que pensam os "outros" de nós, é a filosofia subjacente.
Para quem não sabe, uma última nota relacionada com a corrupção e possíveis interpretações do acto em si. Fala-se de corrupção, "quando uma pessoa que ocupa uma posição dominante, aceite receber uma vantagem indevida em troca de prestações ou serviços". Ou seja, qualquer acto de corrupção, exige sempre dois actores, o corruptor e o corrompido, tanto no sector público, como no privado. Da mesma forma que, para além das compensações meramente pecuniárias, podemos distinguir diversos níveis de corrupção. Basta lembrar os "favores" de reciprocidade, como sejam as famosas "portas giratórias", prática em que Portugal se tornou exímio nas últimas décadas, ou não fossemos um país onde o "compadrio" e o "patrocinato", são inerentes à cultura mediterrânica. No fundo, tudo se resume à frase que celebrizou Don Corleone na famosa saga: "I'll make you an offer that you can't refuse" (faço-te uma oferta que não podes recusar). É assim tão difícil de perceber?
2025/02/09
Taxi Driver (37)
Boa tarde, para onde vamos?
- Para perto, hoje é para Benfica.
Já estou aqui na praça, há mais de uma hora. Estava a ver que não aparecia ninguém...
- Esta praça não é muito frequentada. À noite, então, é impossível apanhar táxis.
Pois não, os meus colegas têm medo de estacionar aqui. Mas eu vivo no bairro e conheço bem a zona. Já ando nisto há 54 anos...
- 54 anos? Isso é muito tempo. Já podia reformar-se, ou não?
Poder, podia, mas vivia de quê? Tenho 80 anos e uma reforma pequena. Há dias, que nem 10 euros faço. E a família, comia o quê? A minha reforma é miserável e tenho de trabalhar para levar algum para casa. Na noite passada, deitei-me às 6h da manhã e já estou aqui outra vez...
- Porque é que trabalha de noite? De dia, não é melhor?
Sim, mas o táxi não é meu e de noite ganha-se mais. As tarifas são mais altas. Como eu ganho à percentagem, quanto mais serviços fizer, mais ganho. Olhe, o mês passado até tive de empenhar a alianças (mostra-me a mão, sem anéis...).
- E não tem outro ordenado?
A reforma de taxista, que são à volta de 500 euros, mais uma reforma de combatente. São 120 euros por ano.
- Por ano? Mas isso não dá para nada. Onde é combateu? Nas colónias em África?
Sim, era comando. Fui comando durante 4 anos. Estive em Angola e em Moçambique.
- Imagino. Quatro anos de guerra é muito tempo. Um horror.
A quem o diz. Um dos meus melhores amigos, aqui da Amadora, foi meu camarada nos comandos e morreu-me nas mãos. Estava a carregar um lançador de granadas, deitou a granada sem cavilha para dentro do tubo e aquilo rebentou-lhe na cara! Uma desgraça. Ficou todo queimado. Limpei-lhe as feridas como pude, mas não consegui salva-lo. Quando morreu, era deste tamanho (faz um gesto curto com as mãos). Embrulhei o cadáver numa manta, meti-o numa caixa de madeira e despachei-o para a metrópole.
- As guerras são sempre uma desgraça. Para além dos traumas que deixam...
O meu amigo, já estava meio "apanhado". Saía de noite do acampamento e ia para o meio do mato apregoar jornais: "Olha o Diário Popular! Olha o Notícias!", aos gritos... Tínhamos de ir buscá-lo, pois ainda apanhava um tiro. Conheço mais como ele...
- Sim, há muitas histórias dessas. Eu tive três primos que passaram por África e nenhum deles falava sobre a guerra onde estiveram. Nunca me contaram nada.
Pois, não. Nunca falam. Isso, não me espanta. A guerra atinge a todos.
- Bom, parece que estamos a chegar. Pode ficar por aqui. Quanto é que lhe devo?
São €7,80. Se tiver trocado, melhor. Hoje, ainda não fiz nenhum serviço. O senhor é o primeiro cliente...